Um evento de impressionante relevância idealizado pelo presidente Shimon Peres marcou as comemorações dos 60 anos da independência de Israel: a Conferência Presidencial Israelense - Enfrentando o Amanhã.
Contando com uma lista de cerca de 3 mil convidados que incluía mais de 10 chefes de Estado, laureados com Prêmio Nobel e celebridades dos mais diversos campos profissionais, a Conferência Presidencial promoveu uma série de painéis e de debates sobre questões como política, economia, cultura e ciência. Figura central do evento, o presidente Peres definiu o foco da discussão como sendo os "três amanhãs": o futuro global, de Israel e do Povo Judeu.
A conferência se transformou num celeiro de idéias e num importante fórum de intercâmbio de experiências ao reunir personalidades como Serguey Brin, um dos fundadores do Google, e Terry Semel, do Yahoo, Thomas L. Friedman, do New York Times, o advogado Alan Dershowitz, a economista Abby Joseph Cohen, os pensadores Bernard-Henryi Levy e Elie Wiesel, e Mikhail Gorbatchev, ex-presidente soviético responsável por ter aberto aos judeus as portas da antiga União Soviética. O pai da Perestroika participou, por exemplo, de um painel denominado "Presidentes discutem o amanhã" ao lado de líderes como o ex-premiê britânico Tony Blair e Victor Yushchenko, presidente da Ucrânia. Líderes de países como Ruanda e Mongólia também participaram desse debate. Já o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, e José Maria Aznar, ex-premiê espanhol, juntaram-se a Gorbatchev para um debate sobre as perspectivas globais.
O presidente norte-americano, George W. Bush, compareceu à conferência presidencial e discursou. Dos Estados Unidos, vieram ainda Henry Kissinger, ex-secretário de Estado, e Stuart Eizenstat, que participou dos governos Carter e Clinton.
Não foi apenas o mundo da política que contribuiu com o evento. Um dos painéis reuniu, para discutir o futuro, personalidades agraciadas com o Prêmio Nobel. Participaram Walter Kohn (química), Roger David Kornberg (química), Rober Bruce Myerson (economia), Eric Stark Maskin (economia), Martin Lewis Perl (física) e Elie Wiesel (paz).
"Esta conferência correspondeu a uma Olimpíada intelectual", definiu Shimon Peres ao ressaltar a importância dos participantes reunidos em Jerusalém, entre os dias 13 e 15 de maio. O Instituto de Planejamento de Políticas do Povo Judeu, um centro de estudos sediado em Jerusalém, se encarregou de organizar a conferência presidencial e de analisar os debates e discursos proferidos durante o encontro.
A conferência "Enfrentando o Amanhã" foi aberta pelo presidente do Estado de Israel, Shimon Peres, que proferiu o seguinte discurso.
Quando examinamos o passado, fica claro que há, apenas, um único passado - independentemente de quantas narrativas componham a trama de seu tecido. Nós o vivenciamos e nós o registramos. Mas, quando se trata do futuro - não fica absolutamente claro que só haja um único futuro. Talvez, como muito alegam, haja muitos futuros possíveis, e nós não sabemos quais deles se irão materializar. O passado, nós conhecemos. O futuro, nós prevemos. E, portanto, quando o futuro chega - não estamos preparados para sua manifestação e nos surpreendemos com seu significado.
É isto o que está ocorrendo agora. A Era agrícola, que durou quase dez mil anos, já terminou. E foi substituída por uma nova Era - a da ciência. E nós ainda não entendemos todas as suas implicações. Na antiga Era, o globo era dividido em territórios nacionais. Governos nacionais e territoriais foram criados. Fronteiras foram demarcadas em seu redor. Foram criadas leis que deram aos governos a capacidade de guardá-los e defendê-los. Exércitos e delegacias de polícia foram formados para aplicá-las. As guerras eram em grande parte acerca de assuntos territoriais. Para proteger o seu território ou para conquistar outros mais.
Esta velha ordem não é tão relevante hoje como o foi no passado, e certamente não é uma pré-condição para a nova Era. A ciência, que é global, não pode estar vinculada a territórios nacionais.O conhecimento não pode ser detido nos portões. As antigas leis não podem acompanhar o ritmo dos novos fenômenos. Os exércitos não têm condições de proteger a sabedoria nem de conquistá-la. A Era científica criou formas e possibilidades não-governamentais, que promovem a riqueza global e transformam a experiência humana de maneiras significativas. As novas leis administrativas não-nacionais, sem força coerciva, agem através da boa-vontade. A ciência criou novas possibilidades para o crescimento em praticamente todos os campos: informação, saúde, produção, até mesmo cultura. Criou um universo de novos conceitos e potenciais, antes inconcebíveis.
Naturalmente, a nova Era também traz ansiedades e temores, e especialmente a preocupação de que irá causar dano à tradição nacional e religiosa. Mas a história não é um livro de gramática no qual há rígidas regras e onde o passado, presente e futuro se desdobram em uma seqüência lógica. Para a história do futuro, há apenas o futuro. E não há marcha-a-ré. É impossível voltar atrás, à agricultura, como substituta da ciência. A agricultura não pode competir com a ciência. Ela própria se tornou um esforço científico.
