Após décadas de relacionamento difícil e distante, dois países mergulharam numa aproximação que fortalece os laços bilaterais a cada dia. Israel e Índia constroem uma parceria baseada em valores políticos, como democracia, em interesses econômicos e comerciais e na ameaça representada por um inimigo comum: o terrorismo.
Civilizações milenares, os dois países emergiram como Estados modernos praticamente ao mesmo tempo, quando se livraram do colonialismo britânico. A Índia ganhou sua independência em agosto de 1947 e Israel, em maio de 1948. O governo indiano reconheceu o Estado judeu em 1950, mas relações diplomáticas plenas só vieram em 1992, depois de quatro décadas marcadas por um relacionamento espinhoso.
A Índia, em seus primeiros anos pós-independência e sob o comando do então primeiro-ministro Nehru, despontou como líder e fundador do chamado Movimento dos Países Não-Alinhados. O bloco, apoiado na idéia do "terceiro-mundismo", se apresentava como bastião de combate ao "neocolonialismo". No cenário bipolar da Guerra Fria, o grupo, que incluía nações como Egito, Indonésia e Iugoslávia, acabava atuando como linha auxiliar da União Soviética na disputa pela hegemonia global com os Estados Unidos.
Nehru e o seu Partido do Congresso transformaram a Índia numa das principais trincheiras de apoio a organizações palestinas. O alinhamento tinha, além do aspecto ideológico, outros elementos. O governo indiano, sempre perseguido pela rivalidade regional com o Paquistão, buscava apoiar movimentos árabes justamente na tentativa de minar o apoio ao inimigo paquistanês no mundo muçulmano. Outros fatores para explicar a opção de Nehru eram de natureza econômica: a Índia desejava proteger o fornecimento de petróleo árabe e também se esforçava para garantir a permanência de cidadãos indianos trabalhando nos países do Golfo Pérsico, que ainda representam importante fonte de remessa de moeda forte para a economia da Índia. Hoje, estima-se que três milhões de indianos trabalhem em nações como Bahrein e Emirados Árabes Unidos.
Essa política levou a Índia, por exemplo, a ser um dos primeiros países não-árabes a permitir a abertura de uma embaixada palestina em sua capital, Nova Déli. Yasser Arafat costumava receber pomposas recepções de Chefe de Estado ao desembarcar em solo indiano. Os salamaleques incluíam muitas vezes desfiles militares, recheados de armamento fornecido pela União Soviética, o poderoso patrocinador daqueles tempos.
O colapso soviético provocou fortes movimentos tectônicos, sentidos também na Índia. Terminada a Guerra Fria, Nova Déli começou a promover mudanças para se adaptar à nova realidade da geopolítica internacional. Iniciou um processo de abertura econômica, para se livrar das décadas de heranças de planejamento e engessamento socialista. No plano internacional, percebeu ser necessário reavaliar alianças. Enxergou na China, inimigo histórico, uma ameaça crescente e uma preocupação que aproximava Nova Déli de Washington. Com medo do crescimento chinês, norte-americanos e indianos passaram a flertar, deixando para trás as diferenças de anos passados.
No contexto de remodelagem das alianças, a Índia estabeleceu relações diplomáticas com Israel em 1992. Começava assim um novo capítulo na história das relações bilaterais, já marcadas por uma antiga presença judaica em solo indiano. Avalia-se que a comunidade hoje reúna 6 mil integrantes e que, entre os anos 50 e 70
A 11 de setembro de 2001, Brajesh Mishra, conselheiro de segurança nacional do gabinete indiano, recebia em seu escritório o major-general israelense Uzi Dayan. O tema do encontro era "diálogo de estratégia conjunta de segurança". A Índia enfrenta o terrorismo de grupos islâmicos separatistas da Caxemira, região também reivindicada pelo Paquistão. A conversa entre Mishra e Dayan foi interrompida para que eles pudessem, pela TV, acompanhar a cobertura dos ataques contra as torres em Nova York e contra o Pentágono, em Washington.
Pressionados pela ameaça do terrorismo, Índia e Israel decidiram aprofundar a cooperação e o diálogo, em particular na área de segurança. Armas e tecnologia israelenses passaram a equipar as tropas indianas. No plano político, as visitas de alto nível se intensificaram. Em janeiro de 2002, Shimon Peres desembarcou em Nova Déli. Em setembro do ano seguinte, foi a vez de Ariel Sharon visitar a Índia, e, após sua viagem, os países decidiram realizar exercícios militares conjuntos.
Para Israel, a Índia representa mais do que um mercado ávido por sua tecnologia militar e de segurança. O comércio bilateral, excluindo transações de armamentos, saltou de 202 milhões de dólares em 1992 para 1,4 bilhão de dólares, em 2003. Na histórica visita a Nova Déli, dois anos atrás, Sharon levou uma delegação de 30 empresários, que ajudaram a identificar as áreas mais prósperas para a cooperação indo-israelense: agricultura, tecnologia da informação e telecomunicações, entre outras.
O grande salto das relações bilaterais se deu no período em que a Índia foi governada pelo BJP, um partido nacionalista hindu. Em maio de 2004, a oposição venceu as eleições e o Partido do Congresso, liderado por Sonia Gandhi, retornou ao poder, trazendo de volta o espectro de um afastamento de Nova Déli em relação a Jerusalém. Sonia Gandhi, a viúva do premiê Rajiv, assassinado por terroristas em 1991, desistiu de assumir a chefia do governo, e a missão coube a Manmohan Singh, atual primeiro-ministro da Índia.
Singh manteve o chamado caminho de "modernização" do Partido do Congresso, afastando-o da linha socialista e terceiro-mundista dos tempos de Nehru e de Indira Gandhi. No que se refere às relações com Israel, o novo governo indiano não resgatou a hostilidade das décadas de 50 a 80, optando por manter a aproximação acelerada e em curso desde 1992.
Para Israel, a manutenção da aproximação com a Índia significa boa notícia. Jerusalém precisa cultivar alianças baseadas em valores como respeito à democracia e combate ao terrorismo. E quanto mais países comprometidos com esses valores, melhor para o cenário global.
- O jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim.