A história da comunidade judaica libanesa difere das demais espalhadas pelo mundo, pois no Líbano os judeus não eram considerados cidadãos de segunda classe; Constituíam uma das tantas minorias que viviam no país e que mantinham boas relações com todos os demais grupos.
O desenvolvimento do moderno Líbano, no século 20, foi acompanhado por movimentos demográficos dos judeus do Oriente Médio. Na primeira década de 1900, judeus da Síria, Iraque, Turquia e Grécia estabeleceram-se no Líbano. Com isso, chegou a 5.000 pessoas a população judaica libanesa. Na constituição civil libanesa de 1911, os judeus foram reconhecidos pelo governo otomano como um dos 23 grupos confessionais que vivia no Líbano, gozando portanto dos mesmos direitos que os demais. O reconhecimento, a um só tempo, civil e religioso implicava em que a comunidade judaica fosse liderada e representada política, social e economicamente por seu presidente, e não pelo Rabino Chefe, como em outras partes do Império Otomano.
O Mandato Francês
No final da 1a Guerra Mundial, o Império Otomano, derrotado, é desmembrado entre as nações vitoriosas e, em 1920, na Conferência de San Remo, a Liga das Nações entrega à França o mandato sobre o Líbano e a Síria. Em 1º de setembro do mesmo ano, o Alto Comissariado Francês proclama a criação do Grand Liban e, mais tarde, nascia a República Libanesa. A constituição do novo estado garantia a cada minoria a liberdade de credo, o direito de legislar sobre assuntos civis e de ter seu próprio sistema educacional. Os judeus do Líbano haviam-se tornado uma das poucas, senão a única entre todas as comunidades judaicas do Oriente Médio a ter seus direitos protegidos pela lei do país.
Significativos investimentos em portos, rodovias, estradas de ferro e infra-estrutura são realizados pelo poder mandatário, e Beirute vê aumentado seu papel de ponte entre Ocidente e Oriente. Deste surto de modernidade nasce uma afluente burguesia judaica e cristã, que adotou um estilo de vida ocidental, acompanhada por muçulmanos sunitas. As relações entre essas comunidades eram cordiais, caracterizadas por respeito mútuo e laços de amizade entre seus membros.
A maioria dos libaneses e os judeus, principalmente, lembram do mandato francês como uma "idade de ouro", caracterizada pelo amor à cultura e arte de saber viver; uma época em que existia uma sincera cooperação intercomunal, a despeito de suas diferenças.
Nesse período, reformas comunitárias reorganizaram a comunidade judaica de Beirute. Cria-se um Conselho Comunitário, que se torna o órgão central do judaísmo libanês, reconhecido tanto pelas demais comunidades judaicas como pelas autoridades libanesas. Um dos mais importantes líderes comunitários da época foi Joseph David Farhi que participou da fundação de um centro para a juventude e uma biblioteca e da organização B'nei B'rith, em 1911.
Em 1926, a comunidade inaugura, no bairro de Wadi Abou Jamil, a Sinagoga Maguen Abraham (ver pág. 24), bem mais espaçosa e em condições de atender a crescente kehilá de Beirute. Além desta, havia outras dez sinagogas menores, entre as quais a Kahal Reuven, a Sinagoga Espanhola e a Sinagoga Eddy. No campo educacional, foi inaugurada, dois anos mais tarde, a escola Talmud Torá Selim Tarrab, em um edifício atrás da Maguen Abraham. Dez anos mais tarde, o número de alunos chegou a 290 crianças. Em 1935, a Alliance Israélite Universelle, fundada em 1869, já contava com 673 alunos.
A comunidade era predominantemente sefaradita, apesar de um pequeno número de ashquenazim se terem estabelecido na cidade, no período entre as duas guerras mundiais. Os levantamentos referentes à população judaica durante o Mandato Francês variam muito, dependendo da fonte e da base de pesquisa dos diferentes historiadores. Enquanto a Enciclopédia Judaica estima que, em 1929, seu número na cidade atingira 5 mil, o Censo de 1932 registra que havia 3.588 judeus no Líbano, dos quais 3.060 em Beirute. Outros historiadores colocam os números entre 6 mil e 9 mil. Qualquer que fosse seu real tamanho, era uma comunidade abastada, ativa, a mais organizada do Líbano e da Síria, vivendo em tranqüilidade e mantendo boas relações comerciais e de amizade com as demais minorias. Apesar de manter postura apolítica, os judeus sentiam-se tão libaneses quanto seus pares cristãos ou muçulmanos.
