A judia Marthe Cohn cresceu em Metz, na Alsácia-Lorena, uma região por muitos séculos disputada entre a França e a Alemanha. Educada num lar ortodoxo, Marthe jamais imaginou que, com pouco mais de vinte anos de idade, agiria como espiã, infiltrada nas tropas nazistas. É extraordinária a história da sua sobrevivência e coragem.

A Alsácia-Lorena pertenceu à França durante os séculos 17 e 18, passando em seguida ao controle da Alemanha. Depois da Primeira Guerra Mundial, a província retornou ao domínio da França. Em 1938, depois da conferência de Munique, os judeus de Metz passaram a sofrer represálias por parte da população local, repetindo-se ataques semelhantes aos que haviam ocorrido em Berlim, no mesmo ano, na Noite dos Cristais. A região foi novamente ocupada pela Alemanha na Segunda Guerra. Naquela ocasião, ali viviam cerca de 20 mil judeus, dos quais 14 mil buscaram refúgio em Estrasburgo, onde já vivia uma grande comunidade judaica desde a Idade Média. Em julho de 1940 foram todos expulsos e os nazistas declararam que a Alsácia-Lorena podia ser considerada Judenfrai (livre dos judeus).

Marthe Cohn (Gutgluck, de solteira) nasceu em Metz, cidade contígua à fronteira da Alemanha, no dia 13 de abril de 1920, sendo uma de seis irmãos e irmãs. Desde cedo sua identidade judaica se fortaleceu através das narrativas das tragédias sofridas pelos judeus de Metz ao longo da história. Durante as Cruzadas de 1096 ali foi perpetrado um massacre de judeus. Em 1322, judeus foram queimados vivos, acusados de envenenarem os reservatórios de água da cidade. O episódio que mais sensibilizou a jovem Marthe ocorreu em 1670. Na aldeia de Bolchen, perto de Metz, vivia um judeu observante chamado Rafael Halevi. Ele foi absurdamente acusado de ter assassinado uma jovem cristã para fins rituais. Preso e sucessivamente torturado, Halevi negou ser o autor do crime. Embora o verdadeiro criminoso tivesse sido descoberto, os juízes, pressionados pelos comerciantes locais que queriam livrar-se da concorrência dos judeus, mantiveram a condenação à morte e ordenaram a expulsão dos judeus de Metz. Envolto em seu talit (xale para orações), Rafael Halevi foi queimado vivo.

Marthe recorda que apesar de não haver um antissemitismo explícito em Metz era possível perceber a hostilidade com que os judeus eram tratados. Assim, logo que se iniciou a Segunda Guerra, sua família transferiu-se para a cidade de Poitiers, a 200 quilômetros de distância. Àquela altura, dois de seus irmãos serviam ao exército francês. O mais velho estava na Linha Maginot e o mais novo na Tunísia, tendo sido dispensado em 1940 porque o exército francês passara a proibir a presença de judeus em suas fileiras. O irmão da Linha Maginot foi capturado pelos alemães que haviam invadido a França e enviado a um campo de prisioneiros em Estrasburgo, de onde conseguiu escapar, juntando-se à família em Poitiers, em dezembro de 1940. Marthe escreveu em seu livro Atrás das Linhas Inimigas: Para nós, Poitiers parecia um país diferente, onde viviam apenas quatro famílias judias, inteiramente assimiladas.Antes que uma leva de refugiados ali chegasse, a população local, de um modo geral, desconhecia os judeus e ainda havia quem acreditasse que nós tínhamos chifres e rabos à feição de animais. De qualquer maneira, os habitantes de Poitiers nos acolheram com boa vontade porque, afinal de contas, éramos todos franceses e teríamos que enfrentar um inimigo comum”. Às noites, os Gutgluck se reuniam para captar em ondas curtas a Radio France e assim puderam tomar conhecimento da ascensão de Churchill ao poder, na Inglaterra, a investida nazista sobre a Bélgica, a retirada de Dunquerque e a ocupação de Metz: “Fiquei angustiada, imaginando que fim levaria a magnífica biblioteca do meu pai”.

