A atuação do Santo Ofício ao longo de 242 anos (1579-1821) oferece o mapa das comunidades judaicas no Brasil colonial.
O fogo pune e o fogo grava
Contradições da história: a presença judaica nas terras recentemente descobertas pode ser percorrida através do mapa das atividades do Santo Ofício da Inquisição. Os mesmos documentos que ajudaram o extermínio de uma comunidade agora servem para o seu resgate.
Na Europa, junto com os 6 milhões de vítimas, o Holocausto sepultou cerca de mil anos de vida judaica. Aqui, ao contrário, as pegadas do terror desvendaram a forte presença de cristãos novos e cripto-judeus poucas décadas depois da chegada dos colonizadores.
O caso do Brasil serve para derrubar as alegações do historiador Bentzion Netanyahu. O pai do ex-Primeiro Ministro israelense descarta como inconfiável o vasto acervo documental da Inquisição ibérica sob a alegação de que foi estabelecido e redigido pelos acusadores interessados apenas em condenar os denunciados1. Com isso, vai na contramão do que está assente desde 1913 por historiadores judeus do porte de Itzchak Baer ou desde o século passado por espanhóis como Américo de Castro e Menendez-Pelayo. Israel Salvador Revah e Elias Lipiner seguem esta linha no caso português. Lipiner foi mais longe ao afirmar que na Torre do Tombo está uma boa porção da história judaica.
Três décadas depois da chegada de Cabral (1536) era formalmente estabelecido o tribunal da Inquisição em Portugal com o objetivo primordial de atalhar as heresias, especialmente a judaica. E, em 1579 (12 de Fevereiro), D. Henrique, Cardeal-Rei-Inquisidor Geral, nomeava o primeiro Comissário do Santo Ofício no Brasil, o Bispo de Salvador, D. Antônio Barreiros. O novo Comissário não mostrou grande empenho nas novas tarefas mas o ato do Cardeal-Rei forjava a primeira peça de uma tenebrosa engrenagem que levaria aos Autos da Fé de Lisboa cerca de 400 brasileiros (ou aqui residentes). Destes, 20 foram executados:18 garroteados depois queimados e dois colocados vivos nas fogueiras.
A atuação do Santo Ofício no Brasil ao longo de 242 anos (1579-1821) tem sido estudada de forma pontual. Falta uma conexão maior para avaliá-la no âmbito de um processo de exclusão, intolerância e autoritarismo. Alimentada exclusivamente por denún-cias e delações a Inquisição estabeleceu na Colônia um aviltante padrão moral. Comprovação filológica: das diversas palavras de origem hebraica conservadas em nosso idioma está o substantivo malsim e o verbo malsinar (delator e delatar). Embora não utilizados nos autos (pela conotação injuriosa) os dois termos continuam em uso e flagram a sobrevivência de um sistema policial com seus valores essenciais.
Insuflada pela cobiça em torno dos bens confiscados aos condenados - todos eram condenados, a Inquisição era infalível - montou-se um "vale tudo" que incrementou a corrupção. Fundamentado nos estatutos de "limpeza do sangue" o Santo Ofício entranhou desde os primeiros tempos da nascente sociedade um solerte preconceito étnico e racista (posteriormente explorado pelos integralistas e fascistas).
O capítulo inquisitorial brasileiro em particular e o ibero-americano em geral fornece um dos ingredientes para compor a diferença entre os dois hemisférios do Novo Mundo. Enquanto a América do Norte funcionou como santuário para as vítimas das diferentes ondas de repressão religiosa na Europa, as inquisições ibéricas - as mais longevas e institucionais - impediram que no centro e sul das Américas se estabelecesse igual paradigma.
A persistência de um aparelho clerical-policial paralelo ao Estado criou no mundo ibérico duas graves distorções político-institucionais ainda não superadas integralmente: a) perigosa imantação Igreja-Estado que confronta os fundamentos do regime democrático e a liberdade de crer ou descrer; b) a pulverização da justiça com a existência de diferentes códigos e corporações (justiça secular e justiça eclesiástica) estabelecendo contradições e ambigüidades.
