Dentre as milhares de cidades nas quais os judeus vivem e viveram na diáspora nenhuma tem uma história tão singular e envolvente como Odessa, na Crimeia, ilegalmente anexada pela Rússia oito anos atrás. Neste efervescente polo judaico ucraniano de alma russa floresceram alguns dos maiores expoentes intelectuais do Povo de Israel.

Ao longo de 200 anos os judeus de Odessa viveram numa literal montanha russa com ascensões fugazes e quedas impactantes. Desde o início do século 19 e sobretudo a partir de sua segunda metade, Odessa se tornou uma cidade atraente para milhares de habitantes do Império Russo e também para milhares de judeus das shtetls (aldeias), em função de uma generosa e enganosa permissão para se radicarem nas maiores concentrações urbanas da Rússia, Polônia, Romênia e estendida até a Lituânia, um polo de intensa irradiação religiosa e de inesgotáveis estudos teológicos.

Um dos pioneiros de Odessa e seu severo mandatário foi um francês, o Duque de Richelieu, indicado pela imperatriz Catarina II, a Grande (1729-1796), como reconhecimento pelo auxílio da França à Rússia na guerra de 1786 contra a Turquia. Catarina II era apaixonada pela França a ponto de ter como um de seus mentores intelectuais o filósofo francês Denis Diderot, com o qual manteve frequente troca de ideias. Esse engajamento, compartilhado pela maior parte da corte imperial, com os valores artísticos e culturais oriundos de Paris, se refletiu em Odessa, contribuindo para que a cidade se revestisse de um sofisticado cunho cosmopolita tal como foi descrita por Alexander Pushkin, até hoje o mais celebrado poeta russo que ali viveu dois anos, banido de Moscou sob a acusação de atividades subversivas. Nas cartas que então escreveu, Pushkin disse que “Odessa é a mais europeia das cidades russas” e enfatizou em outra carta: “Este aqui é um lugar com cheiro de Europa. Aqui se fala francês e há livros de escritores franceses para se ler”.

Por tudo isso, Odessa passou a exibir um estilo arquitetônico com características francesas e italianas ornadas por incursões mediterrâneas. A rigor, a cidade teve a sorte de contar com competentes sucessores do nobre francês, muitos deles contratados no exterior. Esses governantes, dotados de apurada visão da economia e das demandas sociais, foram responsáveis pela modernização dos portos, pela abertura de largas avenidas e instalações de parques recreativos, tudo ornado com belos canteiros de acácias, a par da construção de uma maravilhosa casa de espetáculos erguida à feição da Ópera de Paris. A beleza da cidade foi alvo de tanta visibilidade e deslumbramento que passou a ser chamada de “Pérola do Mar Negro”.

Na verdade, a existência de dois grandes portos em Odessa foi essencial para o perfil cosmopolita da cidade, abrigando levas de viajantes, importadores, exportadores e comerciantes.

Foi a agitação existente àquela altura do século 19 que concorreu para atrair grande quantidade de judeus, a ponto de Odessa ser apontada como a mais judaica das cidades do Império Russo, somando 40 mil almas que correspondiam a 30 por cento do total da cidade. Os novos habitantes se integraram aos poucos judeus que lá viviam desde o final do século 18 e lograram formar uma comunidade solidamente estruturada. Contava com uma sinagoga subsidiada pela prefeitura, cemitério próprio, um abrigo para os pobres e uma escola com o nome de Talmud Torah, que, por muitos anos, foi dirigida pelo escritor Mendele Mocher Sforim, considerado o patriarca da literatura iídiche.

A comunidade se orgulhava da criação da sua Sociedade para a Promoção da Cultura, que, no final do século 19, contava com cerca de 1500 membros. Este local era a sede do grupo Chovevei Zion (Amantes de Tsion), precursor do Sionismo, seguidor entusiasta do livro de Leon Pinsker (1821-1891), Autoemancipação, sobre o qual Herzl assim se referiu: “Se eu tivesse lido esse livro a tempo, não precisaria ter escrito O Estado Judeu”. A mesma Sociedade abrigava o grupo Bilu, constituído por famílias judaicas determinadas a emigrar para a ancestral Eretz Israel (Terra de Israel), conforme a denominavam. Foram os chamados biluim de Odessa que, em 1882, lá aportaram e plantaram as sementes do pioneirismo, antes ainda da existência do movimento sionista.

