A palavra tmurá em hebraico significa mudança. A raiz do termo é muito similar a de trumá, que significa contribuição ou doação.
Segundo Yadin Kaufmann, um dos fundadores do Veritas Venture Capital, de Hertzlia, e um dos idealizadores do Tmurá, a missão da nova instituição é apoiar iniciativas filantrópicas em Israel, com ênfase especial nas atividades educacionais e que permitam o surgimento de oportunidades para a juventude. “Com esta iniciativa, pretendemos criar uma nova mentalidade dentro do setor de high-tech israelense – uma cultura de contribuição para compartilhar com a sociedade a riqueza gerada por este segmento industrial.
O Veritas Venture Capital é um dos inúmeros fundos de investimento no setor de alta tecnologia em Israel, surgidos principalmente a partir de meados da década de 90. Para Kaufmann, os idealizadores e fundadores do Tmurá reconhecem a necessidade de devolver à sociedade israelense os resultados obtidos com a indústria high-tech, principalmente diante das crescentes diferenças entre as camadas da população. Outro objetivo do novo fundo é atrair investimentos para novos empreendimentos.
Entre seus idealizadores, além de Kaufmann, fazem parte Shlomo Kalish – do Jerusalem Global Ventures; e Zeev Holtzman, do Giza Venture Capital. A iniciativa conta também com o apoio de outros fundos, como Walden, Gemini, Tamir Fishman e com muitos investidores particulares. Os fundos de capital de risco são os principais responsáveis pelo crescimento do setor de tecnologia em Israel e têm atraído, inclusive, milhões de dólares do exterior, financiando inúmeras novas empresas.
A proposta do Tmurá foi tão bem recebida, em Israel, que está recebendo apoio não apenas financeiro, mas também em forma de serviços. Estes são prestados por diferentes segmentos, como por exemplo o escritório de advocacia Gross, Kleinhender, Hodak, Halevy, Greenberg & Co.; a empresa de consultoria Pricewaterhouse Coopers, que está negociando com o governo a redução de impostos e a regulamentação do novo fundo como organização sem fins lucrativos.
O modelo do Tmurá foi inspirado em uma experiência similar que está sendo realizada, há algum tempo com empresas do Vale do Silício e a Austin Entrepreuner Foundations, nos Estados Unidos. O objetivo é o mesmo: aumentar a participação de empresas em organizações e atividades de filantropia. O Tmurá espera conseguir arrecadar cerca de US$ 5 milhões nos próximos cinco anos. “A tradição judaica nos ensina que devemos ser líderes mundiais também na área de filantropia”.
Sociedade participante
Um estudo realizado no ano passado por uma das maiores autoridades do país no assunto, professor Benjamin Gidron, da Universidade Ben-Gurion, revela que Israel possui 27 mil organizações sem fins lucrativos e cerca de 473 mil voluntários que dedicam em média 16 horas por mês a atividades assistenciais – números semelhantes aos da França. Em termos comparativos, estes números representam 43 mil empregos em período integral, que valem US$ 177 milhões anuais. “A tendência do voluntariado é aumentar cada vez mais”, afirma.
Segundo Gidron, Israel tem uma forte tradição de tzedaká – caridade, que se traduz também pelo trabalho dos voluntários e pela sua capacidade de mobilização em causas nacionais. O tema ganhou o noticiário do país, em 1971, durante o governo de Golda Meir, com o surgimento do movimento Panteras Negras, integrado por judeus de origem sefaradita insatisfeitos com as condições sócio-econômicas em que vi-viam, nos arredores de Jerusalém.
Segundo Eliezer Jaffe, historiador da Universidade Hebraica de Jerusalém, a então primeira-ministra percebeu que mesmo um governo socialista, que possuía um Ministério do Bem-Estar Social, não poderia resolver todos os problemas e que a população deveria participar desse processo. Portanto, Golda Meir criou o Conselho Nacional de Voluntários, diretamente ligado ao Gabinete do Primeiro-Ministro.
Um outro estudo realizado por Gidron, em 1995, trouxe à tona um ponto interessante sobre a filantropia em Israel: diferentemente do que se poderia imaginar, a metade dos fundos arrecadados pelas várias instituições beneficentes em Israel é decorrente da colaboração de pequenos doadores israelenses. As doações locais para tais entidades, em 1994, atingiram o volume de US$ 71 milhões.
“Estas cifras não incluem os milhões de dólares que são obtidos através de campanhas com fins específicos, como por exemplo, para transplantes no exterior para pessoas carentes ou, como ocorreu em 1994, quando os israelenses arrecadaram US$ 3.7 milhões para os refugiados de Ruanda. Este valor equivaleria a uma arrecadação de US$ 170 milhões nos EUA, levando-se em conta a população do país”. Já em 1995 Gidron afirmava que 12% dos recursos das instituições filantrópicas eram obtidos localmente; os demais provinham de verbas do governo ou de prestação de serviços.
Em Israel, os filantropos e grandes doadores não estão interessados em publicidade e mantêm suas atividades filantrópicas longe dos holofotes. Em uma declaração feita, em 1995, ao The Jerusalem Report, Ami Bergman, do escritório israelense do American Jewish Joint Distributtion Committee, afirmou: “Nos EUA, uma pessoa torna-se um líder comunitário através de suas doações e é reconhecido por isso. Lá, a filantropia é um elemento vital do judaísmo de cada um. Em Israel, exceto por uma placa em memória de um ente querido, não há grandes manifestações de reconhecimento. A pessoa deve apenas estar convencida de que fazer donativos e trabalho voluntário é o que todos deveriam fazer”.
Segundo os especialistas, o crescimento das entidades filantrópicas e do número de voluntários está diretamente relacionado às necessidades crescentes da sociedade israelense e à dificuldade do governo em cumprir o seu papel enquanto responsável pelos vários serviços.