A maioria dos libaneses dava pouca atenção aos acontecimentos na então Palestina. Isso era verdade mesmo entre os judeus, apesar de muitos, principalmente os mais jovens e vários líderes comunitários, terem abraçado o movimento sionista, representado pela organização Macabi, mantendo freqüentes contatos com os judeus de Eretz Israel, o chamado ishuv. Entretanto, os massacres perpetrados na então Palestina contra os judeus, em 1929, contribuíram para uma substancial mudança de atitude, seja entre os judeus seja entre alguns grupos muçulmanos que passaram a incitar conflitos. O clima em Eretz Israel se torna ainda mais tenso em 1936, quando turbas islâmicas instigadas pelo Mufti de Jerusalém, Haj Amin el-Husseini, passam a atacar judeus espalhando violência. O Líbano não fica imune. Os distúrbios ocorridos em Sidon, sul do país, no mesmo ano, permitiram vislumbrar, com triste clareza, o que poderia acontecer à comunidade judaica libanesa.
Em outubro de 1937, Haj Amin el-Husseini, caçado pelos ingleses por provocar distúrbios, consegue fugir da então Palestina e se estabelece em al-Zug, uma aldeia ao nordeste de Beirute. Era o início de um período turbulento para os judeus libaneses. Anti-semita convicto e simpatizante do nazismo, o Mufti começa a incitar a população muçulmana contra os judeus, provocando uma série de confrontos. A vigilância da polícia libanesa não impediu que, em julho daquele ano, duas bombas fossem lançadas sobre Wadi Abou Jamil em um intervalo de dois dias.
Nesse período, as relações entre judeus e maronitas se estreitaram ainda mais, principalmente com os membros do Partido Kataeb. Mais conhecido como as Falanges Libanesas, o partido foi fundado em 1936 por Pierre Gemayel. Nos anos seguintes, sempre que havia demonstrações pró-palestinas que ameaçassem os judeus, eram os falangistas que, juntamente com o Estado libanês, assumiam o papel de defensores dos bairros judaicos. Além disso, o Movimento Jovem do Kataeb era ligado aos escoteiros judeus.
A vida judaica voltou ao normal em setembro de 1939, quando o Mufti foge do Líbano e vai para Bagdá, após se recusar a apoiar os aliados. A calmaria, no entanto, pouco duraria, pois o Líbano, como o restante do Oriente Médio, viu-se envolvido na 2ª Guerra Mundial.
2ª Guerra Mundial
Com a subida de Hitler ao poder, na Alemanha, o Líbano passou a ser local de trânsito para judeus alemães em fuga, almejando estabelecer-se na então Palestina. Em 1935, como resposta ao crescente número de refugiados, os líderes da comunidade judaica libanesa conseguiram do Alto Comissariado Francês a permissão de entrada no Líbano para os refugiados judeus. Representantes de todas as minorias se pronunciaram, publicamente, para condenar o tratamento dado aos judeus na Alemanha. A situação judaica começa a mudar quando, em junho de 1940, o Marechal Pétain firma um armistício com a Alemanha e o Líbano se vê submetido à autoridade francesa do regime de Vichy, submisso ao nazismo. A liderança comunitária apela às autoridades para que não sejam aplicadas as leis discriminatórias contra seus membros. A princípio, nenhuma ação foi tomada contra os judeus que viviam no país; mas, quando o Alto Comissário francês foi substituído por outro leal a Vichy, as autoridades francesas passam a agir em conjunto com a Gestapo. No entanto, as autoridades libanesas se recusaram, terminantemente, a implementar qualquer lei discriminatória contra seus cidadãos. Mas, os judeus em trânsito - italianos, gregos e poloneses - são internados em campos de detenção nas montanhas libanesas. A liderança comunitária pressiona as autoridades para que os refugiados sejam libertados; não conseguem, mas, felizmente, nenhum dos internos é ferido.
