Varsóvia, abril de 1943, véspera de Pessach. Há 75 anos, jovens judeus com poucas armas e sem experiência militar decidiram não se curvar e enfrentar, de peito aberto, o poderio militar alemão que colocara a Europa de joelhos. Sua escolha não era entre viver ou morrer, mas “como morrer”. Lutaram até o fim para preservar sua dignidade e a honra de nosso povo.
A saga do Gueto de Varsóvia se inicia com sua criação, em 1939, e termina com o fim do Levante. Esse episódio foi relatado infinitas vezes e o será muitas outras mais, pois o Gueto de Varsóvia se tornou símbolo da tragédia e do heroísmo judeus. Nele, o mais numeroso dentre todos os guetos, os judeus enfrentaram mais fome, mais falta de espaço, mais doenças. E nenhum ato durante o Holocausto teve poder tão inflamatório quanto o levante que ocorreu dentro dos muros de Varsóvia, tornando-se símbolo da resistência e determinação judaica.
Os acontecimentos durante o Levante e os que o precederam estão relatados em inúmeros diários, relatos de sobreviventes, registros e estatísticas alemãs. As informações mais detalhadas constam dos Arquivos “Oineg Shabbes”, em iídiche (Oneg Shabat, em hebraico) desenterrados após a 2ª Guerra. Este grupo, criado pelo historiador Emanuel Ringelblum, incluía escritores, rabinos e assistentes sociais. Hoje, a parte descoberta dos Arquivos, com cerca de 6 mil documentos e 35 mil páginas, está no Instituto Histórico Judaico, em Varsóvia.
A criação do gueto – novembro de 1940
A saga teve início quando o exército alemão entra na Polônia, em 1º de setembro de 1939. Após romper as defesas polonesas, os alemães seguem rumo a Varsóvia e sitiam a cidade. O bairro judeu foi o mais assolado pelo bombardeio alemão. No dia 29, as forças do Terceiro Reich entram na cidade e Varsóvia se torna parte do Governo Geral1 .
A perseguição aos judeus é iniciada imediatamente, apesar dos comandantes da Wehrmacht terem assegurado aos líderes comunitários que não havia o que temer. Decretos após decretos são promulgados, todos visando humilhar, isolar e minar a capacidade de sobrevivência judaica.
Uma das primeiras providências para garantir a implementação de suas ordens é a criação, em Varsóvia e em outras cidades, do Judenrat2, um Conselho Judaico que seria dirigido por Adam Czerniakow, de outubro de 1939 até seu suicídio, em 23 de julho de 1943. No diário que manteve até seus últimos momentos, ele revela que os Judenrat funcionavam em um ambiente de incerteza, violência e falta de poder.
Devido aos interesses conflitantes entre a administração civil alemã, o exército e as SS, o Conselho Judaico consegue atrasar a criação do Gueto por um ano.
No dia 12 de outubro de 1940, eles recebem a notificação nazista sobre a delimitação de um “bairro residencial judaico em Varsóvia”. Era Yom Kipur – os nazistas tinham uma “predileção” por infligir os maiores castigos nos dias mais sagrados do calendário judaico. Dos 375 mil judeus que viviam na cidade, cerca de 140 mil não residiam nas áreas delimitadas. Os nazistas deram prazo até o final de outubro para a transferência para o Gueto. Um terço da população de Varsóvia seria encurralada numa área de quatro quilômetros quadrados...
Em 15 de novembro o Gueto é lacrado e cercado por um muro alto; suas portas de saída vigiadas por homens armados. Nenhum judeu poderia entrar nem sair, a não ser para os trabalhos forçados, a deportação ou ser enterrado. Para tentar entender a nova realidade com que os judeus se defrontavam, temos que ter em mente que o gueto nazista era um mundo por si só. Os nazistas haviam cortado qualquer meio de comunicação com o mundo exterior. Era uma situação além de qualquer imaginação: as pessoas tentavam levar uma vida “normal” para não enlouquecer ou perder as esperanças, ainda que as ruas estivessem cheias de cadáveres.
