Vibrante sociedade democrática, Israel habituou-se a abrigar acirrados debates sobre os rumos do país e sobre como atuar na questão palestina. São raros os temas que galvanizam maioria esmagadora da opinião pública local.

No entanto, recentemente um projeto conquistou apoio de 80% dos judeus israelenses: a cerca de defesa, idealizada para enfrentar um terrorismo que, desde setembro de 2000, matou mais de 900 e feriu milhares de vítimas. A barreira na Cisjordânia surge como recurso para repetir a experiência da Faixa de Gaza, onde foi erguida uma separação em 1996 que conseguiu impedir a infiltração de terroristas em solo de Israel.

"São necessários apenas 10 minutos de caminhada para um terrorista palestino ir de Kalkilya, na Cisjordânia, a Kfar Saba, em Israel", escreveu Miki Arbel, cônsul-geral israelense em Miami. "E infelizmente, o movimento é tão simples quanto parece". A cerca, no total, deverá ter 720 quilômetros de extensão, dos quais já foram construídos ao redor de 180 quilômetros. Trata-se de uma barreira formada principalmente por estruturas metálicas e equipamentos de vigilância. Paredes de concreto, que emprestam a aparência de um muro, correspondem a menos de 5% de todo o projeto.

O governo israelense oferece fartas estatísticas sobre os efeitos da barreira. Os ataques terroristas diminuíram em 30%, na comparação de 2003 com o ano anterior. Entre abril e dezembro de 2002, 17 homens-bomba vieram da Samaria, região norte da Cisjordânia. Em 2003, depois do início da construção da cerca naquela área, apenas 5 ataques suicidas partiram de lá. Planos de uma separação física entre israelenses e palestinos ganharam força com a explosão da atual intifada, em setembro de 2000. O então primeiro-ministro Ehud Barak, do Partido Trabalhista, cultivou a idéia de uma retirada unilateral da Cisjordânia que fosse seguida da colocação de uma barreira de proteção. Portanto, setores tidos como "moderados" estão entre os pais de um projeto que a direita adotou finalmente em 2002, quando o premiê Ariel Sharon determinou o início da construção da cerca.

Embora trabalhistas e likudistas estejam de acordo com a idéia da barreira, divergem sobre o trajeto da construção. Prevalece, entre grupos israelenses de centro-esquerda, a tese de que a barreira deveria seguir a "Linha Verde", que corresponde à divisa entre Israel e a Cisjordânia. Para esses setores, a cerca poderia funcionar como um embrião da fronteira entre o território israelense e um futuro Estado palestino.

O governo Sharon implementa um desenho determinado "por considerações de segurança", segundo o site da chancelaria israelense. O texto diz ainda que a cerca é construída onde seus objetivos possam ser alcançados "mais eficazmente". "Colocá-la arbitrariamente em outro lugar, como ao longo das linhas anteriores a junho de 1967, não teria relação com segurança e, portanto, não teria nada a ver com a função da cerca".

Os críticos de Sharon argumentam que, ao passar a cerca por solo da Cisjordânia, busca proteger assentamentos judaicos e impõem-se fardos aos palestinos, como restrições de movimento e perda de território. O governo, no entanto, defende-se: "Israel é sensível à dificuldade daqueles palestinos cuja vida cotidiana sofrerá impacto pela construção da cerca, e está trabalhando para achar soluções práticas para os problemas que surgem". A chancelaria israelense declara que a barreira é construída preferencialmente sobre terras públicas, mas que os proprietários de áreas afetadas recebem compensação financeira. Sobre restrições de movimento, o governo responde que a cerca já conta com ao redor de 40 passagens, para permitir, por exemplo, a circulação de estudantes e de agricultores.

As críticas mais agudas ao projeto da cerca partiram, naturalmente, de lideranças palestinas e de grupos com larga tradição de militância anti-Israel. O seu passo de maior repercussão global foi o pedido à Corte Internacional de Justiça, ligada à ONU e com sede em Haia, para que se pronunciasse sobre a legalidade da barreira de defesa. As sessões iniciais ocorreram em meados de fevereiro e a decisão, que é um parecer e não tem força de lei, levará provavelmente alguns meses para ser anunciada.

"A Corte Internacional de Justiça em Haia não é o local apropriado para se resolver o conflito israelo-palestino", sustenta documento do governo de Israel, que acrescenta: as negociações diretas entre os dois lados, como o "Mapa do Caminho" patrocinado pelos EUA em 2003, é que "levam à resolução do conflito". E lembra ainda que a barreira é uma estrutura "temporária" e "reversível".

Em texto publicado na edição de 17 de dezembro de 2003 do Miami Herald, o diplomata israelense Miki Arbel ponderou: "Há quem diga que a cerca é um obstáculo para a paz. Na verdade, é exatamente o contrário. A falta de uma cerca entre Israel e a Cisjordânia permitiu ao Hammas e à Jihad Islâmica transformar o processo de paz em refém. Toda a vez que se obtinha um progresso político, ele era sabotado por ataques letais perpetrados pelos terroristas".

O jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br e articulista da Folha de S. Paulo. Foi editor internacional e correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.