É ininterrupta A história da comunidade judaica em Roma, a mais antiga do mundo ocidental, pois é a única cidade, em toda a Europa, de onde os judeus jamais foram expulsos. Com justificado orgulho, os judeus locais afirmam representar os “verdadeiros” romanos, pois lá estão há mais de dois mil anos, antes do Cristianismo e dos papas, e lá esperam continuar.

Sua história se desenrola na área do Trastevere, na margem ocidental do rio Tibre. Durante séculos lá viveram em relativa tranquilidade, sob domínio romano, amparados por um status jurídico que os protegia. Mas, após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, quando passam a viver sob governo papal, perdem esse status de religião lícita e sua história torna-se sombria, passando a depender do tipo de relação que mantinham com a Santa Sé, que governa a cidade até 1870, quando Roma se torna a capital do Reino da Itália.

A República (509 A.E.C – 27 A.E.C.)

O livro Macabeus (1: 8) relata que, em 161 A.E.C., Judá, o Macabeu (Yehudá ha-Macabi) – líder da revolta dos judeus da Terra de Israel contra os selêucidas – enviou a Roma dois embaixadores, Jason ben Eleazar e Eupolemus ben Yochanan, para pedir “amizade e proteção” ao Senado Romano. A cidade já era importante centro comercial, para onde acorriam pessoas do mundo todo para estabelecer entrepostos comerciais. De acordo com a tradição, esses embaixadores eram acolhidos pelos judeus que lá viviam, em sua maioria comerciantes e escravos libertos.

O número de judeus na cidade cresce a partir do século 1 A.E.C., à medida que Roma expande seus domínios. O general Pompeu, conquistou a Terra de Israel1 e Jerusalém, em 63 A.E.C., anexando seu território ao domínio romano, e para lá levou prisioneiros judeus como escravos. Muitos deles conseguiram sua liberdade graças à atuação da comunidade judaica local, optando por permanecer em Roma.

Em 49 A.E.C., após derrotar Pompeu, Júlio César assume o poder em Roma, iniciando uma série de reformas sociais e políticas. Entre outras, outorga aos judeus a condição jurídica de religio licita – religião lícita, permitida. Isso representava certo grau de cidadania, acompanhada de direitos. Segundo o historiador romano Sventonius, quando César foi assassinado, os judeus foram os primeiros a lamentar sua morte, comparecendo em peso a seu funeral.

Entre os direitos concedidos por Roma aos judeus, a partir do fim da República, podemos mencionar a permissão de erguer sinagogas, cemitérios, cobrar impostos e coletar fundos para o Templo em Jerusalém, bem como manter tribunais para julgar disputas entre os membros da comunidade. Estavam, também, isentos do serviço militar, de servir os deuses romanos e pagar tributos ao Estado romano, no ano sabático. 

De acordo com Flavius Josephus2, no século 1 A.E.C. viviam na cidade algumas dezenas de milhares de judeus. Eles são mencionados nas obras do estadista e orador romano, Cícero, e nas de Horácio, poeta lírico e satírico. Filo de Alexandria, historiador judeu do século 1 A.E.C., relata em sua obra que uma comunidade judaica numerosa e organizada vivia em Trastevere. Ainda de acordo com Josephus, 8 mil judeus romanos acompanharam uma delegação da Judéia para se reunir com o imperador Augusto após a morte de Herodes, o Grande. Há fontes que afirmam que, na época, havia 11 sinagogas em Roma.

Durante muito tempo, a comunidade judaica romana viveu em relativa paz, porém, o relacionamento entre Roma e os judeus que viviam em Eretz Israel era volátil, causando várias guerras judaico-romanas.

Os judeus de Roma e o Império

O número de judeus em Roma cresceu ainda mais depois que Tito esmagou a 1ª Revolta Judaica, no ano de 70 E.C. A revolta na Judeia eclodira em 66 E.C. e o General Vespasiano havia sido encarregado de a debelar, mas, três anos mais tarde, quando é empossado imperador, delega a tarefa a seu filho, Tito. Este em Tisha B’Av do ano 70, conquista Jerusalém, fazendo tombar o Templo Sagrado.