O dia-a-dia era uma mescla de humilhação, dor e perigo. A escassez de alimento, aquecimento, condições sanitárias e medicamentos, e as epidemias decorrentes disso tudo, provocavam a morte de milhares. Os judeus eram insultados, roubados, espancados ou mortos pelos alemães. O trabalho forçado tornara-se obrigatório e milhares de judeus são enviados aos campos. Os que sobreviviam, voltavam quebrantados.
Ao ver que tudo desabava em sua volta, muitos judeus se agarraram a seus ideais, convicções religiosas ou políticas antes da guerra. No Gueto de Varsóvia é criada uma rede de instituições assistenciais e culturais, como uma “comunidade paralela”, independente do Judenrat, para tentar aliviar a vida da população. A preocupação girava em torno da sobrevivência física, moral e espiritual. A principal dessas instituições era Organização de Autoajuda Judaica, que, no primeiro ano, socorreu 160 mil judeus. (V. artigo “A Resistência Judaica”, à pág. 34).
As condições de vida pioram em janeiro de 1941 devido ao frio intenso e à chegada de cerca de 150 mil judeus das regiões vizinhas, Alemanha e Áustria. O número de habitantes no Gueto chega a 500 mil, dos quais 200 mil esfomeados. O tifo varre o Gueto de Varsóvia e, até julho, mais de 45 mil judeus morrem de “causas naturais” - fome, frio e doenças.
Apesar do combate diário à degradação e desumanização, não havia uma resistência armada. Todos as lideranças – do Judenrat, da comunidade paralela, dos movimentos juvenis, concordavam em um ponto: enquanto houvesse possibilidade de sobrevivência, a prioridade era salvar vidas ainda que de uma minoria. Sabiam que um ato de violência provocaria a morte de dezenas ou centenas de judeus, e, talvez a liquidação “prematura” do Gueto.
Vamos ver, mais adiante, que em muitos aspectos a liderança do Gueto passa para as mãos dos líderes dos movimentos juvenis. Altamente motivados, eles haviam retornado para Varsóvia. Eles haviam deixado a cidade antes de ser tomada pelos alemães, juntamente com as elites políticas polonesas e muitos líderes da comunidade judaica.
Até que se dessem conta de que os nazistas visavam a aniquilação judaica, a preocupação dos movimentos juvenis era manter a vida e a dignidade dos jovens. Seus integrantes se reuniam em refeitórios e bibliotecas mantidos pela comunidade paralela. Foram criadas células subterrâneas e estudados os meios de romper o isolamento imposto pelos nazistas. Os esgotos, única via de saída do Gueto, foram “mapeados” após dezenas de jovens terem morrido sufocados ou afogados. À custa de outras dezenas de vidas, estabeleceram contatos com outros guetos através de couriers, em sua maioria mulheres ou jovens sem traços judaicos. A imprensa underground, dirigida pelos movimentos juvenis e partidos políticos, desempenhou papel crucial no preparo dos habitantes do Gueto para o levante armado. Seus jornais foram os primeiros a noticiar os assassinatos em massa em Treblinka, Sobibor, Chelmno e Maidanek.
A “Solução Final”
A invasão da União Soviética, em junho de 1941, deu início ao processo de matança sistemática executada pelos Einsatzgruppen. Apesar do “muro de silêncio” erguido pelos alemães, chegam a Varsóvia as primeiras notícias sobre o que ocorria com a população judaica em Mielec, Lublin e Vilna.
Os judeus não tinham como saber, mas na Conferência de Wannsee, em janeiro de 1942, os líderes nazistas haviam orquestrado o aniquilamento sistemático dos judeus da Europa – tratava-se de um plano operacional coordenado em escala continental.
