Na primeira metade do século passado, não houve nenhuma fraude, nenhum assalto, nenhum ato criminoso que somasse tantos milhões, em qualquer moeda, quanto o roubo de obras de arte perpetrado pelos nazistas nos países ocupados da Europa. Dentre as vítimas dessa pilhagem, pelo menos um terço era constituído por judeus.
Herman Goering, o segundo homem do Reich, foi um dos mais perversos criminosos de guerra e responsável por algumas das mais atrozes violações dos direitos humanos. Entretanto, este auto-intitulado marechal tinha um sofisticado prazer de se fazer rodear por obras de arte que, por ordem sua, foram roubadas de museus e de propriedades particulares em toda a Europa ocupada. Essas pinturas e esculturas estiveram em exibição, para os altos círculos do poder nazista, em sua casa de campo em Carinhall, perto de Berlim. Depois de sete anos de pesquisas exaustivas, Nancy Yeide, curadora da National Art Gallery, em Washington, lançou, em 2005, um livro sobre a coleção de Goering, no qual constata que o chefe nazista apoderou-se de cerca de 2 mil obras de arte. A autora revela que, quando as tropas aliadas começaram a combater dentro da Alemanha, Goering embarcou em dezenas de vagões de trens seu butim bilionário, no qual havia uma quantidade desproporcional de nus artísticos direcionados à Áustria. Entretanto, já era tarde. Os norte-americanos interceptaram os comboios e remeteram as artes saqueadas para a cidade de Munique, onde fizeram um primeiro inventário. Em seus levantamentos, a curadora concluiu que centenas de pinturas e esculturas roubadas por Goering e outros nazistas haviam sumido em meio ao caos do fim da guerra. Aos poucos, essas obras foram aparecendo, inclusive duas telas de Matisse, que pertenciam ao marchand parisiense judeu, Paul Rosenberg, e que hoje se encontram na National Art Gallery, “de forma ilegítima”, conforme ela acentua. Outro saque de Goering, a famosa tela Retrato do Dr. Gachet, de Van Gogh, apareceu de forma surpreendente em um leilão realizado em Tóquio, em 1990, onde foi arrematada por US$ 82.500 milhões, um recorde para a época. No mesmo leilão, uma fundação de arte de Zurique bateu o martelo para o Retrato de Madame Camus ao Piano, de Degas.
A pilhagem nazista estendeu-se até a União Soviética, depois desta ser invadida, em 1940, compreendendo museus, propriedades particulares, igrejas e sinagogas, com destaque especial para o palácio de verão de Catarina, a Grande, de onde foram levadas todas as riquezas existentes no deslumbrante Salão de Âmbar. Os alemães desmontaram o salão e o reconstruíram no castelo de Königsberg, que foi diversas vezes visitado por Hitler. No início de 1945, os ingleses intensificaram os ataques aéreos sobre Königsberg, na Prússia, razão pela qual os nazistas decidiram desmontar de novo o salão para reerguê-lo em alguma outra localidade. O castelo foi atingido e incendiado pelas bombas aliadas e julga-se que o Salão de Âmbar tenha sido destruído nessa ocasião. Mas há, também, quem afirme que suas maravilhas foram enterradas em uma mina de prata desativada. O fato é que o paradeiro do salão até hoje permanece um mistério.
A historiadora e perita norte-americana Lynn H. Nicholas apresentou num simpósio internacional, realizado em 1995, um trabalho intitulado Os Restos da Guerra, no qual escreve que o deslocamento de obras de arte feito pelo Reich não tem precedente na história, em função de sua gigantesca quantidade. Para isso, os nazistas arregimentaram especialistas em arte, incumbidos de apontar o que e aonde deveria ser confiscado. Na verdade, a pilhagem começou em 1933, antes, portanto, da eclosão da 2ª Grande Guerra, quando Hitler subiu ao poder. Seu propósito era abrigar uma coleção de obras artísticas de caráter puramente germânico e, ao mesmo tempo, descartar o que ele mesmo rotulou como “arte degenerada”. Essa dita “degeneração” era abrangente, incluindo quaisquer formas de expressão artística, e os alvos iniciais foram obras pertencentes a judeus e a comunistas. Em seguida, pintores, escultores, músicos, compositores, arquitetos e escritores passaram a ter suas produções monitoradas pelo regime, com o requinte de serem negadas aos pintores supostamente infratores a aquisição de materiais, como tintas e pincéis para a realização de seus trabalhos. Os considerados dissidentes perderam o emprego e muitos foram presos.
