Nuremberg, dia 16 de outubro de 1946. Dez homens  fortes do 3º Reich condenados à morte pelo Tribunal  Militar Internacional são enforcados. Era Hoshaná Rabá  - o dia em que D'us sela os veredictos de Rosh Hashaná  para o ano seguinte.

A cidade de Nuremberg, capital simbólica do III Reich, sediou, entre 20 de novembro de 1945 e 1 de outubro de 1946, o que a imprensa mundial chamou de o “Julgamento do século”. Os líderes aliados levaram perante o recém-estabelecido Tribunal Militar Internacional proeminentes membros da liderança política, militar e econômica da Alemanha Nazista. O Julgamento de Nuremberg mostrou ao mundo a verdadeira natureza das atrocidades cometidas pelos alemães antes e durante a 2ª Guerra Mundial, mostrando as entranhas da conspiração criminosa que pretendia subjugar e escravizar os povos da Europa e exterminar todo e qualquer judeu.

Para o Povo Judeu, o julgamento foi de suma importância. Apesar das limitações, das críticas e do fato de a “Solução Final da Questão Judaica” não ter sido o ponto central do julgamento, como os judeus queriam, pela primeira vez os representantes oficiais das forças aliadas apresentaram uma documentação abrangente, a um público não judeu, sobre a perseguição e massacre do Judaísmo Europeu durante a 2ª Guerra Mundial – o que viríamos a chamar de Holocausto, em hebraico, Shoá.

Um marco na História da Civilização

Em maio de 1945 a Alemanha se rendera. O preço do conflito foi alto em vidas humanas, entre 50 a 70 milhões de mortos entre civis e militares, e milhões de feridos. Em muitos países arrasados pela guerra, a destruição, fome e miséria tinham-se tornado parte do cotidiano.

Para os judeus, a guerra que Hitler empreendera contra nosso povo foi uma catástrofe sem igual na História. De acordo com as recentes estimativas, entre os mortos, 7 milhões eram judeus, sendo que mais de um milhão deles eram crianças. Os nazistas e seus colaboradores haviam assassinado dois de cada três judeus que viviam na Europa, mas é de extrema importância apontar que essa estatística é enganadora, pois a maioria dos que sobreviveram vivia em áreas da Europa que não foram ocupadas pela Alemanha, como o Leste da União Soviética, a Grã-Bretanha, a Bulgária, e estados neutros como Espanha, Portugal, Suíça e Suécia.

O sangue dos mortos e os sobreviventes clamavam por justiça. Hitler, Himmler e Goebbels haviam-se suicidado; Adolf Eichmann, Heinrich Mueller e Josef Mengele, entre outros, haviam conseguido fugir, mas alguns dos principais orquestradores do regime nacional-socialista haviam sido capturados. Era imprescindível que os arquitetos da Solução Final respondessem por suas ações, e que a nação alemã assumisse sua responsabilidade coletiva, pois dera a Hitler o poder e anuência para levar adiante seus atos criminosos.

No decorrer da Guerra, os aliados, ao tomarem conhecimento dos crimes cometidos pelos III Reich, haviam advertido o povo alemão de que teriam que responder pelos crimes cometidos em nome da Alemanha. A decisão de julgar os líderes do Reich fora expressa na Declaração de Moscou de 1943 e reiterada, em 1945, pelos Acordos de Ialta e a Conferência de Potsdam. Mas, já em 1942, o Gabinete britânico debatia o que devia ser feito com os criminosos de guerra nazistas. Winston Churchill era a favor da execução sumária, para evitar os “emaranhados dos procedimentos legais”. Anthony Eden, futuro primeiro-ministro, acreditava que “a culpa das lideranças nazistas mais do que ultrapassava o âmbito de qualquer processo judicial”. Membros do governo americano concordavam com os britânicos e persuadiram o presidente Franklin D. Roosevelt de que os nazistas “não mereciam mais do que uma audiência sumária e um pelotão de fuzilamento”.

Uma voz, porém, levantou-se contra essa corrente: a do secretário de Guerra americano Henry Stimson, que encontrou  um aliado em Joseph Stalin.  O ditador soviético alertara que, caso os líderes nazistas fossem sumariamente executados, as gerações futuras poderiam ser levadas a crer que os aliados os haviam silenciado por temerem um julgamento. Para Stimson, o mundo precisava tomar pleno conhecimento das barbáries cometidas pelo nazistas. Os próprios alemães precisavam se conscientizar da culpa da Alemanha. Apesar das forças americanas os obrigarem a ver in loco os cadáveres e os fornos crematórios, a maioria dos alemães acreditava que as acusações eram “mentiras forjadas pelos vencedores”. Stimson temia, ainda, que uma execução sumária transformaria criminosos de guerra em mártires. Em outubro de 1944, ele convenceu o presidente Roosevelt da necessidade de um julgamento público. “A punição desses homens de maneira digna terá o maior efeito para a posteridade”, argumentara.

