A História da comunidade judaica libanesa difere das demais do Oriente Médio. Em 1920 torna-se a única comunidade judaica a ter seus direitos protegidos pelas leis do país e os judeus se sentiam tão libaneses quanto seus pares cristãos ou muçulmanos. Foi a única nação onde a população judaica cresceu após a criação de Israel, mas, após o estabelecimento de grande contingente de refugiados palestinos, os judeus viram suas vidas entrarem em processo de irreversível deterioração.

Antiguidade

Acredita-se que a presença judaica na Fenícia, como era então chamada a região que é hoje o Líbano, remonta à época bíblica e que no 2º século a.E.C. havia judeus estabelecidos próximo a Beirute. No período dos Hashmonaim, havia comunidades judaicas em aldeias e vilarejos nas montanhas libanesas e no Monte Hermon.

Os judeus continuavam lá quando, em 64 a.E.C., Roma conquistou a Fenícia. Sob o domínio romano, iniciou-se um ciclo de grande prosperidade. Os portos de Beirute, Biblos, Sidon e Tiro tornaram-se entrepostos para produtos importados da Síria, Pérsia e Índia, de onde eram exportados artigos regionais apreciados em Roma, como a madeira de cedro, perfumes, joias e vinhos.

Beirute foi o destino do general romano Tito após tomar Jerusalém, em 70 Era Comum (E.C.) e esmagar a 1ª Guerra Judaica. Tito levou consigo milhares de prisioneiros judeus e, durante os jogos que patrocinava na cidade, ordenou a morte de grande número deles. Para fugir das forças romanas, muitos agricultores da Judeia e da Galileia procuraram refúgio em vilarejos no sopé do Monte Hermon. Eles não consideravam que viviam na Diáspora, pois a fronteira bíblica da Terra de Israel estende-se até o sul de Saida. De acordo com vários historiadores, sempre houve judeus vivendo nessa região.

Com a divisão do Império Romano, no final do século 4,a Fenícia integrou o Império Romano do Oriente – ou Bizantino. A região passou a ser chamada de Monte Líbano ou Líbano. No século seguinte, habitantes da região aderiram aos ensinamentos do monge sírio-cristão, São Marun. Os cristãos maronitas tornaram-se um dos mais numerosos e importantes grupos etnorreligiosos, no Líbano.

Conquista islâmica 

No século 7, o Líbano tornou-se parte do Império Islâmico. Os exércitos árabes dominaram a costa, mas não o Monte Hermon. Tampouco conseguiram que a maioria da população se convertesse ao Islã, não tendo muito sucesso em converter os maronitas nem os judeus que lá viviam.

Sob o domínio islâmico, a situação dos judeus melhorou significativamente, embora ainda houvesse algumas restrições, principalmente durante o governo da dinastia Omíada (635 a 755). Há menções específicas sobre a presença judaica na região que é hoje o Líbano na obra do historiador árabe do século 9, Ahmad Ibn Yahya al-Baladhuri, que escreveu sobre as guerras e conquistas árabes desde o século 7. Ele menciona, inclusive, que o Califa Mu’awiya promoveu o assentamento de judeus em Trípoli (661-680). Sabe-se que em 922 havia também uma comunidade judaica em Baalbek.

Durante as Cruzadas, a região foi a principal rota dos cruzados rumo a Jerusalém. No ano 1110, quando Beirute caiu em mãos cristãs, viviam na cidade 35 famílias judias, muitas das quais foram massacradas pelos cruzados. Beirute tornou-se um entreposto cruzado, e o comércio floresceu entre a cidade e os portos italianos.

Informações sobre os judeus que viviam no Líbano, no século 12, e as cidades onde moravam são encontradas nos relatos de viagem do Rabi Benjamin de Tudela. “Na cidade de Gebal (antiga Biblos) havia cerca de 150 judeus... Em Beirute... apenas 50. Em Saida (Sidon), uma grande cidade, havia cerca de 20... A 16 km de Saida vivia um povo que estava em guerra com os homens de Sidon; eles eram chamados drusos... Eles viviam nas montanhas... e suas fronteiras estendiam-se rumo ao Monte Hermon... Não havia judeus entre eles, mas... o povo era favorável aos judeus.”

A região do atual Líbano se viu envolvida nas lutas entre cristãos e muçulmanos pelo domínio da Terra Santa, mudando repetidamente de mãos. Quando Beirute voltou definitivamente ao controle muçulmano, em 1291, havia na cidade uma sinagoga e um cemitério judaico.

Na Idade Média, o Líbano era um ponto de passagem para os judeus da Europa que iam para Eretz Israel. Após a expulsão da Espanha, em 1492, vários sefarditas se estabeleceram em Beirute. Rabi Moses Basola, em sua viagem rumo à Terra de Israel, visitou Beirute em 1512 e relatou que ali viviam 12 famílias oriundas da Sicília.

Sob o Império Otomano

Em 1516, os turcos otomanos conquistaram o Líbano, que se tornou parte da Síria Otomana. A inclusão do Monte Líbano no Império Otomano teve importantes repercussões para a região, predominantemente druso-maronita. Ambos os grupos mantiveram boas relações com os judeus até meados do século 19.

Durante o século 16, havia 1.535 judeus que viviam nas cidades de Trípoli e Beirute. Havia judeus também em Saida, Tiro e em Hasbaya, no sopé do Monte Hermon e na região montanhosa do Shouf. Os judeus estabeleceram-se em vários vilarejos, inclusive em Deir-al-Qamr, centro administrativo e político do distrito de Mansif, onde, no início do século 19, viviam 80 famílias judaicas.

O primeiro grande fluxo de judeus para o Líbano ocorreu no início do século 18, com a chegada de sefarditas vindos da Europa e de outros lugares do Oriente Médio. Eles fincaram raízes principalmente nas montanhas do Shouf, onde eram bem recebidos pelos drusos, que também eram vítima da intolerância árabe sunita.

Durante o reinado de Bashir II (1778 a 1841), os judeus do Shouf, conhecidos por sua coragem e bravura, inclusive pela beleza de suas mulheres, vivenciaram um período de prosperidade. Assim como os drusos, dedicavam-se principalmente à atividade agrícola, especialmente ao cultivo de vinhedos e oliveiras, além da produção de azeite e seda. A comunidade do Shouf mantinha um cemitério, escolas e sinagogas e, logo após se estabelecerem nas montanhas, plantaram na aldeia perto de Deir-al-Qamr uma pequena floresta de cedros, para que o Terceiro Templo de Jerusalém pudesse ser reconstruído com sua madeira.

Outra leva de judeus sefarditas, os franj, vindos principalmente da Itália, França e Áustria, chegou ao Líbano em meados do mesmo século. Eles se instalaram em Beirute, que se tornara um importante centro exportador de seda. Os franj passaram a residir em um bairro conhecido como Haret el Yahud, o Bairro dos Judeus. Muitos acreditam, erroneamente, que Wadi Abu Jamil era o antigo bairro judeu de Beirute, mas foi somente por volta de 1869 que eles começaram a se instalar na área, que, na época, ficava fora dos muros da cidade.

De acordo com os relatos do rabino David d’Bet Hillel, que visitou Beirute por volta de 1824, e do rabino Moses Farhi, em 1830, viviam na cidade 15 famílias judias. Em seus relatos, eles descrevem o bairro judeu com suas ruas estreitas e casas de paredes grossas, o comércio ativo e a sinagoga pequena, porém bem cuidada, com limoeiros no jardim.

A partir das últimas décadas do século 18 e, ainda mais, após Mohamed Ali Paxá conquistar a Síria Otomana, em 1831, Beirute entrou em um período de crescimento. Os judeus, que em sua grande maioria trabalhavam no comércio ou em atividades portuárias, viveram um período de prosperidade. Em 1840 já havia mais de 500 judeus vivendo em Beirute.