Em junho de 1941, tropas britânicas e da França Livre ocupam o Líbano e, mais uma vez, a vida judaica volta ao normal. O general Georges Catroux, atendendo ordens do General Charles de Gaulle, líder da França Livre, proclama a independência do Líbano, assegurando direitos aos judeus e, inclusive, conferindo-lhes responsabilidades no novo governo. Contudo, essa independência só se consumou no dia 8 de novembro de 1943, com o estabelecimento de um pragmático Pacto Nacional. O Líbano se tornava uma democracia com múltiplas etnias e religiões, nenhuma delas majoritária. A representação política passou a ser dividida entre maronitas e muçulmanos. Na presidência, portanto, ficaram os cristãos-maronitas, enquanto o cargo de primeiro ministro ficava com os sunitas. Aos judeus, católicos e outras minorias coube uma participação minoritária no Parlamento. Em 1946, com a retirada de todas as forças estrangeiras, os libaneses viram concretizadas as suas aspirações nacionais.
No final da guerra, o Conselho Comunitário de Beirute decide iniciar uma série de projetos, entre os quais acampamentos de férias para jovens e uma casa de recuperação para idosos, nas montanhas; bolsas de estudo para educação superior com base em critério de mérito; a reforma da sinagoga de Aley e a construção de uma nova sinagoga em Bhamdoun.
Apesar de a cidade ser freqüentada apenas nas férias, pois era onde grande parte dos judeus de Beirute passava as Grandes Festas, não foram medidos esforços nem verbas em sua construção, em 1945, como comprovavam os três belíssimos lustres de cristal que iluminavam seu vestíbulo e os outros 12 que faziam reesplandecer o santuário, o Hechal. No entanto, os conflitos na então Palestina acabaram por repercutir no Líbano, criando um clima tenso. Em novembro de 1945, a comunidade judaica de Trípoli sofre ataques anti-semitas e as organizações juvenis Macabi e B'nei Zion são acusadas de atividades sionistas e de mandar jovens clandestinamente para a então Palestina.
Quando, em 1947, as Nações Unidas aprovam a resolução que determinava a Partilha da Palestina, os judeus de Beirute celebram o acontecimento no pátio da Sinagoga Maguen Abraham. Logo a seguir, grupos de jovens cruzam a fronteira para se juntar às forças da Haganá e lutar na guerra que, fatalmente, eclodiria.
Em Beirute a situação ficou tensa após a explosão de bombas nas proximidades de Wadi Abou Jamil, nos dias 4, 5 e 6 de dezembro. Em janeiro de 1948, novamente os judeus e inúmeras propriedades judaicas são alvo de ações violentas, com explosões no bairro judeu e uma na Alliance Israélite da rua Georges Picot.
Em maio de 1948, um dia após a proclamação da independência de Israel, novas bombas explodem nos bairros onde viviam judeus. O governo libanês declara estado de emergência. Pelas ruas do país ocorrem manifestações anti-judaicas, enquanto em Beirute uma multidão armada com tijolos e granadas incendiárias encaminha-se à área do Wadi Abou Jamil. Felizmente, foram barrados à entrada do bairro pela polícia libanesa e pelas milícias do Partido Kataeb.
Apesar dos acontecimentos, a comunidade judaica da cidade crescera devido ao afluxo de um número cada vez maior de judeus vindos da Síria e do Iraque, nos últimos anos. Em 1946, mais de 6.000 pessoas vieram apenas da Síria e, em 1947, após o Pogrom de Alepo, grande parte dos judeus da cidade fugiram para Beirute. (Ver Morashá 59).