Foi nesse clima que, em 1937, o Reich promoveu uma exposição da “arte degenerada” que incluiu telas de Picasso, Matisse e Chagall, tendo acolhido mais de 3 milhões de visitantes. Nas imediações dessa mostra foi inaugurada outra, no Museu de Arte Germânica, com obras de Cranach, o Velho, Dürer e Holbein, os favoritos de Hitler. A inauguração foi precedida de uma grande parada cívica que exaltava os “verdadeiros valores” da arte e da cultura da Alemanha. No ano seguinte, o regime nazista se dedicou a “purificar” a arte em todo o país. Foram organizados comitês incumbidos de retirar dos museus quaisquer obras consideradas inaceitáveis, sendo todas encaminhadas para depósitos em diversas localidades. No total, mais de 16 mil obras de arte foram submetidas a esse processo.
A rigor, essa ferocidade de Hitler não era surpresa. Em seu livro Mein Kampf(Minha Luta), ele já tinha escrito que movimentos artísticos como o cubismo, o futurismo e o dadaísmo eram “produtos da decadente sociedade do século 20”. No mesmo ano, a Alemanha nazista anexou a Áustria e os comitês de expurgos tiveram como principal foco para confisco as coleções pertencentes a judeus. Essas coleções também foram guardadas em depósitos e o maior deles situava-se na cidade de Linz, onde Hitler nasceu.
Os roubos foram perpetrados de acordo com um decreto de 1938, conhecido como “Diretivas para a Inclusão de Propriedades Judaicas”. Ou seja: se havia um preceito legal, não se podia acusar os nazistas de estarem praticando um crime. As excepcionais coleções de famílias judaicas proeminentes de Viena foram os alvos iniciais. No dia 12 de março de 1938, quando pretendia deixar a Áustria, o barão Louis de Rothschild foi levado à força do aeroporto de volta à sua residência, onde as tropas SS saquearam tudo. Em seguida, o barão foi preso, juntamente com seu irmão Alphonse, que também teve a casa pilhada. O jornalista norte-americano William S. Shirer, autor da famosa obra Ascensão e Queda do Terceiro Reich, por acaso presenciou os acontecimentos na mansão de Louis e escreveu: “Um soldado levava um quadro em moldura de ouro. Os braços do comandante da operação estavam carregados de facas e garfos de prata, mas ele não parecia envergonhado”.
Nos meses seguintes, antes do começo da guerra, mais de 80 mil judeus receberam permissão para deixar a Áustria, porém pagando uma fortuna por cada visto de saída, além de serem obrigados a entregar todos os seus bens, incluindo obras de arte. O mais espantoso é que em função de seu empedernido apego à meticulosidade, os nazistas registravam os confiscos na presença de seus proprietários. Em um desses registros, datado de novembro de 1938, lê-se: “Protocolo firmado na residência do judeu Albert Eichengrun, atualmente sob custódia protetora. Assinam o presente, além do próprio, a governanta da casa e os investigadores criminais incumbidos da apreensão”. Muitos documentos semelhantes podem ser hoje consultados no Arquivo Nacional de Washington e, inclusive, têm servido como provas conclusivas nos processos de restituições. Em face do que acontecia na Áustria e das ameaças nazistas de expansão, países da Europa Ocidental começaram a tomar medidas para proteger seus acervos artísticos.