Josephus, testemunha ocular do cerco e destruição de Jerusalém, relata em sua obra que grande maioria dos mortos – mais de um milhão – eram judeus: “Homens e mulheres, velhos e jovens, insurgentes e Cohanim, aqueles que lutaram e aqueles que imploraram pelo perdão, foram todos abatidos em uma carnificina indiscriminada.. Os legionários tiveram que abrir caminho pelas pilhas de mortos para completar seu trágico trabalho de extermínio”... Relata, também, que os romanos capturaram e escravizaram dezenas de milhares dos nossos, levando 97 mil para Roma como escravos. Muitos dos que foram resgatados pelos judeus romanos permaneceram na cidade.

O historiador ainda descreve que, no desfile militar, em Roma, comemorando a vitória de Tito, podiam ser vistos milhares de escravos judeus acorrentados e várias peças do vasto tesouro que os romanos haviam pilhado do Templo. Uma riqueza tamanha, em suas palavras, que permitiu ao imperador Vespasiano financiar a construção do Coliseu! Vinte anos mais tarde, Roma quis imortalizar a vitória sobre a Judeia erguendo o Arco de Triunfo de Tito3. Um baixo-relevo esculpido no arco retrata os escravos judeus levados para Roma e os tesouros do Templo, inclusive a Menorá de ouro. Há uma recomendação no Talmud de que nenhum judeu deveria passar debaixo desse arco, pelo horror que representa. E, com efeito, os judeus de Roma sempre se recusaram a passar por baixo do Arco de Tito, até o dia 14 de maio de 1948, quando da proclamação do Estado de Israel.

O Império Romano provou ser mais duro com os judeus derrotados do que com outros povos. Via de regra, Roma permitia aos povos derrotados reconstruir seus templos, mas, no caso do Templo de Jerusalém, proibiu tanto sua reconstrução quanto a coleta de fundos para essa finalidade. Ademais, foi instituído um imposto anual sobre toda população judaica do Império, o Fiscus Judaicus, de dois dracmas por cabeça, destinado à reconstrução do templo de Júpiter, no Capitólio, em Roma.

A política romana acabou criando tensões em todo o Império, resultando em mais revoltas judaicas na Terra de Israel e na Diáspora. A última delas, a Revolta de Bar Kochba (132-135), ocorreu em Eretz Israel. Esmagada pelos romanos, custou a vida de milhares de judeus e outros tantos foram levados para Roma, como escravos. Como em outras ocasiões, os judeus de Roma procuraram resgatá-los, tendo muitos permanecido na cidade.

No entanto, apesar das revoltas, durante o período do Império os judeus de Roma viveram longos anos de prosperidade e autonomia. A comunidade se tornou uma das mais importantes da Diáspora. Sábios famosos viveram em Roma, entre eles o Rabi Matteya ben Heresh, que viveu no 2º século e fundou uma Yeshivá e um tribunal rabínico que se tornaram famosos.

Em suas sinagogas, desenvolveram o chamado rito italiano, que, na verdade, era o trazido da Terra de Israel. Ainda hoje é praticado na Itália. Durante o período imperial, havia na cidade no mínimo 12 sinagogas em funcionamento. Infelizmente, nenhuma permaneceu de pé.

A situação dos judeus de Roma e de todo o Império Romano vai-se deteriorando enquanto se dissemina a afirmação do Cristianismo, até ser legalizado pelo Edito de Constantino, em 313, e o Concílio de Nicéia, em 325. Com o Edito de Teodósio, em 380, o Cristianismo torna-se religião oficial do Império Romano e, com o seu fortalecimento, a religião judaica passa de lícita para “reconhecida” e depois para “tolerada” – até ser completamente banida.

Os ensinamentos cristãos pregam que os judeus devem ser tolerados por serem considerados testemunhas das raízes antigas do Cristianismo, além de objeto do proselitismo, mas devem ser isolados e sua influência, minimizada. As leis civis outorgadas por imperadores cristãos seriam, por sua vez, embasadas nessas concepções eclesiásticas. 

O Papado foi ganhando poder no final dos séculos 3 e 4 desta Era. No decorrer dos primórdios do Cristianismo, o Bispo de Roma, “o Papa”, como é chamado, ganhou grande relevância tanto religiosa como política, chegando a estabelecer Roma como centro do Cristianismo. Em 476, os bárbaros saqueiam Roma, marcando o fim do Império Romano do Ocidente. No período tumultuado que se seguiu, o Papa passa a ser a única autoridade, e a Igreja Católica se torna um poder temporal4. Até ser anexada ao Reino da Itália em 1870, Roma foi a capital do Estados Pontifícios5.

A Idade Média

Na história europeia, a queda do Império Romano do Ocidente marca o início da Idade Média – período que se estende até o séc. 15. Daí em diante, a história dos judeus de Roma é a de suas relações com o papado, já que sua vida e fortuna dependiam do humor de cada pontífice. A eleição de um novo papa para os judeus era sempre uma incógnita. Podia implicar numa mudança de status para pior, da noite para o dia. Quando um novo pontífice era eleito, os judeus eram obrigados a encenar cerimônias humilhantes e, seus representantes, obrigados a ir ao encontro desse novo dignitário da Igreja com os rolos da Torá. O papa aceitava as Leis da Torá, mas condenava a interpretação judaica dessa mesma Lei. Ao longo dos séculos, conforme a personalidade e política dos vários pontífices, os judeus de Roma se depararam com proteção ou desprezo, tolerância ou repressões e reclusões em todos os seus níveis.

O Papa Gregório, o Grande (590-604), por exemplo, emitiu uma bula papal, afirmando que os judeus tinham direito a ter sua própria vida religiosa e deviam ser convertidos com persuasão, não pela força. Em suma, mesmo se a lei os considerava inferiores aos cristãos, eles foram autorizados a viver a sua própria vida religiosa.

Precisamos ressaltar que ainda assim desfrutaram de melhores condições de vida do que os judeus do resto da Europa. Não eram atormentados por pogroms ou pela fúria assassina dos cruzados.

Por volta do ano 1000 foram instituídas na Europa as guildas das artes e dos ofícios, das quais podiam ser membros apenas os cristãos. Aos judeus era permitido exercer uma profissão proibida aos cristãos: banqueiros. E os de Roma podem ser considerados os pioneiros dessa atividade econômica, nova na época: os bancos de crédito. O fato de negociarem com dinheiro os tornou indispensáveis. Reis e autoridades eclesiásticas reconhecem sua utilidade e lhes oferecem proteção e direitos.

No século 11 viveram em Roma sábios e eruditos judeus famosos por seu conhecimento. Entre eles, Rabi Nathan ben Yehiel, um compilador de dicionários, autor da obra magna, o Aruch.

Uma descrição da comunidade judaica, na época, pode ser encontrada no Livro de Viagens (Sefer Massaót) de Benjamin de Tudela, judeu espanhol, comerciante de pedras preciosas, que, entre 1159 e 1172, viajou pelo Mediterrâneo. Tudela relata ter visitado Roma em 1160. Descreve uma comunidade de cerca de 200 famílias “muito respeitadas”, com uma ativa vida intelectual. Apesar de integrados na sociedade maior, tinham orgulho de sua identidade.

Em Roma, eruditos judeus dedicavam-se a inúmeras disciplinas como filosofia, exegese bíblica, astronomia, medicina e matemática. Mantinham estreitas ligações com outros centros culturais judaicos e muçulmanos, e exerciam importante papel na disseminação do conhecimento científico. Dominando vários idiomas, eram exímios tradutores e agiam como mediadores entre diferentes culturas, fato que os colocava em contato direto com a Santa Sé.

Durante a Idade Média, os moradores das cidades, inclusive judeus, tinham o costume de se agrupar junto a pessoas das mesmas origens ou com ocupação semelhante. Em Roma, apesar de haver judeus espalhados por toda a cidade, a maioria ainda vivia na margem oposta do rio Tibre. Na época, sua principal ocupação era o comércio de tecidos. Alguns comerciantes judeus foram muito bem-sucedidos, como se vê pelo fato de alguns serem credores do Papa Clemente IV, num montante total de 12 mil florins, em 1266.