O século 18 marca a chegada de cristãos europeus ao Império Otomano. Em acirrada competição econômica com os judeus, eles introduziram pelo Oriente Médio um antissemitismo de caráter cristão. Surgiram as primeiras acusações de assassinato ritual em Rhodes, Damasco e Alepo.

Para os judeus que viviam nas montanhas do Shouf, o ano de 1840 marcou o início de um período muito difícil. Eles foram acusados de assassinato ritual, e a região foi palco dos primeiros conflitos entre drusos e maronitas. Uma guerra civil eclodiu duas décadas mais tarde, em 1860, culminando no massacre de mil cristãos pelos drusos. Um dos resultados do conflito foi a criação de um novo estatuto otomano, “o Regulamento”, que entrou em vigor em 1864, institucionalizando o sistema político que passa a caracterizar o Líbano desde então.

Os anos de luta provocaram o êxodo de uma parcela da população das montanhas do Shouf. Parte dos judeus que deixaram a região se estabeleceu em Saida e Hasbaya, mas a maioria se radicou em Beirute.

Em 1886, a cidade se tornou a capital da província, que incluía a costa da Síria e a então Palestina Otomana. A partir do final do século 19, aumenta o número de judeus em Beirute. Em 1880, eram cerca de 1.000; em 1889, 1.500. Mesmo após o ataque cristão ao bairro judeu, em 1862, e as novas acusações de libelos de sangue, em 1890, a comunidade judaica da cidade cresceu, começando a se estabelecer em Wadi Abu Jamil.

Em 1869, foi inaugurada em Beirute a primeira escola primária da Alliance Israélite Universelle. O impacto da Alliance não pode ser subestimado, pois moldou uma identidade francófila entre os judeus libaneses.

Século 20

Na virada do século 20, os judeus uniam, confiantes, seu futuro ao moderno estado que emergia no Líbano. Na Constituição Civil libanesa de 1911, o governo otomano reconhecia os judeus como um dos 23 grupos confessionais que viviam no Líbano, com os mesmos direitos que os demais. Na primeira década de 1900, judeus vindos da Síria, Iraque, Turquia e Grécia estabeleceram-se no Líbano, aumentando a população judaica libanesa para cerca de 5 mil pessoas. A maioria vivia em Saida e em Beirute, uma cidade fervilhante, conhecida como “a Paris do Oriente Médio”.

Com a derrota do Império Otomano na 1ª Guerra Mundial, a Liga das Nações entregou à França, em 1920, o mandato sobre o Líbano e a Síria. Em 1º de setembro do mesmo ano, o Alto Comissariado francês proclamou a criação do Grand Liban e, mais tarde, da República Libanesa. A constituição do novo Estado garantia a cada minoria a liberdade de credo, o direito de legislar sobre assuntos civis e de ter seu próprio sistema educacional. Os judeus do Líbano tornaram-se a única comunidade judaica do Oriente Médio a ter seus direitos protegidos pela lei do país. A maioria dos libaneses, inclusive os judeus, falam do mandato francês como uma “Idade de Ouro”. Apesar de manterem uma postura apolítica, os judeus sentiam-se tão libaneses quanto seus pares cristãos ou muçulmanos.

Em 1926, a comunidade de Beirute inaugurou, no bairro de Wadi Abu Jamil, a Sinagoga Maguen Avraham, bem mais espaçosa. Além desta, havia outras dez sinagogas menores, entre as quais a Kahal Reuven, a Sinagoga Espanhola e a Sinagoga Eddy. No campo educacional, foi inaugurada, dois anos mais tarde, a escola Talmud Torá Selim Tarrab, em um edifício atrás da Maguen Avraham. Dez anos mais tarde, o número de alunos chegava a 290. Em 1935, a Alliance Israélite Universelle contava em Beirute com 673 alunos.