Aqui os perseguidos no Reino continuaram perseguidos. Na melhor das hipóteses, esquecidos, até a chegada de um Visitador ou de um novo Bispo quando era acionada a maquina de fabricar diferenças, ressentimentos e repressão. O fato da Inquisição portuguesa, ao contrário da espanhola, ter sido mais centralizadora monopolizando na metrópole a prisão, processos e execuções das sentenças não atenua a dimensão da repressão religiosa no Brasil. A inexistência de cadafalsos não elimina a presença do terror.
Como se sabe, o primeiro Comissário, D. Antônio Barreiros, não se empenhou a fundo nas novas atribuições como Comissário do Santo Oficio. Há documentos comprovando sua inapetência para punir os cristãos novos que continuaram vivendo com relativa liberdade.
- "Não esquecerei o que fizeste por mim!"
Afinal, passados alguns anos, já velho, morreu o tzadic. O ritual de sua morte foi fielmente obedecido pelo campônio, conforme orientação escrita deixada pelo rabi Itzac, inclusive proferindo o Shemá. Após o falecimento do tzadic, o campônio ficou triste e desamparado. Analfabeto, sem saber o que fazer da vida, foi arrumar a volumosa quantidade de escritos deixada pelo Rabino. Para surpresa sua, os pacotes estavam amarrados em pequenos volumes separados e em cada um deles havia um bilhete endereçado a um determinado Rabi, entre os que moravam na cidade. Havia ainda um segundo bilhete endereçado ao camponês, onde com letras grandes estava escrito "Tu me ajudaste muito, devo-te a vida. Mas eu te ajudarei depois de morto. Faze o que digo: Entrega cada envelope destes, muito espaçadamente, deixando passar muito tempo entre cada entrega. Isto deve levar anos. Não dês uma palavra sobre eles. Obedece-me e serás feliz para sempre. Não fale!! Não fale!!" E trazia a assinatura do Rabi Itzaac Kragemberg.
Diante do estado de penúria em que se encontrava, quase sem ter o que comer e sem rumo na vida, o camponês lembrou-se então de fazer a entrega ao destinatário de um desses envelopes endereçados, conforme o sábio falecido havia recomendado. Como na sua estreita visão entendia que seria perda de tempo ir à cidade para procurar um religioso (os camponeses de sua aldeia não gostavam dos religiosos), pois geralmente estes não têm dinheiro, são estudiosos, não se preocupam com os bens terrenos, o homem demorou-se a ir à cidade para cumprir as ordens do falecido.
Mas, vendo que nada havia conseguido, percebeu que essa era sua única chance de sobreviver. Tomou então a decisão e com o resto do dinheiro que havia sobrado, resolveu ir procurar o Rabi cujo nome constava em um dos envelopes.
Ao chegar à casa do Rabi, foi por este atendido por comiseração, tal o seu aspecto. Mal vestido, de cor pálida, cabelos amarelos esbranquiçados, postura de fraqueza e humildade, olhos mal levantando-se do chão, ombros arqueados e pequenos, mais parecia um personagem de ficção.
Diante de tal quadro, o Rabi disse-lhe: "Entra, vejo que estás cansado, come e bebe alguma coisa." Sem dizer uma palavra, o homem comeu pão, tomou vinho e, por fim, entregou ao Rabi um envelope onde só constava o nome Rabi Eliezer Abramov. Enquanto o Rabi, curioso, procurava o remetente, o camponês permaneceu mudo. Ao ser inquirido, disse: "Estou cansado!" O Rabi então, ávido, abriu o envelope e começou a ler sobre a interpretação do Zohar.
À proporção que lia, o Rabi se transformava, sua fisionomia ficou séria, seus olhos corriam pelas páginas com um interesse e uma velocidade jamais vistos. Seu rosto se iluminava, suas mãos seguravam as páginas, como que para impedir que fugissem e foi quase que inconscientemente sentando-se. A cada linha, sua cabeça meneava para a frente como sinal de concordância com o que lia. Ainda assim, num gesto ameno, olhou para o homem como se olha para alguma coisa impossível. Gentil e carinhosamente, disse-lhe:
- "Senhor, gostei muito do que está escrito nestas páginas. Desejava ter um tempo maior para examiná-las. Fica comigo, sê meu hóspede, terei muita honra em tê-lo em minha casa. Por favor, façei esta mitzvá, não precisa dizer-me nada. Você será meu hóspede de honra. Por favor, aceite! Já vi que não gosta de conversa, só fale comigo quando quiser!" O camponês, que mal sabia falar, lembrou-se do conselho do chacham e simplesmente acenou com a cabeça, embora ainda não tendo entendido as ordens do Rabi, seu antigo patrão.
Deste modo, instalado confortavelmente, com boa alimentação, ficou hospedado na casa de Rabi Eliezer. Este, estava fascinado pela sabedoria dos escritos que lia.
Os ensinamentos do Rabino eram cheios de chochmá, sabedoria, e humanismo. Passados muitos meses, o campônio resolveu voltar à cabana do falecido para ver como estava tudo. Comunicou então ao seu anfitrião esse desejo. Preparou a viagem do seu hóspede, deu-lhe transporte, alimentos e algum dinheiro. Porém, fez com que o homem prometesse que voltaria o mais depressa possível.
Ambrósio Fernandes Brandão aparece na seqüência da 1ª Visitação - primeiro como testemunha em Lisboa no processo de Bento Teixeira e, em seguida, para contestar as denúncias (sem maiores conseqüências) de guardar os sábado feitas por seu caseiro em Lisboa. Não cabe incluí-lo no balanço das atividades do Santo Ofício no Brasil (caso de Bento Teixeira) mas no rol dos intelectuais de origem e cultura judaica que aqui viveram no século XVII. Enquanto na "Prosopopéia" de Bento Teixeira não existe qualquer traço (mesmo clandestino) de judaísmo, a obra de Ambrósio, "Diálogos das Grandezas do Brasil", contem evidentes sugestões sobre a formação do autor: inúmeras referências ao Velho Testamento o que não era muito usual naqueles primeiros tempos de terror religioso; nenhuma menção ao Novo Testamento (o que também era incomum) e, além disso, uma visão sobre a presença na antigüidade de hebreus e fenícios nesta parte do mundo (Ambrósio antecipava os debates que se desenvolveram 30 e 40 anos depois na comunidade judaica de Amsterdã sobre a extensão da Diáspora).
A própria estrutura dos "Diálogos das Grandezas do Brasil" tem evidentes conotações judaicas: são seis, desenvolvidos ao longo de seis dias com um intervalo do sétimo para reflexões - certamente o descanso sabático.
Registre-se ainda que os modelos que inspiraram os interlocutores eram cristãos-novos: Brandônio (falando em nome do autor, Ambrósio Brandão, assim qualificado na sua passagem pela Inquisição) e Alviano (representando Nuno Alvares, citado como cristão-novo nos livros da 1ª Visitação). A obra, redigida em 1618, não foi a primeira a descrever flora, fauna, clima e habitantes da nova terra - mas é considerada como o primeiro projeto de desenvolvimento e emancipação econômica da colônia.
Esclarecido o paradeiro do autor e as razões da não-publicação do manuscrito talvez fiquem ainda mais evidentes as ligações de Ambrósio com o judaismo.
A 1ª Visitação não diminuiu a emigração dos cristãos novos tanto de Portugal como da Espanha (os dois reinos estavam unidos desde 1581). O Brasil continuava como um refúgio mais seguro do que a matriz e, além disso, despontava com um Eldorado para outras nações européias. A 2ª Visitação do Santo Ofício ocorreu em 1618 quando ficaram muito visíveis as conexões entre os comerciantes e senhores de engenho cristãos novos e a comunidade judaica de Amsterdã. Restringiu-se à Bahia que, por coincidência, foi o primeiro objetivo holandês no Brasil. Durou apenas dois anos (incompletos). Denunciados 90 judaizantes muitos dos quais são designados não como Cristão Novos mas como "homens da Nação", segundo Arnold Wiznitzer. Outra constatação do Visitador: circulavam na Bahia muitos exemplares da Bíblia de Ferrara (em espanhol) reimpressa em Amsterdã.