Após a morte súbita de Roosevelt, em abril de 1945, e a posse de Harry S. Truman na presidência dos Estados Unidos, os preparativos para levar os criminosos à justiça se aceleraram. Em maio, Truman pediu ao Juiz da Corte Suprema Robert Jackson1 que organizasse o julgamento.

Jackson estava determinado a fazer do Julgamento de Nuremberg “um marco na história da civilização”. Estava determinado a dar aos réus a possibilidade de defesa, como afirmou em suas considerações finais: “Uma das coisas de que podemos ter certeza: o futuro  jamais terá que perguntar o que os nazistas teriam dito a seu favor.  A História saberá que o que poderia ter sido dito, foi-lhes permitido dizer. Foi-lhes concedido o tipo de julgamento que eles, em seus dias de poder, jamais deram a qualquer ser humano”...

O Tribunal Militar Internacional

Em agosto de 1945 Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e URSS assinaram em Londres o acordo que criou o Tribunal Militar Internacional ao qual aderiram outras 18 nações. O acordo estabeleceu as bases do funcionamento do Tribunal, e determinou que 24 proeminentes membros da liderança política, militar e econômica da Alemanha Nazista estariam no banco dos réus. Caberia aos promotores da Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e URSS expor a participação dos réus na conspiração engendrada para dominar a Europa e nos crimes cometidos contra a humanidade.

Definiu também que seriam julgados sete “grupos ou organizações nazistas”: o Gabinete do Reich,  o Órgão Executivo do Partido Nazista, a SS, a SA, a Gestapo,  a SD e o Estado Maior e Alto Comando das Forças Armadas Alemãs. A estratégia legal de não julgar apenas indivíduos pelos atos criminosos, mas também as organizações, tinha por objetivo que, no futuro, durante os julgamentos de réus menos conhecidos, uma vez que uma organização fosse declarada criminosa pelo Tribunal, a prova de pertencer àquela organização criminosa pudesse ser uma evidência-chave que levasse à condenação. 

A acusação partia do pressuposto de que quem tivesse apoiado a política da organização ou grupo à qual pertencia era responsável por seus atos e devia responder por crimes cometidos em seu nome.  A obediência hierárquica não poderia ser considerada excludente. Com essa determinação, o Tribunal invalidava a “defesa” utilizada pelos nazistas – de que eles estavam “apenas seguindo ordens superiores”.  

Esse conceito de responsabilidade individual foi submetido a juízo em relação à participação em um “plano comum de conspiração” para cometer três tipos de crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade. A primeira acusação diz respeito à violação de acordos definidos pelas convenções de Haia e Genebra. A segunda se traduz na noção de “guerras de agressão”, ou seja, na deflagração de conflitos que não tenham como motivação a legítima defesa. Crimes contra a humanidade, conceito até então não existente, são basicamente atos que atentam contra a dignidade e os direitos humanos. Na abertura do julgamento, o promotor-chefe dos Estados Unidos, Robert Jackson, definiu-os como “delitos que feririam o limite do tolerável pela civilização, sendo independentes das circunstâncias de guerra”. São considerados crimes contra a humanidade assassinatos, extermínio, escravidão, deportação e outros atos desumanos cometidos contra a população civil antes ou durante a guerra, além de perseguições baseadas em motivos políticos, raciais ou religiosos, mesmo quando validadas pelas leis dos países nos quais foram perpetrados.

Ao se preparar para o julgamento, a promotoria americana considerou seriamente destacar as políticas nazistas contra os judeus e uma participação direta judaica durante o processo judicial. Alguns grupos judeus haviam solicitado tal envolvimento ainda antes da Conferência de Londres.