Aos poucos, a família foi-se adaptando à vida em Poitiers, naquela quadra de 1940, e o pai conseguiu abrir um pequeno negócio, fechado no ano seguinte por ordem dos alemães que, aos poucos, foram implantando suas ações antissemitas. Os chefes de famílias judaicas foram obrigados a comparecer à prefeitura e a preencher formulários nos quais deveriam constar os nomes e as datas de nascimentos de todos os seus familiares. Qualquer omissão seria punida com prisão ou morte: “Ao mesmo tempo, idênticas iniciativas aconteceram na cidade de Vichy que, pelo menos teoricamente, não era considerada uma zona ocupada. Nas fachadas de todas as lojas de judeus tornou-se obrigatória a inscrição Maison Juive (casa judaica).

O irmão mais velho de Marthe, que fugira do campo de prisioneiros, tentou sair da França, mas foi preso em Bordeaux. Os alemães não sabiam de seu passado de fugitivo, nem que se tratava de um judeu, mas assim mesmo foi trancado numa cela em Poitiers. Ele conseguiu fugir mais uma vez e se esconder em Saint Etienne, na zona não ocupada.
O irmão menor tomou a mesma direção da zona não ocupada: “Em nossa ingenuidade, imaginávamos que somente os mais moços corriam perigo e que nada aconteceria aos mais velhos e às mulheres. Minha irmã Stephanie e eu fazíamos o possível e o impossível para ajudar as pessoas que também queriam fugir para a zona não ocupada. Para isso contamos com a colaboração de um fazendeiro cristão chamado Noel Degout, da aldeia de Dienne, perto de Poitiers, que ajudou centenas de judeus a atravessarem suas terras fronteiriças sem pretender qualquer vantagem pessoal. Ele recebeu postumamente o título de Justo Entre as Nações, concedido pelo Yad Vashem (Museu do Holocausto) depois que, em Jerusalém, leram a seu respeito no meu livro”.

Em junho de 1942, Stephanie foi presa por causa de um descuido. Degout, lhe havia dado cupons de racionamento de tabaco recebidos de um judeu a quem ajudara. Esses cupons poderiam ser trocados de forma oculta por cupons de comida. A jovem foi flagrada pelos alemães no momento dessa troca. Apesar do insistente interrogatório, ela não revelou o nome do fazendeiro. Em represália, a Gestapo prendeu seu pai, mas libertou-o em seguida, sem mandado de deportação, porque a condição de cidadão francês ainda era respeitada. Somente os judeus estrangeiros eram levados aos campos de extermínio. Stephanie foi mandada para uma internação perto de Limoges, em seguida para Drancy e finalmente para o campo de Pithiviers. A família Gutgluck conseguiu de forma mirabolante organizar uma ação através da qual ela escaparia do campo, mas a irmã de Marthe recusou. Conseguiu mandar uma mensagem dizendo que se isso acontecesse, toda a família seria presa e deportada. No Yom Kipur (Dia do Perdão) de 21 de setembro de 1942 ela foi colocada num trem direcionado a Auschwitz, de onde nunca mais voltou.

Em Poitiers, Marthe fez amizade com um cavalheiro chamado Charpentier, seu colega de trabalho na prefeitura. De forma espontânea, este lhe disse ter ouvido um rumor segundo o qual haveria uma ação contundente contra os judeus e se ofereceu para fornecer a toda a família novas identidades: “Eu lhe perguntei quanto custaria e ele me respondeu, com lágrimas nos olhos, que jamais faria aquilo por dinheiro. Nunca mais o esqueci”.

No mesmo dia, uma amiga de Marthe da escola de enfermagem que ambas frequentavam, chamada Odile de Morin, abrigou a família Gutgluck em sua casa, porque à noite, conforme ordens nazistas, os judeus franceses seriam presos e deportados por policiais também franceses. (A jovem Odile também recebeu de forma póstuma o título de Justa Entre as Nações). Dois dos irmãos de Marthe estavam em Arles onde todos se reuniram e foram para Marselha, zona não ocupada. Nesta cidade, Marthe terminou o curso de enfermagem na escola mantida pela Cruz Vermelha. Uma de suas irmãs, Cecile, conseguira chegar escondida a Paris. Marthe foi ao seu encontro dois meses antes do desembarque aliado na Normandia. O panorama permanecia sombrio porque o conflito estava longe de terminar. Em Paris, as duas irmãs souberam do fuzilamento de 700 franceses na cidade de Oradour-sur-Glane, em represália a um ato de sabotagem.

