Da irrigação por gotejamento aos pesticidas naturais, as inovações israelenses estão ajudando a alimentar milhares de pessoas em todo o mundo, mas principalmente nos países em desenvolvimento.
Em 1850, a população mundial somava pouco mais de 1 bilhão e 200 mil pessoas. Cem anos mais tarde, este número praticamente duplicou, passando para 2 bilhões e 500 mil. No ano 2000, ultrapassou a marca dos 6 bilhões e, cinco anos mais tarde, a dos 7 bilhões e 300 mil.
A expectativa, segundo um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) divulgado recentemente, é que, em 2050, o total de habitantes no planeta seja superior a 9 bilhões e, em 2100, a 11 bilhões. Ainda segundo o estudo, a maior taxa de crescimento populacional nas próximas três décadas estará concentrada na África.
Diante deste quadro, a humanidade se defronta desde já com um desafio do qual não pode mais se esquivar: como alimentar tal contingente. Segundo o relatório, para atender esta demanda a produção mundial de alimentos deve crescer cerca de 70%. Como alcançar este volume, considerando a tendência de redução das terras cultiváveis, a escassez de recursos hídricos e a mudança climática, de modo geral?
Com quase 70 anos de existência, o moderno Estado de Israel tem dedicado a maior parte das últimas décadas a encontrar respostas para esses desafios. Com recursos hídricos escassos e mais de 50% de seu território composto por solos áridos e semiáridos, cerca de 80% da água distribuída em Israel é reciclada e o país surge no cenário internacional como um celeiro de inovação no universo da sustentabilidade, colocando à disposição do mundo as mais avançadas tecnologias para o aumento da produção agrícola por hectare cultivado com menor desperdício, redução do volume de água utilizado, fabricação de fertilizantes menos agressivos e ferramentas para piscicultura, entre outras, sem perder de vista um ponto importante: a segurança alimentar. Atualmente, cerca de 65% das exportações de vegetais de Israel saem do deserto de Aravá, no sul do país.
Se os recursos hídricos naturais potáveis são escassos para atender às necessidades do país, é preciso, então, produzi-los. Dito desta forma, pode parecer sem sentido. No entanto, é exatamente o que Israel tem feito nos últimos anos, buscando soluções para sua realidade de país árido. Nessa trajetória, a dessalinização, por décadas repudiada por muitos como cara, surge como alternativa, pois está-se tornando mais barata, mais limpa e mais eficiente em termos energéticos graças aos avanços tecnológicos e o surgimento do método de osmose reversa.
A dessalinização entrou de tal forma na agenda de prioridades nacionais que o país abriga hoje aquela que é considerada a maior usina de seu tipo no mundo. Instalada em um terreno arenoso a 15 quilômetros ao sul de Tel Aviv, a Usina de Sorek produz 40 bilhões de galões de água potável por ano, o suficiente para cerca de um sexto dos quase oito milhões de israelenses.
Ainda no setor de água, a Tal-Ya Water Technologies desenvolveu bandejas plásticas reutilizáveis para coletar orvalho, reduzindo a água necessária para cultivo de produtos agrícolas ou árvores em até 50%. As bandejas quadradas dentadas, feitas de composto plástico reciclado e reciclável diferente do PET, com filtros UV e um aditivo de pedra calcária, cercam cada planta ou árvore. Com a variação de temperatura ao longo da noite, o orvalho se forma na superfície da bandeja da Tal-Ya, que canaliza o orvalho e a condensação diretamente para as raízes. Caso chova, as bandejas – que já estão à venda – aumentam o efeito de cada milímetro de água em 27 vezes.
Por uma agricultura melhor
Dos campos da Califórnia aos da China, passando pela América do Sul e Europa, a tecnologia israelense faz-se presente nas suas diferentes manifestações. Netafim, Bio Bee, AutoAgronom, Sembiotics são nomes da indústria do Estado Judeu que, há décadas, já fazem parte da agenda internacional quando o tema em pauta é a alimentação da crescente população mundial. É cada vez maior o número de multinacionais que fazem aquisições em Israel visando aumentar o seu portfólio de produtos e melhorar a sua performance.
A lista de exemplos inclui o conglomerado chinês Shenyang Yuanda Enterprise Group, que comprou a pequena startup AutoAgronom por US$ 20 milhões, nova companhia que atua na área de irrigação por gotejamento; e a gigante norte-americana John Deere, que adquiriu há alguns anos parte das ações da Netafim, a maior empresa de Israel da área de microaspersão e irrigação por gotejamento.
