Apesar dos 94 anos de idade, ele, um sobrevivente do Holocausto, vai ao trabalho diariamente. O mais célebre caçador de nazistas da história, Simon Wiesenthal, continua a freqüentar seu escritório em Viena com uma perseverança ímpar e com uma impecável pontualidade.
A rotina, no entanto, não é mais a mesma. Wiesenthal já deixou de mergulhar nas investigações que o mobilizaram durante décadas e, agora, dedica-se a transportar para o computador seu vasto e rico arquivo, recheado de documentos e de dossiês que ajudaram na captura de mais de mil criminosos de guerra.
“ Encontrei os assassinos que buscava, e vivi mais do que eles”, declarou Wiesenthal em abril passado à Format, uma publicação austríaca. “Se há alguns poucos que eu não busquei, eles estão muito velhos e frágeis para enfrentar um julgamento”. O célebre caçador, gradualmente, sai de cena, diz que se aposenta, mas os esforços para fazer justiça não desaparecem. Nos últimos anos, outros investigadores assumiram o comando das buscas, entre eles Serge Klarsfeld, em Paris, e Eli Rosenbaum, diretor do Escritório de Investigações Especiais do Departamento de Justiça dos EUA.
No entanto, é Efraim Zuroff, chefe do escritório em Jerusalém do Centro Simon Wiesenthal, que desponta como o principal herdeiro do maior caçador de nazistas da história. “Ainda há centenas, talvez milhares, de pessoas em liberdade que participaram da perseguição aos judeus”, avaliou Zuroff. Segundo ele, existem cerca de 400 investigações em curso, 180 delas iniciadas no ano passado e especialmente nos países bálticos: Lituânia, Letônia e Estônia.
O norte-americano Eli Rosenbaum revelou que seu departamento registrou, em 2002, um número recorde de casos. Mas as investigações hoje se voltam principalmente para nazistas de escalões mais baixos, em contraste com o trabalho de décadas passadas, que visava capturar os principais arquitetos da barbárie.
No entanto, um dos integrantes da cúpula nazista conseguiu escapar à Justiça. Simon Wiesenthal relatou recentemente: “Há uma pessoa que sabemos ter sido responsável pela morte de 130 mil judeus e que vive na Síria: Alois Brunner”. Nascido em 1912, Brunner, braço direito do coordenador da “Solução Final”, Adolf Eichmann, se entrincheirou em Damasco nos anos 50, sob a proteção do regime sírio e com o nome falso de Georg Fischer.
Em abril, Efraim Zuroff anunciou que o Centro Simon Wiesenthal renovaria pressões na tentativa de conseguir a extradição de Alois Brunner. “Não há dúvida de que os Estados Unidos deveriam incluir a questão Brunner como um dos temas a serem negociados com os sírios”, disse Zuroff. “Vamos pedir que a questão seja colocada na agenda, especialmente se houver um diálogo significativo entre Washington e Damasco”.
Enquanto Zuroff leva adiante a herança de Wiesenthal, o caçador de nazistas mais célebre da história organiza seu arquivo, no qual a captura de Eichmann ocupa lugar especial. Em 1953, Wiesenthal descobriu que o coordenador da “Solução Final” havia se escondido na Argentina. Passou a informação a autoridades israelenses, que conseguiram, em 1960, capturar o criminoso em solo argentino e levá-lo para ser julgado em Israel. Eichmann foi condenado à morte e enforcado em 1962.
Wiesenthal, nascido em 1908 em Buczacz, na região da cidade de Lvov (atual Ucrânia Ocidental), passou os últimos dias da Segunda Guerra Mundial no campo de concentração de Mauthausen, na Áustria. Salvo por tropas norte-americanas, passou a colaborar com seus libertadores reunindo provas das atrocidades nazistas, usadas posteriormente nos julgamentos de Nuremberg.