Contudo, sua posição era continuamente ameaçada em virtude da pregação dos frades dominicanos e franciscanos, que percorriam a Península Itálica, incutindo entre as massas o ódio contra os judeus.

O resultado é o crescimento do sentimento antijudaico, que associava os judeus ao mal e ao diabo, e que culminaria nos massacres do final do século 11 e ao longo do século 12.

Um importante marco na história do antissemitismo foi o 4º Concílio de Latrão iniciado em novembro de 1215, sob o comando do Papa Inocente III. O Concílio adotara a doutrina de que “fora da Igreja não há salvação” e impôs leis para o relacionamento judaico-cristão. Deixa muito claro, acima de tudo, a “necessidade” de isolá-los do convívio com os cristãos. Passa a ser-lhes proibido, entre outros, exercer cargos públicos, viver sob o mesmo teto que os cristãos e comer e beber em sua companhia. E têm, obrigatoriamente, que usar distintivos especiais de identificação em sua roupa.

Em 1239, a Igreja dá mais um passo em sua campanha contra o judaísmo. Após um “julgamento” que considera o Talmud ofensivo ao Cristianismo, determina o seu confisco. Em 1310, o Senado Romano intervém a favor dos judeus, proibindo a população de ameaçá-los. Porém, haviam piorado as condições de vida dos judeus romanos. A cidade entrara em declínio devido à alteração da residência do papado de Roma para Avignon, na França, entre 1309 a 1377, e muitos judeus, especialmente os banqueiros, começam a deixar Roma para cidades no Norte da Itália.

O Renascimento

Durante o Renascimento6, a comunidade judaica de Roma respirou aliviada e viveu um período de prosperidade e privilégios. Pontífices eleitos mantinham uma postura mais benevolente em relação aos judeus, como o Papa Martin V, que renovou a Bula Papal que protegia os judeus. Na verdade, o clero mantinha uma atitude dupla em relação ao judaísmo. Eles continuaram a denunciá-lo com as expressões mais fortes possíveis, sem que, no entanto, isso os impedisse de continuar favorecendo os judeus que faziam parte de suas relações. Muitos dos médicos pessoais de papas e do alto clero eram judeus, e estes recebiam uma série de privilégios, como a isenção de usar roupas que os identificassem – na época, uma capa vermelha – ou de pagar os impostos especiais cobrados a seu povo. Um exemplo disso foi a estreita ligação do médico Samuel Zarfati com o Papa Júlio II (1503-1513), o responsável por contratar Michelangelo para pintar a Capela Sistina. Como Zarfati lhe salvara a vida, recebe permissão do Papa para construir uma nova sinagoga.

O sucessor de Júlio II, Papa Leão X (1513-1521), segundo filho de Lorenzo, il Magnifico, também manteve bom relacionamento com os judeus de Roma. Instituiu uma cátedra de Língua Hebraica na Universidade Sapienza, aprovou a fundação de uma editora judaica e autorizou a reimpressão do Talmud.

Chegam os judeus sefarditas

A partir do final do século 15, com a chegada dos sefaradim cresce substancialmente o número de judeus na cidade. Em 1492, é promulgado um Edito pelos Reis Católicos espanhóis, Isabel e Fernão de Aragão, obrigando a maior comunidade judaica de toda a Diáspora a escolher entre a conversão ou o exílio. Milhares optam por abandonar terras espanholas e o Papa Alexandre VI permite que parte deles se instalem em Roma.

A população judaica romana dobra em poucas décadas com judeus vindos não só da Espanha, mas também dos domínios da Coroa Espanhola no Sul da Itália e Sicília, e de Portugal. Em 1527 viviam em Roma 1.772 judeus, em meio a uma população de 50 mil. A integração entre os sefarditas e os judeus romanos foi um processo difícil. Os recém-chegados fundam suas próprias sinagogas, mantendo seus ritos e tradições. Nesse período, são construídas duas sinagogas espanholas, uma siciliana, uma francesa e outra alemã.