 Jackson, que, a princípio, era contrário à ideia, parece ter mudado de opinião durante o verão europeu de 1945, provavelmente devido às conversas que manteve com Hersch Lauterpacht, professor de Direito Internacional em Cambridge, que insistira fortemente pela realização de um julgamento por crimes de guerra, em 1943, e que estava  ávido para ver o Tribunal considerar as atrocidades cometidas contra o judaísmo europeu. Ainda que a ideia tivesse sido abandonada, Jackson introduziu o título “Crimes contra a Humanidade” em um dos rascunhos finais do Acordo de Londres. Assim sendo, o tópico encontrou seu lugar no Artigo 6 da Carta de Nuremberg (ou Acordo de Londres) e o veredicto da acusação foi proferido.

O Julgamento

Quando, em 20 de novembro, o Tribunal composto por juízes dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética iniciou seus trabalhos, 21 dos 24 indiciados estavam no banco dos réus. Esse número foi reduzido quando se comprovou que o idoso industrial Barão Gustav Krupp era incapaz; Robert Ley, líder da Frente Trabalhista cometera suicídio e Bormann fora julgado in absentia.

Durante o julgamento, o amplo alcance das atrocidades cometidas por nazistas e seus colaboradores foi apresentado detalhadamente ao público. Para atingir os objetivos do julgamento e ser, ao mesmo tempo, “justo” e “diligente”, era necessário ser muito rápido e preciso na tradução das perguntas, respostas e das evidências. Para possibilitar todos os participantes do julgamento de entenderem o que estava sendo dito, de forma simultânea, em sua língua nativa, foram utilizados equipamentos especialmente desenvolvido pela IBM. Nascia a “interpretação simultânea” como hoje se conhece.

Nos meses que antecederam o julgamento chegaram a Nuremberg caminhões carregando documentos que revelavam em detalhe as barbáries cometidas durante os  12 anos que os nazistas ficaram  no poder. Os registros devidamente catalogados e traduzidos estão,  desde então, à disposição do  público. A promotoria apresentou  ao Tribunal, como provas da acusação, mais de 3 mil documentos, além de filmes, fotografias e depoimentos.

Apesar de não faltarem testemunhas oculares para evitar futuras  acusações de tendenciosidade, Jackson, que se tornara promotor chefe, construiu o caso quase totalmente baseado nos registros e depoimentos dos próprios nazistas. Em suas palavras, “A paixão teutônica por fazer de qualquer mínimo detalhezinho uma questão digna de registro, fornece-nos nossa maior arma no julgamento. A partir de suas próprias ordens escritas, diretrizes, diários, jornais e correspondência, as provas avassaladoras da culpa dos réus nazistas se tornaram irrefutáveis”.

O momento decisivo do Julgamento ocorreu em seu nono dia. Thomas Dodd, um dos promotores americanos, incluiu como prova um filme compilado por fotógrafos militares no decorrer da libertação dos campos de concentração nazistas. Até então, o sofrimento humano havia sido obscurecido por números e páginas e mais páginas de detalhes, que, por mais horripilantes que fossem, eram algo frio e passível de esquecimento. Stalin dizia que a morte de um homem é uma tragédia, a de milhões se torna uma estatística. Era necessário mostrar a face do nazismo, dar um rosto à devastação humana. Ao se apagarem as luzes, o filme mostrava um mapa da extensa rede de campos nazistas, em seguida, imagens horripilantes: as condições desumanas dos campos, os fornos crematórios, as covas abertas em Mauthausen, os sobreviventes, esqueletos humanos famintos, cercados por pilhas de corpos, algumas tão altas quanto os barracos dos prisioneiros. As imagens desafiavam a compreensão. Ao término do filme, quando as luzes foram ligadas, um silêncio mortal. Os juízes simplesmente se levantaram e saíram.

Nas semanas seguintes foram apresentadas à Corte outros curta-metragens, fotografias de assassinados, da execução de prisioneiros do Leste europeu, algumas das quais tiradas pelos próprios alemães. E, perante um público horrorizado, uma cabeça embalsamada de um judeu utilizada como peso para papel.

Crimes contra o Povo Judeu

No segundo dia do Julgamento, dedicando uma parte importante de seu discurso de abertura a isso, o promotor chefe Robert H. Jackson assim definiu a estratégia traçada pela promotoria em relação à política antissemita do Terceiro Reich: “Os crimes mais selvagens e em maior número planejados e cometidos pelos nazistas foram aqueles contra os judeus. Tenho o propósito de demonstrar um plano e objetivo aos quais todos os nazistas estavam fanaticamente comprometidos: aniquilar todo o Povo Judeu. Esses crimes foram organizados e promovidos pela liderança do Partido, executados e protegidos pelos oficiais nazistas, e nós os convenceremos disto mediante ordens por escrito da própria Polícia Secreta Estatal”.

