Criada em Paris, há 150 anos, para lutar em prol dos judeus onde quer que sua religião lhes causasse sofrimento, a Alliance Israélite Universelle foi responsável pela fundação de uma rede de escolas que deram uma educação francesa e moderna a judeus da África do Norte e do Oriente Médio.
No dia 17 de maio de 1860, 17 jovens judeus reuniram-se na capital francesa para fundar a primeira organização judaica internacional moderna. Idealistas entusiasmados e herdeiros intelectuais do Iluminismo, eles empunhavam a bandeira dos ideais da Revolução Francesa de 1789, da ideologia que embasara a Emancipação e dos milenares ensinamentos do judaísmo – a crença em um D’us único e na redenção universal quando da Era Messiânica.
Difícil hoje imaginar o impacto que provocou a fundação de um organismo declaradamente político e internacional, cujo principal objetivo – apesar de universalista e de almejar o bem-estar de toda humanidade – era defender a dignidade e os direitos dos judeus. Sua criação era a cristalização de inúmeras tentativas anteriores de dar ao judaísmo dos tempos modernos uma expressão política. Para os jovens fundadores, isso se traduzia na recusa em aceitar qualquer compromisso quando estava em jogo a dignidade judaica. Eles acreditavam que quando um único judeu era atingido, todos eram atingidos. O lema da organização “Kol Israel Arevim Zé Bazé”, frase doTalmud que, literalmente, significa “Todos os judeus são fiadores um do outro”, ou seja, “todo judeu é responsável um pelo outro”, revelava seu comprometimento com a causa judaica.
Uma organização cujo objetivo era promover a solidariedade judaica em escala mundial pressupunha a existência de Kol Israel, de um Povo Judeu, ainda que os fundadores falassem em termos de “correligionários”. O paradoxo supremo do qual não se davam conta, ao evocar a unidade e solidariedade do Povo Judeu, é que não vislumbravam um renascimento nacional, tampouco uma volta dos judeus à terra de seus ancestrais. O que pretendiam era atuar em todas as esferas políticas, diplomáticas e educativas, entre outros, para ajudar os seus correligionários de todo o mundo a se tornarem, em seus respectivos países, cidadãos com plenos direitos.
Os antecedentes
No decorrer dos séculos 18 e 19, a França fizera mais pelos judeus do que qualquer outra nação. Os ideais da Revolução de 1789 – “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” – e os contidos na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, segundo a qual “todos os homens nascem iguais e permanecem livres, com iguais direitos” e que “nenhum homem poderia ser molestado por suas opiniões, mesmo as religiosas”, haviam despertado as esperanças judaicas. Estas se concretizaram na França em 1791, quando foram emancipados os 40 mil judeus que viviam no país. O novo status foi recebido com entusiasmo, pois era a primeira vez, desde a queda do Império Romano, que judeus da Europa eram cidadãos com plenos direitos. A partir de então, eles se envolvem na vida política e social de seu país e diversificam suas atividades econômicas, pois acreditam ser perfeitamente possível viver como judeus praticantes e franceses patriotas. A emancipação, no entanto, exigia dos “cidadãos de fé mosaica”, além da necessidade de adquirir uma educação superior moderna, grande dose de aculturação, ainda que não a total assimilação.
Os exércitos de Napoleão levaram aos países ocupados os ideais da Revolução. Apesar de ter sido contraditória a política interna judaica de Napoleão – que assumiu o poder em 1799 e governou a França até 1814, ele fez mais pela emancipação dos judeus europeus do que tudo o que lhes ocorrera nos séculos anteriores. Porém, com a queda de Napoleão, a Europa entra numa nova fase de conservadorismo político e diluem-se muitas das conquistas civis dos judeus. Na França, no entanto, apesar da hostilidade da Igreja e da vitalidade dos antigos preconceitos anti-judaicos, os direitos dos “cidadãos de fé mosaica” são mantidos e, em fevereiro de 1831, o “culto israelita” passa a ser equiparado ao das outras religiões, fazendo jus, assim, a uma dotação do Estado.
A luta pelos direitos humanos universais teve conseqüências econômicas. O período foi marcado pelo liberalismo econômico, o laissez-faire, pela Revolução Industrial e o conseqüente aumento da atividade comercial e industrial e, também, de crescimento da burguesia e do proletariado urbano. Na França, em meados do século 19, já há uma burguesia judaica composta por uma elite financeira e de profissionais liberais, inclusive algumas famílias – como os Rothschilds, os Koenigswarter e Pereiras – faziam parte da alta burguesia. São eles justamente que darão um apoio poderoso à nova instituição.
Em fevereiro de 1840, uma notícia vinda de Damasco abala os recém-emancipados judeus da Europa: 13 proeminentes membros da comunidade judaica damascena haviam sido presos e submetidos a terríveis torturas. A acusação era terem matado um frade capuchinho e seu criado, para fins rituais. Até então, os judeus ocidentais acreditavam que a calúnia medieval de que judeus praticavam assassinato ritual era um mal do passado que não encontraria eco numa Europa que cultuava a razão. Estavam errados. Indignados, mobilizam-se, no mundo todo, em defesa de seus irmãos de Damasco. Uma delegação judaica composta, entre outros, por Adolphe Crémieux (ver artigo à pág. 31) e Sir Moses Montefiore, vai ao Egito e consegue a libertação dos judeus presos. Quatro deles, no entanto, já estavam mortos.
Ainda em choque com os acontecimentos, a mídia judaica da Alemanha e França passa a alertar sobre a necessidade de promover a união e solidariedade judaica e de se criar um órgão internacional para agir em defesa de judeus, onde quer que fossem discriminados ou atacados por causa de sua religião. A idéia foi levantada por vários escritores, entre os quais, Samuel Cahen, que funda, na França, em 1840, uma revista judaica mensal – a Archives Israélites. Cahen defende a idéia da “fraternidade universal” judaica. No entanto, devido à falta de perseverança e de consenso sobre os caminhos a serem tomados, a idéia permanece na teoria durante 20 anos.
A década que antecedeu a criação da AIU foi um período turbulento. Na França, há um descontentamento, cada vez maior, do proletariado urbano e um fortalecimento das tendências republicanas. A crise econômica de 1846 precipitou a Revolução de Fevereiro de 1848. Uma vez debelada a revolta, o rei Carlos X é deposto. Restabelecida a república, o príncipe Luis Napoleão Bonaparte é alçado à Presidência. Em 1851, no entanto, Napoleão dá um golpe de estado e instaura o Segundo Império. No novo regime de Napoleão III, autocrático e conservador, há um fortalecimento da Igreja, que jamais disfarçara seu anti-judaísmo.
Os judeus franceses sentem-se ameaçados. Além do fato de, em 1848, comunidades judaicas da Alsácia terem sido vítimas de violência, eles percebem que há um questionamento do status judaico em áreas onde a igualdade de direitos já parecia assegurada. O exemplo mais flagrante era a educação, principalmente após a volta do clero ao ensino público. Cientes da importância da educação como vetor de integração, os judeus observam preocupados a incapacidade do Consistório de sair em sua defesa.
O estopim para a criação da AIU foi oCaso Mortara, um crime perpetrado nos Estados Papais, em 1858, contra uma família de judeus de Bolonha. O Caso teve início em junho daquele ano, quando Salomon e Marianne Mortara viram seu filho Edgard, de seis anos, ser levado pela polícia. O Tribunal da Inquisição da cidade, alegando que o menino havia sido secretamente batizado, dera ordens para que a criança fosse removida à força da guarda de seus pais para ser educada dentro do catolicismo. Com a conivência e a “proteção” do papa Pio IX, que passa a considerá-lo um filho, Edgard nunca mais voltaria para sua família. Ordenado padre em 1872, tornou-se o abade de Bouhaye. O Caso, cuja brutalidade e a retórica anti-judaica lembravam o Caso Damasco, despertou indignação no mundo todo. Inutilmente, personalidades judias e não judias intercederam junto à Santa Sé para que o menino fosse devolvido aos pais. Os Rothschilds, Adolphe Crémieux, Sir Moses Montefiore, Napoleão III, o imperador austríaco Francis Joseph, o conde Camillo Cavour, primeiro-ministro da Itália, entre outros, fracassam em todas as suas tentativas.
Para os judeus, o “Caso Mortara” era a confirmação da necessidade de terem um instrumento político que lhes permitisse reagir às perseguições de que eram objeto. Isidore Cahen, professor de filosofia, em artigo publicado em 1858 nos Archives Israelites, alertou que os “judeus deveriam contar apenas consigo próprios para sua defesa” e sugeriu a criação de uma organização intercomunitária, que seria chamada de Alliance IsraéliteUniverselle, para atuar em sua defesa. Em fevereiro de 1860, Simon Bloch, escritor francês e, posteriormente, secretário da Alliance, fez a mesma proposta.
