Há 100 anos, no dia 2 de junho de 1917, o Ministro das Relações Exteriores do império britânico, Lord Arthur Balfour, emitiu um documento que se tornou um marco histórico e que foi consagrado para a posteridade como Declaração Balfour. Apesar do nome pomposo, trata-se, na verdade, de uma carta simples e concisa endereçada ao barão Walter Rothschild, um dos principais líderes da comunidade judaica da Inglaterra.
Esta carta transcendeu na medida em que foi o primeiro passo para a autenticação do sionismo, tal como o objetivo desse movimento o havia formulado em seu primeiro Congresso Mundial, realizado vinte anos antes, na Suíça.
O texto de Balfour dizia o seguinte: “Caro Lord Rothschild. Tenho o prazer de endereçar a V.S., em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia quanto às aspirações sionistas, declaração submetida ao gabinete e pelo mesmo aprovada. O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país. Desde já, declaro-me extremamente grato a V.S. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista”.
O signatário da carta, Lord Arthur James Balfour, nasceu no dia 25 de julho de 1848 em Whittingehame, Escócia, tendo ocupado durante 50 anos uma rara posição de poder dentro do Partido Conservador britânico.
Depois de sua formação em Eton e Cambridge, incursionou na política. Bem sucedido, foi Primeiro-ministro de 1902 a 1905 e Chanceler de 1916 a 1919, um período difícil por causa dos desdobramentos da Primeira Guerra Mundial. Balfour descendia de uma família muito rica, recheada de intelectuais e proeminentes homens públicos. Entrou para a política durante os dois mandatos de Lord Salisbury, seu tio, sendo então nomeado Secretário para a Escócia e depois para a Irlanda, com assento no gabinete. Mais tarde foi líder de seu partido na Câmara dos Comuns, onde comandou a oposição durante o mandato de Lord Gladstone.
Ao buscar a aprovação do Gabinete do governo comandado pelo Primeiro-ministro David Lloyd George para a carta que pretendia endereçar a Rothschild, o Chanceler se valeu de diferentes argumentos. Primeiro, abordou o apoio ao sionismo que se multiplicava, conforme afirmou, nas comunidades judaicas de todas as partes do mundo. Mas, a bem da verdade, os estudiosos afirmam que o sionismo, naquela época, ainda não empolgara as massas judaicas. O historiador e jurista americano David Fromkin escreve em um de seus trabalhos que, em 1913, apenas 1% do mundo judeu se identificava com o movimento sionista e diz ainda que em 1919, ou seja, já depois da Declaração Balfour, o sionismo atraía uma pequena parcela dos judeus americanos. Isto se devia, conforme acrescenta, ao repúdio da alta classe média judaica a qualquer forma de nacionalismo, tal como doutrinado pelos líderes do sionismo.
A par disso, Balfour argumentou para o Gabinete que a influência judaica nos acontecimentos mundiais não podia ser ignorada – certamente um exagero, porque essa influência era mínima. Para reforçar sua tese, discorreu que na então recente revolução russa havia grande quantidade de militantes judeus, que, com toda a certeza, seriam membros do governo que Lenin estava formando. Portanto, seria de todo interesse da Inglaterra manter boas relações com o futuro estado soviético. Como se não bastasse essa suposição relativa aos bolcheviques, também existia nos círculos oficiais britânicos a noção de que os judeus estavam por trás do imperialismo na Alemanha e até mesmo nos bastidores do império otomano, que os aliados da Primeira Guerra Mundial combatiam.
O historiador Sydney Zebel escreveu que Balfour exagerava quanto à presença judaica na revolução russa, bem como superestimava o poder dos judeus americanos. Contudo, apesar das especulações feitas por inúmeros analistas e historiadores, o fato é que Lord Balfour compreendia e endossava os propósitos da causa sionista. Em suas memórias, Chaim Weizmann escreve que, num encontro com Balfour, em 1914, falou-lhe sobre as agruras sofridas pelos judeus do Leste europeu, o que deixou Balfour com lágrimas nos olhos. Uma sobrinha de Balfour, chamada Blanche Dugdale, escreveu: “Perto do fim de seus dias, ele me disse que considerava o que tinha feito pelos judeus o momento mais valioso de sua vida”. Esse sentimento foi recíproco. Quando Balfour faleceu, no dia 19 de março de 1930, sua família recebeu milhares de mensagens de afeto e conforto de judeus de todas as partes do mundo.
