Mais de 50 anos depois, o enigma do desaparecimento de Raoul Wallenberg ainda não foi solucionado de maneira a satisfazer todas as partes envolvidas, principalmente os seus familiares e as autoridades suecas, apesar de dois relatórios divulgados no final do ano passado sobre o caso.
Em 22 de dezembro de 2000, Moscou, anunciou oficialmente que o diplomata sueco Raoul Wallenberg, responsável pelo salvamento de milhares de judeus da Hungria, durante a Segunda Guerra Mundial, seria reabilitado. O governo da Rússia, ex-parte da União Soviética, reconheceu, também, que Wallenberg foi preso em 17 de janeiro de 1945 por membros do serviço de inteligência soviética em Budapeste, capital da Hungria, juntamente com seu motorista Vilmos Langfelder, quando a cidade foi libertada da dominação nazista. Ainda segundo o governo russo, o diplomata sueco foi mantido em cárcere por cerca de dois anos e meio, sendo então executado com seu motorista em 1947. Por razões políticas, ambos teriam sido vítimas dos expurgos do regime de Stalin. Wallenberg foi detido sob acusação de espionagem a favor dos americanos.
Segundo as autoridades russas, a reabilitação veio de encontro a uma solicitação feita pelo Gabinete de Promotoria Militar, que teria estudado vários arquivos e concluído que Wallenberg e seu motorista foram vítimas dos expurgos e, por isso, estariam dentro dos requisitos das Leis de Reabilitação das Vítimas da Repressão Política, de 1991. Segundo o comunicado da Promotoria Geral da Rússia, os dois suecos foram enviados à prisão de Lefortovo, da KGB, em Moscou. Alexander Yakovlev, coordenador da Comissão Presidencial Para Reabilitação das Vítimas da Repressão Política, afirmou que apesar dos documentos sobre o Caso Wallenberg não estarem disponíveis “há fortes evidências que permitem concluir que o diplomata foi morto com um tiro”.
Com essa iniciativa, as autoridades russas têm como objetivo acabar com as especulações sobre o destino de Wallenberg, que têm proliferado desde que havia sido anunciada pela primeira vez a sua morte em 1947. Desde então, vinham circulando diferentes versões. Em 1957, a Chancelaria soviética havia divulgado um memorando informando que, segundo testemunho de um dos diretores do serviço de saúde da prisão, “Wallenberg morrera repentinamente em 17 de julho de 1947 possivelmente vítima de uma deficiência cardíaca”. Outros relatos diziam que o diplomata sueco foi mantido preso até meados de 80, ou então ainda poderia estar vivo, após ter sido transferido para inúmeras prisões soviéticas.
O comunicado oficial de Moscou, no entanto, não satisfez nem os familiares de Wallenberg, que continuam sem entender o que de fato aconteceu, pois todos os arquivos sobre o caso teriam desaparecido da então União Soviética, nem historiadores que vêm estudando o episódio há décadas. Também em dezembro último, um grupo de estudiosos russos e suecos divulgou um relatório sobre o Caso Wallenberg, após ter pesquisado em 71 volumes de documentos.
Segundo Hans Magusson, um dos membros do grupo, a maior probabilidade é que ele tenha sido executado ou assassinado logo após sua prisão, mas os historiadores não conseguiram encontrar nenhuma prova que confirmasse esta suposição. “Portanto, também não podemos excluir a possibilidade de Wallenberg ter vivido por mais tempo”.
Simultaneamente ao trabalho realizado pelo grupo russo e sueco, outra equipe de consultores independentes, coordenada por Guy von Dardel, meio irmão de Wallenberg, elaborou outro relatório, segundo o qual o diplomata pode ter vivido até 1989, fato que permaneceu oculto por várias razões, entre as quais a prática dos soviéticos de registrar alguns prisioneiros com números ao invés de seus nomes justamente para ocultar sua identidade. “O fato de o passaporte e de outros pertences de Wallenberg terem sido devolvidos aos seus familiares em 1989 constitui uma forte evidência de que ele pode ter vivido até esta data, como alguns testemunhos comprovam”, disse von Dardel.
No mesmo documento, os consultores independentes afirmam que o governo sueco desperdiçou várias oportunidades logo após a guerra que poderiam ter levado à libertação do diplomata em troca de cidadãos soviéticos que haviam se refugiado na Suécia.
Mencionam, ainda, um encontro entre o embaixador sueco em Moscou, Staffan Soderblom, e o líder soviético Stalin, em 15 de junho de 1946, durante o qual o nome de Wallenberg sequer fora mencionado, pois Soderblom estava convicto de que este morrera em Budapeste.