Se o Caso tornou mais evidente a necessidade de um esforço mundial dos próprios judeus em sua defesa, a hegemonia da França na Europa fez dos judeus franceses os líderes naturais desse movimento.
A criação da AIU
Um dos fundadores da Alliance, Narcisse Leven, ao recordar a fundação da organização, escreveu: “Chegara o ano de 1860. Seria o fim da época de perseguições? Era o que esperávamos, mas esperar não era suficiente: era preciso agir”.
Entre os jovens que se reuniram na casa de Charles Netter, bem-sucedido homem de negócios que descendia de uma dinastia de rabinos, seis foram escolhidos para elaborar os estatutos e redigir um manifesto da nova organização. Além de Netter, haviam sido escolhidos o professor Isidore Cahen; Eugène Manuel, poeta e acadêmico; Elie Aristide Astruc, rabino de origem portuguesa e uma das principais vozes contra a assimilação judaica; Jules Carvallo, engenheiro civil, pioneiro na área de construção de ferrovias, fundador da revista L’opinion Nationale e diretor dos Archives Israélites; e Narcisse Leven, advogado, assistente de Crémieux. Apesar de não estar presente na primeira reunião, Crémieux participara desde o início de todas as decisões por intermédio de Leven. Em julho de 1860 é publicado o texto da fundação da nova instituição, a “Conclamação da Alliance”, onde os fundadores exortam todos os judeus a “Unir todos os corações generosos para lutar contra o ódio e os preconceitos. Criar uma associação de jovens israelitas, idealistas e militantes, que se sintam solidários com todos que sofrem por serem judeus e com todos os que são vítima de preconceitos, seja qual for a sua religião. [...] Se vocês acreditam que será uma honra para sua religião, uma lição para os povos, um progresso para a humanidade, um triunfo para a verdade e pela razão universal de ver a concentração de todas as forças vivas do judaísmo, pequeno em número,grande em amor e na vontade de fazer o bem, juntem-se a nós; nós fundamos, finalmente fundamos, a Alliance Israélite Universelle”.
Objetivos e atividades
A França era central em todo o pensamento e atividades da AIU. Seus fundadores se consideravam franceses e judeus, se auto-identificavam com a França dos direitos dos homens, acreditavam no “modelo francês” de emancipação e na superioridade da cultura francesa. Essa centralidade estava presente nos estatutos e na política da organização. Entre outros, todas as sedes e escolas da AIU eram subordinadas ao comitê central em Paris e, até hoje, os presidentes da organização, com exceção de um, foram judeus franceses.
A Alliance desempenhou, até a 1ª Guerra Mundial, papel importante no cenário político nacional e internacional. Esse engajamento político devia-se principalmente a Crémieux. É dele que a AIUherdaria amizades e penetração nas altas esferas governamentais e diplomáticas, e seria ele, também, quem faria a Allianceintervir, pela primeira vez, na política internacional. Em julho de 1860, denuncia, no jornal Le Siécle, os massacres dos quais estavam sendo vítimas os cristãos maronitas no Líbano e Síria. A AIU continua com essa política, intercedendo, entre outros, junto ao ministro da Justiça espanhol para que fossem libertados os protestantes presos sob acusação de fazer propaganda a favor de sua religião. Com essas ações, a instituiçãorevela seu caráter universalista. Seu intuito é atuar em toda parte onde os direitos humanos estivessem sendo contestados. No entanto, a principal preocupação da instituição era com o bem-estar dos judeus. Rapidamente se torna o endereço para onde acorrem os judeus perseguidos do mundo todo.
Em sua luta pelos direitos judaicos, a AIU enfrentou tremendos desafios tanto na Europa Central e Oriental como no Império Otomano e Norte da África. Nessas regiões, os judeus ainda eram vítima de humilhações de toda espécie e, quando possuíam algum direito, este não era respeitado. Visando melhorar o status jurídico dos judeus, a Alliance atuou junto a governos da Sérvia, Romênia, Rússia, Bélgica e Suíça. Deu assistência aos que desejavam deixar sua terra natal, agindo em especial em prol dos judeus romenos e russos.
Sua atividade diplomática atingiu seu ponto mais alto durante o Congresso de Berlim, em 1878, quando as potências européias se reuniram para discutir a Guerra da Criméia. A liderança da AIU acreditava que o Congresso seria uma oportunidade para discutir a questão das minorias judaicas na área européia do Império Otomano. Conseguiram a inclusão, nos tratados que concediam independência às nações dos Bálcãs, de um parágrafo outorgando direitos civis a todos os judeus.