Os levantamentos referentes à população judaica libanesa durante o mandato francês variam muito, dependendo da fonte e da base de pesquisa dos diferentes historiadores. Enquanto a Enciclopédia Judaica estima que, em 1929, seu número atingira 5 mil, o censo de 1932 registra 3.588 judeus no Líbano, dos quais 3.060 em Beirute. Qualquer que fosse seu real tamanho, a comunidade em Beirute era abastada, ativa, a mais bem organizada do Líbano e da Síria, vivendo em tranquilidade e mantendo boas relações comerciais e de amizade com as demais minorias.

Contudo, os conflitos entre judeus e muçulmanos, na Palestina Britânica, repercutiram no Líbano. O massacre de Hebron, perpetrado por árabes contra os judeus em 1929, contribuiu para uma mudança de atitude no Líbano, tanto entre os judeus quanto entre certos grupos muçulmanos que passaram a incitar conflitos. O clima em Eretz Israel tornou-se ainda mais tenso em 1936, quando turbas islâmicas, instigadas pelo Mufti de Jerusalém, Haj Amin el-Husseini, atacaram os judeus, espalhando violência. O Líbano não ficou imune à violência. Naquele ano, os judeus de Saida foram atacados por muçulmanos.

A situação ficou mais tensa em outubro de 1937, quando Haj Amin el-Husseini, caçado pelos ingleses, se refugiou numa aldeia perto de Beirute. Antissemita feroz, simpatizante de Hitler e uma das vozes do Islamismo radical, o Mufti incitava à violência contra os judeus. A situação acalmou-se quando, em 1939, ele se transfere para o Iraque.

As tensões entre muçulmanos e judeus levaram ao estreitamento das relações destes últimos com os cristãos maronitas, principalmente as Falanges Libanesas.

Com a subida de Hitler ao poder, na Alemanha, o Líbano tornou-se um local de trânsito para os judeus que queriam ir para a Palestina Britânica. Em 1935, os líderes da comunidade judaica libanesa obtiveram das autoridades francesas a permissão de entrada no país para os refugiados judeus.

A situação dos judeus começou a mudar após a derrota da França pela Alemanha nazista, em junho de 1940. Pelas cláusulas do armistício, instituiu-se, no sul da França, o regime de Vichy, submisso ao Terceiro Reich. O Líbano, uma colônia francesa, viu-se submetido à autoridade do regime pró-nazismo de Vichy. A comunidade judaica apelou às autoridades para que não fossem aplicadas as leis antissemitas promulgadas por Vichy. A princípio, nenhuma ação foi tomada contra os judeus, mas, quando o Alto Comissário foi substituído por outro leal a Vichy, as autoridades francesas passaram a agir em conjunto com a Gestapo. No entanto, as autoridades libanesas recusaram-se terminantemente a implementar qualquer lei discriminatória contra seus cidadãos. Os judeus em trânsito, porém, foram internados em campos de detenção nas montanhas libanesas.

Em junho de 1941, tropas britânicas e da França Livre ocuparam o Líbano. O general Charles de Gaulle proclamou a independência do Líbano, assegurando direitos aos judeus. Contudo, essa independência só se consumou em novembro de 1943, com o estabelecimento de um Pacto Nacional. O Líbano tornou-se uma democracia com múltiplas etnias e religiões. A representação política passou a ser dividida entre cristãos maronitas e muçulmanos sunitas.

República do Líbano

Em 1946, as forças aliadas deixaram o país, e o Líbano tornou-se, de fato, independente. O recém-criado estado passou a ser uma democracia parlamentarista. Na presidência ficaram os cristãos maronitas, enquanto o cargo de primeiro-ministro foi ocupado pelos sunitas. Aos judeus, católicos e outras minorias coube uma participação minoritária no Parlamento.

A intensificação dos conflitos na Palestina sob mandato britânico acabou por repercutir no Líbano. Em novembro de 1945, a comunidade judaica de Trípoli foi atacada e 12 judeus foram mortos.

Quando, em novembro de 1947, as Nações Unidas aprovaram a resolução que determinava a Partilha da Palestina, os judeus de Beirute celebraram o acontecimento. A situação ficou tensa na cidade após a explosão de bombas nas proximidades de Wadi Abu Jamil, no início de dezembro. Em janeiro de 1948, judeus e propriedades judaicas tornaram-se alvo de ações violentas perpetradas por muçulmanos. Um dia após a Proclamação da Independência do Estado de Israel, bombas foram jogadas contra bairros onde viviam judeus.

Pelas ruas do país ocorreram manifestações antijudaicas. Em Beirute, uma multidão armada com tijolos e granadas incendiárias dirigiu-se à área de Wadi Abu Jamil, mas foi barrada à entrada do bairro pela polícia libanesa e pelas milícias das Falanges Libanesas. A comunidade de Saida foi a mais atingida.

Apesar dos acontecimentos, a comunidade judaica de Beirute cresceu devido ao afluxo de judeus vindos da Síria e do Iraque. Em 1947, após o Pogrom de Alepo, grande parte dos judeus da cidade fugiu para Beirute.

O Líbano foi um dos países que, após a Declaração de Independência de Israel, em maio de 1948, declarou guerra ao recém-criado Estado, mas sua participação no conflito foi mínima. Em março de 1949, com a assinatura do armistício entre Israel e o Líbano, a vida dos judeus parecia ter voltado à normalidade. No entanto, com a chegada de refugiados palestinos, surgiu uma nova realidade sociopolítica que teria resultados dramáticos para os judeus e para o próprio Líbano. Uma primeira onda de mais de 100 mil palestinos entrou no país, pondo em xeque o sistema confessional baseado no contingente demográfico. Essa “avalanche” muçulmana constituiu uma ameaça para o status quo político e a hegemonia maronita.

Comunidade Judaica após o estabelecimento de Israel

Para a população judaica do Líbano, a primeira guerra árabe-israelense não teve efeitos desastrosos, como em outros países muçulmanos. As autoridades não lhes tiraram qualquer direito e os protegiam contra árabes extremistas. No entanto, houve mudanças: foram suspensas as verbas governamentais para escolas e instituições assistenciais judaicas, e o movimento Macabi, acusado de atividades sionistas e de mandar jovens clandestinamente para Eretz Israel, foi declarado ilegal.

A atitude mais tolerante do governo em relação aos judeus fez com que o Líbano fosse o único estado do Oriente Médio onde a população judaica cresceu após a criação de Israel, já que os judeus de outros países árabes buscavam asilo em seu território. Em 1948, havia cerca de 5.200 judeus que viviam no Líbano e, em 1951, cerca de 9 mil – dos quais mais de 2 mil eram sírios. A integração dos recém-chegados foi relativamente fácil.

Com o crescimento da comunidade, iniciou-se uma expansão geográfica da burguesia judaica, que começou a deixar a vizinhança do bairro Wadi Abu Jamil, transferindo-se para as ruas Kantari, Georges Picot, des Français e Agripa, entre outras.

Em 1950, a escola da Alliance foi atingida por uma bomba, mas as relações entre a comunidade judaica e as demais minorias libanesas, inclusive a muçulmana, continuaram amigáveis. Os judeus ainda acreditavam que haveria um futuro judaico no Líbano...

O conflito entre cristãos e muçulmanos

No entanto, a Guerra Fria dividiu o Líbano: de um lado, os cristãos pró-Ocidente e pró-EUA, representados pelo então presidente cristão maronita Camille Chamoun; do outro, os nacionalistas árabes e muçulmanos, mais simpáticos ao nasserismo egípcio.

Nos anos de 1957 e 1958, dois acontecimentos tiveram reflexos na situação política do Líbano. Em 1957, o governo pró-Ocidente de Camille Chamoun aderiu à Doutrina Eisenhower. No ano seguinte, Egito e Síria formaram a República Árabe Unida, como um primeiro passo a caminho de uma “nação pan-árabe”. Em 1958, durante os últimos meses do mandato do presidente Chamoun, eclode uma insurreição, instigada por muçulmanos libaneses, que queriam fazer do Líbano um membro da República Árabe Unida. Chamoun pediu assistência, e 5 mil fuzileiros navais dos Estados Unidos foram brevemente enviados a Beirute, em 15 de julho.

Uma crise incontornável tomou conta do país e fez eclodir um conflito armado entre cristãos e muçulmanos. A comunidade judaica não foi atingida frontalmente; as propriedades judaicas foram protegidas pelas Falanges Libanesas e pelas forças armadas nacionais.

Na época, a comunidade de Beirute, a maior do país, estava em seu apogeu, com o número de judeus entre 9 mil e 15 mil, dependendo da fonte. No entanto, o acirramento do conflito entre cristãos maronitas e muçulmanos levou muitos judeus a abandonarem o Líbano. Mesmo assim, o judaísmo libanês continuou pujante.

Quando, em junho de 1967, foi deflagrada, entre  Israel e os países árabes, a Guerra dos Seis Dias, autoridades libanesas não envolveram seu exército no conflito. Um contingente ainda maior de refugiados palestinos se instalou no Líbano, e guerrilheiros palestinos (fedayeen) começaram a deslanchar ataques contra Israel a partir da fronteira libanesa. A tensão chegou ao máximo e libaneses de todas as etnias começaram a abandonar o país. Calcula-se que mais de 2 mil judeus tenham deixado o Líbano, após 1967.  Apesar do êxodo, a comunidade judaica ainda mantinha um perfil relativamente elevado, mas uma série de limitações começaram a ser impostas aos judeus não-libaneses. Com isso, emigraram os judeus sírios que ainda residiam em Beirute. Em 1969, já eram menos de 2.500 os judeus que viviam no Líbano.

O relacionamento entre eles e as demais comunidades libanesas entrou em um processo de irreversível deterioração. Violentos combates ocorreram em 1969 entre o exército libanês, sob o governo controlado por maronitas, e guerrilheiros palestinos. No final do ano, chegaram a um acordo, o “Cairo Agreement”, que concedeu à Organização para Libertação da Palestina (OLP) autonomia sobre os campos de refugiados palestinos e rotas de acesso ao norte de Israel, em troca do reconhecimento pela OLP da soberania libanesa. Judeus e maronitas viram neste acordo uma capitulação do governo libanês frente aos palestinos, que tinham o apoio de outros países árabes, ansiosos por manter o problema palestino longe de seu território.

Por sua parte, a OLP usou seus novos privilégios para estabelecer um “miniestado” efetivo no sul do Líbano e intensificar seus ataques aos assentamentos no norte de Israel. Agravando ainda mais a situação, o Líbano recebeu um influxo de militantes palestinos armados, incluindo Yasser Arafat e seu movimento Fatah, que fugiam da repressão jordaniana em 1970.

A instalação de organizações militantes palestinas na Jordânia acabou por se tornar um grande problema para governo hachemita entre 1967 e 1971. Grupos dentro da OLP passaram a clamar pela derrubada da monarquia hachemita da Jordânia. Eclode um conflito armado entre a Jordânia e a OLP, conhecido como “Setembro Negro”. O exército jordaniano atacou os locais onde viviam palestinos e os expulsou. Mais de 100 mil palestinos foram para o Líbano, onde a população palestina já chegava a 240 mil. As tensões entre as comunidades cristãs e muçulmanas sobre a distribuição do poder político aumentaram ainda mais e acabaram fomentando o início da guerra civil, em 1975. As consequências da chegada da OLP ao Líbano têm seu efeito negativo até hoje.

Em dezembro de 1970, explodiu uma bomba no Talmud Torá Selim Tarrab. O governo apresentou desculpas públicas à comunidade. Mesmo assim, muitas instituições judaicas foram fechadas. Apenas a escola da Alliance e a sinagoga Maguen Avraham permaneceram em funcionamento.

A vida judaica chega ao fim

A derrocada final da comunidade judaica no Líbano viria com a Guerra Civil Libanesa, de 1975 a 1990 – uma guerra que opôs diferentes grupos político-religiosos e praticamente destruiu o Líbano –, deixando cerca de 120 mil mortos.

O bairro judeu de Beirute ficava no centro da linha que dividia as forças cristãs dos seus oponentes – uma coalizão muçulmana composta de sunitas, xiitas e palestinos. Muitos judeus chegaram a buscar refúgio na sinagoga Maguen Avraham. Quase toda a comunidade mudou-se temporariamente para Bhamdoun.

Pela primeira vez na história libanesa, a vida judaica estava em sério perigo, pois os judeus se encontravam em meio a uma sociedade etnicamente dividida, em uma guerra civil. Segue adiante o êxodo judaico, fazendo com que, em 1975, não chegassem a mil os judeus que ainda lá viviam.

A escalada do conflito entre a OLP e Israel levou as forças israelenses a invadirem o Líbano em resposta aos ataques da Fatah, em Israel, em março de 1978. As forças israelenses se retiraram mais tarde nesse mesmo ano, deixando uma faixa de fronteira como um buffer protetor, uma zona tampão protegendo-os contra os ataques transfronteiriços da OLP.

Enquanto isso, acontecimentos no Irã também tiveram um impacto significativo no Líbano. Em 1979, a Revolução Iraniana derrubou o Xá Mohammad Reza Pahlavi, pró-Ocidente, transformando o país em uma república islâmica teocrática xiita, sob o comando do aiatolá Khomeini. No início dos anos 1980, 500 militantes da Guarda Revolucionária Iraniana fundaram o Hezbollah, com o objetivo de promover o Islamismo xiita radical dos aiatolás iranianos e travar uma guerra contra a influência ocidental no Líbano e na região.

A comunidade judaica no Líbano também foi afetada por esses eventos. Em 1980, da outrora pujante comunidade judaica libanesa, apenas 200 a 300 judeus ainda permaneciam no país. A situação se deteriorou ainda mais em 1982, quando, após outra invasão do Líbano pelas Forças de Defesa de Israel (FDI), a guerra civil libanesa entrou em uma nova fase. O objetivo de Israel era pôr fim aos ataques terroristas da OLP, destruindo a infraestrutura militar da organização, no Líbano, e  minando-a como uma entidade política.

Paralelamente, um grupo de clérigos xiitas libaneses fundou o ramo libanês do Hezbollah, baseado nas áreas predominantemente xiitas do Vale do Bekaa, sul do Líbano e sul de Beirute. O Hezbollah coordenou seus esforços de perto com o Irã e segue a teologia xiita radical islâmica desenvolvida pelo aiatolá Khomeini. Ao longo da década de 1980, o Hezbollah realizou ataques cada vez mais sofisticados contra Israel e participou ativamente na guerra civil do Líbano.

Para as milícias islâmicas, todos os judeus eram considerados espiões sionistas e inimigos. Onze judeus foram sequestrados e assassinados. Outros, que corriam perigo, foram resgatados durante a noite do bairro de Wadi Abu Jamil pelas Falanges Libanesas sendo transferidos para o enclave cristão. Com o crescente perigo, não havia mais nenhuma possibilidade de haver vida judaica no país.

Com o fim da guerra civil, o Hezbollah foi um dos poucos grupos de milícias que não foram desarmados. Seus membros têm assento no parlamento libanês e, em 2008, receberam o poder de veto. Além disso, formou-se um governo de unidade nacional, no qual o Hezbollah tem um ministro e controla onze dos trinta assentos existentes. O novo gabinete de governo aprovou uma proposta que assegura a existência do partido como uma organização armada e garante o seu direito de “liberar ou recuperar terras ocupadas” por Israel (as fazendas de Shebaa e os morros de Kafarshuba).

Hoje, inúmeros países ocidentais consideram o Hezbollah uma organização terrorista – incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Argentina, Austrália, Israel, Canadá e Países Baixos – assim como países árabes, como a Liga Árabe e o Conselho de Cooperação do Golfo. A União Europeia adicionou apenas o braço armado do Hezbollah à lista de organizações terroristas.