Orgulhosa da sua condição de maior clube judaico do planeta, “A Hebraica de São Paulo” completa 50 anos mais jovial e ativa do que nunca.
A repercussão do aniversário de meio século d’A Hebraica de São Paulo ultrapassou os limites da comunidade judaica paulistana. “Pela sua dimensão, passou a ser um evento da comunidade judaica brasileira”, orgulha-se o atual presidente do clube, Arthur Rotenberg. De fato, a importância de A Hebraica para toda a cidade de São Paulo, para o Estado de São Paulo e para o país ficou evidenciada na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do governador Geraldo Alckmin e da prefeita Marta Suplicy à cerimônia comemorativa da efeméride, realizada em setembro.
“A Hebraica nasceu e se fortaleceu consciente do fato de que a comunidade é o meio natural da vida do judeu, pois é no seu interior que se reforça o sentido de solidariedade, que a maioria se mantém, que a tradição perdura, que os elos se fortalecem”. Palavras de Arthur Rotenberg no prefácio do livro comemorativo dos 50 anos, do qual foram transcritos depoimentos e extraídos trechos inteiros para esta matéria. A primorosa obra é de autoria do historiador Roney Cytrynowicz
A partir dos primeiros anos da década de 1950, “A Hebraica de São Paulo” foi idealizada e gradualmente construída por visionários pioneiros e, posteriormente, pelas suas gerações herdeiras e descendentes. O nome inicial ‘Sociedade Hebraica de São Paulo’ seria mudado logo em novembro de 1953 para ‘Sociedade Brasileira A Hebraica de São Paulo’.
A idéia
Exatos cinco anos se passaram entre a idéia de fundar A Hebraica, em janeiro de 1953, e a inauguração da sede da nova associação, em 17 de dezembro de 1957. Em muitas reuniões debateu-se sobre o melhor local para se erguê-la: no centro da cidade ou num bairro mais afastado. Não era uma questão de endereço, mas de concepção de como deveria ser o clube: se um clube de campo ou um clube urbano, se mais social ou mais recreativo e, posteriormente, também esportivo.
“Era 1º de janeiro de 1953. Despertei recordando os acontecimentos do Réveillon da noite anterior e que acabou em pequeno tumulto, pela inadequação do local. A passagem do ano aconteceu no ginásio do Pacaembu, já que naqueles anos nenhum clube israelita de São Paulo possuía uma sede própria com salão suficientemente espaçoso para esses eventos”, escreveu Manoel Epstein, em artigo publicado na revista de A Hebraica, em 1982. “Nós, que participávamos da vida comunitária com filhos menores, tínhamos por obrigação preparar um ambiente adequado e criar a possibilidade de ver o seu crescimento em clima judaico e com suficiente estrutura para que não se interessassem somente por clubes de grande prestígio da cidade”, completou Epstein, que viria a ser escolhido o sócio número 1 (posteriormente, o título foi transferido ao genro, Marcos Arbaitman). Um dos fatores que pode ter contri-buído para desencadear o processo de formar uma nova associação em São Paulo foi a fundação da Hebraica do Rio de Janeiro, então Capital Federal, em 1952. A Hebraica carioca tinha perfil semelhante àquele que seria desenvolvido pelo grupo que iniciou a co-irmã em São Paulo. As diretorias das duas associações mantinham contato, inclusive.
“Num domingo de manhã, um grupo de rapazes e moças me procurou na minha casa dizendo: ‘Sr. Leon, nós, que somos jovens, precisamos de um lugar para nos encontrar e fazer esportes’”, contou Leon Feffer em depoimento, no ano de 1988. O empresário juntou-se com um grupo de amigos que toparam a empreitada. Feffer, que havia visitado a Hebraica de Buenos Aires alguns meses antes, confessou que o nome Hebraica ficou, então, definitivamente em sua cabeça. Entre aqueles pioneiros, Feffer seria o único a não querer participar do sorteio que lhes concederia os primeiros títulos. Fez questão do número 18, chai, vida em hebraico.
A pedra fundamental da construção da sede de A Hebraica de São Paulo foi lançada em 20 de março de 1955. O projeto ficou a cargo do renomado Gregory Warchavchik, expoente do Modernismo na arquitetura e com experiência em sedes de clubes.
Os primeiros anos
Os fundadores e primeiros sócios de A Hebraica eram imigrantes e filhos de imigrantes que ascenderam social e economicamente se mudaram do Bom Retiro para outros bairros, principalmente os Jardins. Cerca de 70% dos sócios daquela época eram imigrantes de primeira geração.
Em 1956, Leon Feffer é eleito cônsul honorário de Israel em São Paulo e a secretaria de A Hebraica se muda para a sede consular, sem qualquer ônus, para que Feffer pudesse dedicar-se mais à Sociedade. Após três meses da inauguração do Consulado, eclodiu a Guerra do Sinai. “Eu era o representante diplomático de um país em guerra. Foram momentos de tensão no Consulado em São Paulo,” contou Feffer, posteriormente.
A Hebraica era essencialmente um local para se passar o fim de semana, reunir a família e os amigos aos domingos, com atividades de lazer e de recreação.
“Era uma idéia um tanto utópica naquela época: a fundação de uma sociedade que oferecesse aos jovens um local de encontro onde pudessem praticar esportes, divertir-se, conhecer gente nova e, inclusive, sentir um pouco a tradição judaica”, revelava Manoel Epstein, em 1958. “Ninguém acreditava que A Hebraica pudesse ser aquilo que é hoje”, narrou Marcos Frug à Revista da Hebraica. Em 1966!
A festa da cobertura do ginásio se deu em 1957. Em suas memórias, Fiszel Czeresnia conta que, então, surgiu uma dúvida: hastear ou não a bandeira de Israel. “É um clube brasileiro”, alguns diziam. “Sou brasileiro e vão me acusar de gringo”, argumentavam outros. Feffer interveio e disse que, tendo sido convidado o embaixador de Israel, era indispensável que a bandeira do Estado judeu fosse hasteada e tocado o Hatikva, junto ao hasteamento da bandeira e execução do hino brasileiro.
Consolidação
Cada vez mais inserida no contexto comunitário, a Hebraica foi sede de grandes eventos, de cunho judaico ou não. Figuras ilustres do cenário político israelense passaram pela Hebraica, como David Ben-Gurion, Yitzhak Rabin, Menachem Beguin, Zalman Shazar, Shimon Peres, Moshe Sharett e Ariel Sharon. Inúmeras manifestações em apoio ao Estado de Israel foram realizadas no clube, como logo após o estouro da Guerra dos Seis Dias (em 1967); a ‘Noite da Paz’, por ocasião da Guerra do Yom Kipur (em 1973); e a ‘Marcha dos 10 mil’, em 2002.
As festas religiosas passaram a ser realizadas na A Hebraica na segunda metade dos anos 1960. “O conceito anterior de que a Hebraica era um clube para judeus foi alterado. A Hebraica era um clube judeu, no sentido expresso de que se cultuam as tradições e o espírito do povo milenar”, frisava o relatório da diretoria de 1966/1967.
A inauguração do Centro Cívico – hoje um dos maiores ginásios de São Paulo, com 4.200 m de área construída – e da piscina olímpica foram dois grandes momentos que marcaram A Hebraica e a consolidaram como centro comunitário e clube dotado de moderna infra-estrutura e parque esportivo, o que a habilitou ainda mais a se projetar no cenário esportivo, social, cultural e político local, nacional e internacional.
Em 1979, ocorria a primeira edição do Festival Nacional do Folclore Judaico Anne Frank, precursor do Festival Carmel. A propósito, desde 1981, o Carmel é um dos mais festejados eventos do clube, reunindo anualmente cerca de três mil dançarinos do Brasil e de outros países, sendo considerado o maior festival de dança folclórica israelense de toda a Diáspora!
No final da década de 1970 e início dos anos 1980, A Hebraica passa a ocupar cada vez mais um lugar central na comunidade judaica de São Paulo. Tal conquista foi conseqüência de uma opção de se tornar um centro comunitário, mas também igualmente o resultado da demanda da própria comunidade, seja pela infra-estrutura do clube, com teatros, ginásios e salões para festas e eventos, seja pela freqüência diária dos sócios. No relatório da diretoria de gestão 1982/84, A Hebraica é destacada como “a maior instituição judaica do mundo”. Segundo o documento, isto se devia “não apenas ao número de associados, mas também e principalmente, ao papel que desempenha como centro comunitário de formação da juventude e integração comunitária em todas as faixas etárias”. Desde então, a expressão tem sido adotada como um lema.
