Judeus desesperados para abandonar paises dominados pelas Alemanha nazista se depararam com as portas fechadas no mundo inteiro - exceto por uma pequena brecha. A Inglaterra, num gesto singular, aceitou no final de 1938 acolher crianças judia numa operação que passou a ser conhecida como Kindertransport.
Nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, judeus desesperados para abandonar paises dominados pelas Alemanha nazista se depararam com as portas fechadas no mundo inteiro - exceto por uma pequena brecha. A Inglaterra, num gesto singular, aceitou no final de 1938 acolher crianças judia numa operação que passou a ser conhecida como Kindertransport.
a Alemanha perseguição contra os judeus iniciou-se em 1933 imediatamente após Hitler ter assumido o poder. Em novembro de1938 a violência e a destruição perpetuadas contra os judeus na "Kristallnacht" (à noite do cristal) os alemães deixaram claro para o mundo que não havia lugar para os judeus na Alemanha e que os nazistas estavam dispostos a derramar sangue judeu. Um apelo desesperado e inútil foi feito para que as nações abrissem suas fronteiras.
Somente a Grã-Bretanha após um apelo feito pelo British Jewish Refugee Committee aceitou abrigar um números indeterminado de crianças entre 2 e17 anos, porem nenhum jovem acima de 18 ou qualquer um dos pais poderia acompanha-los. Algumas condições foram impostas alem dos responsáveis ter que pagar pelo transporte e despesas de viagem teriam que ser depositadas para cada criança 50 libras esterlinas (aproximadamente U$ 250 dólares) .Apesar do governo ter dado o aval para entrada das crianças o dinheiro necessário para permitir a entrada de cada criança foi arrecadado entre o próprio povo britânico. Infelizmente, nenhum outro país seguiu o exemplo da Grã-Bretanha. Em 1939 o Congresso Americano tentou passar uma lei permitindo a entrada de 20.000 "crianças refugiadas alemãs." Um lobby anti-imigração moveu uma ação, dizendo que não era a lei de D-s separar crianças de seus pais e a lei morreu no papel.
Quase 10 mil crianças vinda de paises como Alemanha, Áustria e Tchecoslováquia fizeram a viagem. Chamados Kindertransports na Alemanha os primeiros trens saíram seis semanas após Kristallnacht, o ultimo dois dias antes da eclosão da Segunda Guerra (13 setembro 1939) . As crianças eram colocadas em vagões de trens lacrados e enviadas primeiramente para a Holanda e a seguir para a Inglaterra. A maioria jamais viu suas famílias novamente.
As crianças foram distribuídas pelos lares, escolas, fazendas e orfanatos por toda a Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda Elas cresceram na Grã-Bretanha durante a guerra e muitas ainda vivem nestes lugares. Estima-se que aproximadamente 2.500 tenham imigrado para a América do Norte após a II Guerra Mundial.
No entanto, enquanto estas 10 mil crianças conseguiram escapar do Holocausto, 1 milhão e 500 mil não puderam ser salvas e morreram nos mãos da Alemanha de Hitler. Em 1989 foi fundada nos Estados Unidos "Associação do Kindertransport" na Inglaterra e em Israel também organizações equivalentes.
Kindertransport
documentário mais recente sobre o Holocausto, "Into the Arms of Strangers: Stories of the Kindertransport" (ainda sem título em português), relata a saga de dez mil crianças judias. Lançado em setembro último nos Estados Unidos, o filme foi premiado no Festival de Cinema de Londres, em novembro, em uma cerimônia que contou com a presença do príncipe Charles.
O documentário começou a ser produzido há seis anos, envolvendo filhos de passageiros do Kindertransport.
Deborah Oppenheimer, produtora de televisão que vive em Nova York, é uma dessas pessoas. Sua mãe, Silvia Avramovici, tinha apenas 11 anos quando seus pais a colocaram em um trem que ia da Alemanha para a Grã-Bretanha, com a promessa cheia de lágrimas de que logo a família voltaria a se reunir. Silvia nunca mais viu seus pais, assim como 90 % das crianças que estavam no Kindertransport.
Desde pequena, Deborah aprendeu a não fazer perguntas à mãe sobre seu passado. Quando tentava abordar o assunto, a mãe começava a chorar, encerrando a conversa. "Quando ela morreu, em 1993, decidi tentar descobrir tudo que fosse possível sobre as raízes da minha mãe", conta a produtora de televisão. A primeira descoberta foram cartas escondidas numa gaveta, escritas pelos pais de sua mãe antes de serem deportados para um campo de concentração. A segunda ocorreu em 1995, num jantar em Los Angeles, onde passou um clipe de 4 minutos sobre o Kindertransport. Um contato levou a outro, incluindo a descoberta de duas mulheres que haviam conhecido e viveram com Silvia Avramovici na Inglaterra durante a guerra. Deborah passou meses mergulhada em velhas cartas e diários, além de longas horas ao telefone falando com o Centro de Sobreviventes do Kindertransport, na Inglaterra, Israel e Estados Unidos.