O ambiente favorável vigente em Odessa permitiu que jovens judeus se dedicassem ao estudo de profissões liberais, sendo que, em 1881, metade dos médicos locais eram judeus, além de dezenas de dentistas e farmacêuticos.

O mais importante, porém, foi a presença judaica na imprensa russa: três dos maiores jornais diários com conteúdo liberal tinham proprietários judeus, com destaque para o mais popular e de maior circulação, o Odeskie Novosti, em cujo quadro editorial despontavam como colaboradores jornalistas de formação ideológica nacionalista, como Vladimir (depois Zeev) Jabotinsky (1880-1940), e Ahad Ha’am (1856-1927), cujos artigos eram avidamente consumidos por judeus e inclusive por não-judeus.

No comércio, milhares de lojas com as mais variadas espécies de produtos pertenciam a judeus que, no final do século 19 empregavam 26 mil funcionários e balconistas, inclusive mulheres que já se recusavam à restrição de apenas cumprir tarefas domésticas.

Porém, nem tudo foi tranquilo para os judeus de Odessa. A primeira matança em forma de pogrom ali foi desferida em 1821, como consequência da luta pela independência da Grécia. (Alguns historiadores discordam dessa denominação porque a palavra pogrom só integrou o vocabulário czarista muitos anos depois). Naquela oportunidade os gregos ficaram convencidos de que os judeus haviam apoiado os otomanos autores do assassinato do patriarca grego de Istambul, ainda chamada de Constantinopla pelos europeus, uma presunção que não correspondia à verdade.

Trinta anos depois, a comunidade grega, que era a maior dentre as estrangeiras radicadas em Odessa, aproveitou-se de uma rixa entre comerciantes gregos e judeus para promover nova chacina de judeus.

Outros pogroms se seguiram em 1871, 1881 e 1876. O mais letal de todos aconteceu em 1905. Entre os dias 18 e 22 de outubro, inconformados com o apoio judaico ao Japão na guerra contra a Rússia (vencida pelo Japão), russos, gregos e ucranianos mataram 400 judeus, número contestado por alguns historiadores que estimam em mais de mil o número de vítimas fatais e cinco mil feridos, além de destruição de 1.400 estabelecimentos comerciais e três mil residências, deixando famílias em total desabrigo e perfazendo prejuízos da ordem de cerca de 800 mil rublos, imensa fortuna naquela época. A rigor, foi uma chacina anunciada.

Nos anos anteriores, jovens judeus e russos se enfrentavam nas ruas de Odessa, o que resultava em grande número de escoriações nos dois lados dos conflitos. Esses combates se prolongaram durante seis meses, nos quais Odessa viveu um pavoroso caos. Os hospitais que tratavam de um a dois casos de esfaqueamentos por semana passaram a tratar de igual número por dia. Nesses mesmos dias, o cônsul britânico em Odessa escreveu, horrorizado, um documento para sua chancelaria, relatando a ocorrência de roubos e assassinatos à luz do dia, sucessivos vandalismos e infinidades de saques. Tal anarquia e insegurança fizeram com que milhares de judeus partissem da Ucrânia, em geral, e de Odessa, em particular, para os Estados Unidos, enquanto outros seguiram as iniciativas dos biluim e rumaram para a Palestina Otomana.

Apesar de tantos infortúnios, Odessa sempre conservou sua condição de centro de irradiação da literatura com temática judaica, em três idiomas: russo, iídiche e hebraico. Odessa era de tal forma atraente por sua estatura literária e postulados ideológicos que para lá afluíram dezenas de escritores e intelectuais judeus de diversos países da Europa. Estes, em função de suas consistentes bagagens culturais e demonstrações de talento, passaram a ser chamados de “Os Sábios de Odessa”. O escritor mais reverenciado era Mendele Mocher Sforim (1836-1917), pseudônimo de Sholem Yankev Abramovitch, que, assim como outros autores, adotou uma firme postura nacionalista e de adesão à Haskalah, o iluminismo judaico. Visto hoje em perspectiva histórica, os “Sábios” demonstravam um ardor nacionalista que pode ser considerado como um vigoroso pré-Sionismo, tendo em Leon Pinsker um de seus mentores mais ativos e líder do movimento Chovevei Zion até seu último dia de vida. Os passos de Pinsker se cruzaram com os de escritores e pensadores como Ahad Ha’am, pseudônimo de Asher Ginsburg, o historiador Shimon Dubnow, o romancista Moshe Leib Lilienblum, o poeta Chaim Nachman Bialik e muitos outros talentos.

Os trabalhos desses “Sábios de Odessa” tiveram ampla repercussão nos círculos literários judaicos da Polônia e da Rússia tendo sido rotulados pelos críticos como “o estilo de Odessa”, porque a própria cidade servia como fonte de inspiração para suas produções e permanecia impregnada em seus sentimentos mesmo quando, por algum motivo, dela se ausentavam. Certa ocasião, estando em Varsóvia, Ahad Ha’am escreveu: “A falta que sinto de Odessa e de tudo que nela existe e que tanto amo, é uma falta muito maior do que eu seria capaz de imaginar”.

Zeev Jabotinsky, nascido em Odessa e um viajante que, no transcurso da vida, percorreu continentes, sempre encontrava uma pausa para regressar à sua cidade, sobre a qual escreveu um romance em que um personagem, em certas passagens, descreve a cidade em comoventes tons poéticos. Entretanto, a poesia não era o forte de Jabotinsky. Seus textos em favor da criação de uma pátria judaica, abrangendo desde o rio Jordão até a costa do Mediterrâneo, eram flamejantes, mobilizadores de consciências e chamativos para apoiadores. Jabotinsky foi uma das maiores personalidades que emergiram no Povo Judeu nas primeiras quatro décadas do século 20. Seu perfil foi criteriosamente sumarizado nesta revista (edição 107), conforme exposto a seguir.

Carismático, Jabotinsky possuía muitas facetas e um extraordinário magnetismo pessoal. Intelectual brilhante, de invejável cultura, era escritor, poeta, jornalista e poliglota – dominava 12 idiomas, entre eles o hebraico. Filósofo, o epicentro de sua filosofia sociopolítica era estabelecer um Estado Judeu soberano. Um dos melhores oradores de sua época, ele magnetizava as plateias. Era dirigente político e lutou como soldado portando a farda do primeiro Exército Judeu dos tempos modernos, após dois mil anos de exílio, organizado por ele mesmo.

Inúmeras lendas foram criadas em torno de sua pessoa, e seu pensamento foi deturpado por seguidores e opositores. Hoje, sua figura e suas ideias estão sendo resgatadas tanto dentro de Israel quanto na Diáspora. Acusado por seus opositores de ter ideias fascistas, Jabotinsky se declarava um adepto do liberalismo; rejeitava qualquer pensamento dogmático e via no coletivismo uma nova forma de escravização. Ele enfatizava a primazia do indivíduo e de suas liberdades sobre o coletivo. Foi sua ferrenha oposição às teorias socialistas – tão defendidas por Ben-Gurion e pelos adeptos do Sionismo Trabalhista – o que provocou profunda animosidade entre os dois líderes e seus seguidores.

Desde jovem, Jabotinsky escolheu não ser apenas um intelectual. Após abraçar o Sionismo, organizou na Rússia e em Eretz Israel grupos de autodefesa judaica. Foi o responsável pela criação de organizações de autodefesa judaica na Rússia e em Eretz Israel: como a Legião Judaica, o movimento juvenil sionista Betar e o grupo paramilitar clandestino Irgun Tzvaí Leumi,  que se manteve coeso após sua morte, em 1940, e se levantou com armas contra o poder mandatário britânico, sob a liderança de Menachem Begin.

Seu ideário político é até hoje debatido em Israel e permanece agregado às propostas de diferentes partidos, em sucessivas campanhas eleitorais. No aspecto estritamente literário o legado de Jabotinsky se resume ao romance Os Cinco: A Vida Judaica na Passagem do Século em Odessa. O livro enfoca múltiplos aspectos das vidas de uma família de judeus daquela época, com personagens que percorrem o Sionismo, a assimilação, a propensão à conversão, devoções e alienações religiosas e eloquente oposição às ideias socialistas. A cidade de Odessa está presente em cada capítulo, tratada sem nostalgia e como um lugar destinado a propiciar um entendimento construtivo entre os seres humanos.

Os atuais estudiosos da literatura russa incluem a obra de Isaac Babel (1894-1940) no mesmo patamar dos grandes autores clássicos russos, compreendendo desde Tolstoi até Gorki, passando por Dostoievsky e Tchekov. Profícuo na produção de contos com acentuada raiz jornalística, sua coletânea intitulada A Cavalaria Vermelha é considerada uma definitiva obra-prima. Oriundo do pobre subúrbio de Moldavanka, distrito de Odessa, o judeu Babel teve uma vida tão fascinante quanto sua obra. Com 21 anos de idade se engajou aos bolcheviques vitoriosos na Revolução Russa de 1917, revoltado com os pogroms dos anos anteriores. Como soldado, participou de uma incursão militar soviética mal sucedida na Polônia, destinada a implantar o Comunismo. Essa experiência o elevou à condição de correspondente de guerra junto às tropas bolcheviques constituídas em sua maioria por cossacos. Babel ficou impressionado com a violência e o antissemitismo desses cossacos. Para se proteger, adotou o nome russo de Karil Vassilievitch Lyutov e foi protegido por esse disfarce que acompanhou as agressões dos cossacos contra os judeus que encontravam nos avanços das tropas. Estas foram justamente as paisagens físicas e os contraditórios das almas humanas que resultaram em seus relatos contidos em A Cavalaria Vermelha.

Isaac Babel sempre foi uma pessoa extravagante e indiferente a quaisquer convenções sociais. Teve três filhos com três mulheres diferentes, por conta de suas frequentes viagens através de diversos países da Europa, enquanto mantinha uma espécie de residência oficial em Moscou. Por motivos ignorados e decerto acrescidos por antissemitismo, Babel passou a ser perseguido por Laurenti Beria, chefe da NKVD, antecessora da KGB. De acordo com as praxes dos expurgos soviéticos, foi acusado de cosmopolitismo e de ter atuado como espião a serviço da França e da Áustria. Foi preso e submetido a interrogatórios durante oito meses, levado a um julgamento com a duração de vinte minutos e fuzilado no dia 27 de janeiro de 1940. Suas últimas palavras foram: “Jamais agi como espião contra o regime soviético. Eu só queria ter mais tempo para terminar minha obra”.

Essa obra inacabada, mas consagrada, ficou para a posteridade como a mais crítica, afetuosa e apaixonada pela cidade de Odessa, sobretudo pelo percurso em seu tortuoso submundo recheado de malandros e trapaceiros. Há também uma descrição do bairro judeu de Odessa, exposta com enorme ternura, na qual ressalta o peso da tradição apontada como hostil a qualquer tentativa de mudança na sua rotina. Por isso, em outra passagem de sua obra escreve: “É muito difícil desviar os judeus de seus costumes antigos. Mudar eles não vão”. Relembrando sua infância assinala: “Meus passos de casa até a escola eram cheios de devaneios. Eu conhecia cada pedra do caminho, cada casa, cada vitrine, com a certeza de que estava desvendando tudo que havia de misterioso, aquilo que os adultos chamavam de essência das coisas”. Na mesma época, diz ele ter recebido um conselho da avó que lhe serviria de guia no decorrer da vida inteira: “Você deve saber tudo”. No conto O Rebe, diz um personagem ancião: “Tudo é mortal. Mas apenas a mãe é destinada a uma vida imortal. E quando ela já não está entre os vivos, deixa uma memória que ninguém ousa contaminar. A memória da mãe nos inunda de compaixão como se fosse um oceano, um oceano sem limites que alimenta rios dissecando o universo”.

Isaac Babel alcançou inusitada proeza literária, uma audaciosa jornada empreendida em sentido inverso: transformou a ficção numa irretocável e insubstituível realidade. Por causa dele, o mundo passou a observar a trajetória de Odessa através da sua visão particular, como se nenhuma outra tivesse sido capaz de existir.

Ausente de Odessa por ter aderido à Revolução Bolchevique, Babel não testemunhou a convulsão que esta infligiu na comunidade judaica. A maior parte aderiu à revolução porque pelo menos um terço dos líderes bolcheviques e anarquistas eram judeus. Ao mesmo tempo, os judeus ortodoxos e os mais observantes se opuseram ao movimento empenhado em derrubar o Império Russo por considerar seus seguidores desprovidos de fé religiosa e por discordar de suas ações violentas. Os revolucionários judeus procuram mobilizar as massas judaicas e evidenciar a obrigação de combater de forma radical o antissemitismo vigente, há séculos, e que os bolcheviques haviam prometido erradicar. Na ocasião, um rabino de Moscou observou: “São os trotskys que estão fazendo a revolução, mas são os bronsteins que vão pagar o preço”. (Bronstein era o verdadeiro sobrenome de Leon Trotsky, parte do tripé com Lenin e Stalin que comandava a insurreição).

O dito rabino estava coberto de razão. Assim que o Exército Vermelho entrou em Odessa, seu comandante convocou milhares de camponeses para lhes dizer que estava em curso uma rebelião com essência antiburguesa. E quem eram os mais autênticos burgueses? Claro que eram os judeus.

Pelos próximos anos, o entranhado antissemitismo russo encontrou uma área fértil em Odessa, onde os judeus tentaram resistir às socializações e ao confisco de suas propriedades. No entanto, depois do abandono da Yevsetskia, o burocrático departamento soviético supostamente encarregado das questões judaicas, o poder centralizado em Moscou foi desdobrado em Odessa, já tendo o antissemitismo como uma política oficial do estado.

As mesmas restrições e infundadas acusações de traição ao regime impostas na capital singraram as águas do Mar Negro e se reproduziram a partir da segunda década do século 20 naquela cidade que havia sido uma fortaleza da cultura judaica desde o fim do século anterior.

Assim como aconteceu em outras cidades e capitais europeias, a vida em Odessa mudou por completo nos dois anos que se seguiram ao início da 2ª Guerra Mundial. O marco mais tenebroso dessas transformações foi a invasão da então União Soviética pela Alemanha nazista, no dia 22 de junho de 1941. Em agosto daquele ano, tropas romenas aliadas ao Nazismo cercaram Odessa. A cidade se rendeu em outubro, mas cerca de 80 mil judeus se aproveitaram desse interregno para escapar e se juntar às hordas de refugiados errantes nos campos e estradas da Europa. Outros 90 mil judeus decidiram permanecer em Odessa, que foi submetida ao comando central romeno instalado na Transnistria, atual Moldova e antiga Bessarábia.

Os judeus que ficaram em Odessa muitas vezes se insurgiram contra a ocupação. No dia 22 de outubro fizeram explodir uma bomba na sede do quartel-general romeno, matando 167 militares, inclusive o comandante romeno, 16 oficiais de alta patente, e quatro oficiais da marinha nazista. Como retaliação, os romenos transportaram 19 mil judeus para uma praça em frente ao porto e os metralharam. Quando a munição acabou, jogaram gasolina sobre os sobreviventes e os queimaram vivos. Na semana seguinte, os romenos levaram 20 mil judeus para Dalnik, uma aldeia próxima e colocaram todos em celeiros que foram incendiados. Em novembro, cerca de 35 mil judeus foram instalados em dois guetos, nas localidades de Dalnik e Slodboka, onde muitos morreram de fome e doenças. Em janeiro e fevereiro, cerca de 20 mil judeus foram levados para campos de concentração na Transnistria e libertados por tropas soviéticas em abril de 1944, um ano antes do fim do conflito.

Desde então, a Ucrânia voltou a ser parte da então União Soviética e se tornou oficialmente independente como nação, em 1991. Odessa, situada na península da Crimeia, ao sul, integrava o novo país e abrigava uma população de 40 mil judeus. Contudo, sua condição ucraniana só durou até 2014, quando a Crimeia foi anexada pela Rússia, uma agressão territorial inexistente na Europa desde a 2a Guerra Mundial. Foi uma expansão indevida e consumada para atender às ambições imperiais do ditador russo Vladimir Putin.

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro desse ano de 2022, embora teoricamente Odessa pertença à parte agressora, a contingência da guerra, que já incluiu o bombardeio do porto de Odessa, vem contribuindo para deteriorar as condições da comunidade judaica local. Cerca de 20 por cento dos judeus já deixaram a cidade, parte deles resgatados para Israel. Uma sobrevivente do Holocausto, com 97 anos de idade, chamada Valerye Bendersky, esteve entre os novos imigrantes que, ao ser acolhida pelo filho residente em Tel Aviv, apenas balbuciou ao ser cercada pelos microfones da imprensa: “Agora eu estou em casa”.

BIBLIOGRAFIA

Babel, Isaac, Red Cavalry, W. Morton&Comp., EUA, 2003

Sylvester, Roshannah, Tales of Odessa, Northern Illinois University, EUA, 2005.

King, Charles, Odessa: Genius and Death in a City of Dreams, W. Morton&comp., EUA, 2012.

Zevi Ghivelderé escritor e jornalista.