Membros de movimentos juvenis de Vilna que chegam a Varsóvia para conseguir fundos para a organização de uma resistência armada confirmam o massacre de 20 mil dos 57 mil judeus de sua comunidade, na floresta de Ponar. Ele traziam, também, o alerta de Abba Kovner,: um dos líderes do Hashomer Hatzair: “Hitler planeja destruir todos os judeus da Europa”. As notícias são recebidas com cautela. As lideranças comunitárias não acreditam que os massacres em Vilna eram o prenúncio do cataclismo.
As informações sobre campos de extermínio também chegam a Varsóvia. Dois judeus, após fugir do campo de Chelmno, revelam que os nazistas estavam assassinando judeus em câmaras de gás. Era difícil acreditar e, mais difícil ainda, assimilar a terrível verdade. O testemunho de um deles, tomado por um membro do Oineg Shabbes, o grupo de Ringelblum, é transmitido para Londres, onde ficava o Governo Polonês no Exílio.
Os líderes do movimento clandestino, no entanto, já não nutriam ilusões sobre as intenções nazistas e compreenderam que a estratégia de não-provocação que vinha sendo adotada ajudava os planos dos nazistas. Sionistas e comunistas se unem para formar o Bloco Anti-Fascista (AFB), de combate. Mordechai Anielewicz, do Hashomer Hatzair, era um dos líderes.
Anielewicz será lembrado para sempre por seu legado de coragem e idealismo, como veremos em seguida, e por sua liderança durante o Levante. Em suas anotações, Ringelblum revela que Anielewicz lhe dissera lamentar os três anos desperdiçados com trabalho cultural e educativo, quando podiam ter “treinado a juventude no manejo de armas”.
A Grande Deportação
A sexta-feira, 18 de abril, marca o fim da relativa estabilidade no Gueto. Nessa “sexta-feira sangrenta”, como passou a ser chamada, os alemães assassinam 52 judeus, a maioria envolvidos em publicações clandestinas. Em 12 de maio, quatro líderes da resistência são assassinados na prisão Paiwa. No mês seguinte, mais dois são capturados e fuzilados, sendo também capturadas as poucas armas que a AFB conseguira juntar.
Estavam corretas as avaliações dos judeus de que aquelas ações prenunciavam uma nova etapa. No início de julho, Heinrich Himmler, comandante das SS, despacha aos comandantes em Varsóvia a ordem de “reinstalação” de toda a população judaica até dezembro de 1942.
A primeira fase da grande “Aktion”, a deportação em massa dos judeus de Varsóvia, tem início na noite de 22 de julho de 1942, véspera de 9 de Av, dia de luto para o Povo Judeu. Prossegue durante sete semanas. Os nazistas avisam ao Judenrat que “os judeus, sem distinção de idade ou sexo, salvo exceções específicas, serão deportados para o Leste”. Apenas seriam poupados aqueles que trabalhavam no Gueto em indústrias alemãs ou os membros do Judenrat. Ao receber a intimação, Czerniakow se suicida, como vimos acima.
Milhares são levados diariamente ao ponto de reunião, a Umschlagplatz, onde aguardam para serem jogados, sem água ou comida, nos vagões dos trens de gado. Em 7 de agosto, os nazistas levam as 200 crianças do orfanato do Dr. Janus Korczak. Apesar da possibilidade de se salvar, o grande educador não abandonou “suas crianças”. Marchou à frente dos órfãos, juntamente com sua equipe, até os trens da morte.
Na época, o percurso entre Varsóvia e Treblinka, cerca de 78 km, levava quase 12 horas. Ao chegar, os judeus eram atirados dos vagões, enfileirados, para passar por um portão, sobre o qual pendia a cortina da Arca Sagrada da Grande Sinagoga de Varsóvia e onde se lia “Por estes portões passam os justos”. Em 12 de setembro as deportações cessam. De acordo com dados nazistas, 235.741 pessoas haviam sido enviadas ao campo de extermínio de Treblinka. Dez mil morreram nas ruas do Gueto e 12 mil foram enviadas a outros campos de trabalhos forçados.