No início da pesquisa, as pessoas tinham certa resistência a responder. Para os sobreviventes desse episódio, eles haviam sofrido tão pouco comparando-se com os que haviam passado pelos campos de concentração, que não consideravam apropriado falar sobre a própria experiência. Segundo Deborah, "eles não aceitavam a expressão 'sobreviventes do Holocausto', mas se consideravam 'evacuados' da barbárie". A maioria dos sobreviventes criaram famílias, são avós e se estabeleceram profis-sionalmente. Mas a recordação dessa passagem continua muito viva em sua lembrança.
Em 1998, vendo o filme "The Long Way Home", dirigido por Mark Harris que havia ganho o Oscar de melhor documentário no ano anterior, Deborah decidiu que Harris escreveria e dirigiria o filme sobre o kindertransport. Foram selecionados 16 "evacuados " para aparecer no documentário de 117 minutos.
Em 1939, Lory Cahn, 14 anos, foi colocada em um trem do Kindertransport a caminho da Grã-Bretanha. Seu pai, um veterano de guerra, inconformado com a separação, puxou a filha pela janela tirando-a do trem em movimento. Lory sobreviveu a dois campos de concentração. Seus pais não tiveram a mesma sorte.
Hedy Epstein não conseguia entender por que seus pais queriam separar-se dela, mandando-a a uma terra estranha. "Eu os acusei de quererem se livrar de mim, de me ver longe deles", relembra.
Ao chegar à Grã-Bretanha, as crianças eram estranhos em terra estranha, na qual se falava uma língua que desconheciam. Alguns encontraram lares acolhedores e novos pais calorosos, prontos a alimentar mais uma boca. Outros tiveram que trabalhar como empregados nos lares que os acolheram. Muitos desses jovens serviram nas Forças Armadas Britânicas.
Todos, no entanto, deixaram de ser crianças quando embarcaram no trem, tornando-se adultos. Independentemente do tratamento que receberam na Grã-Bretanha, só podiam sentir-se agradecidos por estarem salvos, não podendo expressar outros sentimentos ou manifestar qualquer desgosto pela situação que haviam sido obrigados a enfrentar.
Os anos se passaram, as crianças cresceram, compuseram novas famílias e dois deles conseguiram mesmo receber o Prêmio Nobel.
Um crítico que viu o documentário, disse na saída: "Ao assistir o filme, percebi que não se tratava de uma obra sobre o Holocausto, mas sim de uma análise das relações pais e filhos, suas recordações e sua separação".
Rumo a liberdade
Ano - 1939. Local - Londres, estação de Liverpool. Mais de uma
centena de crianças amontoadas, com etiquetas presas em seu pescoço, desembarcam do trem, uma atrás da outra
Mais uma vez, a história mostrou que, às vezes, uma pessoa sozinha faz a diferença e consegue até mudar o rumo da história e da vida de inúmeras outras. Assim foi com Nicholas Winton, o inglês que, com sua iniciativa e empenho pessoal, salvou a vida de centenas de crianças, em sua maioria judias, ajudando-as a escapar do Holocausto.
O envolvimento de Winton na operação que culminou com o transporte das crianças da então Checoslováquia para a Grã-Bretanha começou por causa de um fato corriqueiro. Era o ano de 1938 e Winton viu cancelados seus planos de férias de final de ano com seu amigo, Martin Blake, funcionário da Comissão Britânica para Refugiados da Checoslováquia. Este, por sua vez, fez a seguinte sugestão ao amigo: "Venha comigo para a Checoslováquia. Quero mostrar-lhe algo". E Winton aceitou o convite, perguntando-se o que Blake poderia ter para lhe mostrar.
Ao chegar na Checoslováquia entendeu o que o amigo queria dizer. Diante de seus olhos, milhares de refugiados desesperados - judeus assustados, comunistas e dissidentes políticos tinham que deixar o país rapidamente por causa do Acordo de Munique, assinado em setembro e, segundo o qual, a Grã-Bretanha, França e Itália haviam concordado em retirar suas tropas do território checo e ceder à Alemanha uma parte deste território. "Quando vi todas aquelas pessoas, percebi que deveria fazer algo para ajudá-las". E fez.