Apesar de inexpressiva sob o ponto de vista numérico, a 2ª Visitação cria um situação de pânico na comunidade marrana da Bahia, levando muitos a emigrar para Buenos Aires e de lá se espalhar pela América espanhola. Balanço das duas visitações: as denúncias de judaísmo ocupam o primeiro lugar (207).
Das duas visitações de grande porte (houve outras, menores), resultou um retrato bastante nítido dos costumes e mentalidades coloniais (período 1591-1620). Com ênfase especial na comunidade de conversos, judaizantes e cripto-judeus - sua dimensão, importância econômica social na colônia, grau de pureza das crenças, ritos e permeabilidade ao meio ambiente. Tudo isso graças à documentação do Santo Ofício.
No mapa da presença judaica na colônia (seculos XVI, XVII e XVIII), será preciso consignar Bahia, capital do cripto-judaismo brasileiro. A brava comunidade resistiu às duas Visitações (1591 e 1618), enfrentou a repressão revanchista causada pelas calúnias de que os cristãos novos baianos teriam ajudado a conquista de Salvador pelos holandeses (1624) e, poste-riormente uma Inquirição (1646-1649). Apesar deste longo lapso de terror continuamos encontrando processos inquisitoriais de cristãos novos na Bahia ao longo da segunda metade do seiscentos até meados do setecentos. Com indicações precisas sobre a persistência de práticas judaicas com alto grau de consistência não obstante tantas ondas persecutórias.
A Bahia forneceu seis dos vinte brasileiros (ou residentes) executados pela Inquisição em Lisboa (30%). Dois deles queimados vivos - os únicos. Os demais foram garroteados e, em seguida, queimados. O primeiro mártir, verdadeiro santo, Isaque de Castro Tartas, nascido no sul da França, de pais portugueses, educado em Amsterdã, chegou ao Brasil com 16 anos de idade, versado em latim, hebraico, português, espanhol e ciências médicas. Veio para o Recife holandês acompanhado pelo tio materno, Rafael Moses de Aguilar (gramático, autor de textos teológicos - um chacham, sábio). Mas o rapaz vinha com uma missão pessoal: procurar os cristãos novos das capitanias vizinhas para instruí-los na Lei Velha e reconvertê-los formalmente ao judaísmo.
Tartas seguiu para a Bahia, hospedou-se na casa de um dos expoentes da comunidade de Cristãos Novos e, para evitar confusões, apresenta-se ao bispo como judeu da Nação (a Inquisição em teoria só deveria agir contra os Cristãos Novos heréticos - aqueles que apesar de batizados pela Igreja seguiam secretamente outra religião). A tática não surte efeito: Tartas é preso, remetido para Lisboa onde o processo toma curiosa direção - foi ele batizado ou não ? Os Inquisidores chegam a convocar o cônsul francês para dirimir a dúvida capital - uma criança nascida na França poderia ter escapado do batismo ? O jovem produz diversos documentos em latim e em cada instância do processo ostenta com mais vigor a sua fé. Os inquisidores pedem que renuncie ao judaismo mas o jovem não recua. Mais do que isso: segue ostensivamente os rituais judaicos no cárcere: põe os tefilim, faz os jejuns das segundas e quintas (e também o do Tisabea, Thishá Beav) e prepara a sua comida segundo o modo judaico (sem gordura animal, só azeite e cebola). Concedem-lhes todos os prazos e privilégios, inclusive a presença de um teólogo para convencê-lo a converter-se ao cristianismo. No cadafalso recusa qualquer benefício, quer morrer como judeu. Queimado vivo em 15/14/1647 com 24 anos de idade. O caso comoveu as comunidades judaicas do Brasil e Europa.
