Desde a resolução da Partilha da Palestina sob Mandato Britânico até a Declaração da Independência de Israel se passaram 167 dias. Foram dias decisivos na vida de David Ben-Gurion. Nesse tempo, na vanguarda do movimento sionista, ele precisou superar sucessivos obstáculos internos e externos até proclamar a reconquista da soberania da pátria judaica.
No dia 1º de maio de 1940, David Ben-Gurion, líder proeminente do Executivo da Agência Judaica sediada em Jerusalém, chegou a Londres para cumprir alguns rápidos compromissos. Dez dias depois, a Alemanha nazista invadia a França e a Holanda. Winston Churchill havia assumido o posto de primeiro-ministro da Inglaterra, que vivia o momento mais dramático e incerto de sua história.
Ben-Gurion decidiu ficar em Londres, na esperança de persuadir o novo governo a autorizar a formação de um exército judeu a Palestina sob Mandato Britânico. No entanto, isto somente seria concretizado três anos mais tarde com a criação da Brigada Judaica, que, atrelada às tropas britânicas, atuou na Itália, onde participou de forma efetiva em vários combates. Ben-Gurion acabou permanecendo em Londres durante dez meses e aproveitou o tempo para se aprofundar em leituras de Platão e Aristóteles. Foi o período que abrangeu a Batalha da Grã-Bretanha, quando Londres sofreu incessantes bombardeios aéreos que destruíram bairros inteiros da cidade e causaram milhares de mortos e feridos.
Mas, essa prolongada temporada em Londres foi crucial para consolidar as concepções políticas de Ben-Gurion. Embora ele não tivesse conseguido manter nenhum contato pessoal com Churchill, observou com acuidade o comportamento e as iniciativas do estadista, que havia assumido a responsabilidade de conduzir os destinos de seu país quando o inimigo parecia invencível. Em uma carta para Paula, sua esposa, Ben-Gurion escreveu: “Abençoada é a nação que numa hora como essa tem um dirigente com tamanha estatura”. Com atenção, estudou a retórica de Churchill e copiou em seu diário o famoso discurso “Jamais nos renderemos”, proferido depois da épica retirada de Dunquerque, quando mais de 338 mil soldados aliados encurralado por uma divisão alemã perto de Calais foram resgatados – entre 25 de maio e 4 de junho de 1940 – com qualquer tipo de embarcação que pudesse atravessar o Canal da Mancha.
Naquele pronunciamento, Churchill havia formulado um tom de vitória numa circunstância militar que, na verdade, embutia uma derrota. Ben-Gurion registrou, então, a seguinte anotação no seu diário, publicado anos mais tarde: “Apenas um grande homem, que acredita em sua força, pode-se permitir proferir palavras tão contundentes e de natureza tão amarga perante sua nação”.
Ben-Gurion regressou à sua casa, em Tel Aviv, no início de 1942. Tinha duas principais tarefas. A primeira era superar as limitações de imigração judaica tal como dispunha o Livro Branco, documento emitido em 1939 pela Inglaterra para conquistar a simpatia dos árabes que viviam na Palestina sob Mandato Britânico. Era preciso, naquele momento, traçar estratégias para superar o bloqueio naval britânico e garantir o desempenho da chamada Aliá Beit, a imigraçao “ilegal”, destinada a resgatar judeus da Europa e transportá-los de forma clandestina através do mar Mediterrâneo.
A segunda tarefa consistia em dar maior consistência à Haganá, uma formação paramilitar também clandestina à qual se juntou a Palmach, formada por um grupo mais à esquerda do espectro político do Yishuv (comunidade judaica local) e igualmente paramilitar, empenhada em ações mais complexas.
Quando o conflito mundial terminou, em 1945, o Yishuv não dispunha de armas e muito menos de dinheiro. Na Agência Judaica havia discordância entre Chaim Weizmann e Ben-Gurion. Weizmann julgava que a criação de um futuro estado judeu dependia de contínua diplomacia junto à Inglaterra. Ben-Gurion percebeu que os Estados Unidos é que haviam emergido como potência mundial, superando um domínio global de 200 anos exercido pela Inglaterra.
Ben-Gurion também percebeu a necessidade de contar com o apoio dos sionistas no exterior, a Diáspora judaica. Viajou para os Estados Unidos, onde a Haganá já havia montado uma operação secreta, com a missão de adquirir e despachar armamentos para a Palestina sob Mandato Britânico. Tudo devia ser feito de modo a escapar à vigilância do FBI porque os Estados Unidos haviam decretado um embargo sobre a remessa de equipamentos militares e de munições para o Oriente Médio.