Em 1983, a garagem subterrânea foi inaugurada, abrindo também a portaria da Rua Angelina Mafei Vita. Com isso, em pouco menos de 30 anos, A Hebraica conheceria quatro diferentes entradas, dando um verdadeiro “giro” em seu terreno. Antes da construção das garagens cobertas, os sócios contavam apenas com algumas vagas externas e eram obrigados a estacionar inclusive entre as perigosas pistas da Marginal Pinheiros, onde um atropelamento foi a gota d’água para a construção da garagem, que se deu através de uma doação da família Safra e do apoio do então-prefeito Mário Covas. A prefeitura não concedia o alvará, até que a diretoria de A Hebraica descobriu que Covas morava em frente ao clube! “Prefeito, nós precisamos fazer uma garagem”, disseram, conforme conta Marcos Arbaitman, então-presidente da A Hebraica. “Precisam mesmo, porque é uma vergonha, ainda vai morrer uma criança atropelada”, solidarizou-se Covas. Ao saber que a prefeitura não lhes havia autorizado a construção, pediu que procurassem seu secretário, no dia seguinte. Este não só concedeu o alvará como também a orientação para se construir em dois níveis.
Uma cidade chamada A Hebraica
Na década de 1990, A Hebraica se consolidou para além da comunidade judaica como um centro cultural, social, esportivo e político da cidade de São Paulo e do País. Com sua estrutura física consolidada, investiu na modernização e eficiência da sua administração e dos serviços. A profissionalização de várias tarefas centrais de gestão caminhou paralelamente à valorização do trabalho voluntário. “A combinação do voluntário e profissional é importante; o nosso voluntário deve orientar, definir e controlar, enquanto os profissionais devem executar”, ensina Samsão Woiler, ex-presidente.
“A Hebraica é um sucesso! Nem nos EUA, nem em Israel, nem o Macabi do México, nada é igual à Hebraica”, resume Naum Rotenberg, que foi presidente do clube por dois mandatos, pai do atual presidente, Arthur Rotenberg. Hoje, em 2003, A Hebraica oferece aos sócios dois teatros, oito ginásios cobertos, ginásio de ginástica olímpica, 14 quadras de tênis, parque aquático com cinco piscinas, fit center, campo de futebol com grama sintética, minipista de atletismo, centro de danças e juventude, biblioteca, sauna masculina, spa, inúmeros restaurantes e lanchonetes, berçário, salões para festas e salas para seminários e cursos, sinagoga e muito mais. “É preciso olhar com o maior carinho para os três maiores setores de A Hebraica: o patrimônio, o quadro associativo e as atividades”, observa Henrique Bobrow, ex-presidente. Para Marcos Arbaitman, único ex-presidente por três mandatos, A Hebraica tem uma responsabilidade de consciência judaica, de educação, de formação de líderes. “Nosso povo precisa de continuidade e A Hebraica tem essa responsabilidade de criar a consciência da continuidade”, acredita.
O ex-presidente Hélio Bobrow compara: “No cargo de presidente, o aprendizado e o crescimento pes-soal são muito grandes. É como administrar uma cidade”. Beirel Zukerman, outro ex, vai além: “Você sente orgulho de mencionar em qualquer lugar que é um representante d’A Hebraica. Sem esta instituição não vejo como essa comunidade poderia viver”, garante. “A Hebraica é muito mais que um clube, é um centro comunitário, é um celeiro de líderes”, completa Jack Terpins, que presidiu o clube de 1991 a 1993 e é o atual presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e do Congresso Judaico Latino-Americano (CJL).
Para o presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), Jayme Blay, A Hebraica sempre teve um lugar de absoluto destaque no ishuv paulista. “A integração entre A Hebraica e Federação é intensa, atualmente atravessando uma das fases de maior colaboração. A Hebraica tem-se constituído num modelo exemplar de gestão, a ser seguido pelas demais entidades da comunidade. Seriedade, rigor financeiro e foco nos objetivos sociais, estas são algumas das maiores contribuições atuais de A Hebraica para a transparência na gestão comunitária”, declara Blay.
“O sucesso d’A Hebraica não pode ser resumido em poucas palavras ou sem uma profunda reflexão. São vários fatores. Está bem localizada, contou com grandes administradores, beneméritos e muita dedicação de todos. Muita devoção para o judaísmo e Israel, sem ter uma linha religiosa única, recebendo bem a todos. Ótimo relacionamento com outras entidades judaicas e não-judaicas. Enfim, o segredo é o amor e muito trabalho”, sintetiza o presidente Arthur Rotenberg.
Marcus Moraes
Jornalista responsável pelas notícias do Morasha.com e correspondente
da Jewish Telegraphic Agency (JTA) e Kosher Today para Brasil e Portugal
Bibliografia
• Cytrynowicz, Roney. 50 anos da Associação Brasileira A Hebraica de São Paulo. S.P. Narrativa Um, 2003.
• Livro 50 anos da Associação Brasileira A Hebraica de São Paulo.