Vocês estão prestes a entrar em um mundo diferente. Um mundo negro onde o mal reinou durante doze longos anos. Um mundo criado por seres humanos para matar outros seres humanos. A Shoá foi uma tentativa dos nazistas e seus cúmplices de aniquilar o povo judeu.
O silêncio é uma presença permanente nos corredores do Yad Vashem, o museu do Holocausto situado no Monte Herzl, em Jerusalém. Mais do que devido à imposição dos cartazes, o silêncio surge naturalmente dentro de cada visitante que chega ao local construído para lembrar, reverenciar e manter viva a memória dos seis milhões de judeus que pereceram durante o Holocausto. Invariavelmente, os que visitam o Yad Vashem ficam emocionalmente abalados com o que vêem: a lista de nomes das comunidades varridas do mapa, das milhões de vítimas e das milhões de crianças; as fotos, os documentos, a luz que permanece acesa em memória eterna. Dor, raiva, perplexidade perante tanta maldade, vergonha de pertencer à mesma humanidade que perpetrou ou que permitiu tamanha barbaridade - são sentimentos que tomam conta dos visitantes. O coração fica apertado, um nó fecha a garganta e lágrimas banham os rostos dos milhares que por lá passam. Muitos nem conseguem terminar o roteiro.
Durante sua visita à instituição, em 2000, o papa João Paulo II declarou: “Não há palavras fortes o suficiente para lamentar a terrível tragédia da Shoá... Aqui, como em Auschwitz e em muitos outros lugares da Europa, somos esmagados pelo eco dos lamentos. Homens, mulheres e crianças gritam para nós das profundezas do horror que conheceram. Como falhamos em não ouvi-los?... Nós queremos lembrar. Mas lembrar com um objetivo, para garantir que o mal jamais volte a prevalecer!”
O Instituto Yad Vashem foi criado em 1953, através de uma lei do Knesset. No entanto, já em meados da década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, ativistas sionistas em Eretz Israel acreditavam ser necessário erguer um monumento para as vítimas do nazismo. A verdade sobre a extensão da tragédia que se abatera sobre os judeus da Europa durante a guerra, apenas trazida à luz após 1945, tornou imperativa a criação de um memorial em honra dos seis milhões de mártires.
Yad Vashem foi o primeiro museu do mundo dedicado ao Holocausto e, desde sua idealização, nasceu com uma missão sagrada: documentar a história e a trajetória dos judeus durante a Shoá, preservando a memória e a lembrança de cada uma das seis milhões de vítimas e transmitindo o legado do Holocausto às novas gerações. Liskor veló Lishkoach, “lembrar e não esquecer”. Esta é a razão de existir do Yad Vashem e um mandamento para as gerações futuras - manter a Shoá viva em sua memória.
No decorrer dos 50 anos desde a sua fundação, o Yad Vashem se transformou em uma instituição com inúmeras facetas, não se limitando a arquivar e relembrar. Ampliou a sua missão, incluindo atividades nas áreas de educação, pesquisa e publicação de material e livros. Como resultado, possui atualmente o maior arquivo documentado do mundo sobre aShoá, incluindo um banco de dados computadorizado com o nome das vítimas judias das atrocidades nazistas.
A cada ano, a Escola Internacional de Estudos sobre o Holocausto, criada em 1999, recebe dezenas de milhares de alunos e professores de Israel e do exterior. O Instituto Internacional para Pesquisa do Holocausto, por sua vez, organiza seminários e conferências, além de editar inúmeras publicações. Dentro deste setor, o Instituto já publicou 18 dos 32 volumes da Enciclopédia das Comunidades, uma obra histórica e geográfica sobre cada comunidade judaica destruída pelos nazistas e seus colaboradores.