Na França foram retiradas do Louvre e levadas para esconderijos a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, e a escultura da Vênus de Milo, ao lado de outras milhares de obras. A Inglaterra, temendo um ataque, escondeu seus tesouros no País de Gales e remeteu outros tantos para museus nos Estados Unidos e Canadá. Conforme um levantamento constante do livro Mestres Perdidos, editado na Inglaterra, somente em Varsóvia, em 1939, os nazistas saquearam cerca de 13 mil pinturas e 1.400 esculturas, além de outros milhares de objetos de arte. Ao ser incendiada, na capital polonesa, a Biblioteca Krasinski, o fogo consumiu a pintura renascentista Retrato de um Jovem, de Rafael.
À medida que a Europa sucumbia ao nazismo, Hitler convocou o diretor da Galeria Nacional de Dresden para apontar-lhe as obras de arte que julgasse de fato relevantes, sendo estas enviadas para Linz e tidas por Hitler como sua coleção particular. Parte desse acervo viera diretamente do Museu Jeu de Paume, em Paris. Goering seguiu o exemplo do chefe e contratou um renomado perito para selecionar, organizar e catalogar seus saques, enriquecidos com obras de Dürer, que o dito especialista roubou na cidade polonesa de Lvov.
Na Holanda, já sob o impacto da invasão da Polônia, a comunidade judaica decidiu tomar precauções. Aaron Vecht, dono de uma galeria de arte estabelecida em Amsterdã há gerações, conseguiu despachar boa parte de seu acervo para os Estados Unidos e a Inglaterra. Siegfried Kramarsky, diretor do banco Rosencrantz, de propriedade de judeus, também enviou quadros para os Estados Unidos, entre eles o célebre Retrato do Dr. Gachet, de Van Gogh, que reapareceu no referido leilão em Tóquio, em 1990.
Em 1940, quando da invasão da França pela Alemanha, os nazistas avançaram sobre os cofres bancários de judeus e os obrigaram a abri-los. Em um deles, encontraram enorme quantidade de gravuras de Rembrandt. Mas, eram tantas, que julgaram tratar-se de reproduções e não as levaram. Em seguida, valeram-se de um levantamento dos mais importantes comerciantes judeus de obras de arte em Paris, já elaborado, e retiraram tudo que encontraram em suas lojas. Foram pilhados, junto com muitos outros, os acervos das galerias de Wildestein, Seligmann e Rosenberg, que lotaram a embaixada alemã. Pouco depois, foi incorporado o conteúdo de uma residência dos Rothschild na rua Saint-Honoré. Na Itália, as medidas anti-semitas promulgadas por Mussolini estavam sendo cumpridas com certa benevolência, mas, por instância de Hitler, foram endurecidas em outubro de 1943. No mês seguinte começaram as deportações para os campos de concentração e a pilhagem de obras de arte pertencentes a judeus.
À medida que o Terceiro Reich desmoronava, os norte-americanos logo se preocuparam com o destino das artes roubadas. Por isso mesmo, já perto do colapso final, a rádio oficial nazista transmitia boletins com o seguinte teor: “As casas particulares e os edifícios públicos de Aachen estão sendo vasculhados por peritos em arte, a maioria deles judeus, que confiscam todas as obras cujos donos ignoram suas origens. Essas obras de arte, larapiadas no verdadeiro estilo judaico, estão sendo despachadas para os Estados Unidos”.
Quando a guerra terminou, em 1945, os escombros da Alemanha derrotada e depósitos insuspeitados ocultavam centenas de milhares de objetos e obras de arte. Norte-americanos e ingleses implantaram uma seção conjunta de seus exércitos encarregada de recuperar a arte pilhada sob o nome de Monuments, Fine Arts and Archives, (Monumentos, Artes e Arquivos), conhecida pela sigla MFA&A, e os militares que a integravam eram chamados de "Homens dos Monumentos". Percorrendo a Europa já livre, esta equipe de investigadores conseguiu encontrar milhares de obras de arte escondidas nos tais depósitos, em minas subterrâneas e vagões de trens abandonados, em propriedades rurais, em bunkers e, até mesmo, debaixo de colchões nas residências de líderes do Reich. Um dos homens mais atuantes dessa equipe foi George Stout, diretor do Museu de Harvard, em Boston. Uma de suas medidas eficientes foi divulgar uma lista dos funcionários dos museus alemães que possivelmente poderiam indicar as localizações dos depósitos.
