No final do século 19, os intelectuais árabes na então Palestina otomana e no resto do Império Otomano viam o empreendimento sionista sob uma luz positiva e como um projeto regional desejável. Em seus artigos, eles chegam a mostrar admiração pelos pioneiros judeus. Mas a Revolução dos Jovens Turcos de Istambul, de 1908, criou uma série de eventos que mudaram, irrevogavelmente, essa imagem sobre os novos imigrantes judeus.
Na pesquisa acadêmica, é comum nos referirmos aos primórdios do conflito árabe-judaico, os dias da Primeira Aliá (1881-1904), destacando o lugar dos incidentes violentos que se desenvolveram entre os primeiros imigrantes e seus vizinhos árabes. Na historiografia sionista, as opiniões estão divididas quanto a se aquele foi um conflito local por terra, ou se o conflito lançou, já àquela época, as sementes do conflito nacional. O historiador Benny Morris parece estar certo em dizer que os primeiros colonos viam “os nativos árabes como parte da paisagem ou como encrenqueiros, mas certamente não como rivais nacionais”. A questão refere-se a como esses pioneiros judeus foram retratados por seus vizinhos locais. Como eles viram esse fenômeno de imigrantes judeus europeus estabelecendo colônias agrícolas na então Palestina.
Como observa Eliezer Beary, há poucos documentos da década de 1880 que forneçam um testemunho direto das opiniões dos árabes sobre os judeus. O fenômeno, segundo Rashid Rida, editor do ‘Al-Manar’,1 “não preocupou particularmente a imprensa árabe” (out. 1895). Assim como os líderes sionistas na Europa, a imprensa árabe também atribuiu maior importância às ações políticas dos judeus do que às suas atividades coloniais. Não surpreende, portanto, que o interesse pela questão tenha começado em 1898, poucos meses depois do Congresso Sionista da Basileia (1897), que ganhou manchetes na imprensa ocidental.
Reformismo islâmico e simpatia pelos sionistas: 1909-1898
O nacionalismo palestino na década de 1930 tornou-se a ideologia dominante entre os árabes da Palestina otomana. Porém, no final do século 19, antes de sua formação e do surgimento de uma imprensa árabe na região, os pensadores comentaram sobre a questão do Sionismo, principalmente no Cairo, em Beirute e em Istambul. A maioria pertencia ao Reformismo Islâmico - uma corrente intelectual modernista que buscava libertar o Islamismo da estagnação e também daquilo que eles interpretavam como atrasado em relação ao Ocidente. Eles viam o colonialismo europeu -e não o movimento nacional judaico, como um inimigo para as sociedades muçulmanas. O Sionismo foi percebido como uma espécie de movimento “irmão oriental”, um parceiro na luta e – até mesmo – um modelo. Portanto, as realizações do sionismo Herzliano foram descritas como “ressuscitar uma nação após sua morte” (Al-Manar, 26.01.1902).
Deportados, deprimidos, miseráveis
O historiador americano de origem palestina, Rashid Khalidi, afirma que os árabes não viam os imigrantes judeus como refugiados das perseguição, como eram percebidos no resto do mundo, mas sim como “invasores europeus que não aceitaram o fato de os palestinos serem uma nação com direitos nacionais”. Apesar de seu diagnóstico estar certo para períodos posteriores, mas, em relação ao período em questão, parecer contradizer os relatos de jornais árabes – estes descreveram os judeus como refugiados.
De fato, uma das características recorrentes da descrição da imigração judaica é a referência sensível às suas causas, a saber, o fato de que os judeus europeus enfrentam uma ameaça coletiva. Na primeira menção ao Sionismo, em Al-Muqtataf, revista publicada no Cairo, o editor responde à pergunta sobre “o exílio dos judeus dos reinos opressivos e sua emigração para a Palestina otomana” (abr. 1898) dizendo que os judeus eram de fato as “pessoas mais fracas, aquelas que todos os governos expulsam de seus países” e que “os judeus que estão sendo explorados em todo o mundo se esforçam para emigrar para os estados otomanos”. Uma voz ainda mais empática veio de Farid Kasab, um grego ortodoxo de Beirute, que argumentou que os judeus europeus emigravam “porque são perseguidos em um reino bárbaro, por povos antissemitas que os consideram estrangeiros” (1906).