A emblemática carta de Balfour foi endereçada a Lionel Walter Rothschild, segundo Barão Rothschild de Tring, nascido em Londres no dia 8 de fevereiro de 1868, neto de Mayer Amschel Rothschild (1744-1812), o grande patriarca da dinastia. Foi o próprio Chaim Weizmann, embora presidente da Federação Sionista da Inglaterra, quem sugeriu que Lord Walter fosse o destinatário da carta, porque sendo a mesma enviada a um membro da família Rothschild, seu conteúdo ganharia maior relevância na percepção internacional. Walter começou seus estudos de Zoologia na Universidade de Bonn, na Alemanha, e completou-os em Cambridge. Desde adolescente já possuía uma impressionante coleção de insetos e pássaros, que foi sendo aumentada, ao longo dos anos, na mansão de seu pai, na localidade de Tring, 50 quilômetros a noroeste de Londres. Apesar de sua consagrada especialidade na Zoologia, foi trabalhar no banco do pai, Nathan Mayer, deixando uma equipe para cuidar de sua coleção, depois transformada num museu aberto ao público em 1892. Lord Walter atuou no Parlamento britânico de 1899 a 1910 como membro do Partido Conservador, ao mesmo tempo em que se envolveu nas atividades da comunidade judaica, com ênfase no movimento sionista. Ele foi membro de diversas sociedades científicas mundo afora e deixou publicados dezenas de trabalhos nos campos da Biologia e da Zoologia. O Barão Walter Rothschild faleceu no dia 2 de agosto de 1937.
Por trás do emitente e do recipiente da Declaração Balfour avultava a figura de um homem dotado de qualidades extraordinárias, o futuro primeiro Presidente do Estado de Israel, Chaim Weizmann. Ele nasceu no dia 27 de novembro de 1874, numa isolada aldeia chamada Motal, hoje na Bielorrússia, cuja população constava de 500 famílias cristãs e 200 famílias judaicas. As casas naquele fim do mundo eram todas feitas de madeira, inclusive as duas sinagogas, a nova e a velha. A primeira era frequentada pelos mais ricos e a segunda pelos mais pobres. O pai de Chaim costumava rezar na velha, mas às vezes era convidado para a nova, onde atuava como chazan (cantor litúrgico).
Em sua autobiografia, Weizmann assim se lembra dos pais: “Minha mãe estava sempre grávida, sempre amamentando uma criança. Ela deu à luz 15 filhos. Dizia que era esta a sua missão como mulher judia. Recordo-me do meu pai conduzindo as orações na sinagoga. Sua voz ainda ecoa em minha memória quando me sinto triste ou solitário”.
Quando Weizmann tinha 11 anos de idade, a família se mudou para a cidade de Pinsk, perto da fronteira com a Ucrânia, que, aos olhos do menino, dava a impressão de uma grande metrópole. Ali fez o Ensino Médio e, em seguida, com um mínimo de dinheiro, foi estudar Química na Alemanha, depois na Suíça, e por fim com maior extensão na Inglaterra. Weizmann estava em Berlim, em 1896, quando ele e seus amigos tomaram conhecimento da publicação de um livro com poucas páginas, intitulado “O Estado Judeu”, da autoria de um jornalista de Viena chamado Theodor Herzl. Anos mais tarde escreveu: “A rigor, o livro não continha nenhuma novidade para mim e meu grupo. Mas, o efeito produzido pelo livro foi profundo. Não tanto por suas ideias, mas pela personalidade de quem havia escrito aquele texto com tamanha audácia, clareza e energia”.