Enquanto intervinha para assegurar direito aos judeus, a AIU tampouco media esforços em sua luta contra o anti-semitismo, não hesitando em recorrer à opinião pública, à mídia e às suas ligações políticas e diplomáticas. Essa estratégia era utilizada em todos os países onde havia algum tipo de demonstração anti-semita – a única exceção sendo a própria França. Ao contrário dos judeus do Leste Europeu ou de outros países assolados pelo anti-semitismo, os judeus franceses olhavam para o futuro com otimismo, fazendo vista grossa às manifestações anti-judaicas em seu país. Quando essas ocorriam, o Consistório contemporizava, assumindo uma atitude de que era melhor “deixar passar a tempestade”. A AIU compartilhava dessa postura, recusando-se, como entidade, a enfrentar publicamente os anti-semitas, apesar de muitos de seus membros o fazerem, individualmente.
À medida que a AIU multiplica suas atividades e ganha visibilidade, ela própria se torna alvo de virulentos ataques anti-semitas, que passam a apontá-la como “prova” da existência de uma suposta conspiração judaica mundial. O sucesso do livro La France Juive, prelúdio do nascimento do anti-semitismo político, vai obrigar a instituição a reavaliar seu otimismo em relação à França. Mas, foi o Caso Dreyfus, no final do século 19, o que abalou o modelo francês de integração dos judeus em seu meio social, levantando questões que não podiam mais ser ignoradas. Durante o julgamento de Dreyfus, Theodor Herzl, fundador do moderno sionismo, chocado pelo anti-semitismo visceral que testemunhara na supostamente esclarecida França, convenceu-se de que a causa primária do anti-semitismo era a condição anômala dos judeus: um povo sem Estado.
Desde sua criação, a AIU orquestrava seus esforços diplomáticos com suas atividades educacionais. Mas, a partir da década de 1890, a educação se torna prioridade. A instituição se dedica, cada vez mais, a auxiliar o fortalecimento da educação de judeus que viviam nos Bálcãs e no Oriente Médio, criando uma ampla rede de escolas francófonas, pois seu objetivo é prover aos jovens uma educação moderna. A comunidade judaica de Tetuan havia sido, em 1861, a primeira a solicitar o estabelecimento de uma escola da AIU. Assim, em 1862, foi inaugurada a primeira escola da Alliance; era a pedra fundamental da rede de escolas que rapidamente se expandiu por todo o Oriente Médio e Norte da África. Em 1913 já havia do Marrocos ao Irã 183 escolas, que atendiam 43.700 alunos.
A AIU no século 20
Hoje é difícil acreditar que somente após a Shoá, a Alliance deu seu apoio ao sionismo e à criação do Estado de Israel. A verdade é que a instituição e o sionismo se desenvolveram a partir de duas ideologias divergentes. A primeira acreditava no modelo francês de emancipação dos “israelitas”. Isto implicava na plena integração dos judeus na sociedade maior dos países onde viviam, preservando apenas um particularismo religioso.
A emancipação seria promovida principalmente através de uma obra educativa. Com esse olhar, a AIU acreditava na necessidade de derrubar todas as barreiras entre judeus e não judeus e de lutar contra preconceitos e o anti-semitismo. As atitudes dos dirigentes da AIUeram compartilhadas pela maioria dos judeus franceses. A existência de um Povo Judeu era, para eles, uma lembrança histórica e, a Diáspora, uma realidade. O sionismo, por outro lado, não dissociava os direitos do homem aos da nação, acreditando que a verdadeira libertação do homem judeu passava pelo reconhecimento dos direitos da Nação Judaica e de um Lar Nacional Judeu. Para os dirigentes da AIU, o projeto sionista não era uma libertação, mas uma nova alienação judaica num gueto nacional artificial.
Ao não compreender como o sionismo político e, posteriormente, a Declaração Balfour revolucionam o mundo judaico, a AIU acaba se isolando ideologicamente. A 1ª Guerra Mundial marca o início do declínio de sua atuação diplomática e internacional – fato que a organização vai compensar com um aprofundamento ainda maior de sua obra educativa. As décadas de 1920 e 1930 são um período difícil, apesar do sucesso de suas atividades educacionais. Atingida pela crise mundial e desorientada pelo anti-semitismo que cresce em toda a Europa, a instituição não estava preparada para enfrentar a tempestade da 2ª Guerra.
