Este ano, na terceira noite de Pessach, terão transcorrido 60 anos do início do movimento de revolta do Gueto de Varsóvia. Curiosamente, as datas do calendário judaico praticamente coincidem com as do calendário gregoriano.
Zivia Lubetkin: O dia 18 de abril de 1943 era a véspera de Pessach. Dois dias antes, o homem da Gestapo, Brund, entrou no escritório do Conselho Comunitário (o Judenrat) e disse que achava que o órgão não estava tomando conta direito das crianças judias.
Não havia comida nem legumes suficientes e ele sugeriu que os jardins de infância fossem reabertos para que as crianças pudessem brincar e rir, pois ele tinha certeza de que os judeus que haviam permanecido em Varsóvia eram produtivos e não havia perigo de deportação. Por experiência própria sabíamos que quando havia rumores no ar e se ouvia uma promessa desse tipo, era um mau sinal.
Tinham surgido rumores no gueto nos últimos dias antes de Pessach de que os alemães estavam-se aprontando para liquidar o gueto de Varsóvia. Outros tinham ouvido desse ou daquele alemão palavras de encorajamento, aconselhando-nos a lá permanecer. Mas no dia 18, o nosso policial judeu, que integrava o movimento clandestino, informou-nos que os policiais poloneses haviam dito aos policiais judeus que algo estava para acontecer naquela noite, apesar de não saberem exatamente quando.
A Frente de Combate Judaica existente no gueto, que contava com células de combatentes, declarou estado de alerta. Naquela noite, por volta da meia-noite, esse mesmo policial veio ver-nos para dizer que o gueto fora cercado.
Promotor: A essa altura, o Conselho Judaico já perdera o controle. Vocês estavam no controle da si-tuação, correto?
Z. Lubetkin: Isto ocorreu antes, ainda, entre janeiro e abril, talvez antes. O próprio Judenrat obedecia as ordens que emitíamos e fazíamos publicar em Varsóvia. Era uma época em que os judeus obedeciam.
Nós nos dividimos. Eu fui para um posto no número 33 da rua Nalewki. O comandante do grupo era Zechariah Auster. Os outros camaradas, Anilevich e outros, também se dirigiram a seus postos. Mordechai Anilevich foi até o número 29 da rua Mila. Naquela noite dissemos aos judeus que aquele que tivesse armas, lutaria. Todos nós tínhamos armas – e não apenas os que fazíamos parte da Frente de Combate. Dissemos: os que não tiverem armas, descerão aos abrigos subterrâneos. E, na primeira oportunidade, no tumulto criado pela luta, deixem-nos fugir para a parte ariana da cidade. Deixem-nos escapar para a floresta. Alguns se salvariam.
Para os grupos de combate, não havia que dar ordens. Aqueles jovens, homens e mulheres, aguardavam há meses com ansiedade pelo momento de poder atirar nos alemães. O dia amanheceu. Eu estava num sótão da rua Nalewki, 33, e vi os milhares de alemães armados com metralhadoras cercando o gueto. De repente, eles entraram no gueto, aos milhares, armados como se estivessem indo em direção à frente russa. Nossa célula constava de vinte homens, mulheres e jovens.
Cada um de nós portava um revólver e uma granada e todo um esquadrão tinha duas armas – e algumas bombas feitas de forma muito rudimentar. Era preciso acendê-las com fósforos. Era estranho ver aqueles vinte judeus, de prontidão contra um inimigo numeroso e fortemente armado, felizes porque sabiam que seu fim tinha chegado. Sabíamos que eles nos venceriam; mas sabíamos, também, que eles pagariam um alto preço por nossas vidas.
Sei que muitos de vocês não acreditarão, mas quando os alemães avançaram em direção a nossos postos e lançamos contra eles aquelas bombas e granadas de mão e vimos o sangue alemão jorrando pelas ruas de Varsóvia, após ter visto tanto sangue judeu derramado, nós ficamos em júbilo. O amanhã já não nos preocupava mais.
Aqueles heróis alemães bateram em retirada, atemorizados pelas bombas domésticas e granadas de mão. Uma hora mais tarde vimos um oficial ordenar que seus soldados recolhessem os mortos e feridos. Mais tarde, retiramos as armas deles. Portanto, no primeiro dia, nós, tão poucos que éramos e com armas que mais pareciam de brinquedo, conseguimos afastar os alemães do gueto. Mas é claro que eles voltaram. Eles tinham armas e munição, pão e água suficientes – e nós, não. Voltaram no mesmo dia, reforçados por tanques, e nós, com nossas bombinhas de gasolina, ateamos fogo num tanque durante esse embate. Quando, à noite, nos reunimos para fazer os relatos, constatamos que nossas baixas tinham sido irrisórias – apenas duas. Sabíamos que naquele dia centenas de alemães tinham tombado, mortos ou feridos.