Então com 23 anos de idade, Weizmann não pôde comparecer ao Primeiro Congresso Mundial Sionista, na Basiléia, por absoluta falta de recursos. Só conheceu Herzl pessoalmente no ano seguinte, por ocasião do Segundo Congresso, também na Basiléia: “Havia nele uma grande autenticidade e um toque de patético. Achei que se propunha realizar uma tarefa de tremenda magnitude, mas sem um preparo adequado. Tinha grande talento e também ótimas relações. Porém, isso não bastava. À medida que melhor o fui conhecendo, em sucessivos congressos, meu respeito por ele foi-se confirmando e aprofundando. Era poderoso em sua crença de que havia sido designado pelo destino para realizar sua obra gigantesca”. No Congresso realizado em 1901, três anos antes da morte de Herzl, ele entrou em acalorada polêmica com o próprio Herzl e com os delegados que estavam propensos a aceitar a implantação de um estado judeu em Uganda. O projeto agradava aos bem mais velhos porque assim teriam a oportunidade de ver um Estado judeu independente enquanto ainda vivessem. Weizmann se opôs à ideia de Uganda e, a esse respeito, deixou uma frase definitiva: “Não há sionismo sem Sion”.
Depois daquele Congresso, Weizmann radicou-se em Londres, de onde se deslocou por algum tempo para Genebra com a finalidade de completar seu doutorado em Química. No regresso a Londres, em agosto de 1914, a par de suas intensas atividades científicas, empenhou-se junto à comunidade judaica local para dar estrutura à Federação Sionista da Inglaterra. Foi nessa época que ofereceu ao Gabinete britânico, empenhado no esforço de guerra, um projeto para a produção de acetona através de fermentação bacteriana, o que já havia conseguido em pequena escala em seu laboratório. Perguntaram-lhe se poderia fazer o mesmo em grande escala. Aceitou o desafio e apresentou um plano para a construção de uma usina. Assim, seguindo suas instruções, foram erguidas indústrias de acetona no Canadá, Inglaterra, França e Estados Unidos. Essa acetona era fundamental para que a Inglaterra pudesse incrementar sua fabricação de bombas que não expeliam fumaça e, portanto, essenciais para a visão dos militares britânicos nas batalhas navais. No final da guerra, Weizmann foi chamado ao Alto Almirantado, comandado por Winston Churchill, que lhe disse: “O senhor fez um trabalho excepcional para nosso país e pretendo pedir a Sua Majestade que lhe conceda uma condecoração”. Weizmann respondeu: “Não quero nada para mim, mas gostaria de pedir algo para o meu povo”. Nos meses seguintes, Weizmann foi dando pormenores para Churchill e outros membros do Gabinete sobre a sua pretensão que consistia em obter do governo do Império algum tipo de manifestação favorável ao sionismo. E esta acabou se concretizando através da Declaração Balfour.
Arthur Balfour, Walter Rothschild e Chaim Weizmann: este foi o tripé que protagonizou a Declaração Balfour. Mas, junto com esses homens, houve mais um, Nahum Sokolow, hoje injustamente esquecido, que foi fundamental para o êxito sionista. Ele nasceu em 1865, na pequena cidade de Wiszogrod, Polônia. A seu respeito, Chaim Weizmann, conhecido por sua cautela nos elogios, escreveu: “Foi um sionista notável, um gênio, extraordinariamente versátil, frio sob pressão, prolífico de forma espantosa e incansável trabalhador; só lhe fazia duas reservas: era um tanto desorganizado e, talvez, por demais conciliador”. A família de Sokolow se mudou, quando ele ainda era pequeno, para a cidade de Plotzk onde, desde cedo, ganhou fama de criança prodígio. Descendente de ilustres rabinos, o jovem frequentou aulas de uma série de talmudistas e, ao mesmo tempo, dedicou-se ao estudo de Ciências e idiomas. Adolescente, sabia escrever em hebraico, iídiche, alemão, polonês e inglês. Apesar de ter crescido em ambientes rudes, mantinha sempre uma postura elegante e um ar de sofisticação. Isto lhe serviria no futuro para que viesse a se desincumbir como um verdadeiro diplomata sionista.