Há que se fazer uma distinção entre o que se passou e se foi e o que está acontecendo aqui e agora, o que está sendo criado. O lugar das guerras territoriais está cedendo lugar à competição científica. As guerras clássicas por território abriram o caminho para o terrorismo. O terror é um protesto mais do que uma visão. Não tem um local fixo, uma estrutura detalhada ou uma identidade declarada. O terror luta contra a modernidade, mais do que contra um alvo específico. Portanto o mundo não mais está dividido entre inimigos e amigos, mas entre ameaças e oportunidades. As fronteiras perderam muito de sua importância e o terror se tornou uma questão de balística e não de territórios.
Grandes distâncias geográficas tem sido transpostas por pontes eletrônicas. Muitos preconceitos - entre homem e mulher, preto e branco, religioso e secular - recuaram perante a natureza das novas organizações econômicas que querem pregar a abertura e a capacidade de tolerar as diferenças. As empresas globais, que são construídas sobre fundo de comércio, tentam ampliar seu círculo de atividades e visam atuar em todas as áreas geográficas e em todas as categorias humanas. O ganho econômico se baseia principalmente no novo - novas geografias, novos produtos, novas áreas, novos consumidores. Descodificar o não-codificado se tornou mais importante do que a produção tradicional. Explorar e descobrir os segredos da natureza revela novas dimensões e novos horizontes em todos os domínios e nós estamos apenas no início da estrada.
A ciência se tornou mais global e mais individualista. O grande potencial científico e tecnológico é, por vezes, solto por indivíduos que lhes permitem estabelecer impérios econômicos privados. O indivíduo, hoje, tem acesso a ferramentas que até pouco tempo atrás estavam nas mãos dos governos e grandes empresas - para penetrar as expansões do espaço, para mergulhar nas profundezas dos oceanos e para entender os mistérios da mente humana. Hoje, há novos instrumentos e meios em mãos de cientistas individuais ou de universidades, bem como nas mãos das coalisões de cooperativas científicas.
Não há, pois, possibilidade de vestir a nova Era com as vestes do passado. Os governos tradicionais não são organizados para lidar com a nova Era, pois seus desafios são globais e os governos são nacionais. Por outro lado, os grupos globais não são organizados como governos. Eles são uma nova potência, uma potência formidável, mas não um governo global.
Na passagem entre uma Era e a próxima, o equilíbrio entre homem e natureza e entre liberdades individuais e tensões globais se tornou delicado. Sem o devido equilíbrio, o novo pode tornar-se uma praga - não uma bênção.A passagem das carruagens de antanho para os automóveis de amanhã deve ser tratada com cuidado e visão, e espero que nosso encontro contribua para este desafio.
O Povo Judeu, também, se encontra buscando seu lugar na nova Era. O Povo Judeu desempenhou um papel singular nos anais anteriores, tanto como Nação e como personalidades que tiveram papéis centrais no mundo todo.
O Povo Judeu precisa escolher um papel para si próprio na nova Era. Os judeus trouxeram a insatisfação ao palco do mundo, a arte de não chegar a termo com uma situação existente, e se tornou o catalizador para a mudança e o progresso humano. A insatisfação e a recusa de aceitar situações de forma complacente são fontes de criatividade. Provavelmente esta característica está entranhada no Etos Judaico, juntamente com uma tendência para a discussão - mas é claro!
O Povo Judeu abriu seus olhos para ver as tragédias do passado e os chamados do futuro. O comunismo, que tramou contra o judaísmo, e os nazistas, que exterminaram os judeus, fizeram com que os judeus se reunissem em dois grandes centros - aproximadamente a metade deles em Israel, mais ou menos a metade nos Estados Unidos e dez por cento em outros continentes. A troca de passaportes não muda, necessariamente, as características das pessoas.
Com a maioria dos judeus hoje vivendo em países livres, abertos e criativos, que priorizam a inovação, eles têm condições de se tornar, novamente, uma Nação que contribui, em vez de um povo que tem que se auto-justificar. A emigração de judeus de países onde havia, ou ainda há anti-semitismo, os libera do ônus de terem que colocar a luta contra o anti-semitismo no topo das prioridades diárias. Apesar de ainda haver anti-semitismo até mesmo em países onde não há judeus, o anti-semitismo se tornou um problema não-judaico. É como uma enfermidade, a ser tratada em hospitais não-judeus. No entanto, onde quer que os judeus ainda tenham que se proteger de violentos ataques anti-semitas, eles o farão.
O judaísmo tanto tem uma definição nacional quanto religiosa. E apesar de os judeus não terem uma nação-gêmea ou uma religião-gêmea, ainda assim mantêm uma visão universal. O judaísmo visa o "Tikun Olam", visa consertar o mundo.