Mal acreditaram nas fotografias que mostravam Londres bombardeada e vibraram com a notícia sobre a captura de Varsóvia pelo exército soviético. Marthe decidiu que era seu dever participar da Resistência. Depois de tortuosas iniciativas conseguiu encontrar-se com um dos chefes dos resistentes. Ela não esqueceu a conversa: “Ele me questionou por mais de uma hora e finalmente disse: Mademoiselle, você não passa de uma criança, o que acha que pode fazer por nós?” Durante uma semana, as duas moças observaram da janela de seu apartamento a luta pela libertação de Paris que crescia, a ferro e fogo, enquanto as forças aliadas, depois do desembarque no Dia D, avançavam na direção da capital da França. Apesar dos tiroteios, Marthe conseguiu chegar até a sede da Cruz Vermelha e se ofereceu como voluntária: “Sou enfermeira formada e quero cuidar das pessoas feridas nas ruas. A mulher que me recebeu, perguntou se eu era judia. Confirmei. Ela então respondeu que judeus não eram aceitos em sua organização. Foi incrível constatar como alguns franceses permaneciam obstinados em seu antissemitismo, mesmo naquelas circunstâncias”. Os combates continuaram nas ruas da capital até que, na noite de 24 de agosto de 1944, os parisienses souberam que as tropas da França Livre, comandadas pelo coronel Jacques Leclerc, já estavam às portas da cidade. Marthe escreveu em seu livro: “A libertação de Paris foi uma resposta para as nossas orações e eu sempre soube que isto acabaria acontecendo. É claro que muitas vezes eu tive medo e depressão, mas jamais deixei de confiar que o bem dos aliados triunfaria sobre o mal dos alemães”.

Em outubro de 1944, depois da libertação, Marthe procurou as autoridades francesas, apresentando-se como voluntária para integrar o exército, mas em função de sua pouca idade e nenhuma experiência militar não foi aceita. Em Marselha, ela conhecera um estudante de medicina chamado Jacques Delaunay com quem mantinha um relacionamento. Entretanto, o rapaz se engajou na Resistência e sumiu de sua vida. Em Paris, ela se encontrou com a mãe de Delaunay que lhe disse que o filho fora fuzilado na prisão pelos nazistas e o marido, também da Resistência, fora preso e assassinado no campo de concentração de Buchenwald. A senhora Delaunay, mãe e esposa de dois heróis de guerra, interveio em favor de Marthe. Em novembro, a jovem Cohn foi aceita como enfermeira pelo exército e enviada para a frente de combate ainda em curso na Alsácia-Lorena.

Chegou a uma aldeia perto de Metz. Foi levada a um oficial do serviço de inteligência e novamente submetida a longo interrogatório. Falou-lhe sobre as atividades de ajuda a refugiados que havia desempenhado junto com a irmã Stephanie e enfatizou que procurara a Resistência sem ser levada a sério. O oficial não revelou o menor entusiasmo por seu relato e ainda ironizou: “Você deveria é ter matado alguns alemães”. Marthe respondeu que era enfermeira e, portanto, sua missão era trazer pessoas para a vida e não conduzi-las à morte. Acrescentou: “Seus chefes em Paris me mandaram para cá e é aqui que eu vou ficar”. O capitão não se deu por achado: “Estou abarrotado de enfermeiras. Você vai trabalhar como assistente social”. Enfim, ordens eram ordens. Marthe tomou o rumo das trincheiras e passou a assistir aos soldados trazendo-lhes o que mais precisavam: meias grossas de lã, cobertores, alimentos, mais agasalhos, materiais de leitura e de escrita. Uma das trincheiras em que se encontrava ficou sob intenso fogo de artilharia: “Eu me afundei na trincheira e fiquei imóvel até que tudo serenasse. Esta foi a minha bravura sob fogo inimigo...”