Depois do casamento com Regina Segal, em 1880, o jovem casal foi para Varsóvia, onde Sokolow passou a escrever uma coluna no jornal Ha-Zefirah, publicado em hebraico, no qual assumiria a condição de editor-chefe. Foi nessa função que cobriu o Primeiro Congresso Mundial Sionista na Basiléia, tendo-se tornado um ardente admirador de Theodor Herzl. Em seguida, dedicou-se a traduzir para o hebraico o romance de Herzl, “Nova Velha Pátria”. Em 1906, passou a trabalhar na Organização Mundial Sionista. Fundou um semanário em hebraico chamado Haolam e, sete anos depois, passou a ter um assento no Executivo da Organização. Pelas obrigações desse posto, passou a viajar intensamente por diversos países da Europa e chegou a Nova York, em 1913, com a missão de agitar a militância sionista. Ali fez amizade com o judeu Louis Brandeis, Juiz da Suprema Corte americana, e com Henrietta Szold, fundadora do movimento sionista feminino Hadassah. Foi para Londres no ano seguinte, quando a Primeira Guerra já estava em curso. Naquele ano, tendo em vista o envolvimento otomano na guerra, os sionistas ficaram mais otimistas. Julgavam que, caso os turcos fossem derrotados pelos aliados, aumentaria a chance de os judeus reivindicarem a Palestina, subjugada pelo Império Otomano desde o início do século 16.
Em maio de 1917, numa iniciativa audaciosa, Sokolow consegue marcar uma audiência no Vaticano com o Papa Benedito XV, empossado havia apenas três anos. Instado por Sokolow, o Papa declarou ver com grande simpatia o retorno dos judeus à Terra Santa e pediu que respeitassem e protegessem os lugares santos cristãos em Jerusalém. No fim da audiência perguntou: “O que posso fazer por vocês”? Sokolow respondeu: “Queremos nada mais do que o seu apoio moral”. Ao que o Papa aduziu: “Sim, creio que seremos bons vizinhos”. De volta a Londres, tomou conhecimento de que Lord Balfour havia pedido aos líderes sionistas que lhe dessem por escrito o que os judeus pretendiam do governo britânico. Coube, então, a Sokolow redigir o rascunho do que viria a ser a futura Declaração, com destaque para o fato de ter cunhado uma expressão que, no decorrer de muitos anos, tornou-se um mantra: “lar nacional”. Em fevereiro de 1919, já extinta a Primeira Guerra, Sokolow compareceu à Conferência de Paz, em Versalhes, perto de Paris, na qual fez uma vigorosa apresentação da causa sionista. Dois anos depois assumiu a posição oficial de representante da Organização Sionista Mundial na Liga das Nações. Nos anos seguintes, foi duas vezes à Palestina e continuou percorrendo diversos países da Europa e novamente viajou para os Estados Unidos. No 17o Congresso Sionista, realizado mais uma vez na Basiléia, em 1931, por causa de uma inconciliável discórdia entre Chaim Weizmann e Vladimir Jabotinsky, a presidência da Organização Mundial acabou competindo a Sokolow, que permaneceu nessa posição até 1935. Seu mandato foi turbulento, em função da crescente perseguição nazista aos judeus, e ficou ainda mais complicado quando Hitler ascendeu ao poder. Por pressão árabe e a despeito da vigência da Declaração Balfour, os ingleses fecharam as portas da Palestina para os judeus, uma atitude indigna, reforçada por outra proibição logo depois do início da Segunda Guerra Mundial. Coube a Sokolow batalhar de forma frenética junto ao governo britânico para que as restrições imigratórias para a Palestina fossem atenuadas, o que, em parte, acabou conseguindo. Nahum Sokolow morreu em Londres no dia 17 de maio de 1936, aos 76 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco. À beira de sua sepultura, no cemitério Willesden, o kadish (oração pelos mortos) foi recitado por Weizmann com Jabotinsky ao seu lado. Desde meados dos anos 50, a sede da Associação dos Jornalistas de Israel, em Tel Aviv, recebeu o nome de Beit Sokolow.