Winton ficou três semanas em Praga, coletando fotos e informações sobre jovens que precisavam de ajuda. Ao retornar à Grã-Bretanha, teve que convencer o governo a permitir a entrada dos jovens refugiados, o que de fato conseguiu, e atender as condições impostas pelas autoridades. Winton conseguiu através do apoio de organizações beneficentes e de organizações cristãs encontrar pessoas interessadas em adotar os refugiados, assim como obter os recursos necessários para o transporte e para o deposito de 50 libras para cada criança .
Durante os primeiros nove meses de 1939, organizou o transporte de crianças para a Grã-Bretanha, chegando ao total de 664 jovens, dos quais 90% eram judeus. O novo grupo, com quase 200 passageiros, deveria partir no dia 3 de setembro, quando a guerra eclodiu. Todos os meios de transportes foram bloqueados e os que não conseguiram sair da Checoslováquia foram enviados aos campos de concentração, nos quais acabaram morrendo, como milhares de outros judeus, durante o período de 1939 a 1945.
Apesar de todo o seu empenho, porém, o responsável por essas operações de resgate permaneceu oculto por quase meio século. Nem as crianças por ele salvas sabiam a quem agradecer por estarem vivas. O fato tornou-se conhecido, mais por obra do destino do que por iniciativa de Winton.
No final de 1987, enquanto organizava seus documentos, Winton encontrou a listagem do nome de todas as crianças que havia salvado em 1939. Não sabendo o que fazer com a lista, foi aconselhado por um amigo a entregá-la à Dra. Elizabeth Maxwell, uma especialista em estudos sobre o Holocausto, esposa de um jornalista judeu, o magnata Robert Maxwell. A história foi publicada no Sunday Mirror, um dos tablóides da família Maxwell, com grande repercussão.
A apresentadora de televisão londrina Esther Rantzen, ouvindo a história, interessou-se em trazê-lo a seu programa, "That's life". Sob o pretexto de que viesse apenas assistir ao show para prestigiá-la, colocou Winton estrategicamente na primeira fileira. Durante o programa, Rantzen anunciou: "Senhor Winton, tenho uma surpresa para lhe contar. Sentados ao seu lado estão duas das pessoas que o senhor salvou da Checoslováquia, em 1939".
Vera Gissing, que estava ao seu lado, relembra que seus olhos se arregalaram ao fitá-la e começaram a lacrimejar: "Para mim, após tantos anos, ter finalmente conhecido o homem que salvou minha vida, foi um momento muito especial. Fiquei apenas preocupada com ele, pois pensei que, que aos 80 anos, o choque seria muito forte. Apesar da grande alegria em nos conhecer, ele não gostou da maneira como a apresentação foi feita".
Ela escreveu a biografia de Winton em reconhecimento a seu ato de coragem. Na obra, a autora relata toda a sua vida, seus méritos e a operação de resgate que se iniciou em 1938. Na época, ele trabalhava como operador na Bolsa de Valores. Vera Gissing conta que, quando a guerra eclodiu, não havia quase nada que Winton pudesse fazer para ajudar os refugiados. Porém em 1942, ele abandonou o mercado financeiro e tornou-se voluntário da Cruz Vermelha, na França. Posteriormente começou a trabalhar nas Nações Unidas e, em seguida, no International Bank, em Paris. Depois de se aposentar dedicou-se exclusivamente ao trabalho voluntário, tendo sido homenageado em 1993 com o título de Membro do Império Britânico e incluído na lista de honra da rainha Elizabeth.
Atualmente, Winton vive em Maidenhead, perto de Londres, com sua esposa, com a qual é casado desde 1948. Tem dois filhos; um terceiro faleceu na infância. Desde 1988, no entanto, sua família cresceu rapidamente. "Ele é nosso pai e avô honorário, porque nossa família foi exterminada durante a guerra", afirmou Vera Gissing.
Sessenta destas "crianças" se reuniram em um evento chamado "Obrigado, Inglaterra", organizado pelo embaixador checo para honrar aqueles que acolheram e facilitaram a adaptação destes refugiados. Na ocasião, a atuação de Nicolas Winton foi comparada à de Oscar Schindler, por um dos organizadores.
Nicolas Winton, no entanto, não entende o porquê de tantas homenagens. "Ele considera que apenas fez o seu dever", explica Vera Gissing. "Outras pessoas também tiveram méritos nesta operação, mas Winton foi quem idealizou e organizou o salvamento de tantas vidas. Sem ele, algumas poucas crianças poderiam ter sido salvas, apenas algumas".