A tecnologia do sistema Root Sense, da Agronom, foi o que atraiu a atenção dos chineses, que acabaram por comprar a startup. Seus sensores fazem uma análise do tipo de solo e das condições climáticas ao redor das raízes através de algoritmos avançados, determinando a quantidade exata de água e nutrientes adequados para cada tipo de grão. Denominada de “solução sob medida”, já se mostrou eficiente em mais de 70 tipos de cultivos, aumentando a produtividade e reduzindo o volume de água em mais de 50% e o de fertilizantes em 70%. A empresa conseguiu ser incluída em um programa de aceleração de desenvolvimento tecnológico denominado MassChallenge voltado justamente às startups israelenses.
Criada em 2008 após uma década de pesquisas e desenvolvimento por Nissim Danieli, um fazendeiro com ampla experiência em sistemas de controles, a Agronom criou um sistema composto de sete sensores, um medidor e um software com capacidade de alcance de 101 hectares. A diferença entre a tecnologia da Agronom e as diversas oferecidas no mercado reside num ponto fundamental: sua capacidade de analisar os dados e decidir automaticamente o que fazer; o software acoplado permite o monitoramento em tempo real da área coberta, facilitando a identificação de problemas. Os demais sistemas fazem a análise dos dados, mas cabe aos produtores a tomada das decisões.
Para os especialistas em agricultura, não há dúvida de que o surgimento da irrigação por gotejamento foi um dos maiores avanços do setor nas últimas décadas. Desenvolvido pelo engenheiro hídrico Simcha Bass, é responsável pela redução do volume de água nos cultivos. A primeira grande fábrica de equipamentos de irrigação por gotejamento foi fundada em 1965 no Kibutz Hatzerim, a Netafim. Desde então, a empresa instalou mais duas unidades em dois kibutzim e está presente em mais de 70 países, inclusive o Brasil. Além de sistemas sofisticados para grandes áreas cultivadas, a Netafim desenvolveu um produto para pequenas propriedades. Denominado Tipá, literalmente “gota”, está sendo utilizado por 700 agricultores familiares do Senegal, permitindo-lhes obter três colheitas ao ano, e não apenas uma, como costumavam fazer. Depois da Netafim, várias outras companhias israelenses entraram neste setor.
Mais um produto israelense que está beneficiando diretamente os produtores da África e da Ásia foi desenvolvido pela GrainPro Cocoons, uma espécie de casulo para armazenamento e conservação da produção de grãos. Resistentes e adequados aos diferentes produtos, foram criados pelo especialista em tecnologias de alimentos, professor Shlomo Navarro, e mantêm os alimentos secos e protegidos de pragas. Os casulos estão sendo distribuídos mesmo em países que não mantêm relações diplomáticas com Israel, como por exemplo o Paquistão, substituindo os cestos tradicionalmente usados pelos agricultores de países mais carentes e, portanto, mais propícios à contaminação.
Segurança alimentar
A questão ambiental e a segurança alimentar fazem parte da agenda da indústria agrícola israelense há décadas. Dentro desta perspectiva, a Bio-Bee atua no controle biológico de pragas através da criação de insetos, ácaros e zangões para polinização natural em estufas e campos abertos. Situada no Kibutz Sde Elyahu, possui uma subsidiária, a Bio-Fly, especializada na criação de moscas mediterrâneas das frutas para combater esta praga, considerada a maior a acometer as árvores frutíferas. Em Israel, os produtos com o selo Bio-Bee permitiram a redução em 75% dos pesticidas químicos na produção de pimenta doce, entre outras.
A empresa exporta oito diferentes espécies de agentes de controle biológico, além de zangões para polinização para mais de 30 países, do Japão ao Chile. A companhia mantém projetos de cooperação com os governos da Jordânia e com a Autoridade Palestina, na Cisjordânia.
Após 30 anos de pesquisa, o professor David Levy, da Universidade Hebraica de Jerusalém, conseguiu desenvolver um tipo de batata adaptada a climas quentes e secos e que pode, também, ser irrigada com água salgada. Considerada um dos principais alimentos do mundo, nunca se deu muito bem em climas muito quentes e regiões desérticas, como o Oriente Médio. Esta situação poderá mudar e ter impacto na produção mundial de alimentos.
Sementes mais resistentes produzem melhores grãos. Com base nesta premissa os professores da área de agricultura da Universidade Hebraica de Jerusalém, Ilan Sela e Haim D. Rabinowitch, desenvolveram a TraitUP, uma tecnologia que permite a introdução de materiais genéticos nas sementes sem modificar seu DNA. Esta inovação foi licenciada pela instituição para a Morflora Israel, para tratamento de moléstias nos pomares, campos e viveiros de frutas.
Segundo Dotan Peleg, CEO da Morfora, a capacidade de modificar traços das sementes em poucos dias ao invés de anos, e oferecer um tratamento com resultados similares a plantas híbridas de todas as espécies é muito importante, pois revolucionará a agricultura moderna com impactos significativos nos mercados de commodities de vegetais.
Meio ambiente e piscicultura
A empresa de energia limpa Seambiotics implantou recentemente na China um projeto para criação comercial de algas tanto para produção de suplementos alimentares quanto para produção de biocombustíveis. A empresa israelense entrou nesta área em 2003, com uma parceria com a Electric Corporation Ltd. Começou como uma experiência para a utilização de resíduos de usinas de energia elétrica que usam como combustível a queima do carvão e gases associados, bem como turbinas resfriadas com água do mar, que por sua vez produz microalgas. Estas são fontes importantes de produtos e biocombustíveis e, simultaneamente, promovem a redução do volume do CO2 gerados nas usinas.para geração de energia limpa.
Há cerca de 50 anos, as carpas do Lago Vitória, na África, desempenhavam um importante papel na alimentação da população do povoado de Ugadan. Mas quando as percas do Nilo foram introduzidas no lago, dizimaram grande parte das espécies menores de peixes, incluindo as próprias carpas. Os pescadores da região não tinham nem equipamentos nem o conhecimento para pescar a perca e, como consequência da ausência de peixes no cardápio, as crianças começaram a apresentar sinais de deficiência de proteínas decorrente da falta de consumo de peixes.
Para ajudar a reverter a situação, a Universidade Hebraica de Jerusalém implantou um projeto de recuperação dos peixes originais do Lago, encabeçado pela professora Berta Sivan. Juntamente com uma equipe de especialistas israelenses em piscicultura, a professora deu início a um programa de treinamento baseado na tecnologia desenvolvida há décadas em Israel. A iniciativa não apenas levou à produção de carpas em tanques de piscicultura, mas também à produção das espécies menores.
Produção de leite e derivados
A tecnologia israelense está beneficiando também as fazendas produtoras de leite e derivados. As companhias Hof Hasharon Dairy Farm, SAE Afikim e SCR Precise Dairy Farming são responsáveis pelo desenvolvimento de sistemas avançados de gerenciamento, monitoramento e nutrição usados em empreendimentos de todo o mundo. Os surpreendentes resultados da tecnologia israelense estão atraindo também grupos chineses que tèm enviado ao país equipes para aprender como aumentar a produção leiteira e seus derivados.
No que diz respeito à ordenha automatizada, Israel é considerado um líder mundial. Por décadas, os inovadores israelenses desenvolveram técnicas avançadas para manter a ordenha e as fazendas de laticínios de forma eficiente. Na área de gerenciamento de rebanho leiteiro, a AfiMilk, situada no Kibutz Afikim, surge como um dos grandes nomes da indústria israelense, transferindo sua tecnologia para países como o Canadá, onde seu know-how está sendo utilizado em fazendas de caprinos para aumento da produtividade do leite. Além do medidor de leite em cada animal, o sistema da AfiMilk inclui etiquetas individualizas nas patas de cada vaca ou cabra para coletar dados sobre os seus movimentos.
Em 2010, a empresa anunciou a parceria em um projeto de produção leiteira de US$ 500 milhões, no Vietnã, que incluiu a criação de fazenda leiteira com um rebanho de 30 mil vacas para fornecer 500 mil litros de leite por dia, aproximadamente 40% do consumo atual de leite do Vietnã. A AfiMilk foi responsável por todas as etapas do empreendimento, incluindo a criação dos animais e a preparação da terra para as culturas que serão utilizadas na alimentação animal.
Nos meios pecuários, a produtividade dos rebanhos leiteiros israelenses tem chamado atenção há várias décadas. Em média, a vaca de Israel produz 12 mil litros de leite por ano, enquanto que nos EUA este número diminuiu para 9 mil litros anualmente por animal. A tecnologia é a resposta para estes resultados diferentes. Segundo Ornit Sade-Benkin, gerente-geral de marketing da SCR Dairy, outra especialista israelense em gerenciamento de rebanhos, “Israel é um dos maiores centros de alta tecnologia no mundo. O ecossistema oferece um bom terreno para startups e empreendedorismo. Startups como a SCR Dairy são capazes de olhar para o que o fazendeiro precisa e oferecer uma solução adequada”.
A SCR Dairy deixou de ser um fabricante de equipamento original (OEM) para a indústria de laticínios para desenvolver uma tecnologia revolucionária, que chama de FreeFlow. O FreeFlow utiliza tecnologia de infravermelho para medir a qualidade e a quantidade do fluxo de leite.