Ao longo do conflito, os não judeus e os próprios judeus não perceberam inteiramente o escopo nem o caráter da catástrofe. Importantes aspectos da catástrofe haviam vazado para os canais de notícias dos Aliados do Ocidente e mesmo através da propagando soviética durante o curso da guerra. Contudo – como os historiadores há muito deixaram claro – informação não significa conhecimento.

Telford Taylor, um coronel do exército americano e parte da promotoria, que assumiu vários julgamentos de Nuremberg, pessoa de inquestionável simpatia pelos judeus, testemunhou que, enquanto era preparado o julgamento, ele pouco sabia sobre o que nós chamamos de “o Holocausto”: “Como tantos outros, eu era um completo ignorante sobre os campos de extermínio em massa na Polônia, e o escopo completo do Holocausto só desabou sobre mim vários meses mais tarde, em Nuremberg”.

Em sua fala, o Juiz Jackson, do Supremo, revelou o peso esmagador da evidência contra os nazistas: o número de vítimas judias – cerca de 5.700.000, de acordo com suas estimativas. Ele indicou o amplo envolvimento dos réus e de outros alemães – parte do plano nazista, “segundo o qual cada réu era um partido”; os ilimitados objetivos dos nazistas – seu plano de extermínio que visava eliminar os judeus da Europa e também do mundo; a selvageria fora do normal na Europa Oriental – “o judeu oriental sofreu como nenhum outro povo”; e os detalhes do assassinato em massa – os guetos, os Einsatzgruppen, as camionetes com gás, o gueto de Varsóvia...

Estava tudo lá, e Jackson terminou sua apresentação destacando o lugar das perseguições antijudaicas no caso americano: “A determinação de destruir os judeus era uma força vinculante que constantemente serviu de alicerce para os elementos dessa conspiração. Em muitas políticas internas havia diferenças entre os réus. Mas não houve sequer um deles que não tenha repetido o grito de guerra do nazismo: “Deutschland erwache, Juda verrecke!” (Alemanha, desperta; judaísmo, perece!).

Apesar do importante pronunciamento de abertura de Jackson, as acusações contra esses homens não se referiam especificamente a crimes contra os judeus. Ainda que também intimamente associados à última alegação no indiciamento, o assassinato dos judeus europeus não foi dissociado dos demais crimes.   As questões judaicas foram apresentadas em vários pontos do caso da promotoria. Os crimes contra os judeus estavam entrelaçados nas evidências presentes em todas as alegações, em especial nos crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Mesmo os promotores soviéticos, relutantes em distinguir o sofrimento de judeus do de outros cidadãos soviéticos, apresentaram um relato completo e apavorante da campanha nazista contra os judeus. Mas, como observou um jurista, o assassinato dos judeus europeus foi visto “em termos da lógica pervertida do controle político e da conquista militar”, e não como parte de um projeto genocida inspirado pela ideologia antissemita.

Sir Hersch Lauterpacht, Raphael Lemkin e Jacob Robinson foram três advogados judeus que, embora não tendo participado formalmente, atuaram ativamente antes e durante do Julgamento para que a destruição dos judeus da Europa se tornasse parte integrante do processo. Todos eles tinham emigrado do Leste europeu, vinham de famílias da Europa Oriental que falavam iídiche, e haviam perdido muitos de seus familiares no Holocausto.

Professor de Direito Internacional da Universidade de Cambridge, como vimos acima, Lauterpacht nasceu em uma família judaica ortodoxa na Galícia Oriental e se mudou para a Inglaterra em 1923. Considerado por muitos como o fundador do Direito Internacional Moderno uniu-se, em 1944, ao Executivo Britânico de Crimes de Guerra, envolvendo-se, profundamente, na preparação do Tribunal Internacional. Defendia os direitos humanos e estimulava as autoridades britânicas a perseguirem criminosos de guerra nazistas, mostrando a necessidade de julgar crimes de guerra e estabelecer a responsabilidade criminal individual quando a guerra terminasse. Como vimos acima, ele tentou, sem sucesso, persuadir a Comissão das Nações Unidas contra Crimes de Guerra, sediada em Londres, a criar uma unidade especial para analisar crimes contra os judeus. Ajudou a formular a noção de uma definição tripartite da criminalidade nazista (crimes contra a paz/ crimes de guerra/ crimes contra a humanidade) e, em particular, a ideia desta última definição, crimes contra a humanidade – claramente uma das principais inovações jurídicas do Julgamento”.