O desafio do futuro
No dia 16 de setembro de 2003, foram oficialmente abertas as comemorações dos 50 anos de fundação do Instituto para a Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto - Yad Vashem, em Jerusalém. Realizada na Esplanada do Gueto de Varsóvia, a cerimônia de abertura contou com a presença de inúmeras autoridades, entre as quais, o primeiro-ministro Ariel Sharon; o presidente de Israel, Moshe Katsav; o presidente do Knesset (Parlamento), Reuven Rivlin; o presidente da instituição e seu presidente-honorário, Avner Shalev e Shevah Weiss, respectivamente, além de inúmeras outras personalidades que têm dedicado sua vida à preservação do legado do Holocausto. Entre estas, Simone Veil, Serge Klarsfeld e o cineasta Claude Lanzmann. Como parte da programação, a Orquestra Sinfônica de Jerusalém fez uma apresentação especial, com a participação do violinista Shlomo Mintz.
Nos últimos anos, a instituição vem-se preparando para enfrentar um grande desafio - a preservação do legado do Holocausto e sua transmissão às novas gerações quando desaparecerem os últimos sobreviventes da Shoá. Para enfrentá-lo, foi lançado no final da década de 90 o projeto Yad Vashem 2001, que previa a construção de um novo complexo, como uma extensão da estrutura existente, utilizando as mais modernas tecnologias. A idealização do projeto ficou a cargo do renomado arquiteto israelense, internacionalmente consagrado, Moshe Safdie. A realização da ampliação foi totalmente financiada por doações.
Considerado o segundo lugar mais visitado de Israel, depois do Muro das Lamentações, o Yad Vashemrecebeu mais de dois milhões de visitantes nos últimos anos. Diante desses números, o atual presidente da instituição, Avner Shalev, afirma que o interesse pelo tema do Holocausto vem crescendo igualmente entre a população judaica e a não judaica. Segundo ele, é cada vez maior o número de escolas em todo o mundo que ministram cursos sobre o tema, no Ensino Médio. Mais e mais países estão implantando centros educacionais e de pesquisa sobre a Shoá. Para ele, tais iniciativas provavelmente estão relacionadas com a recente virada do século e com uma certa necessidade que os indivíduos sentem de reavaliar o século passado. “Não há dúvida de que o Holocausto é o maior símbolo do grande mal do século XX um século que se iniciou com grande otimismo, devido à crença de que a tecnologia construiria um mundo melhor”.
O mais importante, dentro da missão do Yad Vashem, é oferecer aos visitantes uma experiência única e inesquecível sobre a tragédia que se abateu sobre o povo judeu, durante a Segunda Guerra Mundial, e não apenas uma visita a um memorial. A estrutura idealizada por Safdie permite aos visitantes passar do ambiente da Jerusalém urbana, da qual vieram, para o verde vale do Yad Vashem, levando-os gradativamente a uma retrospectiva das décadas de 1930 e 40, retratadas nas diferentes alas da instituição. Isto faz despertar sua consciência para a extensão da tragédia.
Desde a sua eleição para o cargo de presidente doYad Vashem, em 1992, Shalev vem-se dedicando a uma meta - fazer com que a essência da Shoápenetre na consciência de cada ser humano. Profundamente voltado à transmissão da memória do Holocausto às futuras gerações, é um dos principais responsáveis por inúmeros projetos educativos. Para ele, a comemoração do jubileu da instituição que dirige é o momento exato para se fazer uma reflexão sobre as realizações do Yad Vashem e também sobre o seu futuro. Como diz, a instituição surgiu para atender uma necessidade dos judeus da Diáspora e de Israel de erguer um monumento central, onde todos, sem exceção, pudessem lembrar-se dos fatos, tornando-se também um local para a reconstrução da memória coletiva, que, assim, seria transmitida a seus filhos e netos.
Essa preocupação está presente nas horas de depoimentos que o Yad Vashem vem recolhendo, ao longo dos anos, possibilitando a organização de um acervo único. Shalev, no entanto, não aceita que a instituição seja denominada ou considerada apenas um “museu”. Para ele, o aspecto museográfico é apenas uma pequena parte dentro de todo o conjunto da “Colina da Recordação”. Segundo Elie Wiesel, sobrevivente da Shoá e Prêmio Nobel da Paz, há muitos museus ligados à temática do Holocausto em todo o mundo, mas a fonte que os alimenta está noYad Vashem. Este é a alma e o coração da memória judaica.