Hoje se sabe que na primavera europeia de 1916, a Inglaterra, a França e a Rússia assinaram um pacto secreto, que tratava da futura situação geopolítica do Oriente Médio caso o Império Otomano viesse a ser derrotado. Essa negociação foi conduzida por Sir Mark Sykes, do lado inglês, e pelo diplomata François Georges Picot, do lado francês, e daí ter entrado para a história como o Acordo Sykes-Picot. O pacto abrangia todo o território desde o Mediterrâneo até a fronteira oriental da Rússia, à qual caberia uma vasta porção da Anatólia oriental. Quanto à Palestina, segundo o Acordo Sykes-Picot, a parte norte da Galiléia seria dada à França; os portos de Haifa e de Acre, à Inglaterra; Jerusalém e Jaffa ficariam sob supervisão internacional, que, além dos dois maiores vitoriosos, incluiria a Itália e a Rússia. A liderança judaica não tinha a menor ideia da existência desse pacto e se o Acordo viesse a ser implementado, corresponderia a um sepultamento de suas aspirações. Para sorte do movimento sionista, no fim daquele ano, o estadista David Lloyd George assumiu o posto de Primeiro-ministro do Império britânico. De imediato, julgou que o Acordo Sykes-Picot era generoso demais com a França, porque as mais árduas batalhas contra os turcos tinham sido vencidas pela Inglaterra no Sinai e na Palestina. Mark Sykes tentou promover uma revisão do Acordo, mas esbarrou na intransigência de Picot, que insistia numa divisão meio a meio.
Foi durante essa turbulenta controvérsia que Sykes, por assim dizer, descobriu o sionismo. Ele foi ao encontro de Sokolow em Londres e pediu para conhecer a liderança sionista britânica. O encontro foi marcado numa residência particular, em Londres, à qual compareceram Nahum Sokolow, Chaim Weizmann, Lord Walter Rothschild, James de Rothschild e Herbert Samuel, que viria a ser, de 1920 a 1925, Alto Comissário Para a Palestina, nomeado por Sua Majestade. Durante a reunião, Sykes, que tinha excelente trânsito no Gabinete de Lloyd George, disse que a Inglaterra de fato devia acolher a causa sionista, mas apontou que a posição irredutível de Picot dificultava qualquer alteração no Acordo e, portanto, seu convencimento do contrário deveria caber aos líderes judeus. Estes argumentaram que não podiam se ocupar de uma tarefa que era exclusiva do governo da Inglaterra. Finalmente, James de Rothschild, quinto filho do patriarca Amschel e que também viria a receber o título de barão, insistiu que a pessoa mais apropriada para a missão era Nahum Sokolow. Em seu consistente ensaio sobre a Declaração Balfour, o historiador americano Martin Kramer reproduz um texto do também historiador inglês Harry Sacher: “Por que Sokolow? Porque ele era o diplomata do movimento sionista, um diplomata ao estilo do Quai d’Orsay francês, além do que era um homem de bela aparência, modos aristocráticos, fala delicada, palavras cautelosas, ternos bem cortados e charmoso monóculo”. Sykes concordou e respondeu que marcaria um encontro de Sokolow com Picot o mais rapidamente possível. Não resta dúvida que Sykes exerceu influência no gabinete em favor da causa sionista e pode ser apontado como um dos propulsores da Declaração Balfour.