Wiesenthal, após o final do trabalho com os militares dos EUA em 1947, juntou-se a mais 13 voluntá-rios e abriu o Centro de Documentação Histórica Judaica, em Linz, na Áustria. Já imaginava a necessidade de continuar a busca por criminosos nazistas. Mas, em 1954, ele e seus colegas fecharam a organização, desiludidos com a falta de empenho da comunidade internacional na caça aos herdeiros de Adolf Hitler. A Guerra Fria entre Washington e Moscou crescia e praticamente monopolizava atenções.
Depois de fechar o escritório em Linz, Wiesenthal e colaboradores enviaram seus arquivos ao instituto Yad Vashem, em Jerusalém. Mantiveram, no entanto, um dossiê: o de Adolf Eichmann. O sucesso na captura do criminoso nazista levou Wiesenthal a reabrir o centro de documentação, desta feita em Viena. As investigações ganharam novo impulso, e as capturas voltaram a ocorrer.
Em 1966, Karl Silberbauer, o homem da Gestapo que prendeu Anne Frank, foi localizado em solo austríaco. Três anos depois, a cidade alemã de Stuttgart iniciou o julgamento de 16 oficiais da SS responsáveis pelo massacre de judeus em Lvov. Nove deles haviam sido encontrados por Wiesenthal. O caçador estendeu seus tentáculos até o Brasil, auxiliando, no final dos anos 60, na captura de Franz Stangl, comandante dos campos de concentração de Treblinka e de Sobibor.
O extenso e minucioso trabalho de investigação de Simon Wiesenthal modelou uma época. Deixou marcas indeléveis. E sua herança não se limita ao Centro de Documentação de Viena. Em 1977, criou-se uma instituição em Los Angeles que leva o seu nome, voltada à defesa dos direitos humanos, à preservação da memória do Holocausto e ao monitoramento de grupos de extrema direita. As atividades do Centro Simon Wiesenthal trouxeram prestígio e reconhecimento internacional à entidade, que conta com escritórios em Nova York, Toronto, Miami, Jerusalém, Paris e Buenos Aires.
Para Wiesenthal, seu incansável trabalho de documentação, hoje migrando para o computador, não se restringe aos esforços para captura de criminosos nazistas. Ele também dedica grande importância aos depoimentos de sobreviventes do Holocausto, a fim de preservar registros sobre as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. Para ilustrar a relevância de seu trabalho, Wiesenthal, nos parágrafos finais de seu livro de memórias (Os Assassinos Entre Nós, 1967), relatou uma conversa que manteve com um agente da SS, em 1944, quando o conflito se aproximava de seu final. O nazista argumentou: “Você contaria a verdade (sobre os campos de extermínio) às pessoas na América. E sabe o que ocorreria, Wiesenthal? Elas não acreditariam em você. Di-riam que você está louco. Poderiam até colocá-lo num asilo. Como pode alguém acreditar nessa história terrível – a menos que a tenha vivenciado?”n
O jornalista Jaime Spitzcovsky é diretor do site www.primepagina.com.br e articulista da Folha de S. Paulo. Foi editor internacional e correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.
Centro Wiesenthal a promotor público russo: ‘Parem de vender material racista’
Uma carta enviada ao promotor público estatal Vladimir Ustinov, o diretor para assuntos inter-nacionais do Centro Simon Wiesenthal, Shimon Samuels, informou que “a livraria da Duma (o parlamento russo) está atualmente vendendo livros anti-semitas da série extremista “Livraria de Pensamentos Sociais”.
Samuels chamou a atenção para o fato de entre as publicações disponíveis estarem inclusos “os notórios ‘Trabalhos Selecionados na Ciência Racista’ do insuflador de ódio racista, Hans Guenther (publicado pela editora Belye de Moscou, 2002), que, em sua introdução, sem nenhum pudor, exalta o racismo, o nazismo e o fascismo”.
Ele acrescentou que “isto é não somente um insulto à memória dos 25 milhões de mártires russos do nazismo, na Segunda Guerra Mundial, mas também uma violação da Constituição da Federação Russa e das suas moções legislativas contra o incitamento”. O Centro pediu ao promotor que “condene e suspenda tais vendas na Duma e que tome medidas contra aqueles que tentam disseminar o ódio em sua vizinhança”.