Essa característica dos primeiros imigrantes, exilados ou deportados, não só emergiu naqueles artigos que expressavam empatia pelo problema judaico, mas também no primeiro protesto contra o sionismo de 1891 (e o único ao longo da década). No protesto os dignitários de Jerusalém afirmavam ser preciso “reduzir os passos daqueles que são deportados de todos os lugares”. No entanto, enquanto alegavam que “os judeus russos trazem danos ao país e seus habitantes”, e acreditavam que “eles deveriam ser enviados para a América” (Ha-Zvi, out.1891), Rashid Rida, o reformador, escreveu que “Os judeus, que são assediados pela maioria dos povos, são recebidos pelos muçulmanos de braços abertos” (Al-Manar, 10.1903).
De fato, ele usou o modelo sionista para aguçar suas mensagens patrióticas à população árabe. Descreveu a perseguição e exploração dos judeus no Ocidente, destacando as vantagens dos estados do Sultão, “onde os judeus vivem em plena igualdade, não os perturbam e não lhes proíbem qualquer atividade profissional”.
Solidariedade e unidade judaica
A inspiração do modelo sionista também se referiu ao aspecto da solidariedade judaica. A fim de “inspirar o povo árabe, imerso em seu sono”, o egípcio Al-Manar chamou a atenção dos leitores para “os laços corajosos que unem os judeus e a forma como eles ajudam uns aos outros e ajudam seu povo”. Após o 5º Congresso Judaico, o jornal mais uma vez se destacou na questão, dessa vez falando do poder transformador do Sionismo, e, quando clamou pela abertura dos “corações dos muçulmanos enfraquecidos”, indicou a habilidade dos judeus sionistas de se adaptarem ao espírito da época como uma explicação para seu sucesso. Escreveu “Eu gostaria que pudéssemos aprender com as ações judaicas agora. Eles se destacaram entre os povos por estarem desempregados e dependerem apenas da bênção da Torá? Ou é porque se destacaram em todos os campos da ciência e da arte moderna e acumularam muito capital? ” (Al-Manar, 1902). Um componente significativo da percepção do Sionismo como um modelo está relacionado com as habilidades dos judeus.
Em entrevista ao jornal Ha-Zvi2,o representante parlamentar de Jerusalém, Said al-Husseini, comentou que “os judeus têm muitas qualidades importantes. Eles são espertos, ágeis, trabalhadores e vigorosos” (01.11.1909). No entanto, afirmou que suas realizações não conferiam nenhum privilégio a eles na Terra de Israel. E, nesse contexto, é interessante examinar como os árabes viram a conexão histórica dos judeus com Eretz Israel.
Afinidade histórica com a Terra de Israel
A famosa carta de Joseph al-Khalidi, ex-prefeito de Jerusalém, a Herzl, diz, entre outros: “Quem pode negar os direitos dos judeus na Palestina otomana? Historicamente, este é o seu país!” (março 1899). Essa afinidade entre os judeus e a Terra de Israel também surge das palavras de Farid Kassav, que rejeitou a ideia de que os imigrantes são invasores estrangeiros, dizendo que “Os judeus estão em casa (…). Aqui eles trazem uma bênção para todos. Transformaram terra seca e pântanos em hortas. Forneceram um tremendo serviço ao país”, e até vinculou o movimento deles a uma visão nacional multicultural e religiosa: “Eles querem criar uma nação, com o resto do povo da terra” (1906).
Em outros trechos da carta de Al-Khalidi a Herzl, ele revela uma visão religiosa sincrética: “Eu sempre me inspiro nas palavras sublimes de seu profeta Malaquias. ‘Não temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo D’us’ [Malaquias 2:10]. Realmente vejo os judeus como nossos pais, nós, os árabes, já que nós também somos descendentes de Abraão”.
A questão da ameaça
Neste contexto, vale a pena tentar examinar todos os elementos da imagem do “outro” judeu, o sionista europeu, e analisar se, na visão dos árabes, os judeus orientais e os europeus se fundiram em uma figura ameaçadora. Segundo o historiador Muhammad Yizbak, os reformadores islâmicos, mesmo depois de compreender os objetivos publicamente divulgados do Sionismo, não viam o movimento como uma ameaça, mas continuaram a usá-lo como uma ferramenta para a autocrítica.
