Após dois anos em restauração, em projeto que mobilizou o Ministério da Cultura, o governo de Pernambuco, a prefeitura de Recife, a Confederação Israelita Brasileira, a Federação Israelita de Pernambuco e a Fundação Safra.
A Kahal Zur Israel, primeira sinagoga das Américas, foi reaberta no Recife e já está recebendo visitantes de todo o Brasil e do exterior.
Em média, são 250 pessoas por dia, judeus e não judeus, número que dá a idéia do grande interesse despertado pelo novo monumento, já considerado uma das atrações do roteiro turístico da cidade.
Agora sede do Centro Cultural Judaico de Pernambuco, o prédio, localizado na antiga rua dos Judeus (hoje, rua do Bom Jesus), na região portuária de Recife, é visto como um verdadeiro ícone da cultura de tolerância religiosa e racial que torna o Brasil um exemplo para o mundo.
A solenidade de reinau-guração da Kahal Kadosh Zur Israel (Santa Comunidade Rochedo de Israel) aconteceu no último dia 18 de março, com a presença do presidente da República em exercício, Marco Maciel, do ministro Francisco Weffort, da Cultura, do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, do prefeito de Recife, João Paulo L. Silva e de outras autoridades, entre as quais o embaixador de Israel, Daniel Gazit.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, na última hora não pode comparecer, mas enviou seu discurso para ser lido durante a solenidade. Logo de início, citando expressão de Pierre Nora, ele destacou que a “sinagoga “constituiu, por sua força simbólica, um privilegiado “lieu de mémorie”, no qual uma comunidade cristaliza seu desejo de lembrança”. Lafer também fez referência a Hanah Arendt, para quem a questão judaica, por ocupar um espaço importante na história contemporânea, não é de interesse exclusivo dos judeus. Nesse sentido, “transformada em centro de atividades culturais, voltada para a pesquisa e a preservação da memória da contribuição da cultura judaica no Brasil, a restaurada sinagoga Kahal Zur Israel reconcilia, como um vetor de futuro, memória e história”.
O ministro Francisco Weffort salientou que, “mais do que inaugurar as velhas casas do século XVII, hoje lindamente restauradas, nós estamos aqui para nos curar do esquecimento.... para resgatar um pedaço de nossa alma”. Ele lembrou da presença judaica na história do Brasil e que “os judeus são parte do que somos como país e o são desde o primeiro momento, desde a chegada de Pedro Álvares Cabral’. E concluiu: “Estamos aqui homena- geando um grande povo, que vindo da antigüidade, guarda, através da religião e da cultura, um vínculo de continuidade com o presente”.
Boris Berenstein, presidente da Federação Israelita de Pernambuco falou em nome da comunidade judaica para agradecer as instituições públicas e privadas que contribuíram para “a realização de um sonho, a restauração de uma página importante do passado e, sem dúvida, um passo marcante para o futuro”.
Para marcar a reinauguração da Kahal Zur Israel foram lançados um selo e moeda alusivos à data e o livro “A Fênix ou o Eterno Retorno – 460 anos da presença judaica em Pernambuco”, com textos, entre outros, do jornalista Alberto Dines e do prof. Nachman Falbel, titular de História Medieval da Universidade de São Paulo e diretor de pesquisa do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro.
História
Há 370 anos, no período do domínio holandês sobre o território que ia da foz do São Francisco até o Maranhão, judeus portugueses vindos da Holanda estabeleceram-se em Recife, incorporando-se rapidamente à elite local como comerciantes, financiadores dos donos de engenhos de açúcar e mercadores. Essa comunidade desenvolveu-se, em especial, em área próxima do atual porto, originalmente conhecida como rua da Cruz, depois rua dos Judeus, em função da numerosa comunidade judaica que abrigou e, finalmente, rua do Bom Jesus, seu nome atual.
Após a expulsão dos holandeses das capitanias do Norte, que ocorreu em 27 de janeiro de 1654, o escrivão português Francisco Mesquita fez o “Inventário dos prédios que os holandeses haviam edificado ou reparado até o ano de 1654”, e entre eles relacionou “uma das casas grandes de sobrado da mesma banda do rio, com fronteira para a Rua dos Judeus, que lhes servia de sinagoga, a qual é de pedra e cal, com duas lojas por baixo, que de novo fabricam os ditos judeus”. Essa foi a primeira referência histórica à existência de uma sinagoga no local. Além disso, existem registros com o nome de algumas famílias que ali viveram.
Ignorada por quase quatro séculos, a antiga sinagoga ressurgiu graças aos estudos do historiador pernambucano, José Antonio Gonsalves de Mello. O local exato onde existiu foi determinado através das pesquisas cartográficas e documentais, iniciadas em 1997, sob a coordenação do arquiteto José Luiz Mota Menezes, professor da Universidade Federal de Pernambuco. Esse foi o ponto de partida para as pesquisas arqueológicas do professor Marcos Albuquerque, também da UFPE.
As escavações nas paredes e pisos do imóvel onde teria funcionado a Kahal Kadosh Zur Israel, a Santa Congregação Rochedo de Israel, buscavam a comprovação material de sua existência. Esta veio de forma indiscutível com a descoberta de um mikvê, piscina alimentada por um poço interno, utilizado em rituais de purificação de fiéis. Um Conselho Rabínico examinou o mikvê concluindo que ele obedecia rigorosamente ao especificado nas escrituras. Foi a confirmação científica e definitiva da autenticidade da existência da sinagoga histórica, a primeira a assinalar a presença de judeus nas terras do Novo Mundo.
O espaço restaurado da antiga sinagoga, com os móveis reconstituídos conforme os existentes nas sinagogas holandesas do século XVII, passou a ser a sede do Centro Cultural Judaico de Pernambuco e do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, ambos dedicados ao resgate da história dos judeus no Brasil. Um banco de dados e a iconografia já reunida passam a ser referência para a continuidade dos estudos.