Outro preso natural da Bahia e queimado vivo em Lisboa não era Cristão Novo, razão pela qual foi excluído por Wiznitzer da sua lista dos 18 brasileiros executados pela Inquisição. Além de constar no processo que era incerta a "qualidade do sangue", foi ordenado sacerdote da ordem de S.Pedro. Como o estudo visava a vida dos judeus no Brasil colonial, Wiznitzer deixou-o de lado. Discriminação: quando se estuda ação da Inquisição no Brasil contra os judaizantea não é recomendável discriminar Cristãos Novos dos Cristãos Velhos. O padre Manoel Lopes de Carvalho embora não tivesse antecedentes ou sangue judaico, acreditava no judaísmo e chegou a tentar a auto-cincuncisão. Na Lista do Auto da Fé é mencionado como hereje, profitente na Lei de Moisés.
A arqueologia das outras comunidade marranas no Brasil foi realizada através da documentação de três incursões inquisitoriais (mais sangrentas e longas do que as duas visitações):
• Rio de Janeiro (1709-1739)
• Paraíba (1728-1756)
• Minas Gerais (1723-1748)
As Bodas de Irajá e o extermínio da comunidade de cristãos novos fluminenses. Tudo começa em 1694, num banquete de casamento assistido pela fina flor da comunidade num engenho em Irajá (hoje Baixada Fluminense) em seguida ao culto católico numa Igreja do Rio. Uma das convivas, meia Cristã Nova, anos depois resolve denunciar à Inquisição de Lisboa, todos os presentes à festa. Cita 56 convidados mais os parentes próximos e acaba delatando as praticas de toda uma comunidade que conhecia muito bem (delatou 169 pessoas que acabam enredando outras tantas num cifra que chega a cerca de 300 processos). Esta multidão é penitenciada em oito Autos da Fé, ao longo de quatorze anos. A primeira fornada produz três execuções por garrote em Lisboa e mais seis defuntos (mortos na longa viagem ou no cárcere).
Grande parte dos enredados fazem parte da família de Antônio José da Silva que entrou para a história da cultura luso-brasileira com a alcunha de O Judeu. Os trisavós maternos chegaram ao Brasil nas duas primeiras décadas do século XVII e os paternos logo depois. Fugiam provavelmente da Inquisição porque eram cristãos novos e, alguns, convictos judaizantes. Vieram para ficar, deitar raízes, a Inquisição não deixou.
No Rio, ocuparam posições importantes na vida econômica e administrativa mantendo-se fiel à Lei de Moisés sem importar-se com a Inquisição que, vez ou outra, mostrava suas garras (o bisavô, Miguel Cardoso foi penitenciado no Auto da Fé de 1666 mas retornou são e salvo).
Nas ricas bodas do filho do Senhor de Engenho em Irajá os pais de Antônio José estavam presentes mas ainda solteiros. Quando o pai, mãe, tios, avós, parentes próximos ou remotos foram levados presos para Lisboa, o menino tinha sete anos. Foi junto mas ficou com outros parentes, já libertados, até que a família pode reunir-se novamente. Ninguém voltou para o Rio.
Antônio José estudou direito em Coimbra mas não conseguiu formar-se: foi preso em 1726 junto com os dois irmãos, primos e primas. A segunda geração daqueles que foram incriminados por causa da festa em Irajá. Antônio José e os irmãos escapam com vida, o primo-irmão, João Thomas de Castro, não teve esta sorte.
Graças às amizades do pai, então advogado na Casa da Suplicação, Antônio José conseguiu acercar-se, sem grande êxito, dos círculos oficiais. Mas o sucesso só veio através das comédias musicadas, encenadas com marionetes no teatro popular do Bairro Alto. Na sua maioria eram inspiradas em temas clássicos mas satirizavam os costumes e os poderosos do seu tempo.