Uma expressão dessa abordagem pode ser encontrada nas palavras do prefeito Salim al-Husseini (1882-1897), que afirmou que “não há perigo sionista - porque não é um movimento político, mas um movimento de assentamento, e tenho certeza de que nenhum sionista jamais conceberá a ideia de estabelecer um governo judeu na Palestina otomana”. Em retrospecto, isso pode parecer ingênuo, mas deve ser visto no contexto em que foi declarado - um período caracterizado por uma atitude positiva em relação ao empreendimento sionista. No entanto, no final do período, vozes mais céticas e críticas começaram a ser ouvidas. Um dos primeiros foi o representante parlamentar Ruchi al-Khalidi, filho de Joseph al-Khalidi. Refletindo sobre o passado judaico da Terra de Israel, ele expressou uma atitude diferente daquela expressa por seu pai, dez anos antes. Não negou o passado judaico, mas o cortou do presente muçulmano: “Conquistamos a terra não de vocês (judeus), a conquistamos dos bizantinos que então a governavam. Nós não devemos nada aos judeus. Os judeus não estavam aqui quando conquistamos a terra” (Ha-Zvi, 02.11.1909).
Nacionalismo palestino e seu medo do Sionismo 1914-1909
Yosef Gorny, um dos principais pesquisadores do Movimento Nacional Árabe, identifica a Revolução dos Jovens Turcos, em 1908, como o momento da virada na história do movimento sionista, bem como na história do conflito árabe-israelense. Ele alega que, naquele ano, houve uma mudança na natureza do conflito, desde um “confronto natural”, desprovido de características nacionais entre indígenas e colonos, para um “confronto ideológico nacional”. De fato, para a saída do sultão, houve repercussões que atingiram a Palestina otomana e influenciaram a autodeterminação de seus árabes.
A liberdade de organização e de imprensa, permitida pelo novo governo liberal otomano, marginalizou os reformadores islâmicos que simpatizavam com os sionistas e os incluíam em sua visão pan-islâmica, e levou à ascensão de uma ideologia menos tolerante, que via o sionismo como um rival e até um oponente do nacionalismo árabe. O desenvolvimento do “patriotismo local” e a mudança da autodeterminação dos “árabes otomanos” para os “árabes palestinos” estavam entre os principais fatores que levaram a uma mudança de atitude em relação aos judeus. Durante esse período, e após o golpe em Istambul, o foco de referência ao Sionismo mudou para a Terra de Israel. Dois jornais que começaram a ser publicados no dia seguinte à remoção da censura, Al-Carmel (1908), em Haifa, e Palestina (1911), em Jaffa, ambos por cristãos ortodoxos, formaram a vanguarda da luta contra o Sionismo.
Sionismo: de modelo para sinal de aviso
Como observado acima, o empreendimento sionista serviu, às vésperas da Revolução dos Jovens Turcos, como um modelo para os reformadores islâmicos e seus seguidores. Mesmo os precursores do nacionalismo árabe continuaram acompanhando de perto o movimento sionista e a inspiração que pode ser extraída dele. Por exemplo, o jornal Al-Mukthabs relatou, em 1910, os sucessos agrícolas dos colonos judeus, mas, na imagem utópica do projeto sionista, houve uma mudança, e, devido à deterioração da situação econômica, círculos críticos começaram a desafiar a visão que concebe o Sionismo como uma “bênção coletiva”: “Estúpidos e teimosos entre nós afirmam que os imigrantes judeus contribuíram para o avanço material do país”. O autor explicou que o trabalho dos imigrantes é realmente impressionante, mas não se destina a todos os residentes do país: “os sionistas só empregam agricultores judeus” (04.09.1910).
De fato, o exemplo sionista começou a servir como um valor duplo, tanto como modelo quanto como sinal de advertência. Por exemplo, Najib Nasser, editor do Al-Carmel, pregou: “Aprenderão com a atividade dos sionistas, que estão trabalhando para estabelecer o país deles em seu próprio país e às suas próprias custas” (20.09.1912), enquanto, pela primeira vez, se atrelou às conquistas dos pioneiros judeus um preço cujo futuro pagamento seria dos árabes.
