Um dos grandes reinos do século VIII ao X da era comum, o Império Judaico do Khazar sucumbiu diante da força das tropas russas, levando consigo a sua história e a sua cultura.
O mistério dos khazares atrai não apenas os estudiosos do tema, mas também aqueles interessados em conhecer detalhes de mais um capítulo da história do povo judeu. Em 1998, a televisão israelense levou ao ar uma série sobre o tema. O programa foi resultado de uma viagem até a região do Império Khazar, feita sob a coordenação do jornalista Ehud Ya'ari. Ele escreveu também uma reportagem sobre a viagem para o The Jerusalem Report, que foi publicada em setembro de 1995 sob o título Skeleton in the Closet. A reportagem ressalta que nem os judeus nem os russos se têm aprofundado no estudo do período histórico referente ao reino dos khasares, segundo ele, o mais longo reino judaico soberano na história.
Durante sua viagem, o jornalista israelense descobriu que um dos maiores obstáculos para se desvendar o mistério dos khazares foi a postura adotada pelas autoridades da então União Soviética de "varrer para debaixo do tapete esse capítulo de sua história". Um artigo publicado pelo jornal Pradva, em 1951, por determinação de Stalin, não admitia grandes polêmicas sobre a origem dos khazares russos. Segundo o professor Omekjan Pritzak, considerado um dos maiores especialistas sobre o tema, "os governantes sempre quiseram que tudo na Rússia tivesse início com os russos e ninguém mais". Para ele, no entanto, os primórdios russos surgiram das ruínas do Império Khazar. "Mas para os nacionalistas, era uma vergonha admitir que imperadores judeus reinaram na terra antes dos primeiros príncipes russos".
Dizem os especialistas que Itil, a capital do império, pode estar soterrada sob toneladas de lama que o rio Volga carrega para o mar Cáspio, ainda chamado de Mar dos Khazares pelos iranianos. Até o momento, foram feitas apenas escavações superficiais e os objetos e relíquias descobertos estão guardados em diferentes coleções espalhadas pelo que foi um dia a União Soviética. Outras peças podem estar escondidas em Moscou depois de terem sido recuperadas no período de 1950 a 1952, quando foi construído o canal entre os rios Volga e Don.
Chamada por alguns estudiosos de "a Atlântida que existiu de fato", Itil é atualmente o maior objetivo dos arqueólogos russos e estrangeiros, que têm podido trabalhar com um pouco mais de liberdade nos últimos anos. Satélites e equipamentos sofisticados estão sendo utilizados para auxiliar nos trabalhos de busca não apenas da capital do império, mas de sinais mais concretos da vida judaica dos khazares. "O primeiro que encontrar uma sinagoga khazar conquistará uma reputação semelhantes à obtida por Henrich Schliemann com a descoberta de Tróia", disse a Ya'ari o arqueólogo Sergei Kotin-kov, da Universidade de Astrakhan.
Segundo Pritzak, sob o comando do rei Bulan, o Império Khazar estendia-se da cidade de Astrakhan no Mar Cáspio, mais de mil quilômetros ao oeste, atrás da atual capital da Ucrânia, Kiev, a qual acredita-se tenha sido fundada pelos khazares. A população judaica nunca foi maior do que 35 mil pessoas, mas constituía a dinastia governante e grande parte da elite local.
Em suas andanças pelo outrora Império Khazar, Ya'ari e sua equipe puderam ver, em museus, evidências da vida judaica do período mencionado. Fontes hebrai-cas, árabes, armênias e bizantinas descrevem grandes tesouros, mas poucos foram encontrados e o que se descobriu está muito bem guardado. Como exemplo, o jornalista cita uma extraordinária coleção de pulseiras, anéis e correntes de ouro guardadas em um distante instituto científico, em uma cidade próxima ao rio Don.
"Algumas palavras educa-das e gorjetas generosas garantiram nosso acesso a locais muito bem vigiados, com relíquias incluindo inscrições em pedras com versões primitivas da menorá de sete braços e brasões turcos de famílias mortas", conta Ya'ari. Na cidade de Kerch - chamada pelos judeus da Idade Média de Sefarad (Espanha em hebraico) - na região da Criméia, as autoridades locais negam a existência dos khazares na área, mas muitos túmulos de judeus khazares já foram descobertos nos estreitos que ligam os mares Negro e Azov.
Em alguns museus russos nos quais estão expostos artefatos khazares, incluindo jóias em ouro, sua origem khazar-judaica não é mencionada. Ao contrário, os responsáveis afirmam que os khazares não possuíam uma cultura própria, apenas imitavam outras. Conseqüentemente, afirma Ya'ari, pouco se sabe sobre essa civilização, sequer a sua língua.
Para Pritzak, dos 35 mil judeus da Khazaria, cerca de oito mil foram absorvidos pela população russa e depois desapareceram. O destino dos demais não é muito claro. A origem de seus ancestrais, no entanto, afirma Pritzak, remonta aos judeus da Europa central e ocidental. Esta opinião é compartilhada pelo professor israelense Zvi Ankort, que acredita que os judeus ashquenazitas da Europa oriental são descendentes de migrantes que vieram do oeste após a queda do Império Khazar.
Enquanto o mistério sobre a origem e o destino dos khazares não é totalmente desvendado, no entanto, o tema está sendo usado pelos ultra-nacionalistas russos para disseminar seu anti-semitismo. Segundo eles, seria uma tentativa de "envenenar" o sangue russo e destruir a glória da herança russa. A cada dia surgem novos panfletos denunciando "a conspiração judaica" para glorificar os khazares.