A rapidez e rigor da grande deportação surpreenderam os movimentos juvenis e o Bund3, deixando-os sem ação. Em meio à primeira onda de deportações, em 28 de julho, representantes dos movimentos juvenis Hashomer Hatzair, Dror e Bnei Akiva, e do Bund, formam a Organização Judaica de Combate, conhecida por seu acrônimo em polonês, ZOB - Zydowska Organizacja Bojowa. Entre os participantes estavam Yitzhak Zuckerman, Joseph Kaplan, Mordechai Tennebaum-Tamarof e Arie Wilner. Este último foi enviado ao lado ariano para contatar a clandestinidade e obter com urgência armas e orientação. Anielewicz não esteve presente durante a deportação, porque se encontrava numa missão na área de Zamglebie.
A resistência polonesa alertara seus contatos sobre o que acontecia em Treblinka. O membro do Bund enviado para investigar volta com a confirmação de que se tratava de um campo de morte, onde judeus eram assassinados, ao chegar, em câmaras de gás.
A ZOB divulga um manifesto com as intenções dos alemães e o destino dos deportados: “Massas judaicas, aproxima-se a hora. Deveis estar preparados para resistir. Nem um só judeu deve entrar nos vagões”. Passam a forjar cartões que atestavam que o seu portador era um “elemento produtivo”. Em teoria, quem estivesse de posse de um “cartão de vida”, não era deportado. Tampouco seriam sua esposa e filhos.
No final de outubro, membros do partido Poalei Tsion e os comunistas concordam em se juntar à ZOB. Anielewicz foi designado comandante da Organização dos Combatentes, agora ampliada, e Yitzhack Zuckerman, o segundo homem no comando. Apenas o movimento juvenil Betar não se une, fundando uma organização separada, a ZZW, União Combatente Judaica. É também criado o Comitê Nacional Judaico, com representantes das forças políticas judaicas e dos movimentos juvenis, para atuar como representante dos judeus junto à resistência polonesa.
Alguns grupos combatentes defendiam a ideia de que seria melhor organizar a resistência fora do Gueto. Anielewicz e outros, no entanto, defendiam a organização de uma oposição armada dentro do Gueto, pois acreditavam que os judeus que lá viviam não poderiam ser abandonados.
Os jovens sabiam que para uma ação militar eram necessárias armas e ajuda. Imediatamente se movimentam para conseguir fundos para a compra de armamento, sendo alguns enviados para o lado ariano para pedir ajuda. A resposta da resistência polonesa foi “Aguardem, não é chegada, ainda, a hora de nos revoltarmos contra os nazistas”. Mas o tempo se esgotava para os judeus...
Após inúmeros apelos, a resistência polonesa lhes fornece dez pistolas e uma pequena quantidade de munições. O arraigado antissemitismo polonês e o fato de não considerarem os judeus capazes de levar a cabo um levante armado, explicam, em parte, a atitude polonesa. A ZOB consegue comprar mais armas de desertores do exército italiano e de membros do Partido Comunista Polonês. Algumas são roubadas de alemães bêbados.
Como vimos acima, a ZOB alertava os judeus “para não embarcar voluntariamente nos trens, pois todas as promessas nazistas eram mentiras. Os trens tinham um único destino: Treblinka”. No caso de uma nova “ação”, todos deveriam procurar esconderijo. A ZOB fazia, também, o candente apelo: “Desperta, povo, e luta por tua vida! ”.
Os colaboracionistas que viviam dentro do Gueto se tornam alvo da ZOB, particularmente os da Polícia Judaica e os gerentes das oficinas. “Iniciamos uma campanha impiedosa contra todos os traidores...”, diz um de seus comunicados. E, em 20 de agosto de 1942, Israel Kanal, infiltrado na Polícia Judaica pelos movimentos juvenis, executa o chefe de polícia, Joseph Szerynski, um judeu convertido ao catolicismo. Segue-se uma série de outras execuções. A eliminação de colaboracionistas levanta o moral dos remanescentes no Gueto e afirma a autoridade da ZOB.