De “nativo do Oriente” para “invasor e estrangeiro”
De acordo com Beary, o trauma da escravização e humilhação árabe por estrangeiros tem sido um fator importante no “medo do estranho” que caracterizou sua atitude em relação aos outros. Desde as Cruzadas, os árabes foram assediados pelo desejo cristão europeu de libertar a Terra Santa do Islamismo. Tais apelos proliferaram durante o século 19, como o de Henri Diane, fundador da Cruz Vermelha, que sonhava “libertar a Terra Santa do cativeiro turco e da erradicação pacífica do Islã”.
Esses apelos reforçaram a hostilidade dos árabes em relação aos estrangeiros. Não apenas os imigrantes judeus sofreram, mas também outros colonos europeus, como os templários alemães. Estes migraram cerca de uma década antes da Primeira Aliá – compraram terras, estabeleceram assentamentos agrícolas e receberam tratamento hostil. Os Templários se estabeleceram na década de 1860, quando a “invasão” europeia do país estava em sua infância. No início do século 20, o país já estava conectado à Europa por uma variedade de canais – ferroviários, marítimos e telegráficos –, e a cada ano o país se tornava mais europeu, secular e sionista.
A imigração sionista e o empreendimento de assentamentos passaram a ser vistos como intimamente relacionados a essa mudança no caráter da Palestina otomana. Este é o momento em que muda a imagem dos imigrantes judeus – e eles deixaram de ser percebidos como exilados da Europa, e começaram a aparecer como parte do continente europeu. Não mais como irmãos da opressão cristã que se refugiaram na Palestina otomana, mas como aliados dos opressores coloniais. Além disso, a presença de judeus europeus começara a se tornar proeminente. Em parte, devido à chegada de uma onda de imigrantes da segunda Aliá, que eram mais vocais sobre a ideologia sionista na qual foram educados – caracterizada pelo trabalho, pela segurança judaica e pela língua hebraica.
Judeus como súditos e agentes estrangeiros
A mudança no intender dos árabes dos judeus, de nativos para invasores, teve uma variedade de expressões e significados. Primeiro, a origem estrangeira dos sionistas foi atacada por motivos econômicos. Por exemplo, no primeiro jornal árabe a ser publicado na Palestina otomana, Al-Atsmaui, os imigrantes judeus eram descritos como “concorrentes injustos”. A explicação para a discriminação estava ligada ao seu status: “Como estrangeiros, eles gozam da proteção dos consulados e estão isentos de muitos impostos” (1909).
Em segundo lugar, por motivos políticos, foram acusados de intenções contraditórias: instrumento das potências europeias, destinado a destruir os sultões, ou que servia ao principal rival do sultão, o Czar, ou à política conflituosa da Grã-Bretanha, que buscava desmantelar o Império Otomano.
Além disso, devido ao fortalecimento dos laços locais, os próprios otomanos começaram a ser vistos como estrangeiros pela ótica dos árabes. Assim, como parte da tentativa de identificar os imigrantes judeus com várias tendências imperiais hostis, sua conexão com a administração de Istambul também foi enfatizada, pois o apoio a ela diminuiu. Moshe Smilansky reclamou dessas acusações contraditórias, escrevendo: “Primeiro nos dizem que somos emissários dos governos europeus; depois, que somos jovens emissários turcos - e a opinião pública acredita nisso”.
Os colonos sionistas
Ao mesmo tempo, o colonialismo, um conceito europeu, começa a ser atribuídas aos sionistas e permeia o discurso local. Este conceito agregava uma variedade de acusações, entre elas, o caráter a origem estrangeira das colônias judaicas e o modo perverso de obter terras. Por exemplo, Abdullah Mukhalz, um estudioso de Haifa, criticou “aqueles que preferem os prazeres da vida aos sublimes princípios nacionais e permitem que os sionistas obtenham terras em toda a Palestina e estabeleçam aldeias chamadas colônias, como se fossem atividades coloniais na África” (Al-Carmel, 15.03.1910).