A par da aquisição de armas, era imperativo levantar recursos, mais um obstáculo a ser superado por Ben-Gurion. Em Nova York, fez contato com um rico empresário judeu chamado Rudolf Sonnenborn. Este reuniu um grupo de amigos em seu apartamento e lhes apresentou Ben-Gurion, cujas palavras causaram emoção naquelas pessoas até então alheias à situação sem perspectivas de sobrevivência em que se encontrava o Yishuv (comunidade de judeus residentes na então Palestina).
Outras reuniões se sucederam e, como fachada, para não chamar a atenção do FBI, foi criada uma associação beneficente chamada Instituto Sonnenborn. Na reunião do dia 16 de outubro de 1946, ficou combinado que, a cada quinta-feira, a soma arrecadada deveria atingir a quantia de 100 mil dólares, de modo a poderem contar com 1 milhão de dólares no fim do ano. Rudolf Sonnenborn insistia em dizer que eles não eram uma organização formal, não havia comitês, nem comissões, nem membros privilegiados e muito menos papéis timbrados. Entretanto, o Instituto havia se transformado numa fundamental e operosa associação.
Ben-Gurion regressou a Tel Aviv e o Instituto permaneceu atuante, focado também nos bastidores das Nações Unidas, que, no fim de novembro de 1947, deveriam decidir o futuro da Palestina Britânica. Após a decretação da partilha e com a aproximação do fim do Mandato Britânico, as principais correntes do movimento sionista estavam em desacordo, preocupadas com a configuração econômica e social da nação a ser criada e com quais seriam as suas incumbências no futuro governo do país. O partido majoritário era o Mapai, liderado por Ben-Gurion. O partido Sionistas Gerais, bastante expressivo, obedecia à liderança de Chaim Weizmann e os religiosos sionistas haviam formado seu próprio partido, o Mizrahi, além de mais uma meia dúzia de agremiações. Também era forte o Mapam, de esquerda mais radical.
Em abril de 1948, vivendo um momento conturbado, porém obrigado a agir de forma conciliadora e diplomática, Ben-Gurion fez um discurso histórico. Valeu-se de uma retórica inspirada nos pronunciamentos assertivos de Churchill. Pediu que a Organização Sionista Mundial renunciasse ao papel de liderança que possuía desde sua fundação por Theodor Herzl, porque havia grande premência para a tomada de decisões em função da formação de um futuro governo. Essa missão caberia a um Conselho do Povo, com sede em Tel Aviv. Conclamou o dito Conselho a ignorar as múltiplas e conflitantes correntes que haviam fragmentado o movimento sionista.
No próprio Yishuv, havia diferentes cadeias de comando voltadas para as forças militares dotadas de rudimentares formações. Havia uma “confusão de diferentes órgãos para questões básicas de segurança”, como Ben-Gurion acentuou em seu discurso. Disse repetidas vezes que tal situação apresentava grande perigo e deveria ser superada com total ausência de demandas e presença de espíritos desarmados.
A par dos obstáculos internos, Ben-Gurion também enfrentava um grave problema externo. Em maio de 1948, o secretário de estado americano George Marshall era contrário a que os judeus proclamassem a independência de seu país porque, conforme argumentava, não tinham condições para enfrentar a superioridade dos inimigos árabes e caso ocorresse um conflito, este poderia incendiar todo o Oriente Médio. Moshe Sharett, chefe da delegação da Agência Judaica nos Estados Unidos, manteve longas conversações com Marshall, mas este permaneceu irredutível em sua opinião e insistiu para que os judeus adiassem a criação de seu país para logo após o fim do mandato, com a consequente retirada das tropas britânicas.
O discurso de Ben-Gurion havia evidenciado a necessidade da implementação de uma autoridade única, capaz de assumir a responsabilidade pelo futuro em face daquele angustiante momento. Suas palavras tiveram o efeito de sensibilizar os líderes sionistas no sentido de determinarem que, tanto para os assuntos domésticos quanto para os externos, deveria haver um órgão único. Neste sentido, autorizaram a criação de um “Conselho dos 13”, um executivo provisório, a ser seguido por um “Conselho dos 37”, também provisório, à feição de um parlamento. Este Conselho seria amplamente representativo de todo o Yishuv, incluindo os comunistas e os revisionistas do partido Herut, chefiado por Menachem Begin. Por motivos de segurança, o local da primeira reunião do “Conselho dos 13”, uma escola em Tel Aviv, foi mantido em segredo.
Quando o Conselho se reuniu no dia 12 de maio, Ben-Gurion não tinha a intenção de adiar a independência do estado, como queria o secretário Marshall, embora ele estivesse ciente de que isto poderia causar futuros problemas com a Casa Branca. No seu entender, a data marcada de 14 de maio, era inamovível. Tão firme era sua convicção que, na véspera, tinha tomado uma iniciativa alheia a seu temperamento e modo de agir: foi ao aeroporto de Tel Aviv, então na localidade chamada Lidda, para aguardar o regresso de Sharett, oriundo de Washington. Levou-o para uma sala reservada e fez com que ele prometesse que, no dia seguinte, não levaria ao Conselho as objeções de Marshall porque estas poderiam ser aprovadas por um número sem prognóstico dos participantes da reunião. Para Ben-Gurion, o adiamento era uma hipótese que deveria ser descartada a qualquer custo.