A resistência de janeiro de 1943
No final de 1942, dos 380 mil judeus que viviam no Gueto restavam apenas 70 mil. Ironicamente, a vida se tornara mais fácil. Os sobreviventes das deportações eram os mais jovens e fortes. Não havia mais crianças, idosos ou doentes. Porém, os que haviam ficado eram atormentados por um sentimento de culpa por terem sobrevivido, permitindo que sua família fosse levada sem qualquer tentativa de oposição. Um ódio profundo e um grande desejo de vingança os corroía. A desesperança torna-se pré-requisito para a resistência. Os nazistas não tinham conseguido levá-los, mas logo voltariam. E, dessa vez, pagariam caro pela vida de cada judeu.
Em janeiro, após uma visita ao Gueto de Varsóvia, Himmler ordena a redução de sua população. Quando, na manhã do dia 18, os alemães entram no Gueto parareiniciar as deportações, pegam a ZOB de surpresa.Os grupos armados não têm tempo de se organizar e entram em ação de forma independente.
O primeiro tiro é disparado por Arie Wilner contra nazistas que tentavam entrar em uma das moradias da ZOB. Zuckerman lidera outro grupo. Anielewicz é mais “ambicioso” e traça um plano. Liderando uma dúzia de combatentes armados com pistolas, junta-se às fileiras de judeus levados ao ponto de reunião, o Umshlagplatz. Ao se aproximarem da rua Mila, numa ação simultânea, cada combatente ataca o alemão mais próximo. Ao ouvir os disparos, milhares de judeus correm em todas as direções. Os alemães são surpreendidos, pois esperavam que as deportações acontecessem sem problemas, como de costume. Pela primeira vez, os nazistas caem nas ruas do Gueto, uns mortos, outros feridos. Mas, recuperando-se do choque, eles revidam. A maioria dos combatentes judeus tomba e o próprio Anielewicz se salva por um triz. Apesar do luto pelos amigos, a sensação de realização é grande. Dissipava-se a frustração e a impotência sentidas até então e o sonho de lutar contra os assassinos de suas famílias e de seu povo já não lhes parece tão impossível.
No entanto, os nazistas continuam com as deportações, conseguindo matar ou colocar nos trens de 5.000 a 6.500 judeus.
Estas batalhas iniciais mostraram ser o momento de decisão para os judeus. “A ações eletrizaram o Gueto; os combatentes eram tratados como salvadores, por toda a parte; a Organização Combatente Judaica recrutou centenas de adeptos”.
Encorajados pelos resultados das ações de resistência, os judeus fazem planos para organizar uma revolta. Os membros da organização combatente superam as divisões ideológicas e a ZOB se unifica; estratégias são planejadas. Marek Edelman, membro do partido Bund e combatente da ZOB relatou em seu livro, The Ghetto Fights: “Nunca antes houve tamanho grau de unanimidade e coordenação entre pessoas de diferentes partidos políticos, como aquela colaboração dos vários grupos, naquele período. Lutávamos todos pela mesma causa justa, igual frente à história e à morte. Cada gota de sangue tinha exatamente o mesmo valor”.
Abrigos subterrâneos, túneis e passagens são construídos ligando os terraços das casas e edifícios do Gueto. Os judeus do Gueto de Varsóvia se preparam para lutar até o fim. Compram armas do movimento clandestino polonês. Os não-combatentes também se preparam para enfrentar os nazistas. Centenas de bunkers subterrâneos são construídos.
A ZOB tornara-se a única autoridade dentro do Gueto. Seu lema era “Nem mais um judeu deverá encontrar seu fim em Treblinka! Enquanto a vida de um único judeu estiver ameaçada - ainda que uma única vida - temos que estar prontos para lutar”. Contavam, então, com 22 unidades de combate.
Em fevereiro de 1943, espalha-se a notícia do reinício das deportações. Os alemães tentam convencer os judeus remanescentes a se reunir para a “reinstalação” em outro lugar. Visando persuadi-los a partir, nomeiam o gerente da fábrica Taebbens – e não a SS – para chefiar o grupo de “reassentamento”. Em represália, a ZOB incendeia a Fábrica de Marcenaria Habbermans, atacando os guardas alemães, que fogem, apavorados. Nenhum dos 3.500 operários daquela fábrica se apresenta para o “reassentamento”.
O início do Levante
A ação final contra o Gueto se inicia em 18 de abril de 1943. O plano era apresentar Varsóvia como “Judenfrei” (livre de judeus) no dia 30 de abril, aniversário de Hitler.
Durante a madrugada, dois mil nazistas e colaboradores, pesadamente armados, cercam o Gueto com tanques e caminhões carregados de munição. Alertados sobre os planos nazistas, 750 combatentes judeus estão a postos para recebê-los à bala. À espreita, concentram-se em três postos-chave que controlam o acesso ao Gueto. Os que não podem lutar escondem-se nos bunkers.
O Levante do Gueto de Varsóvia tem início assim que entram os alemães. A primeira batalha ocorre na rua Nieweski, com vitória total da ZOB. Yitzhack Zuckerman, um dos sobreviventes, descreveu aquela noite: “Na esquina das ruas Zamenhof e Mila os combatentes atacaram a coluna alemã que entrara no Gueto. Após o primeiro ataque bem-sucedido, com metralhadoras e granadas sobre os SS, a rua ficou deserta. .... Quinze minutos depois, os tanques cruzaram o posto de controle, avançando com força total sobre a posição dos combatentes. Garrafas incendiárias foram arremessadas com precisão e calma, acertando em cheio um tanque. Uma explosão. O tanque foi imobilizado. Os outros dois tanques bateram em retirada, seguidos por alemães apressados, sob a mira de granadas e artilharia certeiras. Eles perderam perto de 200 homens, entre mortos e feridos. Nossas baixas: um combatente”.
Às cinco da tarde, os alemães batem em retirada. Naquela noite, os combatentes e o remanescente da comunidade judaica de Varsóvia festejam. Os judeus haviam provado a si mesmos e ao resto do mundo que enfrentariam os alemães com armas em punho.
Na madrugada do segundo dia, os alemães voltam ao Gueto. A ZOB explode as minas colocadas anteriormente, matando uma centena de nazistas. Os combates seguem durante todo o dia, a ZOB sempre na ofensiva. E, novamente, ao anoitecer, os alemães se retiram.
No terceiro dia, os nazistas mudam de estratégia, não mais enfrentando os judeus de frente. O fogo se incumbiria de desalojá-los. Começam, sistematicamente, a incendiar o Gueto. O calor insuportável força muitos judeus a deixarem seus esconderijos. Marek Edelman descreveu: “Ruas inteiras ficaram bloqueadas por incêndios .... O mar de chamas inundava casas e pátios ... Não havia ar, uma fumaça preta sufocante e um calor ardente irradiavam dos muros vermelho-incandescentes...”. Centenas de judeus, aprisionados nos edifícios em chamas, saltam para a morte.
A ZOB viu-se forçada a também mudar de tática. Enquanto combatiam os nazistas, tentavam salvar judeus que as chamas haviam levado às ruas. Ao fim da primeira semana, os alemães trazem artilharia pesada e aviões da Luftwaffe e bombardeiam o Gueto. Agora, todo o Gueto ardia em chamas.
A ZOB adota, então, táticas de guerrilha. Preparam emboscadas para os alemães; as batalhas alastram-se dia e noite. Forçam, assim, os alemães a lutar rua por rua, edifício por edifício, judeu por judeu...
Mas, após uma semana de luta ininterrupta, a situação se torna insustentável para os combatentes. Haviam sofrido poucas baixas, mas estavam exaustos – combatentes e judeus. O fogo consumira as reservas de alimento e os escombros entulhavam a maioria dos poços de água do Gueto. E, o pior, a munição chegava ao fim.
O último dos principais focos de resistência era o bunker de comando da rua Mila 18, onde estavam baseados 120 combatentes. Em 8 de maio, os alemães bombardeiam sua entrada durante duas horas, mas como os combatentes não se rendiam, injetam gás venenoso dentro do bunker, pelos bueiros dos esgotos. Um dos combatentes descobre uma saída oculta; mas poucos conseguem escapar. Os outros, pouco a pouco, morrem sufocados pelo gás, ou dão cabo da própria vida. Uma centena de bravos combatentes judeus perecem na batalha pelo Mila 18, entre eles, Mordechai Anielewicz, o heroico e destemido comandante da ZOB.
Em 12 de maio, Shmuel Zygelboym, representante do Bund no Governo Polonês no Exílio, se suicida. Deixa uma carta na qual diz que apesar de a culpa pelo Holocausto ser dos alemães, nem a resistência polonesa, o Governo polonês ou os aliados tinham feito o necessário para evitar a matança dos judeus. Ninguém os havia ajudado. Os habitantes de Varsóvia, indiferentes, assistiram o Gueto arder, seus moradores saltando pelas janelas.
Zygelboym escreveu: “Não posso continuar vivendo e silenciar enquanto os remanescentes do judaísmo polonês, a quem represento, estiverem sendo assassinados. Meus camaradas no Gueto de Varsóvia tombaram empunhando suas armas, na derradeira batalha heroica. Não me foi permitido tombar como eles, mas sou parte deles em seu túmulo coletivo. Com minha morte, dou expressão ao mais profundo protesto contra a inércia com que o mundo assiste e consente no extermínio do Povo Judeu”.
Mesmo sem lideranças, os combatentes lutam até 16 de maio de 1943. Nesse dia, o comandante Stroop, responsável pela liquidação do Gueto, comunica a Berlim que o Gueto de Varsóvia “deixara de existir”. A ação, de grandes proporções, termina quando os nazistas explodem a Sinagoga de Varsóvia, às 20:15h daquela noite.
As palavras de Mordechai Anielewicz, na carta que enviou em 23 de abril, são as que melhor transmitem a mensagem dos combatentes às gerações futuras:
“É impossível colocar em palavras o que temos suportado. Ficou muito claro, no entanto, que o que ocorreu, suplantou nossos sonhos mais ousados. Com a ajuda de nosso transmissor, ouvimos pela estação de rádio Shavit o relato maravilhoso de nossos combatentes. O fato de sermos lembrados além dos muros do Gueto nos incentiva em nossa luta. Que a paz o acompanhe, amigo, talvez ainda voltemos a nos encontrar. O sonho de minha vida despertou para ser realidade. A autodefesa no gueto terá sido uma verdade. Verdadeiros também são a resistência judaica armada e nossos atos de vingança. Fui testemunha da magnífica e heroica luta de homens judeus combatentes”.
BIBLIOGRAFIA
Dawidowicz, Lucy, The War Against the Jews: 1933-1945
Gutman, Israel, Resistência: O levante do gueto de Varsóvia
Kassow, Samuel D,Who Will Write Our History?: Rediscovering a Hidden Archive from the Warsaw Ghetto. Ebook Kindle
Gilbert, Martin, The Holocaust. Ebook Kindle
1 Após a invasão alemã e soviética, a Polônia é dividida em três partes: uma é incorporada ao Reich (Wartheland), outra torna-se um protetorado alemão (Governo Geral) e a terceira é incorporada à União Soviética.
2 Os Judenrat, palavra alemã para “Conselho Judeu”, eram obrigados a assegurar nos guetos, o cumprimento de todas as determinações alemãs, e situavam-se como “intermediários” entre os nazistas e a comunidade judaica. Aqueles que se recusavam a seguir ou cooperar com as ordens nazistas eram assassinados ou deportados para os campos de extermínio.
3 Bund foi um movimento político de operários judeus, surgido entre a partir de 1890 na Europa.