Certa ocasião, Marthe foi apresentada ao coronel Pierre Fabien, um dos mais destacados membros da Resistência. Ele tinha a cabeça a prêmio pelos alemães por ter detonado uma bomba num vagão do metrô de Paris repleto de soldados e oficiais nazistas. Durante as duas semanas de lutas em Paris, antes da libertação, Fabien comandara um grupo de resistentes tão eficientes e corajosos que De Gaulle o inscreveu como um regimento do exército francês. Era este o regimento em que Marthe servia como assistente social. Dias depois, ela se encontrava na sala de Fabien quando este lhe pediu para atender ao telefone enquanto almoçava. Desculpou-se: “Sinto não ter nada aqui para você ler nesse meio tempo. Só há livros em alemão”. Marthe respondeu que lia e falava alemão fluentemente e uma luz pareceu acender-se sobre a cabeça do coronel. Ele revelou que estava precisando com urgência de mulheres que soubessem falar alemão para cumprir missões no território da Alemanha, ainda ferozmente defendido: “Perguntou-me se eu aceitaria ser transferida para o serviço de inteligência. Disse que sim, ele saiu da sala, sentei-me em sua cadeira e fiquei pensando em que tipo de encrenca eu me havia metido, mas já era tarde”.

A missão oficial de Marthe Cohn no exército da França começou oficialmente no dia 20 de janeiro de 1945, tendo sido designada para a unidade conhecida como Commandes d’Afrique que havia combatido de forma excepcional nas frentes africanas e agora investia contra os alemães na Europa. Com temperatura abaixo de zero, Marthe foi levada para as montanhas de Vosges, uma cadeia que se estendia desde o vale do Reno até Mainz, num total de 250 quilômetros. Os combatentes se amontoavam no porão de um hospital abandonado e, somente naquele dia, 189 deles haviam morrido e 192 jaziam feridos. Da frente de combate, Marthe foi levada à presença de outro oficial que lhe perguntou se em algum tempo ela já havia interrogado prisioneiros alemães. Recebeu, então, um manual de técnicas de interrogatório e assim conseguiu colher importantes informações, sobretudo sobre os preparativos nazistas que lutariam na batalha das Ardenas, seu último esforço para conter o avanço das tropas aliadas, além de seguirem combatendo na região da Alsácia-Lorena. Em seguida, foi transferida para Mulhouse, no nordeste da França, onde passou a ser treinada para as tarefas de espionagem que deveria cumprir. O grupo ao qual pertencia atendia pelo codinome de “Antena” e se deslocou para a Suíça com a missão de dali penetrar em território alemão. Marthe atravessou a pé uma floresta até avistar, depois da localidade de Schaufhasen, dois sentinelas alemães junto a uma barreira na estrada. Saudou-os com o infalível “Heil Hitler” e lhes apresentou seus documentos nos quais constava o nome de Marthe Ulrich. Já em contato com os militares da Wermacht, disse-lhes que se alistara como enfermeira e que estava à procura de seu noivo, chamado Hans, do qual nunca mais tivera qualquer notícia. Se, por acaso, ele estivesse designado para a batalha das Ardenas, indagava informalmente, em qual regimento poderia estar servindo, ou talvez integrasse um corpo de blindados. Mas para encontrá-lo, precisava saber quantas unidades de combate estavam-se preparando para o confronto nas florestas das Ardenas e onde se concentravam. Colheu, assim, preciosas informações. Fez o perigoso percurso de volta para a Suíça e surpreendeu a inteligência francesa com a acuidade de suas narrativas, todas de memória, pois não podia arriscar ser flagrada com anotações. De tudo que descreveu, dois pontos foram cruciais: ao noroeste de Freiburg a Wernacht havia abandonado a linha de defesa conhecida como Siegfried e havia um considerável contingente de tropas alemãs concentrado na Floresta Negra com a missão de emboscar os aliados. Por conta de sua informação sobre o abandono da linha Siegfried, os aliados puderam alterar e facilitar seus planos relativos à invasão da Alemanha, porque não mais teriam que lutar para atravessar aquelas trincheiras até então consideradas inexpugnáveis. Como recompensa por sua ação, Marthe Cohn recebeu do governo da França, em 1945, a condecoração da Cruz de Guerra.

Sabendo de seu bom conhecimento da região da Alsácia-Lorena, a inteligência francesa enviou-a em fevereiro de 1945 para uma pequena aldeia perto da cidade alsaciana de Thann, com ordens para se apresentar a uma unidade de tanques: “Só entendi o que era claustrofobia quando me colocaram dentro de um tanque. Era tudo escuro somado a um cheiro insuportável de combustível. E lá estava eu, ao lado de um condutor do veículo e de mais dois soldados encarregados da artilharia. Parecíamos sardinhas dentro de uma lata”. O tanque no qual Marthe se encontrava investiu contra a cidade com o objetivo de expulsar os alemães, mas foi logo atingido por um morteiro: “Pensei comigo mesma, é aqui que você vai morrer, neste veículo e neste lugar, imobilizada entre dois homens que nunca antes viu na vida”.