Ao mesmo tempo, a OSS norte-americana, agência precursora da CIA, instituiu um departamento chamado Art Looting Intelligence Unit (Unidade de Inteligência de Arte Saqueada) que se incumbiu de selecionar documentos e interrogar os peritos nazistas no campo das artes, com a finalidade de apurar quais eram os verdadeiros donos vitimados pela pilhagem. Ainda que pareça incrível, foi possível restituir cerca de 3 milhões de obras de arte a seus legítimos proprietários, em toda a Europa, incluindo além de pinturas e esculturas, manuscritos preciosos, livros raros, partituras musicais, vitrais, sinos de igrejas e símbolos religiosos.
A propósito dessa ação, o historiador Robert M. Edsel, dos Estados Unidos, lançou em setembro de 2009 um livro intitulado Os Homens dos Monumentos: Heróis Aliados, Ladrões Nazistas e a Maior Caçada ao Tesouro da História, no qual descreve com pormenores o trabalho realizado pelos "Homens dos Monumentos". Numa entrevista concedida à televisão pública de Nova York, o autor contou um fato curioso: "Um judeu chamado Harry Ettinger foi o último menino que celebrou o bar-mitzvá na cidade alemã de Karlsruhe. Logo em seguida sua família fugiu para os Estados Unidos. Aos 18 anos o rapaz foi convocado para o exército americano, e, aos 19, quando deveria participar da Batalha das Ardenas, foi retirado da frente de guerra e designado para integrar os "Homens dos Monumentos". Como era fluente em alemão e conhecia o país, foi um dos membros mais valiosos daquela equipe”. Apesar de todo esse esforço, milhares de bens foram registrados como “sem herdeiros”. Na zona americana de Berlim ocupada, foi então promulgada uma lei permitindo que instituições de caridade pudessem reivindicar os bens judaicos tidos como “sem herdeiros”, Essa incumbência foi assumida pela organização Jewish Cultural Reconstruction (Reconstrução Cultural Judaica), fundada em Nova York, em 1947, que distribuiu objetos religiosos e culturais para comunidades judaicas em todo o mundo. Seus trabalhos só terminaram em fevereiro de 1949.
Em 1997, foi criada nos Estados Unidos a "Comissão Para a Recuperação da Arte", presidida por Ronald S. Lauder, 66, atual presidente do Congresso Judaico Mundial, que ocupou altos cargos no governo e foi nomeado pelo presidente Reagan embaixador na Áustria.
No campo empresarial, é o executivo da companhia multinacional de cosméticos, Estée Lauder. Como seu nome diz, a Comissão tem como finalidade ainda recuperar e restituir a seus donos o máximo possível das obras de arte pertencentes a judeus e saqueadas pelos nazistas, para o que mantém contatos permanentes com museus e marchands, em todos os continentes. Trata-se de uma tarefa extremamente difícil, porque freqüentemente esbarra na má vontade de governos e de indivíduos que se valem de artifícios legais para impedir as restituições.
Apesar disso, a instituição tem sido bem-sucedida em diversos casos. Um exemplo dessa atividade tem como foco a tela Retrato de Wally, de autoria do pintor austríaco expressionista Egon Schiele. Em 1998, o Museu Leopold, de Viena, cedeu cem pinturas de seu acervo para exibição no Museu de Arte Moderna de Nova York. Ao percorrer a mostra, um judeu chamado Henry Bondi, residente em Princeton, reconheceu a obra de Schiele e entrou na justiça afirmando que a tela pertencera a uma falecida tia, de Viena, e que fora confiscada pelos nazistas quando a Alemanha anexou a Áustria. A diretoria do museu argumentou que havia adquirido o quadro de boa-fé, vendido por uma pessoa no pós-guerra. O processo se arrastou por 12 anos, período em que o óleo esteve apreendido, até que, em julho de 2010, quando Bondi já havia morrido, seu espólio teve ganho de causa e o museu foi condenado a pagar-lhe US$ 19 milhões, caso pretendesse conservar a tela.