As autoridades da Suécia também não parecem muito satisfeitas com a atual posição russa. Logo após a divulgação do relatório dos historiadores, o primeiro-ministro sueco Goran Persson desculpou-se com os familiares do Wallenberg por erros eventualmente cometidos durante este caso. Persson afirmou que a busca de informações deverá continuar, pois deve-se partir do princípio de que ele não morreu em 1947.
A posição do governo da Suécia foi dúbia durante décadas, tanto que o primeiro monumento dedicado a Wallenberg foi inaugurado em uma área pública somente em 1998. É uma estátua de bronze, localizada em um subúrbio de Estocolmo.
Coragem e determinação
Quando Raoul Wallenberg assumiu o cargo de secretário da missão sueca em Budapeste aos 32 anos, em junho de 1944, os exércitos de Hitler já tinham aniquilado a maioria das mais importantes comunidades judaicas da Europa, com exceção da de Budapeste, que um dia tivera 700 mil membros. Em julho de 1944, 400 mil judeus – homens, mulheres e crianças – já tinham sido deportados para os campos de morte no sul da Polônia; 230 mil ainda estavam na cidade.
Enquanto Adolf Eichman formulava os planos para intensificar as deportações em massa, com operações diárias, o jovem diplomata sueco empenhava-se para impedir a morte de milhares de seres humanos pelos carrascos nazistas. Tendo recebido autorização do Ministério das Relações Exteriores da Suécia para emitir 1.500 passaportes para judeus, conseguiu elevar esta cota para 4.500 e, no final, triplicou os números. Wallenberg montou uma equipe de 400 funcionários - dos quais 250 eram judeus - para atender a demanda. Ele próprio não dormia mais do que quatro horas por noite.
O diplomata instalou hospitais, berçários, cozinhas coletivas e casas seguras através de Budapeste para ajudar os judeus. Intercedeu pessoalmente junto aos nazistas para impedir as deportações em massa, como ocorreu em dezembro de 1944, quando soube que os alemães pretendiam matar os 70 mil judeus que ainda viviam no gueto central de Budapeste.
Ele entrou em contato com o general alemão August Schmid-thuber, um comandante da SS, e pediu-lhe que não desse continuidade aos seus planos. Wallenberg ameaçou-o, dizendo que faria tudo para garantir que o militar fosse enforcado como criminoso de guerra se o massacre ocorresse. Schmid-thuber ordenou que os planos fossem suspensos. Com esta atitude, Wallenberg conseguiu salvar 70 mil pessoas. Segundo fontes húngaras, durante os seis meses em que atuou em Budapeste o diplomata sueco foi responsável pela sobrevivência de 100 mil judeus, seja emitindo passaportes, ajudando os prisioneiros a saírem dos trens da morte e distribuindo alimentos e medicamentos.
Os esforços de Wallenberg em prol dos judeus húngaros foram reconhecidos pelo Estado de Israel, que determinou a plantação de uma árvore em sua homenagem no Bosque dos Gentios, dedicados aos não-judeus que ajudaram a salvar vidas judias das perseguições nazistas.
Dados pessoais
Raoul Wallenberg nasceu no dia 4 de agosto de 1912, em Estocolmo, no seio de uma família de prestígio na Suécia e no exterior. Seu pai morreu vítima de câncer três meses antes de seu nascimento e tinha sido um oficial da Marinha do país. Seu avô fora embaixador no Japão e seus tios, Jacob e Marcos, eram banqueiros, tendo fundado o Banco Enskilda, na Suécia. Outros membros de sua família foram bispos da Igreja Luterana e diplomatas.
Sua mãe, Maj Wising de solteira, também vinha de uma família tradicional. Seu pai foi o primeiro professor de neurologia do país e seu bisavô foi um judeu de nome Benedicks, que imigrou para a Suécia, onde se tornou joalheiro e, eventualmente, assessor financeiro do rei. Quando Wallenberg tinha seis anos sua mãe casou-se com Frederick Von Dardel e teve mais dois filhos, Nina e Guy.
Em 1930, Wallenberg formou-se no curso médio, com especialização em Desenho e Russo, ingressando na Universidade de Michigan no ano seguinte. De 1934 a 1935 viajou pela África do Sul e, em 1936, foi a Haifa, retornando à Suecia no mesmo ano para começar sua carreira na Companhia Central Européia de Comércio, onde atuou até assumir a missão em Budapeste.