Durante a manhã da primeira reunião do Conselho, que durou mais de 13 horas, Ben-Gurion impressionou a todos com uma advertência: “Desde novembro, nossas forças obtiveram vitórias sobre os árabes irregulares que atacaram o Yishuv enquanto os britânicos nada fizeram. Mas, agora, há cinco exércitos árabes regulares, aguardando a retirada dos ingleses. Estão concentrados nas fronteiras da Palestina, com a intenção de nos invadir e nos esmagar assim que nosso país comece a existir”.
Na sessão da tarde, Ben-Gurion informou que havia convidado para se dirigirem ao Conselho dois jovens especialistas em matéria militar. O primeiro, com sólida experiência em ações estratégicas da Haganá, era Yigael Yadin, 33 anos, que assim falou: “Se eu quisesse resumir tudo e ser cauteloso, diria que, neste momento, nossas chances são muito iguais. Para ser mais sincero, a vantagem dos exércitos árabes é grande se eles usarem toda a sua força de combate”. O outro especialista militar era Israel Galili, de 37 anos. Ben-Gurion lhes fez uma pergunta direta: “Vocês avaliam que podemos nos manter firmes, se pudermos contar com mais tempo para aumentar a quantidade de defensores em nosso contingente?”. Yadin mais uma vez foi cauteloso: “Dou aos árabes uma chance de nos derrotarem, assim como não posso garantir que, com mais tempo ou mais homens, teremos alguma vantagem. A atual situação é meio a meio”.
Sua resposta sem rodeios gerou nos membros do Conselho um sentimento de pânico. O jornalista americano Dan Kurzman escreveu em seu livro, Genesis 1948, que a estimativa de Yadin – de “uma chance de cinquenta por cento de sobreviver soprou um vento frio de desespero pela sala e provocou um suspiro de horror”. Segundo o autor do livro, Ben-Gurion “se manteve em silêncio perante o depoimento de Yadin. Quanto ao testemunho de Galili, este seguiu o raciocínio de Yadin, mas sem o mesmo impacto emocional”. Ele retomou a palavra: “Se vocês observarem as coisas como de fato são, enfrentaremos uma batalha difícil e devemos estar preparados para pesadas perdas. O Yishuv tem muitos pontos positivos, mas não foi fortalecido. Esta é uma das nossas fraquezas. Haverá pânico. Esse sentimento de superioridade que tivemos, nas últimas semanas, por causa de algumas vitórias, concorre para que eu sinta medo. Tudo deve ser tratado com muita cautela”.
Ben-Gurion ainda explanou que a vitória não dependia apenas de armas e homens, mas também de um comandante supremo. A este comandante caberia banir o pânico, inspirar confiança e mostrar o caminho a seguir, tal como tinha feito Churchill nos dias mais terríveis sofridos pela Inglaterra.
No final do dia, depois de os especialistas militares terem saído da sala, Ben-Gurion voltou ao tema da segurança, mas sua fala foi recebida com frieza. Os membros do Conselho cada vez mais se convenciam de que a independência deveria ser adiada e até mesmo uma trégua deveria ser proposta aos países que se preparavam para invadir o território judaico determinado pela partilha.
Esta reação fez com que Ben-Gurion apelasse para um expediente que sabia usar na hora certa quando pressentia que não alcançaria algum objetivo. Deu então a entender que renunciaria à sua participação no Conselho: “Vocês não têm autoridade para me sobrecarregar com maior responsabilidade... Se eu sentir que isto está acontecendo, serei o meu próprio juiz”. E foi ainda mais enfático: “Não serei parceiro de nenhuma formulação de defesa que não garanta que todos os soldados, ou membros da Haganá ou da Palmach, ou quem quer que seja, estejam sujeitos a uma e apenas uma autoridade”.
Dessa maneira, Ben-Gurion deixou claro que sua posição não era negociável. (A propósito daquele momento, Shimon Peres diria, anos mais tarde: “Alguns tinham medo dele, mas eles tinham mais medo de ficar sem ele”).
Moshe Shapira, representante do partido religioso-sionista Mizrahi, tentou dissipar a tensão: “Não há lugar para divergências agora, discutiremos isso depois de analisar o plano detalhado de nossa defesa”.