Como reflexo desta tendência, a atuação dos voluntários vem-se mostrando essencial em regiões mais carentes do país, como por exemplo, no subúrbio ultra-ortodoxo de Bnei Brak. Nesta região, por exemplo, as 25 primeiras páginas do livro das Páginas Amarelas são ocupadas por anúncios oferecendo os mais variados tipos de auxílio gratuito. “Ser voluntário faz parte da rotina comum em Bnei Brak”, conta a diretora do Departamento de Serviços Voluntários da Prefeitura.
Enquanto alguns especialistas mostram-se preocupados com a tentativa de redução do papel do governo, outros, como Jaffe, acreditam que esta é uma tendência dos tempos atuais. Para ele, o florescimento do voluntariado é um fato bonito e a parceria entre entidades filantrópicas e governo, dentro da qual estas últimas podem receber 50% de seus recursos do governo, é satisfatória e traz benefícios para a sociedade em geral. Jaffe é autor de um guia denominado Giving Wisely, que mostra a eficiência das instituições sem fins lucrativos e pode ser acessado na Internet através do www.giving-wisely.org.il.
“O governo está mudando o seu perfil e deixando de ser totalmente assistencialista. O Estado deve garantir determinados serviços básicos, mas não tem condições de cuidar de tudo. Se as autoridades querem trabalhar conosco, por que não? Afinal, quem conhece melhor o assunto do que um grupo sem fins lucrativos, criado há anos provavelmente por um voluntário dedicado, a partir de suas próprias necessidades e que, com o passar do tempo, tornou-se uma instituição organizada e eficaz? Todos que desejarem, sempre encontrarão alguma maneira de ajudar, seja doando fundos ou o seu tempo”, ressalta Jaffe.
Este conceito pode ser confirmado através da atuação da IPEX, uma empresa de alta tecnologia localizada em Petach Tikva, cujos funcionários vêm participando, há dois anos, de um projeto nas escolas de segundo grau. Semanalmente, ministram aulas de matemática, ciências, computação e outros temas que permitem o aperfeiçoamento dos alunos e ampliam suas possibilidades de obter melhores empregos.
Segundo a responsável pelo Departamento de Juventude da Prefeitura, “a iniciativa está trazendo ótimos resultados, os jovens estão adquirindo novos conhecimentos e aumentando sua auto-confiança”. Em contrapartida, o representante da IPEX revela que seus funcionários também estão apreciando a experiência, principalmente por darem sua contribuição para melhorar a situação dos menos favorecidos. “Estão felizes, pois dedicam parte do tempo ensinando aquilo que gostam e sabem fazer”.
Lista extensa
A lista de entidades filantrópicas em Israel é extensa e inclui abrigos para crianças vítimas de maus-tratos; grupos que se dedicam a proporcionar programas de lazer para crianças com deficiências físicas; centros de treinamento de cães para cegos. A maior de todas as organizações voluntárias do país é a Yad Sarah, criada em meados de 1970 por Uri Lupolianski, um professor de segundo grau que vivia em Jerusalém. Certo dia, ele precisou pegar um vaporizador emprestado de um vizinho, pois seu filho estava doente e a família não possuía o equipamento em casa.
Lupolianski percebeu que havia uma série de objetos que as pessoas precisavam em determinadas situações, mas não no dia a dia. Começou por formar um pequeno estoque, para emprestar a quem necessitasse. Em pouco tempo, seu apartamento estava abarrotado de produtos e ele era sempre procurado por aqueles que necessitavam. Ao se aposentar, seu pai resolveu fazer uma doação para ajudar o filho a desenvolver o seu projeto e, em 1976, a Organização Yad Sarah – como já havia sido denominada – foi reconhecida como sendo de utilidade pública. O nome foi escolhido em homenagem a sua avô paterna, Sarah, que morreu durante o Holocausto. A palavra yad significa literalmente mão, mas possui também o sentido de recordação ou memorial.
Foi neste período que a organização conseguiu um espaço dentro de um hospital para guardar os equipamentos, que eram emprestados mediante um depósito que era reembolsado quando o produto era devolvido. Assim Yad Sarah tornou-se uma realidade efetiva e desde então não parou de crescer. Desde os seus primeiros anos, contou com a participação de voluntários, abrindo representações em vários pontos de Israel.
Atualmente, a Yad Sarah oferece uma ampla gama de atividades e serviços a custos mínimos, visando facilitar a vida de pessoas doentes, deficientes e idosos, promovendo a sua recuperação e reintegração na família e na sociedade. Um dos serviços mais conhecidos é o empréstimo de equipamentos médico-hospitalares por períodos curtos, totalmente grátis. A entidade oferece também serviços para jovens mães e seus filhos.
Mantida totalmente por doações, a Yad Sarah arrecada 88% dos seus recursos em Israel, sem receber nenhum subsídio governamental. Atendendo a cerca de 350 mil israelenses por ano, a entidade possui 88 escritórios por todo o país, conta com seis mil voluntá-rios e economiza cerca de US$ 250 mil por ano em despesas com hospitalização e tratamentos médicos. Em 1994, a Yad Sarah recebeu o Prêmio Israel – a maior láurea concedida pelo governo – por sua significativa contribuição à sociedade e à nação.
Bibliografia
- Hi-tech Philantropists Announce Formation of Tmura, artigo publicado na edição de 4 de julho de 2001 de The Jerusalem Post
- Charity Begins at Home...., artigo publicado na edição de 5 de outubro de 1995 de The Jerusalem Report
- Salvation Army, artigo publicado na edição de 14 de fevereiro de 2000 de The Jerusalem Report