Al-Carmel também criticou os efeitos ofensivos do processo sobre os árabes palestinos: “Qualquer pessoa que compare a Palestina atual à Palestina de uma década atrás verá uma mudança completa. Os moradores locais recuaram em todas as áreas. Eles são mais pobres hoje do que eram ontem” (14.05.1910). E, nesse ponto, o jornal começa a fazer uma conexão entre a ressurreição de um e o afundamento do outro. Abdullah Muhlatz adotou uma linha mais fatalista, argumentando que “o colonialismo sionista nos prepara para o exílio em massa [...], a Palestina está hoje à beira do perigo, se nada mudar, em algumas décadas, nosso país se tornará propriedade de estrangeiros”. (15.03.1910). Essa visão do “outro judeu” como aquele que pode conquistar a terra está ligada a uma outra transformação que ocorreu em sua imagem, passando de desgraçado e deportado, com poucas chances de sucesso em seu empreendimento, à imagem de um ser muito poderoso, cuja “ressurreição nacional” é assegurada.
A onda sionista - uma inversão das relações de poder
Também nesse contexto, a visão do “outro” envolve a visão de “si” e está relacionada a uma mudança no conjunto de contra-forças. Essa inversão de poder surge do artigo de Bolus Shahada, um intelectual de Haifa que temia que “nossa nação fraca não seria capaz de resistir à enorme onda [sionista]” (Al-Mukatbs, 04.09.1910).
Para destacar o poder dos sionistas, ele os compara aos cruzados. “Os cruzados não conseguiram dominar nosso país à força, mas os sionistas hoje conseguem dominá-lo através do dinheiro, sem espadas nem guerras”. À luz dessas preocupações, a inteligência árabe mudou sua visão também sobre o passado judaico na Terra de Israel.
Afinidade histórica - da justificação à ressurreição
Se, no final do século 19, os judeus eram vistos como tendo sua casa no Oriente, até mesmo essa visão sofreu uma deterioração. Embora a afinidade por Sion não fosse negada, o passado bíblico, e especialmente “o antigo Reino de Israel”, deixou de servir como justificativa para o reavivamento nacional judaico, sendo usada como evidência da ameaça sionista - prova de seu poderoso “super-plano”.
O motivo está enraizado no famoso livro de Najib Azouri, O Despertar da Nação Árabe, publicado em Paris em 1905, no qual se afirmou, pela primeira vez, que os sionistas estavam ocupados “em um esforço secreto para restabelecer o Reino do Antigo Israel”. Inspirado pela ideologia antissemita predominante na França, o autor argumentou que o assentamento judaico estava ligado a um “plano de governo mundial”.
O surgimento da causa islâmica - Sionismo e Alcorão
Os brotos do nacionalismo palestino são mais frequentemente associados às atividades das entidades cristãs ortodoxas, que trouxeram a ideia de nacionalismo da Europa para o Oriente Médio. Enquanto no início da década de 1930, a predominância da causa islâmica no movimento palestino é geralmente atribuída à ascensão do mufti de Jerusalém, Hajj Amin al-Husseini, protetor dos lugares sagrados, as raízes do processo parecem estar fincadas no período em questão.
Rashid Rida, que, na época, intensificou sua atitude negativa em relação ao Sionismo, foi o primeiro a mobilizar o Alcorão para o denunciar, fazendo reivindicações em seus escritos que enfraqueciam o direito religioso dos judeus à Terra Santa. Ele reconhecia que, como descendentes de Abraão, eles tinham recebido a promessa divina de receber a Terra. Mas acreditava que, de acordo com a tradição muçulmana, Isaac não tinha o direito de herdá-la, mas sim Ismael, o primogênito de Abraão.
