Estamos vivendo um período curioso e preocupante. Se, de um lado, assistimos a aplicação das liberdades democráticas e o revezamento dos partidos políticos no Poder, de outro, vemos crescer, assustadoramente, os nacionalismos e os fanatismos em várias regiões.
Mais de 60 anos se passaram desde que os Aliados quebraram as forças do nazismo na Europa. A Alemanha, mesmo ocupada e dividida, reergueu-se e, em pouco tempo foi levada ao "bem-estar social" do modelo americano.
Os primeiros anos da desnazificação (1945 a 1950) não foram fáceis para a sociedade alemã, especialmente para a geração que participou da ascensão de seus líderes ao Poder. A totalidade ou quase totalidade da população participara do sistema e as atrocidades cometidas foram amplamente divulgadas, gerando forte sentimento de culpa nacional.
Até os anos de 1950, o fardo da culpa era redimido pelas indenizações pagas aos sobreviventes judeus e a Israel. Na década de 1960, incomodados com a divulgação do horror exposto pela cinematografia e pela série de televisão "Holocausto", alguns historiadores alemães, preocupados com o "passado que não queria passar", resolveram reinterpretar fatos históricos, relativizando o nazismo, principalmente depois que a violência americana na Guerra do Vietnã passou a ser amplamente divulgada.
Questionando o porquê de continuarem os alemães a carregar, sozinhos, o "fardo da violência", pela reconquista da dignidade, do orgulho da germanidade e da reafirmação nacional, buscaram os historiadores esvaziar-lhes a culpa: se as imagens dos fornos crematórios e dos vagões de gado transportando judeus não queriam se apagar, era necessário que eles, como profissionais, as reinterpretassem. E o fizeram, argumentando: "O que significam 12 anos (de nazismo) diante da milenar história da Alemanha'; afinal, Hitler nem alemão era!" Concluem que o período nada mais foi do que um "breve desvio histórico", uma resposta à crise européia da década de 30. Ao relativizar o morticínio de milhões de judeus, esses historiadores concluem que a "Solução Final" não foi uma proposta nova pois desde meados do século XIX, Karl Marx dela foi precursor quando propunha - em teoria, é claro - a "extinção da classe burguesa"...
Conhecidos como revisionistas do Holocausto, esses "historiadores", minimizando ou evitando falar sobre o Holocausto, habilmente se livram do fardo da responsabilidade sobre o evento, principalmente descaracterizando-o como fenômeno único na História.
As propostas revisionistas e sua inacreditável afirmação de que nunca existiu um plano para a extinção em massa dos judeus espalharam-se pelos EUA, Europa, em todos os países árabes e Japão. Segundo estes "historiadores", a "Solução Final" nada mais teria sido "do que uma proposta de emigração dos judeus para o Leste a fim de reuni-los num só lugar". A divulgação de livros e artigos racistas se estendeu por vídeos e DVDs, informando que o "Holocausto nunca existiu" e "que tudo não passa de mentiras divulgadas por judeus que objetivam extorquir do povo alemão indenizações para si e valores para o Estado de Israel".
Na realidade, se calar ou negar ações de extermínio de judeus foi parte de uma tática adotada pelos nazistas assim que tomaram o poder na Alemanha, as ordens pessoais de Hitler, em 1934, os discursos de Himmler e as instruções de Heydrich às unidades especiais na Polônia, em 1939, constituem provas da exigência do mais absoluto sigilo sobre o assunto judeu. Os alemães deveriam confiar no Führer - sem fazer perguntas.
Os "especialistas" se encarregaram da instalação de campos de extermínio, fora da Alemanha, principalmente na Polônia, pois as "as delicadas e boas almas alemãs" não conseguiriam suportar os procedimentos necessários... E, assim que perceberam que a derrota final se aproximava, os "tecnocratas" nazistas iniciaram o processo que no mundo criminal se chama de "queima de arquivo". Tentaram eliminar as provas de genocídio e dos crimes matando sobreviventes, queimando documentos, destruindo fornos crematórios e desenterrando e queimando restos mortais. Mas, a magnitude do crime não permitiu que tivessem sucesso.
Com a queda do Muro de Berlim, em 1985, a falência do socialismo revelou-se ao mundo inteiro. No contexto, os partidários da extrema direita aderiram convenientemente às idéias revisionistas que, sistematicamente, tiraram do nazismo a vergonha da violência e dos crimes praticados.
Desprezando a democracia, a evolução, a emancipação feminina e a dos costumes, temendo a liberdade dos povos e mostrando hostilidade aos direitos humanos, ao universalismo e à igualdade, os partidos da extrema direita encontram, hoje, terreno fértil para o seu desenvolvimento. No contexto, citamos a ascensão política de Jean Marie Le Pen, na França, que declarou que o "genocídio foi apenas um detalhe na 2ª Guerra Mundial" e, mais recentemente, a adesão do atual Presidente do Irã ao grupo dos ardentes revisionistas.