Durante 36 anos, uma das atrações do Museu de Arte da Carolina do Norte era a pintura de 1518, Madona e Criança em uma Paisagem, de Cranach, o Velho. A tela havia sido doada ao museu por uma colecionadora da Califórnia, chamada Marianne Khuner. Em suas investigações, a Comissãoconcluiu que a tela pertencera a um industrial vienense, chamado Phillip Gomperz, que fugira da Áustria quando da anexação, deixando toda a sua coleção em poder de uma sobrinha.
Em 1940, a coleção foi confiscada pelos nazistas e o quadro foi parar nas mãos do criminoso de guerra, Baldur von Schirach, condenado a 20 anos de prisão pelo Tribunal de Nuremberg. A tela ressurgiu em Nova York por volta de 1950 e foi doada pela colecionadora, 14 anos mais tarde, ao Museu da Carolina do Norte. Alertado pela Comissão em 2000, o diretor da instituição, John Coffey, disse que, no seu sentimento, o quadro havia adquirido um verniz sinistro e que ele não relutaria em devolvê-lo aos legítimos donos. Gomperz havia morrido na Suíça em 1948, aos 87 anos, mas duas sobrinhas, as octogenárias irmãs, Marianne e Cornelia Hainisch, ainda viviam em Viena. A pintura de Cranach, avaliada em US$ 1 milhão, foi a 13ª obra de arte que elas conseguiram recuperar da vasta coleção do tio. Na ocasião, o diretor do museu declarou: ‘É pungente a mensagem que esta tela encerra quando se considera o contraste entre a sua beleza e espiritualidade e seu passado, como testemunha de um dos momentos mais trágicos da história da humanidade”. Um caso emblemático de restituição refere-se à fantástica coleção do judeu holandês, Jacques Goudstiker, que morreu em 1940, fugindo da invasão nazista. Suas obras de arte incluíam telas de inestimável valor de pintores flamengos, holandeses e italianos. Aproveitando a ausência do patrão, dois empregados venderam a coleção ao próprio Goering, por uma ninharia.
Durante seis anos, de 1946 a 1952, Desi, sua viúva, tentou reaver os quadros que lhe pertenciam, mas esbarrou na resistência do governo de Amsterdã, que os havia recebido dos norte-americanos depois da guerra, para que fossem devolvidos a seus legítimos donos. No entanto, o governo holandês os incorporara ao seu patrimônio nacional. Em 1998, o jornalista holandês Pieter den Hollander publicou um livro intitulado O Caso Goudstiker, que causou um furor internacional. Por causa do livro, as autoridades de Amsterdã decidiram agir e criaram um Comitê de Restituições, que devolveu aos herdeiros de Goudstiker mais de 200 quadros que se encontravam em seus próprios museus e em museus da Áustria, Alemanha, Inglaterra, Israel e dos Estados Unidos. Os beneficiários foram o único filho de Desi, chamado Jacques, já falecido, sua viúva e duas filhas.
Em julho deste ano, os herdeiros do industrial húngaro judeu, Mor Lipot Herzog, entraram na justiça contra o governo da Hungria, exigindo a devolução de mais de 40 obras pertencentes àquele colecionador e hoje avaliadas em 80 milhões de euros (cerca de R$ 190 milhões). A jóia da coroa é a tela Agonia no Jardim, de El Greco, ao lado de Primavera, de Courbet, A Senhora das Margaridas, de Corot, além de obras de Cranach, Velasquez e Monet. O bisneto de Herzog, David de Csepel, 44, residente na Califórnia, representante de todos os herdeiros, diz que foi obrigado a recorrer aos tribunais depois de décadas de frustração.