Depois da morte do pai foi preso pela segunda vez (1737) quando, junto com a mulher, mãe, tia, irmão e cunhada participavam de uma cerimônia do Dia Grande (Yom Kipur). Não há indicações de que a prisão fosse decorrência dos seus escritos mas o rigor da sentença (único do grupo condenado à pena capital) faz supor algum tipo de retaliação por parte do Car-deal-Inquisidor, D. Nuno da Cunha (um dos mentores de D. João V).
Suas "óperas" foram encenadas entre 1733 e 1738 - a última quando já estava encarcerado. Impressas em edições avulsas e anônimas enquanto vivo foram incluídas também anonimamente na famosa coletânea Theatro Cómico Português que alcançou sucessivas edições ao longo do século XVIII. São elas: Vida de D. Quixote de la Mancha, Esopaida ou Vida de Esopo, Os Encantos de Medeia, Anfitrião ou Júpiter e Alcmena, Labirinto de Creta, Guerras do Alecrim e Mangerona, Variedades de Proteu e Precipício de Faetonte. É considerado o criador do moderno teatro português.
Extirpando as raízes na Paraíba. Esta incursão inquisitorial só agora começa a ser estudada a fundo e revela o ajuste de contas final entre o Santo Ofício e os remanescentes do velho núcleo de marranos no Nordeste. Entre 1728 e 1756 foram presos 38 cristãos novos judaizantes que viviam há pelo menos um século na capitania. Uma das vítimas, Guiomar Nunes, foi executada (1731) e outra, Maria de Valença, permaneceu encarcerada 19 anos - um recorde.19
Ouro e Sangue, seria a designação apropriada para a saga dos Cristãos Novos que conseguiram escapar do extermínio da comunidade do Rio refugiando-se nas montanhas de Minas. Os dois elementos não estão dissociados porque entre as causas subjacentes à perseguição no Rio (de acordo com relatos da época e estudos recentes), está riqueza dos aluviões auríferos descobertos no fim do século XVII e a importância dos Cristãos Novos na cidade onde o metal seria processado e de lá exportado para o Reino.
A partir de 1723 começam a aparecer nos Autos da Fé de Lisboa cristãos novos judaizantes com profissão de mineiro (minerador ou vendedor de ouro) e moradores nas Minas. Alguns pertenceram ao clã fluminense original outros eram seus descendentes, outros ainda chegavam da Bahia pelo Rio S,. Francisco. O estudo dos processos mostra a mobilidade geográfica dos Cristãos Novos, a intercomunicação entre comunidades regionais através dos laços de parentesco, lugar de origem e negócios.
No período 1723-1748 foram presos cerca de 20 Cristãos Novos moradores em diferentes regiões do que hoje seria Minas Gerais - de Ouro Preto a Paracatu mas também foram até as minas de Goiás. Deste grupo foram executados cinco (27.7% do total). Alguns eram recém-chegados do Reino, atraídos pelas notícias da descoberta do ouro e originários da Beira Baixa (onde até o início do século XX existiram núcleos de cripto-judeus). Da terra trouxeram um judaísmo bastante coeso e mantiveram-se conectados com outros núcleos de judaizantes no Brasil. Razão pela qual foram enredados principalmente pelas denúncias vindas de fora do seu meio imediato.
Dois Cristãos Novos moradores em S. Paulo foram executados em Lisboa: Theotonio da Costa, em 1686, denunciado em Lisboa por parentes (inclusive o seu pai) e Miguel de Mendonça Valladolid, preso em 1728 por denúncias de parentes e amigos na Bahia. Teve uma formação judaica na França e em Amsterdã onde foi circuncidado. Voltou a Portugal e de lá veio para a Bahia percorrendo o país em viagens de negócio. Foi executado em 1731.
O fim da distinção entre Cristãos Velhos e Cristãos Novos decretada pelo Marques de Pombal em 1773 antecipa em quase 50 anos a desativação formal do Santo Ofício. Sem Inquisição, desapareceram os documentos e sem estes interrompe-se a história dos judeus no Brasil.