Na reunião do dia 12 de maio, o verdadeiro drama enfrentado por Ben-Gurion não girava em torno da data da independência, que acabou sendo aprovada, mas de seu ultimato ameaçando renunciar, se sua exigência de controle total da guerra fosse rejeitada. Ao mesmo tempo, para ele, defender a independência era mais importante do que declará-la. Tanto assim que três dias antes, em 9 de maio, já tinha declarado em um discurso público: “Nossa declaração de Estado e designação de algumas pessoas como ministros de nada nos servirão se todos não fizermos o esforço supremo e unificado para que possamos ser bem-sucedidos na ação militar que se aproxima”.
A reunião do dia 12, vista em perspectiva histórica, evidencia que o comportamento de Ben-Gurion era consequência de ter testemunhado uma época na qual muitos países declarados e reconhecidos como independentes, como a Polônia, Bulgária, Tchecoslováquia e outros haviam perdido sua soberania e se tornado submissos à União Soviética. Isto reforçava sua convicção de que o exército do futuro Estado deveria ser homogêneo e obedecer a uma cadeia de comando consolidada e profissional. Um de seus principais assessores na área era o coronel americano David Marcus, veterano da 2ª Guerra Mundial, que havia sido recrutado pela missão da Haganá em Nova York. (Marcus morreu durante a Guerra da Independência, vítima de um disparo acidental).
Na reunião do dia 13 de maio, Moshe Sharett comunicou ao Conselho que a França e a Inglaterra haviam proposto um armistício. Aceitá-lo significaria abrir mão da criação de um estado soberano. Não aceitar seus termos poderia criar uma difícil situação internacional. Ben-Gurion foi firme: “É pelas armas que resolveremos este problema”. A proposta de armistício foi colocada em votação no Conselho: 6 contra, 4 a favor e 3 abstenções.
Quando o conteúdo da declaração de independência ia começar a ser discutido, alguém indagou como o documento definiria as fronteiras do novo país. Ben-Gurion respondeu que tal definição seria precipitada porque, em função das próximas ações militares, o traçado da partilha seria fatalmente modificado e poderia tanto resultar na perda como no ganho de porções territoriais. A reação contrária assumiu dimensão furiosa. Alguns membros do Conselho disseram que sem o enunciado das fronteiras o país a ser criado não teria legitimidade perante o mundo. Ben-Gurion sugeriu uma alternativa na qual o enunciado diria que as fronteiras se situariam no contexto do traçado de partilha aprovado pelas Nações Unidas. Dessa maneira, explicou que não poderia prevalecer uma desaprovação internacional. Não bastou. Membros do Conselho continuaram insistindo na definição das fronteiras. Ben-Gurion acrescentou à discussão um argumento irrespondível: “Leiam a declaração de independência dos Estados Unidos. Vejam se há uma só menção à questão das fronteiras”. Mesmo assim, como se tratava de um assunto de importância capital, decidiu colocá-lo em votação. A maioria do Conselho ficou a seu favor. Quanto ao texto da declaração, foi decidido que este seria redigido por uma comissão coordenada por Moshe Sharett, a ser submetido ao Conselho.
No dia 14 de maio, Ben-Gurion, em nome do Conselho, ficou diante de uma plateia lotada e de uma multidão emocionada que cercava o Museu de Arte no Boulevard Rothschild, em Tel Aviv. De pé diante do centro da mesa na qual se sentaram outros líderes sionistas, ele leu: “Declaramos o estabelecimento de um Estado Judeu em Eretz Israel, a ser conhecido como o Estado de Israel”. Naquele momento e no alvorecer do dia seguinte, o país ainda não tinha um exército regular. Ainda estava sendo defendido por grupos paramilitares. Pinchas Rosen, o nomeado ministro da Justiça, deu o primeiro passo ao redigir um decreto estabelecendo as Forças de Defesa de Israel. O exército do Estado teria o monopólio de sua defesa. Foi proibido o estabelecimento ou a manutenção de qualquer outra força conforme assinalava o decreto. Todo militar faria “Um juramento de fidelidade ao Estado de Israel, suas leis e suas autoridades legais. O ministro da Defesa supervisionaria a implementação do decreto. Isso atendeu a todas as condições formais e ao desejo de Ben-Gurion. Depois de dois mil anos estava criado um exército judeu, de uma Nação Judaica renascida, que obedeceria a um comando único.
David Ben-Gurion assinou a portaria de regulamentação da tropa como primeiro-ministro e assumiu a pasta da Defesa. Enquanto assinava o documento, em seu subconsciente decerto reverberavam as palavras de Churchill: “Jamais nos renderemos”.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista
Bibliografia
Sharef, Zeev, Three Days, Doubleday & Company, EUA, 1962.
Kramer, Martin, Ben-Gurion’s Army: How the IDF Came into Being. Mosaic Magazine, EUA, 2020.
Rogachevsky, Neil, What Ben-Gurion learned from Churchill, Mosaic Magazine, EUA, 2022.