Raphael Lemkin conquistou reconhecimento público significativo com sua apresentação do termo genocídio, que ele popularizou em seu livro “Axis Rule in Occupied Europe” (O domínio do Eixo na Europa Ocupada), publicado no final de 1944. Ele tinha um cargo no Escritório de Crimes de Guerra do Gabinete do Juiz Advogado-Geral, no Pentágono, e participou da equipe de Nuremberg do Juiz Robert Jackson. Lemkin ficou, obviamente, gratificado quando o indiciamento dos acusados, em Nuremberg, se referiu a “genocídio” em sua especificação de seus  crimes.

Quem mais atuou foi Jacob Robinson. Sionista polonês, chegou a Nova York em 1941 após fugir da Europa. Fundou o Instituto de Assuntos Judaicos (IJA), braço de pesquisa do Congresso Judaico Americano e Congresso Judaico Mundial. O IJA mantinha registro dos crimes cometidos contra judeus nos territórios ocupados pelos nazistas, na Europa, e estudava as bases legais para processar criminosos nazistas. Mais do que tudo, no coração de Robinson e na defesa do Congresso Judaico Mundial estava a noção de uma coletividade judaica cruelmente vitimada – uma nova ideia para muitos, em 1945-46. Robinson queria o reconhecimento dos crimes alemães contra o Povo Judeu e o fato de que o massacre do judaísmo europeu era um crime único e independente – “O objetivo final das políticas alemãs nazistas no tocante ao Povo Judeu era nada menos que sua completa aniquilação física”, ele observou em um relatório – um entendimento que é comumente aceito hoje, mas que era pouco compreendido ou apreciado à época.

Robinson estava intensamente preocupado em documentar essa perspectiva e sentiu considerável satisfação com a forma na qual esse material foi, afinal, usado no Julgamento. Como ele disse, muito mais tarde: “As provas submetidas ao Tribunal Militar Internacional no caso judaico foram avassaladoras: mais de oitocentos documentos nazistas autoacusadores... foram apresentados e trinta e três testemunhas foram ouvidas, além de todos os réus presentes”. Uma análise cuidadosa dessa documentação leva, inexoravelmente, à conclusão da existência de uma conspiração para destruir o Povo Judeu. Robinson ficou compreensivelmente gratificado com a apresentação das evidências sobre a destruição do judaísmo europeu, mas lamentou que Nuremberg tivesse falhado em considerar esse crime grandioso “como uma unidade, de facto e de juri” – ou, em outras palavras, que “o caso judaico não tenha sido destacado como um crime específico, mas ‘afogado’ nas abstrações dos Artigos  6 (b) e 6 (c) da Carta de Nuremberg”.

Reconhecimento da singularidade do ataque contra os judeus

Diferentemente dos líderes políticos em tempos de guerra, os promotores reconheceram o caráter único do ataque contra os judeus da Europa.  Houve um claro reconhecimento da importância histórica da catástrofe. Jackson, em sua conclusão, disse: “O movimento nazista será uma lembrança maligna na História devido à sua perseguição aos judeus, a mais ampla e terrível perseguição racial de todos os tempos”.

De modo semelhante, um dia depois, o promotor chefe britânico, Sir Hartley Shawcross, declarou: “Houve um grupo ao qual o método de aniquilação foi aplicado em uma escala tão imensa que é meu dever referir-me separadamente às evidências. Refiro-me ao extermínio dos judeus. Se não houvesse nenhum outro crime contra esses homens, este único, no qual todos foram implicados, já bastaria. Não há paralelo na História para esses horrores”.

Certamente, muito ficou sem explicação, e os principais livros sobre o assunto somente foram publicados décadas mais tarde. Mas o Julgamento de Nuremberg disponibilizou de maneira plenamente fidedigna, pela primeira vez, os elementos dessa história. Desde então, as toneladas de provas, documentos e testemunhos coletados  tem constituído o principal ponto de referência para o estudo do Holocausto.

BIBLIOGRAFIA
Roland, Paul, The Nuremberg Trials: The Nazis and Their Crimes Against Humanity.Kindle edition
Gilbert, G. M., Nuremberg Diary, Ed. Da Capo Press 
Carruthers, Bob, The Nuremberg Trials - The Complete Proceedings Vol 1: The Indictment and Opening Statements. Kindle edition
Ehrenfreund, Norbert, The Nuremberg Legacy: How the Nazi War Crimes Trials Changed the Course of History. Kindle Edition