Uma experiência intensa
Localizado no Har Hazicaron, em hebraico, “Colina da Recordação”, o Yad Vashem está dividido em inúmeras seções. A “Avenida dos Justos entre as Nações” é composta por árvores que formam uma trilha em direção ao museu. Cada árvore foi plantada em homenagem a um não-judeu que arriscou sua vida para salvar judeus, durante o Holocausto. São 19 mil árvores, atualmente, lembrando pessoas que não tiveram medo de sofrer represálias nazistas pelo fato de ajudarem a salvar vidas judias. O “Hall dos Nomes” foi criado para registrar a memória daqueles que tiveram suas vidas ceifadas pelos carrascos de Hitler. Milhões de nomes têm sido inscritos desde a inauguração da ala, em 1968. O “Memorial das Crianças”, aberto em 1987, é dedicado ao milhão e meio de crianças assassinadas pelos nazistas. O “Vale das Comunidades”, inaugurado no início da década de 1990, traz o nome, em um mapa da Europa, de cerca de cinco mil comunidades judaicas destruídas durante a Segunda Guerra Mundial pela implacável máquina nazista.
O Museu Histórico é composto por cinco galerias divididas cronologicamente. A primeira faz uma retrospectiva das políticas antijudaicas na Alemanha, de 1933 até 1939, a partir da ascensão do Partido Nacional Socialista ao poder, a indicação de Adolf Hitler como chanceler, passando pela aprovação das Leis de Nuremberg (1935), a Noite dos Cristais (1938), a Conferência de Evian (1938) e a eclosão da Segunda Guerra (1939).
A segunda galeria retrata a evolução dos guetos na Polônia, de 1939 a 1941, ressaltando os eventos ligados ao Gueto de Varsóvia, no qual morreram cerca de 85 mil judeus; a terceira aborda os assassinatos em massa, a partir de junho de 1941, com a invasão da então União Soviética pelos alemães e o início da implementação da chamada “Solução Final”, com a criação dos campos de morte. Destes, o maior foi o complexo Auschwitz-Birkenau.
A quarta galeria retrata a Resistência Judaica. O primeiro levante armado judaico aconteceu em Vilna, repetindo-se posteriormente em Kovno, Cracóvia, Bialistok e Varsóvia. A última galeria narra a história da libertação dos campos, a rendição dos alemães, o final do conflito e o período após 1945. Mostra, ainda, o Julgamento de Nüremberg, que julgou e condenou os criminosos de guerra nazistas. Milhares de sobreviventes deixaram a Europa para construir uma nova vida em Eretz Israel.
No “Hall da Recordação”, uma luz arde incessantemente. É a chama da luz eterna que brilha em memória dos milhares exterminados nos campos de concentração. Ao redor da chama, estão inscritos na parede os nomes dos 22 campos nazistas e dos demais locais de matança. É ali que os visitantes geralmente recitam o Kadish - a oração em memória dos que se foram. Esta área foi criada pelos artistas plásticos israelenses David Palombo e Boris Schatz.
Em uma de suas inúmeras visitas ao Yad Vashem, Wiesel disse: “Vamos recitar o Kadish não apenas pelos mortos, mas também pelos vivos que esqueceram a morte. E deixemos que a oração seja mais do que uma oração, mais do que um lamento; deixemos que seja também ultraje, protesto e desafio. E, acima de tudo, que seja um ato de lembrança. Pois é isso o que as vítimas desejam: ser lembradas, ao menos ser lembradas. Da mesma maneira que os assassinos estavam determinados a apagar a memória judaica, os mártires e heróis mortos estavam determinados a mantê-la viva. Agora, eles estão sendo difamados; ou esquecidos - que é o mesmo que matá-los pela segunda vez. Vamos dizer o Kadish juntos - e não permitir que outros os difamem postumamente”.