Sokolow e Picot se reuniram três vezes, duas em Londres e uma em Paris. Sua tarefa estava longe de ser fácil. Ele precisava convencer os franceses a apoiarem o projeto sionista, como também lhes incutir a noção de que um protetorado inglês na Palestina seria a solução mais adequada para aquela região. No terceiro encontro, em Paris, conheceu Jules Cambon, um dos mais destacados diplomatas da França, favorável à causa sionista. Sokolow ficou temeroso de lhe insinuar qualquer declaração por escrito porque o francês poderia julgar que se tratava de um pedido exorbitante. Além de Picot, os demais negociadores franceses presentes ao encontro demonstraram apreço pelas palavras de Sokolow. No tocante à revisão do acordo secreto, esta só se concretizou quando a Liga das Nações, anos mais tarde, conferiu à Inglaterra o mandato sobre a Palestina. Porém, àquela altura, o mais importante foi a carta assinada por Cambon, que Sokolow recebeu no regresso a Londres e na qual constava o seguinte último parágrafo: “O governo francês, que entrou na atual guerra para defender um povo injustamente atacado e que continua a luta para assegurar a vitória do direito sobre a força, pode somente sentir simpatia por sua causa sionista, cujo triunfo está vinculado ao dos aliados”. O biografo de Weizmann, Yehuda Reinharz, julga que a declaração de Cambon é mais assertiva e mais importante do que a Declaração Balfour, embora a primeira tenha sumido da história. O historiador Isaiah Friedman chega ao ponto de afirmar que sem a carta de Cambon não haveria a Declaração Balfour.
Os responsáveis pela Organização Sionista sabiam que a Declaração geraria uma série de reações positivas e negativas. O principal trabalho dos líderes, naquele momento, era obter endossos para as palavras de Balfour. O apoio da França se deveu à atuação de Sokolow junto a Pichon, Ministro das Relações Exteriores. Em seguida vieram os apoios do Japão e da Itália, cujo governo declarou o seguinte: “É nossa intenção facilitar a instalação de um Centro Nacional Judaico na Palestina”. Os Estados Unidos permaneciam reticentes em participar dos debates relativos à Palestina, mas, em agosto de 1918, o presidente Woodrow Wilson endereçou uma carta ao rabino Stephen Wise, Presidente do Conselho Sionista Americano, expressando sua “satisfação pelo progresso do movimento sionista desde a Declaração Balfour”.
As controvérsias em torno da Declaração Balfour permaneceram durante 100 anos e assim chegaram até os dias atuais. O escritor judeu Arthur Koestler, comunista e sionista na juventude, e adversário dessas duas causas na maturidade, disse que “a Declaração Balfour é um dos documentos mais improváveis de todos os tempos”. O famoso advogado americano Sol Linowitz escreveu que a Declaração era impotente porque, quando foi emitida, a Inglaterra não detinha poder algum sobre a Palestina.
A professora Galia Golan, da Universidade Hebraica, declarou num artigo que a Declaração Balfour não tinha a grande importância que lhe era atribuída porque a legitimação da causa sionista só aconteceu na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1947, quando esta aprovou a partilha da Palestina. Já o ex-chanceler de Israel, Abba Eban, acentuou que “a Declaração Balfour foi uma decisiva vitória diplomática do povo judeu na história moderna”. O político e jornalista inglês Richard Crossman fez o seguinte resumo, há 50 anos: “A Declaração Balfour foi um dos maiores momentos da arte de governar no século 20”. A verdade é que a Declaração não foi um ato isolado de um país, no caso a Inglaterra. A Declaração foi emitida em meio a uma guerra de proporção mundial e, portanto, o gabinete britânico não teria permitido sua emissão sem o consenso de seus aliados no conflito. O centenário da Declaração, a ser celebrado em novembro de 2017, decerto vai trazer à tona o direito de Israel existir, tal como rotineiramente formulado pelos inimigos do Estado Judeu. É assombroso constatar que depois de 100 anos da Declaração Balfour, um tímido primeiro passo rumo ao sonho da obtenção de um lar nacional judaico, Israel seja o único país do planeta, dentre os 190 espalhados por cinco continentes, cujo direito à existência é questionado.
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Weizmann, Chaim. “Trial and Error, an autobiography”. Schoken Books, 1966.EUA.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista