A história da Líbia é, na realidade, a história de três regiões geográficas distintas – Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan – povoadas por diferentes tribos, entre as quais não há, praticamente, ligação alguma, a não ser durante os períodos em que se encontravam sob domínio estrangeiro.

Acredita-se que o nome Líbia derive do nome da tribo berbere Libu, que, na Antiguidade vivia na Cirenaica. Documentos egípcios do século 13 a.E.C. já a mencionam e os antigos gregos usavam a denominação Libu para toda a região, desde o norte da África até o oeste do Egito. Por volta do século 7 a.E.C. fenícios e gregos estabeleceram entrepostos comerciais na região da Tripolitânia e Cirenaica, respectivamente. Achados arqueológicos datados do século 6 a.E.C atestam a presença de judeus na região, provavelmente mercadores que atuavam entre a África e o Oriente Médio. 

Há historiadores que fixam a queda do Primeiro Templo, em 586 a.E.C., como sendo a data para os primeiros ssentamentos judaicos na atual Líbia. Heródoto, historiador grego do século 5 anterior à presente Era, menciona-os em sua obra. E, de acordo com Flávio Josefo, Ptolemeu Lagos, do Egito, no século 4 a.E.C, estabeleceu judeus na Cirenaica, então importante centro da cultura helenística, e, a seguir, na Tripolitânia. Objetos judaicos descobertos em Zliten, vilarejo perto de Trípoli, confirmam essa presença.

Já no século 1 a.E.C., a maior parte da população da Cirenaica era composta por judeus, e, de fato, constituía o maior assentamento judaico fora de Eretz Israel. Uma elite judaica altamente helenizada vivia do comércio, enquanto a maioria tinha o artesanato como meio de subsistência. Segundo Estrabão, historiador grego, os judeus de Cirene, principal cidade grega da Cirenaica, além de gozar de direitos iguais, tinham uma classificação diferenciada e alguns chegaram a ocupar postos governamentais.  Inscrições encontradas em Benghazi, na época chamada de Berenice, e em outros locais da região, datadas do início do domínio romano, atestam a existência de uma comunidade judaica sólida e organizada. Sabe-se que no ano de 56 da Era Comum ergueram um anfiteatro e uma imponente sinagoga.

Essa presença aumentou na Tripolitânia e Cirenaica após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém, em 70 E.C., pelos romanos. No ano seguinte, Tito deportou 12 embarcações repletas de prisioneiros da Judéia para a Cirenaica, onde, segundo Flávio Josefo, já viviam 500 mil judeus.
 
Estes se revoltaram contra Roma em 73 e 115, sendo derrotados nas duas ocasiões. A revolta de 115, a chamada Guerra das Diásporas, teve consequências dramáticas. A rebelião começou quando os judeus revidaram a um ataque feito pela população local e propagou-se por outras partes do Império, transformando-se em guerra total. Judeus da Cirenaica, Egito, Chipre, Creta e Síria organizaram legiões para enfrentar Roma, sendo vitoriosos num primeiro momento. O escritor cristão Eusébio, do século 4, assim relata: “Contra eles, o imperador enviou Márcio Turbo... Ele conduziu a guerra, sem descanso, contra os judeus... matando muitos milhares deles...”. Em 117, a violência romana resultou em centenas de milhares de judeus mortos, dos quais mais de 200 mil apenas na Cirenaica. Os que sobreviveram refugiaram-se junto às tribos berberes de Sirte, na Tripolitânia.

Para os judeus do norte da África, os séculos 1 e 2 foram um período de estagnação econômica e cultural. Mas, assim que a Pax Romana foi restabelecida, a comunidade judaica líbia se reorganiza e entra num novo período de desenvolvimento e prosperidade. No século 5, Agostinho de Hipona, Santo Agostinho, escreveu sobre a grande comunidade judaica de Osea  (hoje, Trípoli) e a fama de seus grandes eruditos.

A Líbia permaneceu como província romana até ser conquistada, no século 5, pelos vândalos. No século seguinte, com a reconquista da região pelo Império Bizantino, sua intolerância política antijudaica leva os judeus a procurarem abrigo no interior do país, entre tribos berberes. Com o tempo, inicia-se um processo de judaização de algumas tribos em decorrência do estreito relacionamento entre as duas comunidades.

Domínio árabe

No ano de 642, os árabes expulsam os bizantinos. Durante os primeiros séculos, os invasores tiveram que enfrentar uma acirrada resistência por parte dos berberes. O historiador árabe Ibn Khaldun relata em sua obra que, no período de 688 a 693, um dos líderes foi uma mulher chamada Kahhena, chefe da tribo judaizante de Jerawa.

A vida dos judeus não era diferente da levada pelos seus correligionários em outras regiões sob domínio árabe. Viviam na condição de dhimmis. Isto implicava na aceitação da supremacia do Islã e consequente submissão ao Estado muçulmano, sendo que em troca tinham garantidos a vida, a propriedade e o direito de se locomover e praticar sua religião. Como dhimmis eram sujeitos a pagar uma série de impostos, cumprir inúmeras determinações e, em muitos casos, suportar assédio e humilhações.

Há poucas informações sobre a comunidade judaica líbia durante os primeiros séculos do domínio muçulmano. Sabe-se, no entanto, que no século 10 havia por volta de 800 judeus em Trípoli. No século seguinte, algumas comunidades floresceram na Cirenaica, entre as quais as de Gadame, Lebds e Barce. Nos séculos 12 e 13 a vida judaica sofreu o impacto do domínio dos almôadas, berberes do norte da África, que, guiados por uma incondicional intolerância contra os “infiéis”, disseminaram terror entre os dhimmis.
 
Do século 13 até a expulsão dos judeus da Espanha, em 1492, nossas fontes sobre a vida judaica na Líbia estão silenciosas. Quando, em 1510, a Espanha conquista Trípoli, viviam na cidade 800 famílias judias, várias das quais de origem ibérica. Em 1530 é a vez dos Cavaleiros de Malta a tomarem, mantendo-se no poder até a chegada dos otomanos em 1551.

Sob domínio cristão, a vida dos judeus piorou sensivelmente, passando a ser alvo da ação da Inquisição. Inúmeras famílias abandonam Trípoli. Alguns se mudam para Roma e, mais uma vez, centenas se refugiam com as tribos berberes nos povoados judeus, escondidos em vilarejos criados nas cavernas nas montanhas de Gharian e Tajuria.

Império Otomano

Quando, em 1551, os otomanos conquistam a Líbia, deparam-se com uma comunidade judaica debilitada, econômica e espiritualmente, pelo domínio cristão. Mas, na mesma época, em seu caminho para Eretz Israel, chega à Trípoli o Rabi Shimon Labi, cabalista espanhol conhecido por suas contribuições ao Zohar. Ao constatar a difícil situação dos judeus, decide ficar na cidade, conseguindo revitalizar a comunidade e o estudo da Torá.

O período otomano deu novo ímpeto à vida judaica. Famílias que viviam no interior mudam-se para Trípoli e outras, que viviam em Roma ou haviam sido deportadas para Nápoles pelos espanhóis, voltam, ocupando lugar de destaque no comércio e na comunidade. Em 1628 é inaugurada em Trípoli a sinagoga Slat El Kebira. Ainda no século 17 a chegada de judeus de Livorno empresta novo ímpeto à comunidade.

No século seguinte, os judeus de Trípoli escapam duas vezes de grandes perigos. Em 1705, são salvos do extermínio, quando as tropas do governador de Túnis, Ibrahim Sherif, prestes a conquistar a cidade, são vítima de uma epidemia e são forçadas a recuar. Para relembrar os acontecimentos, os judeus líbios celebram o Purim Sherif, no dia 23 de Tevet. Outro Purim, chamado de Burghul, é celebrado no dia 29 do mesmo mês, em lembrança ao dia, em 1795, em que foi deposto Ali Burghul, pirata algeriano, que no breve período em que governou Trípoli instalara um verdadeiro reino de terror contra os judeus.

Apesar desses dois acontecimentos, os séculos 18 e 19 foram um período de crescimento e desenvolvimento econômico para a comunidade judaica. Sua vida comunal era organizada de forma semelhante à das comunidades da Tunísia e Argélia. Eram liderados por algum membro das famílias mais proeminentes, com o título de qaid - ou sceich, cuja autoridade era apenas limitada pelo Chacham Bashi, rabino-chefe. Em 1850, o judeu romeno Benjamin II chega à Líbia, e relata em suaobra “Cinq Années en Orient (1846-51)”, que, em Trípoli, havia mil famílias judias e oito sinagogas; e, em Benghazi, cem famílias judias e duas sinagogas.

As atividades econômicas da elite judaica incluíam comércio marítimo (particularmente com Livorno, para onde eram enviados hena, lã, grãos etc.) e o de produtos têxteis, por via terrestre, com caravanas que iam de Fezzan até a Nigéria. Grande parte da população judaica, no entanto, era pobre. Em Trípoli, viviam no bairro judaico da cidade velha, chamado de Hara Kebira.

No final do século 19, o impacto das reformas otomanas, a entrada de investimentos, mercadorias e de empresários procedentes das nações industrializadas européias, e a interferência política da Europa no Império Otomano vão exercer pressões sobre a vida de toda a população da Líbia. Entre os judeus líbios essas pressões resultam numa profunda divisão entre os “tradicionalistas“, que resistiam a qualquer tipo de modificação em seu modo de vida, e os “modernistas”, que almejavam tirar a comunidade do atraso em que se encontrava.

As primeiras décadas do século 20

Para os judeus da Líbia, o século 20 vai ser marcado por profundas e dramáticas mudanças, que irão definir o futuro da comunidade. Nos primeiros anos, de acordo com dados da Alliance Israélite Universelle, havia 18 mil judeus na Líbia - 2 mil em Benghazi e 12 mil em Trípoli e arredores. Os 8.500 judeus de Trípoli representavam um terço de sua população. A comunidade judaica líbia contava com 21 sinagogas, 21 ieshivot – 11 das quais em Trípoli, 19 centros de orações e estudo em residências particulares, o que era considerado uma honra e um privilégio. Sua rede de instituições assistenciais e de educação religiosa cobria todo o país.

As elites judaicas, principalmente em Trípoli, centralizavam todo o comércio da região, além de estarem envolvidas em atividade financeiras. Essa parcela da comunidade, composta principalmente por judeus de origem europeia – a maioria sefaradita, dentre os quais muitos eram italianos ou “italianizados”, morava na parte nova de Trípoli e adotara o estilo e os hábitos europeus de vida, inclusive na maneira de se vestir. O restante da população judaica era grandemente composto por judeus locais, que falavam árabe e cujo modo de vida não diferia muito do de seus vizinhos muçulmanos. A maioria vivia com grande dificuldade, nos vilarejos ou cidades, embairros judaicos–os haras – e sua vida girava em volta de suas crenças religiosas, profundamente ligadas às velhas tradições, costumes e superstições.

As relações entre a população muçulmana e judaica já se havia deteriorado, principalmente por causa da atuação de judeus como mediadores entre árabes e europeus, e de sua crescente influência econômica. Cada vez mais, os judeus e suas propriedades eram vítima de incêndios criminosos e ataques violentos, além de atos de vandalismo nos cemitérios, assaltos e pilhagens. É nesse clima de insegurança que a Itália desponta como o poder libertador.

Devido à sua proximidade geográfica, a Itália passou a ver a Líbia como a colônia ideal, e tão logo a Turquia abre seus portos ao tráfego internacional, os italianos buscam estabelecer-se no país. Para os judeus, convencidos de que somente sob um governo não muçulmano eles poderiam obter uma condição civil mais digna e segura, a Itália era o país colonizador ideal. Pois era o país com o qual tinham mais relações e afinidades, tanto é que o idioma italiano já era utilizado dentro da própria comunidade e inúmeras crianças judias frequentavam a escola italiana de Trípoli.

Os sentimentos da comunidade foram assim descritos por um jornalista do La Stampa: “Os judeus toleram com uma ira contida... as dolorosas condições na qual se encontram. A distância entre a sua riqueza e cultura e a miséria e a ignorância árabe torna ainda mais amarga a injustiça. A situação perdura porque os governantes turcos são muçulmanos... apoiam seus correligionários árabes (...). Entre as nações europeias, os judeus preferem a Itália (...), porque, entre outros, os mais ricos e proeminentes membros da comunidade judaica são, há gerações, súditos italianos”.

As relações cada vez mais estreitas entre judeus e italianos fizeram com que se deteriorasse ainda mais o relacionamento com a população muçulmana. Agravam-se os violentos episódios de intolerância muçulmana contra os judeus. Às vésperas da ocupação italiana, os judeus são atacados, suas casas e lojas saqueadas, pilhadas e incendiadas.

Início da ocupação italiana

Em 1911 a Itália invade a Líbia. A população muçulmana, ainda maciçamente composta por diferentes tribos espalhadas em seu vasto território, via os italianos como sendo “a cristandade” que desafiava o Islã. Isso fez os italianos enfrentarem, durante as primeiras duas décadas, uma acirrada resistência à sua presença, principalmente na Cirenaica. A população judaica, por outro lado, recebeu-os de braços abertos. Viam no domínio italiano o fim de sua condição de cidadãos de segunda classe. Muitos judeus haviam-se inserido rapidamente na economia colonial, atuando na administração civil e militar ou em empresas italianas.

A chegada dos italianos coincide com a criação, em 1912, da primeira organização sionista, em Trípoli. O futuro do judaísmo líbio seria, em grande parte, definido pelo movimento sionista, que chegara à Líbia mais cedo que em outros países árabes. Judeus líbios haviam-se encontrado com Theodor Herzl em sua visita a Istambul, em 1892.

A partir da década de 1920 o movimento cresce, principalmente em Benghazi e Trípoli, onde são fundados o Circolo Sion, o Macabi e o KKL. A Ben Yehuda, organização que visa promover o estudo do hebraico, inclusive entre adultos, será criada em Trípoli, em 1931.

No início do domínio italiano, eram boas as relações entre a comunidade judaica e as autoridades coloniais, mas estas irão mudar à medida que o fascismo cresce na Itália. Em 1922, Mussolini torna-se primeiro-ministro do Reino da Itália e três anos mais tarde assume o título de Il Duce. Com os fascistas no poder, crescem em Trípoli os excessos dos “camisas negras” contra os judeus, mas ainda são casos isolados. As relações entre a comunidade e as autoridades italianas continuam cordiais. Prova disso, em abril de 1928, em sua primeira visita oficial à Líbia, Vitorio Emanuele III, rei da Itália, participa da inauguração da nova sinagoga de Trípoli, a Slat Dar Bishi, noHara Kebira. Ao longo do trajeto da carreata, tremula uma bandeira com a Estrela de David ao lado da bandeira italiana.

Esse evento marcaria o fim de um período, pois as décadas seguintes foram nefastas para os judeus líbios. Iniciam-se privações e sofrimentos que desencadearam eventos que levaram à emigração em massa e ao fim da comunidade judaica da Líbia.

Bibliografia:
Prof. Roumani, Maurice M. ,The Jews of Libya: Coexistence, Persecution, Resettlement, Sussex Academic Press, 2008.
Prof. Roumani, Maurice M., The Final Exodus of the Libyan Jews in 1967, artigo publicado no Jewish Political Studies Review 19:3-4, 2007.
Lybia: An Extinct Jewish Community, Beth Hatefutsoth, The Nahum Goldmann Museum of the Jewish Diaspora.