Ao apoiar o revisionismo, grupos da extrema direita, aos quais se encontram filiados muitos jovens Skinheads, propagam, entre outras mentiras deslavadas, que os alemães nunca planejaram o genocídio do povo judeu; as câmaras de gás nunca foram usadas para extermínios e as imagens divulgadas nada mais são do que meras montagens. A maioria dos judeus, afirmam, morreu por doenças e privações nos países controlados pelos soviéticos. E, os judeus que foram mortos na Alemanha eram na maioria subversivos, espiões ou criminosos.
Dos revisionistas da América do Sul, o alemão Sigfried Ellwanger, de 76 anos, proprietário no Brasil da Editora Revisão e da empresa Scotton Internacional, que produz e comercializa vídeos piratas, é o mais incansável. Edita, distribui livros e vídeos de "cultura histórica", propagando, amplamente, a "versão nazista" da 2a Guerra. Publica famosos trabalhos anti-semitas, entre os quais, os famigerados Os Protocolos dos Sábios do Sião; O judeu Internacional, de Henry Ford, bem como os do historiador brasileiro, Gustavo Barroso.
Ellwanger foi processado pela justiça brasileira, que proibiu a distribuição de seu livro Holocausto: Judeu ou Alemão - nos bastidores da Mentira do Século, em que nega a existência de campos de concentração e a morte de 6 milhões de judeus. Afirma que "as únicas vítimas da 2a Guerra Mundial foram os alemães". Ellwanger foi o primeiro racista a ser condenado na América Latina por anti-semitismo.
Além do editor do Rio Grande do Sul, a revista brasileira Humanus, editada, desde 2000, pela Sama Multimídia, demonstra admiração pelos ícones da cultura nazista. Seu proprietário, Joaquim José de Andrade Neto (mestre da "União do Vegetal") é um rico simpatizante da seita do Santo Daime e do chá de Oaska, oficialmente tolerado. A revista semestral, em edição luxuosa e ilustrada, apresenta artigos "demonstrando" que os judeus têm nas mãos o domínio mundial da economia e da mídia. No primeiro número, os articulistas usaram o termo judeu de forma pejorativa e abusaram de piadas e de cartuns anti-semitas clássicos. Nos artigos, ao expor personalidades do mundo judaico que contribuíram com seus estudos para a humanidade, como Einstein e Freud, informam que eles foram meras fraudes.
O Brasil recebeu mais de 1.700 refugiados judeus, sobreviventes dos Campos de Concentração. Embora a Comunidade Judaica esteja integrada na sociedade brasileira e sejam raras, até pouco tempo, as manifestações públicas do anti-semitismo, preocupamo-nos com essas publicações em livros, revistas, jornais e sites. A "Solução Final", decidida por alto escalões do partido nazista e do governo na Conferência de Wansee, ocorrida em Berlim em janeiro de 1942, era fazer desaparecer os 11.500.000 judeus existentes na Europa.
Seis milhões pereceram, incluindo neste número velhos, mulheres, crianças e bebês. O genocídio impetrado contra o povo judeu pelos nazistas foi um ato incomparável, único, porque foi um "massacre administrativo, dentro das normas técnicas da burocracia legal reconhecida". Não resultou de um comando impulsivo, mas de um programa solidamente desenvolvido, prolongado e calculado e que exigiu o emprego de milhares de pessoas inteligentes, que possuíam conhecimentos técnicos, assim como de todos os meios de que dispõe um Estado.
Negar o Holocausto é a mais cruel manifestação do anti-semitismo atual, porque atinge os sobreviventes, já idosos, novamente vitimados em sua memória, e a todos que desejam fazer dessa memória uma barreira contra o mal que não deverá, jamais, se repetir.
Muitos analistas interpretam suásticas em cemitérios judaicos e sinagogas brasileiras como fatos isolados. Entretanto, é preciso ficar alerta para o crescimento desses movimentos no Brasil, pois a crise econômica e o desemprego que atingem a sociedade levam, por desespero, muitos jovens a extremismos.
Em vista do exposto, um programa educativo sobre o preconceito e o Holocausto deve ser levado à população e a professores de todos os níveis. O programa é uma das formas de lutarmos contra a intolerância e contra o anti-semitismo.
Rachel Mizhari é autora de A Inquisição no Brasil: Miguel Telles da Costa, O capitão judaizante de Paraty. (2ª Ed., no prelo) e Imigrantes no Brasil: Os judeus. São Paulo: Lazuli/Ed. Nacional, 2005