A situação após 1948
Apesar das múltiplas manifestações públicas e do fato do Líbano estar entre os países que declararam guerra a Israel e enviaram tropas para lutar na fronteira, sua participação na guerra foi mínima. E, em março de 1949, quando da assinatura do armistício entre Israel e o Líbano, a vida dos judeus parecia ter voltado à normalidade. No entanto, germinava uma nova realidade sócio-política que resultaria no fim do capítulo judaico do país. Desde o início da guerra contra Israel, um influxo crescente de refugiados palestinos cruzava a fronteira para se estabelecer no Líbano. Este fato traria à tona a divisão sectária libanesa, pois o sistema confessional baseado no contingente demográfico, viu-se tomado por uma "avalanche" muçulmana. Mais de 100 mil entraram no país nesse primeiro momento, constituindo uma ameaça para o status-quo político e para a hegemonia maronita. No entanto, foram os judeus - e não os maronitas - os primeiros a sofrer as conseqüências dessa alteração no status quo.
A primeira guerra árabe-israelense não teve efeito desastroso na comunidade judaica libanesa. As autoridades não lhes tiraram qualquer de seus direitos civis, protegendo-os ativamente contra árabes extremistas e elementos palestinos que viviam em seu território. No entanto, houve mudanças, como a retirada das festividades judaicas do calendário nacional, a suspensão de verbas governamentais a escolas e instituições assistenciais, a declaração de ilegalidade do movimento Macabi e o confisco de suas propriedades. Além disso, seu presidente ficou detido por três semanas. Houve alguns incidentes preocupantes, mas, de modo geral, a vida judaica não só continuou sem entraves como até floresceu.
A atitude mais liberal e tolerante do governo libanês não só com os judeus libaneses, mas com os de outros países árabes que buscavam asilo em seu território, fez com que o Líbano fosse o único país do Oriente Médio onde a população judaica cresceu após a criação do Estado de Israel. Em 1948, beirava 5.200 pessoas e, em 1951, chegara por volta de 9.000 cidadãos - 7.000 eram libaneses e 2.000 eram judeus sírios que, apesar de terem permissão legal para permanecer no país, não podiam tornar-se cidadãos libaneses.
Foi relativamente fácil a integração dos recém-chegados. Com o crescimento da comunidade, iniciou-se uma expansão geográfica da burguesia judaica, que começa a deixar a vizinhança do bairro Wadi Abou Jamil, transferindo-se para as ruas Kantari, Georges Picot, Rue des Français e Agripa, entre outras.
O maior impacto desta migração foi sobre o sistema educacional, que se viu obrigado a absorver as crianças recém-chegadas, fazendo com que o número de alunos na Alliance saltasse de 923, em 1946, para 1043 em 1948. Nos anos seguintes, graças aos esforços comunitários, há uma sensível melhora na educação judaica.
A maioria dos judeus de Beirute pertenciam à classe média e viviam confortavelmente; muitos prosperaram com o rápido desenvolvimento da indústria têxtil local. Era pequena a percentagem dos que faziam parte da classe alta, geralmente dedicados ao comércio e ao setor financeiro. Destacavam-se os bancos das famílias Safra e Zilkha. Os judeus de condição mais simples trabalhavam no segmento de vestuário, fabricação de sabão e vidro, ou no comércio ambulante.
Em 1950, uma escola da Alliance é atingida por uma bomba, mas, por ser um fato isolado, as relações entre a comunidade judaica e as demais minorias libanesas, inclusive a muçulmana, continuaram amigáveis. Características dessa interação e do clima fraternal prevalente entre as minorias eram as celebrações das festas religiosas, das quais participavam, como convidados, os membros das demais religiões. Em 1951, por exemplo, durante as celebrações de Pessach, o presidente da comunidade judaica, Dr. Joseph Attie, ofereceu uma recepção na sinagoga Maguen Abraham, que contou com a presença de diplomatas e vários dignitários libaneses, não-judeus, entre os quais, o Arcebispo da Igreja Maronita. Enfim, eram todos cidadãos libaneses; assim se sentiam e assim eram vistos. É fácil compreender a dificuldade que os judeus libaneses têm, até hoje, de esquecer a profunda amizade dos vizinhos e amigos não-judeus, exemplificada, por exemplo, no simples gesto de levar pão e doces aos co-cidadãos judeus, ao término da semana de Pessach.
Em 1956, viviam em Beirute 5.382 judeus, constituindo uma comunidade próspera e vibrante, como revelavam suas atividades filantrópicas, celebrações e festas. Eles ainda acreditavam haver um futuro judeu no Líbano.