Ele tentou negociar a devolução das telas com o governo húngaro, mas jamais foi atendido. Neste circuito chegaram a entrar a seu favor o falecido senador Edward Kennedy e a secretária de estado Hillary Clinton, porém sem êxito. A certa altura, David propôs ao governo húngaro um acordo do tipo meio-a-meio, que foi igualmente recusado. Segundo o governo de Budapeste, a decisão de conservar as ditas obras, hoje em museus húngaros, é decorrente de uma decisão da justiça do país.
Além das reivindicações na Hungria, a família de Herzog está fazendo a mesma exigência junto aos governos da Alemanha, Polônia e Rússia, mas só obteve sucesso em Berlim. O governo alemão devolveu-lhe uma cigarreira que pertenceu a Frederico, o Grande, e dois quadros do artista germânico Zeitblom, do século 15.
Os três itens foram arrematados em um leilão realizado na Christie’s, de Londres, por US$ 8.500 milhões. Os herdeiros acreditam que grande parte da coleção do bisavô tenha sido levada para a União Soviética depois da guerra, incluindo outras pinturas de El Greco e pelo menos
um Renoir. Entre telas, esculturas e outros objetos de arte, a coleção de Herzog somava 2.500 peças. Os processos dos herdeiros estão em andamento e é impossível fazer uma previsão em relação a quantos anos, ou talvez décadas, levará até que sejam concluídos.
Dina Babbitt, uma estudante de arte de Praga, e sua mãe foram deportadas para Auschwitz, em 1943. No barracão em que foram confinadas, a jovem pintou um mural tendo como tema “Branca de Neve e os Sete Anões”, uma referência ao marido do qual se divorciara, um executivo da companhia Disney. O trabalho, de boa qualidade, chamou a atenção do doutor Mengele, que lhe propôs que se integrasse à sua equipe com a missão de fazer desenhos e pinturas de suas nefastas experiências. Dina respondeu que só cumpriria aquela tarefa se a vida de sua mãe fosse respeitada, no que foi atendida.
Depois da libertação do campo, os desenhos da jovem judia desapareceram e seis deles ressurgiram em 1966, tendo o diretor do museu de Auschwitz declarado que os havia comprado de um sobrevivente do mesmo campo de concentração. Dina Babbitt só soube disso 12 anos mais tarde e viajou para a Polônia com a finalidade de verificar a autenticidade dos trabalhos e levá-los consigo. Mas foi impedida pelas autoridades, com a argumentação de que se tratava de quadros de grande valor histórico e educacional. Os poloneses chegaram ao cúmulo da desfaçatez de afirmar que, a rigor, os donos dos quadros seriam os herdeiros de Mengele.
Quando o comunismo ruiu, em 1989, os curadores de Auschwitz se tornaram mais acessíveis e concordaram em enviar para a artista, residente nos Estados Unidos, reproduções de seus trabalhos. Ela continuou insistindo em reaver os originais para o que contou com o apoio de políticos norte-americanos e de dirigentes de instituições judaicas. Não adiantou.
Os responsáveis pela memória de Auschwitz afirmam que tudo que diz respeito àquele campo de extermínio deve ser preservado em sua totalidade. Dina Babbitt morreu na Califórnia, aos 86 anos de idade, no dia 30 de setembro de 2009, sem ter tido seu desejo satisfeito. Sua filha, Michele, diz que vai continuar lutando para realizar o sonho de recuperar os originais da mãe.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista
Uma história sem fim
“Esta é uma história sem fim. Sessenta anos se passaram desde que o turbilhão nazista assolou o mundo, arrastando consigo as vidas de milhões. Jamais as obras de arte tinham sido tão importantes para um movimento político e nunca antes elas foram removidas em tão vasta escala, meros joguetes de lances cínicos e desesperados da ideologia, ganância e sobrevivência. Muitas se perderam e muitas ainda permanecem ocultas. Mas o milagre é que um número infinitamente maior está hoje a salvo, graças quase que inteiramente a um grupo minúsculo de "Homens dos Monumentos"de todas as nações, que, diante de uma avassaladora disparidade de forças, conseguiram preservá-las para nós”.
(Do livro The Rape of Europe, de Lynn H. Nicholas, editora Alfred A. Knopf, Nova York, 1994)