A 2ª Guerra e o pós-guerra
A 2ª Guerra foi uma época de terríveis provações para os todos os judeus da Europa. Para os judeus franceses, sentindo-se traídos por seu próprio governo em sua hora mais dura, a guerra será um divisor de águas que provocará profundas mudanças no seio do judaísmo francês.
Junho de 1940. A França capitula rapidamente perante a Alemanha que vai dividi-la em dois. Enquanto os nazistas controlam a parte norte e ocidental da França e toda a costa atlântica, a parte sul é administrada pelo governo do Marechal Pétain. A perseguição aos 350.000 judeus que viviam no país teve início logo após a rendição francesa. O Regime de Vichy, que se auto-intitulava État Français, colaborou diretamente e de bom grado com os nazistas, atuando ativamente ao lado da Gestapo. Em outubro de 1940, antecipando-se a qualquer pedido nazista, o governo francês publica medidas anti-semitas que passam a privar os judeus de seus direitos e liberdades, enquanto envia milhares para campos de internamento. As detenções e deportações em massa se intensificam a partir do verão de 1942, continuando até a saída dos alemães da França. No total, 76.000 judeus foram deportados para campos de concentração, dos quais apenas 2.500 sobreviveram.
Após seus dirigentes terem deixado Paris, poucos dias antes da entrada do exército alemão, todas as filiais da AIU foram desconectadas do Escritório Central, que se refugiou na zona não-ocupada. A instituição vê sua biblioteca sendo confiscada pelos nazistas, assim como seus imóveis em Paris e Versailles. Ainda em outubro, o governo de Vichy abole o “Decreto Crémieux”, anulando a cidadania francesa dos judeus argelinos.
Apesar da guerra, as escolas da AIU no Oriente Médio e Norte da África continuaram a funcionar. Em junho de 1941 tropas britânicas e da França Livre derrotam as forças de Vichy no Levante e ocupam os protetorados franceses. O General De Gaulle, preocupado com o futuro da Alliance,encarrega a responsabilidade de assegurar o futuro da organização à Renée Cassin. Em abril de 1943, este último forma, em Londres, um comitê provisório, e, no ano seguinte, após a libertação de Paris, reorganiza a AIU. Principal autor do texto da “Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU”, Cassin foi agraciado, em 1968, com o Prêmio Nobel da Paz por suas ações em prol dos direitos humanos.
Contando com a ajuda financeira dos judeus americanos, a AIU reinicia suas atividades em Paris. As necessidades concretas eram muitas e difíceis, pois estava gradualmente vindo à tona a terrível verdade sobre a “Solução Final”, os milhões de judeus assassinados e o destino dos sobreviventes que não tinham aonde ir. Ao mesmo tempo, vai-se fazer necessário um reexame da missão da AIU, pois o “modelo israelita” que representava a organização já demonstrara suas limitações durante os anos negros da Shoá.
Em novembro de 1945 é publicada uma declaração onde é redefinida araison d’etre da organização e suas metas. Na declaração, entre outros, é reafirmado seu comprometimento com sua obra educativa, sua determinação de defender os judeus em todo lugar onde sofrem por sua religião, “exigindo para os judeus que assim o desejarem o direito de entrar na Palestina, sob os auspícios das Nações Unidas e sob a responsabilidade da Agência Judaica na então Palestina”. A declaração termina com um apelo à consciência universal.
A fundação de Israel, em 1948, vai ter conseqüências sobre o trabalho da Alliance Israélite. Após a criação do Estado de Israel, iniciou-se um período de perseguições contra os judeus que culminou com a saída de centenas de milhares deles tanto do Oriente Médio como do Norte da África. À medida que partiam, as escolas da AIU eram fechadas. Atualmente, ainda há algumas no Marrocos.
Este ano, a "velha senhora" da comunidade judaica francesa completa 150 anos. Haverá muitas comemorações para celebrar o incrível trabalho que a organização desenvolveu ao logo desses anos: seus esforços em prol do bem-estar e segurança judaica nos anos que precederam a criação do Estado de Israel, e suas escolas que levaram ao Oriente Médio e Norte da África uma educação moderna e ocidental, mas que jamais deixaram de transmitir a seus alunos a história e os ensinamentos judaicos e, após a criação do Estado, o sionismo e o amor a Israel.
Bibliografia:
Kaspi, André, e Assan, Valérie, direção e coordenação, Histoire de L’Alliance Israélite Universelle, de 1860 à nos jours, Ed. Armand Colin, Paris, 2010
Encyclopedia Judaica, 2nd Edition, L’Alliance Israélite Universelle, vol.I,pag. 671-675
www.aiu.org