Primeira guerra civil
Em 1957, o Líbano adere à Doutrina Eisenhower. O governo do cristão maronita de Camille Chamoun era pró-Ocidente e não fazia caso das opiniões "dos árabes". No ano seguinte Egito e Síria formam a República Árabe Unida. Os dois acontecimentos têm reflexos na situação política do Líbano e levam o país a uma crise incontornável, que acarreta a primeira guerra civil entre cristãos e muçulmanos.
A comunidade judaica, que, na época, estava em seu apogeu numérico, não chegou a ser atingida frontalmente. Novamente há grande discrepância entre o registro do número de judeus em Beirute: dependendo da fonte, variam de 9 mil a 15 mil. Durante a guerra civil, os interesses e propriedades judaicos foram protegidos militarmente pelas falanges e pelas forças armadas libanesas, que colocaram policiamento na entrada do bairro judeu de Beirute. Mesmo em meio à instabilidade, a comunidade permaneceu ativa, com suas instituições funcionando normalmente.
A guerra civil gerou muita instabilidade e a conseqüente emigração de elementos de todas as minorias. Entre os judeus, muitos passaram a se questionar se seria seguro continuar vivendo no país. Os primeiros a partir foram os judeus sírios, que viram nos acontecimentos um claro sinal que estava por terminar sua história em terras muçulmanas. Ao cabo do conflito, cerca de 500 judeus emigraram para o México, Brasil e Argentina, e outros 500 para os Estados Unidos. Preocupado com o êxodo, o governo chegou a pedir aos líderes comunitários que interviessem, convencendo os judeus a não deixar o Líbano.
Em 1959, o rabino-chefe de Beirute, Ben Zion Lichtman, rabino asquenazita que liderara a comunidade por mais de 19 anos, voltou para Israel. O cargo foi ocupado pelo rabino Chaoud Chreim, de Alepo, que serviu a comunidade até 1977, quando deixou Beirute para se estabelecer em São Paulo. Nos anos em que liderou a comunidade, o rabino Chreim, junto com vários membros da comunidade, ajudou jovens e famílias inteiras a deixar a Síria, dando-lhes abrigo em Beirute e os encaminhando para Israel. No final da década de 1960 e no início da década seguinte, o acirramento do conflito entre palestinos e libaneses levou muitos judeus a deixar o país, que começava a se desintegrar. Mesmo assim, o judaísmo libanês continuava pujante, como atesta a inauguração, em 1966, de uma nova sinagoga, Mishkan Moshe, doada pela família Zeitoune.
Instabilidade política e a segunda guerra civil
Quando, em junho de 1967, foi deflagrada, em Israel, a Guerra de Seis Dias, as autoridades libanesas tiveram o cuidado de não envolver seu exército no conflito, não permitindo, tampouco, que outros países árabes utilizassem seu território para movimentações militares. Porém, isso não impediu que a comunidade judaica fosse afetada de forma irreversível. Um contingente ainda maior de refugiados palestinos começa a se instalar no Líbano. Politizados, eles passam a agir ativamente contra Israel, deslanchando ataques terroristas em número crescente a partir das fronteiras libanesas. A situação econômica interna também fora negativamente afetada pela guerra e pela quebra do banco palestino, Intrabank, em 1966.
Em decorrência da falta de segurança, o governo do então presidente Suleiman Franjieh perde credibilidade e a tensão social chega ao máximo. Muitos cidadãos judeus, bem como das demais religiões, começam a abandonar o país. Calcula-se que mais de 2 mil judeus tenham deixado o Líbano após 1967. Contudo, a comunidade ainda mantinha um perfil relativamente elevado, os bancos Safra e Zilkha continuavam abertos e o primeiro ministro e parlamentares ainda visitavam as sinagogas em datas especiais. Mas, uma série delimitações começam a ser impostas aos judeus não-libaneses, de quem se passou a exigir licenças de trabalho. Com isso, emigraram os judeus sírios que ainda residiam em Beirute.