Uma herança muçulmana medieval também foi mobilizada na época, a fim de enfraquecer a afinidade dos judeus à então Palestina e até mesmo retratá-los como infiéis. Esta imagem começou na época do estabelecimento do moshav Merhavia, em uma área que pertenceu ao legado das conquistas de Salaha-Din. A fundação do assentamento perto dessa área foi percebida como “um golpe na lápide do grande líder”, e todo o empreendimento sionista foi comparado ao Reino Cruzado de Jerusalém – uma analogia criada para destacar não apenas o fato de que o Sionismo era “estrangeiro”, mas também para destacar o esperado fim dessa moderna cruzada. Assim, o guerreiro muçulmano foi ilustrado com sua espada ameaçando Yehoshua Henkin: “Afaste-se desta fortaleza, pela qual os muçulmanos sacrificaram suas vidas”. Em resposta, Henkin respondeu: “Não me importo, desde que tenha um passaporte estrangeiro no meu bolso, e 15 milhões para saciar o estômago dos dignitários do país...” (Al-Chamra, 1911). Em outras palavras, de maneira caricatural foi apontada a origem estrangeira do empresário sionista, suas finanças e sua corrupção. Todas as três características negativas se juntavam para servir a um propósito sombrio – a destruição de lugares sagrados para o Islã.
Fim da era das possibilidades
Em suas obras, Emmanuel Levinas, filósofo judeu francês, argumenta que o encontro com o “Outro” começou com hostilidade, devido ao medo da diferença, mas continua na proximidade criada com o conhecimento. No conflito judaico-árabe, o encontro entre as partes infelizmente levou ao processo oposto – primeiro, ocorre a proximidade e, mais tarde, com o conhecimento, nasce a hostilidade.
Assim, devido a disparidades culturais, linguísticas e históricas e, principalmente, devido a transformações ideológicas intra-árabes, houve uma mudança brusca na imagem dos judeus. Num curto período, de “nativo”, o judeu se torna europeu e estrangeiro. De perseguido e deportado, ele se torna colonialista e invasor. Daquele cujo dinheiro se destinava a ajudar os fracos, para aquele cujo capital é destinado a desalojar os outros. Daquele cujo passado justificava sua ressurreição nacional, para aquele cuja história testemunhava a destruição dos outros. Sob a influência do discurso antissemita europeu, a imagem do Sionismo também mudou – de um movimento marginal dos fracos, nos povos, para uma grande onda, mais forte do que as Cruzadas. E com a influência da ascensão da causa religiosa, a imagem judaica também mudou de irmão para raça, e de descendente de Abraão para um herege e blasfemador do Islã.
No entanto, o período em questão é justamente identificado como uma época em que o nacionalismo evidente ainda não havia entrado em erupção. E, assim, a atitude em relação aos judeus e suas tradições também recebeu uma expressão moderada e até positiva. O jornal Palestina, por exemplo, ao publicar a notícia de um casamento judaico, escreveu que um “casamento abençoado” foi realizado em Ness Ziona, e não se esqueceu de enviar sua bênção “aos recém-casados” (27.03.1912). Até mesmo os eventos mencionados nas colônias judaicas – receberam, por vezes, uma cobertura detalhada: “Nossos irmãos judeus celebraram o feriado das flores em Tel Aviv” (18.05.1912).
Em outras palavras, mesmo quando, aos olhos dos árabes, a imagem dos sionistas ficou mais turva, ainda não se havia transformado na imagem de um “inimigo existencial”, como iria acontecer nas próximas décadas - uma imagem que se tornou um dos principais fatores para que fosse inevitável a colisão entre os dois movimentos nacionais.
Às vésperas da 1ª Guerra Mundial isso ainda não tinha acontecido...
1Um jornal publicado no Cairo, com uma tendência islâmica e reformista, no qual, de 1935 a 1898, vários pensadores palestinos publicaram seus artigos.
2 Jornal publicado em Jerusalém de 1915 a 1884, editado por Eliezer Ben Yehuda e seu filho Itamar Ben Avi
BIBLIOGRAFIA
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Schölch, Alexander. Palestine in transformation, 1856-1882: studies in social, economic, and political development. Inst for Palestine Studies, 1993.
Kimmerling, Baruch e Migdal, Joel Samuel [hebraico], Palestinos: uma nação em sua formação, Jerusalém, 1999.
Khalidi, Rashid. The iron cage: The story of the Palestinian struggle for statehood. Beacon Press, 2007.
Nimrod Etsion Koren é aluno de pós-graduação no Departamento de História, Filosofia e Estudos Judaicos na Universidade Aberta de Israel