Na nova Era, as divisões caíram por terra, como a cortina de ferro ou os banimentos religiosos. As pessoas começam a entender que elas precisam viver em um mundo aberto, como o aberto mundo das ciências. A nova Era exige instaurar harmonia a partir das diferenças, e se libertar dos obsoletos confinamentos de divisões irrelevantes. Na nova Era, a pessoa porta duas identidades: uma tradicional, de sua herança espiritual e cultural, e outra identidade atualizada, calcada na ciência. Estes novos tempos conclamam ao diálogo e às pontes entre gerações, entre religiões e entre culturas, de modo a transcender a inimizade que destrói a história - ou seja, tolerância sem assimilação.
Afinal, o Eterno - Aquele que, nós acreditamos, nos criou, nos ordenou respeitar a vida, respeitar nossos semelhantes, todos aqueles que, como nós, foram criados à Sua imagem. Hoje os esforços devem ser direcionados a separar a religião do terrorismo, como pregado por todas as religiões, em direção ao culto da vida e se distanciando do culto da morte. O mundo se tornou mais aberto para os judeus e os judeus estão abertos para o mundo exterior.
O Estado de Israel também mudou. Este é o terceiro tópico na pauta desta Conferência. O Estado de Israel nasceu há 60 anos, em decorrência de encruzilhadas históricas e espirituais nada comuns. O Holocausto provou aos judeus que eles necessitavam de uma pátria. O movimento sionista, que se iniciou como uma prece, amadureceu e tomou prumo em direção à Pátria histórica do Povo Judeu. A Terra de Israel era pequena e inóspita e quando o Povo Judeu lá começou a se reunir, teve que vencer sete ataques militares. O primeiro ataque ocorreu antes mesmo de haver um país ou um exército.
Contudo, fundou-se um Estado, a democracia foi estabelecida e uma moderna economia foi introduzida, permitindo que Israel liderasse em três áreas: agricultura, medicina e segurança interna.
O povo de Israel é composto de um mosaico incomum. Sua gente vem de oitenta países e são fluentes em uma centena de idiomas. Nenhum outro país na terra tem tamanha variedade de culturas e vivências. O país é abençoado com tipos únicos de voluntariado: o kibutz, o moshav, cidades em desenvolvimento, incubadoras tecnológicas, movimentos juvenis e aulas vespertinas para ensinar os novos imigrantes a falar hebraico.
Israel é o único país na região em que as crianças falam o idioma dos pais de seus pais, o idioma de nossos profetas. Para entender Israel, é preciso conhecê-lo, não apenas através de lentes de alta-tecnologia, mas também através dos prismas da reunião dos exílios e da fascinante e inspiradora junção onde o muito antigo e o muito moderno se encontram, uma combinação de autoridades governamentais e agências voluntárias - um encontro e uma mistura de culturas díspares.
E mesmo se há grandeza em Israel, este continua a ser um país pequeno. Sua área é de apenas 24.000 quilômetros quadrados e ainda se tornará menor após a criação do Estado palestino. Sua população também não é grande - cerca de 7,3 milhões de habitantes. A pergunta que se impõe é como aumentar o valor deste lugar se é impossível aumentar sua área?
Devido a seu pequeno tamanho, Israel não pode tornar-se um mercado global. Nem tampouco se tornar um país industrial global. Mas se Israel for medido pelo número de cientistas por quilômetro quadrado, o país pode tornar-se um ousado laboratório mundial, bem como um fascinante plano piloto para o planeta.
Aqueles que não têm poços de petróleo precisam viver dos poços da mente humana. E o teste de fazer crescer a riqueza cerebral não é apenas uma questão de escolaridade, mas também nutrir o temperamento inquisitivo de pesquisa, questionar as convenções sociais e econômicas. O principal desafio para Israel, hoje, é político: como concluir o processo de paz entre os árabes e Israel, ou mais precisamente, entre todos os povos do Oriente Médio.
Apesar do problema ser político, a solução não só é política, mas, cada vez mais, uma solução econômica. Desde a 2ª Guerra Mundial, a maioria das mudanças ocorridas no mundo - sejam políticas, estratégicas ou ideológicas, foram impulsionadas pelos novos motores econômicos, mais do que por tanques militares convencionais.
Devido a suas deficiências e limitações, Israel aprendeu que mais do que a terra pode contribuir para o homem, o homem pode contribuir para o bem-estar da terra. Tomemos a escassez de água - e criamos água através de novos métodos; tomemos a escassez de terra - e plantamos legumes praticamente sem terras. Tomemos a falta de recursos naturais e criamos uma riqueza em recursos humanos. Nós superutilizamos a terra e subestimamos a capacidade humana.
Estas premissas são verdadeiras para as atuais circunstâncias. Como desconhecemos o que o futuro trará para o mundo, talvez fosse um sábio conselho, em vez de tentar adivinhar o futuro, empenhar-nos em formá-lo.
Entre a capacidade de sonhar o futuro e a realização do sonho há um caminho fascinante que leva a um amanhã melhor, e cabe ao homem pavimentar este caminho.
Viemos aqui para examinar os futuros. E viemos aqui para encontrar maneiras de criar o melhor futuro possível. Viemos a Jerusalém para debater o futuro. Viemos a Jerusalém para escolher e construir o amanhã.
Em Jerusalém nasceu uma grande fé, tentemos criar nela um berço de grande esperança!