Violentos combates ocorreram em 1969 entre o exercito libanês e a guerrilha palestina. No final do ano, chegaram a um acordo que formalizava a presença militar palestina no Líbano. Judeus e maronitas viram nesse acordo uma capitulação do governo libanês frente à pressão palestina, que tinha o apoio de outros países árabes ansiosos por deixar o problema palestino longe de seu território. Em 1970, havia mais de 240 mil palestinos no Líbano e outros 100 mil se juntaram a eles após serem expulsos da Jordânia, no chamado "Setembro Negro". A maioria era constituída de pessoas sem posses, o que agravou a tensão social.
Nesse cenário, em 1969 já eram menos de 2.500 os judeus que viviam no Líbano. De acordo com outras fontes, em 1970 já não contavam mais de mil, praticamente todos em Beirute. O relacionamento entre eles e as demais comunidades libanesas entrara em um processo de irreversível deterioração. Em dezembro de 1970, explodiu uma bomba na Talmud Torá Selim Tarrab. O ministro do Interior apresentou desculpas públicas à comunidade. Mas, mesmo assim, um grande número de sinagogas foi fechado. Somente permaneceram em funcionamento a escola da Alliance e a sinagoga Maguen Abraham.
O apagar das luzes
A derrocada final da comunidade judaica no Líbano viria com a segunda guerra civil libanesa. O bairro judaico de Beirute ficava bem no meio do fogo cruzado, no centro da linha que dividia as forças da situação, cristãs, com os oponentes, uma coalizão muçulmana composta de sunitas, xiitas e palestinos. Conseqüentemente, sinagogas e escolas foram fechadas e a atividade econômica, fortemente restringida. Muitos judeus chegaram a buscar refúgio na sinagoga Maguen Avraham. O Grão Rabino Chahoud Chreim, preocupado com os acontecimentos, apelou para o primeiro ministro Rashid Karame e ao Ministro do interior, Kamal Jumblatt, por ajuda. Vários prédios que abrigavam as instituições judaicas tinham sido danificados, especialmente a sinagoga Maguen Avraham e a escola Talmud Torá e a quase totalidade da comunidade se mudou temporariamente para Bhamdoun, pois permanecer na capital libanesa tornou-se impossível. Segundo o jornal Jewish Chronicle, em artigo de julho de 82, estimava-se em 200 o número de judeus mortos no fogo-cruzado entre as facções beligerantes, nos conflitos de 1975-1976.
Pela primeira vez na história libanesa, a vida judaica estava em sério perigo, pois os judeus se encontravam em meio a uma sociedade etnicamente dividida, em uma guerra interna fratricida. Continuava o êxodo judaico, progressivo e constante, fazendo com que, em 1975, não chegassem a 1.000 os judeus que ainda lá viviam e, em 1980, mal chegassem a 200-300 pessoas. Após a invasão do Líbano por forças de Israel, em 1982, na chamada de "Operação Paz para a Galiléia", a guerra civil libanesa entrou em nova fase. Para os poucos judeus que ainda viviam no país, a presença das forças israelenses representou uma garantia à sua segurança. Quando estas deixaram o Líbano, em 1984, rapidamente se deteriorou a situação das poucas famílias judias que ainda lá viviam.
Para as milícias islâmicas, o vínculo óbvio entre os judeus e o Estado de Israel tornou totalmente impossível a continuidade da existência judaico-libanesa. Chegara a hora mais trágica da história de nossos irmãos no país: onze judeus foram seqüestrados e assassinados. Outros foram rapidamente levados durante a noite do bairro de Wadi Abou Jamil pelo Partido Kataeb, sendo depois transferidos para uma área mais segura no enclave cristão.
À medida que os palestinos foram dominando o sul do Líbano, e a Síria, o restante do país, o "país dos cedros", que durante séculos fora refúgio generoso e seguro, nunca mais se incorporou aos destinos do povo judeu.
As imagens deste artigo fazem parte do Acervo do Instituto Morashá de Cultura
Bibliografia:
Kristen E. Schulze,The Jews of Lebanon: Between Coexistence and Conflict, Sussex Academic Press
Beirut, Encyclopedia Judaica Second Edition, Volume 3,
Artigo de Richard Gottheil e Samuel Krauss, "Beirut, Syria", JewishEncyclopedia.com
Fred Anzarouth, artigo "Les Juifs du Liban", www.farhi.org/