O destino de Rafael Halevi cruzou seu pensamento: “Também vou ser queimada viva”. No fim das contas, conseguiu sair das profundezas do tanque e dias depois foi transferida para a localidade de Lutzelhof, onde seu comandante, o coronel Bouvert, chamou-a para uma conversa. Disse-lhe que tinham como prisioneiro um soldado raso da Wermacht que afirmava estar no exército nazista contra a sua vontade e que queria desertar para os aliados. Pediu que Marthe o interrogasse. O rapaz era alsaciano e repetiu que jamais pretendera lutar ao lado dos alemães. Talvez fosse verdade, porque os nazistas haviam recrutado à força cerca de 140 mil jovens da Alsácia para servirem como bucha para canhão na frente russa. Depois de uma longa sessão de perguntas e respostas, Marthe foi ao coronel e disse: “Pode prendê-lo. Trata-se de um espião”. – “Como você sabe?” – “Se de fato ele fosse alsaciano estaria na frente russa e não aqui”. Quando as forças aliadas estavam prestes a entrar em Freiburg, Marthe lhes antecedeu e mais uma vez vestiu o disfarce de enfermeira alemã à procura do noivo. Foi bem aceita pelos militares e novamente coletou informações que permitiram a invasão da cidade de forma mais rápida e eficiente.

Findo o conflito na Europa, Marthe se apresentou para servir como enfermeira na Indochina, onde as tropas francesas ainda guerreavam os invasores japoneses. Foi designada para um imenso navio da Força Expedicionária da França que deixaria Marselha com destino à zona do conflito. A viagem durou 36 dias e, quando chegou à Indochina (depois Vietnã), os japoneses já haviam sido derrotados. A mulher que comandava as enfermeiras era esposa de Henri Torres, o mais famoso advogado da França. Ao chegarem a Saigon, esta disse a Marthe: “Prepare-se que temos muito trabalho pela frente”.

Um dia, em viagem a Pnohm Penh, no Cambódia, Marthe sentiu o zumbido de um projétil a poucos centímetros de sua cabeça. A bala era proveniente de três franco-atiradores japoneses que simplesmente não sabiam que a guerra já havia acabado. Na Indochina, começou a namorar um oficial chamado Jacques Darrieux e os dois chegaram a pensar em casamento. “Mas, quando eu lhe disse que era judia, o relacionamento esfriou”.

Marthe retornou a Paris e, em seguida, mudou-se para Genebra com a finalidade de se aprimorar na carreira de enfermagem. Em 1956, ali conheceu um estudante de medicina americano, chamado Lloyd Cohn, com o qual se casou, e ambos foram morar em Palos Verdes, na Califórnia. Em 1998, em uma de suas viagens à França, decidiu resgatar os documentos referentes às atividades que cumprira no exército francês durante a Segunda Guerra. Enredou-se na burocracia e esqueceu o assunto. No ano seguinte, para sua surpresa, recebeu uma notificação do Ministério da Defesa da França, informando que fora agraciada com a Medalha do Mérito Militar, que lhe foi entregue pelo cônsul da França em Los Angeles. Em 2004 recebeu outra condecoração, ainda mais significativa: Cavaleira da Legião de Honra. Dois anos mais tarde, outra honraria francesa: a Medalha de Reconhecimento da Nação.

Somente na década de 90, com a aquiescência do marido, Marthe começou a desvendar seu passado na Segunda Guerra. Passou a percorrer dezenas de cidades dos Estados Unidos proferindo palestras que atraíram plateias cada vez mais numerosas e agora, aos 95 anos de idade, continua ativa e falante. No capítulo final de seu livro de memórias, escreveu: “Eu olho para mim mesma, para a toda a minha família, e sustento a cabeça erguida com grande orgulho. Apesar de tudo que passamos naqueles anos de terrores diários, nenhum de nós jamais perdeu as esperanças”.

Bibliografia
Cohn, Marthe e Holden, Wendy, Beyond Enemy Lines, Editora Three Rivers Press, EUA, 2002.

ZEVI GHIVELDER é escritor e jornalista