Essa coexistência foi finalmente regulamentada em 1524, com os Capitoli7 escritos por Daniel ben Isaac de Pisa. Esse documento criava uma congregação unificada, formada por 30 membros da comunidade judaica romana e outros 30 judeus de outras paragens. Dessa forma, eram unificados todos os judeus em um governo comunitário.

Voltam os tempos difíceis: a criação do Gueto

A vida dos judeus de Roma se deteriora, drasticamente, após a eleição em 1534 do Papa Paulo III. Seu papado foi caracterizado por uma luta contra a Reforma Protestante iniciada por Lutero. Ele reativa o Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição Romana e, em 1545, convoca o Concílio de Trento. Iniciava-se a Contrarreforma8.

A Igreja endurece sua posição em relação aos judeus, aumentando a pressão para sua conversão. Cria um imposto a ser pago por todas as sinagogas dentro dos Estados Pontifícios, e ordena a queima do Talmud. Em 9 de setembro de 1553, Rosh Hashaná do ano judaico de 5314, centenas de volumes do Talmud são queimados em Campo dei Fiori, praça no centro de Roma. Alguns dias antes, no mesmo lugar, um monge franciscano convertido ao judaísmo, foi queimado na estaca.

Em maio de 1555, foi eleito um novo papa. Para desalento dos judeus, o escolhido foi o cardeal Caraffa, que assumiu com o nome de Paulo IV. Caraffa, que até então ocupara o posto de Grande Inquisidor, fora responsável por transformar a moderada Inquisição italiana em um instrumento de terror.

Para Paulo IV, o judaísmo representava uma ameaça à fé cristã. Dois meses após sua posse, emitiu uma bula papal, Cum Nimis Absurdum, que leva o nome de suas palavras iniciais: “Como é absurdo e tremendamente inconveniente que os judeus, que por sua própria culpa, foram condenados por D’us à escravidão eterna...”.

Na bula, que permanece com força de lei até 1870, o Papa determinava a criação compulsória de um gueto em Roma e demais cidades dos Estados papais. Os judeus de Roma foram deslocados para uma área cercada por um muro, na margem esquerda do rio Tibre.

A bula papal ainda os proibia de serem proprietários de terras, podendo apenas arrendá-las. Não podiam trabalhar em qualquer outro negócio a não ser a venda de roupas usadas e tecidos; empregar ou socializar com cristãos, nem trabalhar em público nos feriados cristãos. Médicos judeus não podiam atender pacientes cristãos. Eram obrigados a ouvir periodicamente sermões nas Igrejas e a usar sinais distintivos nas roupas. Podiam ter, apenas, uma sinagoga. Esta proibição foi contornada, incorporando sob um único teto, na chamada Cinque Scole, as cinco sinagogas das diferentes congregações: duas dos judeus romanos, Scola Tempio e Scola Nova; e três sefarditas: as Scole Catalana, Castilhana e Siciliana. Dentro das muralhas do gueto, surge um idioma próprio: o Giudaico-romanesco.

As regras da bula papal foram rápida e severamente postas em prática. O que mais afetou a comunidade foram as medidas econômicas. A venda a preço irrisório de suas propriedades, bem como a proibição de atuar em qualquer outro negócio que não o já citado, empobrece a comunidade, despojando-a de seu poder econômico.

A situação dos judeus romanos não muda muito até 1775, quando o Papa Pio VI emite o “Editto sopra gli Ebrei”, um édito sobre os judeus, que exacerba ainda mais as medidas persecutórias, adicionando outras. Uma das 24 cláusulas do documento rezava que quem passasse uma noite fora do gueto seria condenado à morte. Proibia o estudo do Talmud e os cortejos fúnebres. E a entrada nas igrejas, assim como era vedado aos cristãos entrar nas sinagogas.

Houve alguns papas que se mostraram mais humanos, garantindo aos judeus romanos alguns direitos pontuais, como o de viajar a negócios por todos os Estados Pontifícios, sem ter que voltar ao gueto à noite. Mas, com o tempo, a situação econômico-social só foi-se deteriorando.

A chegada dos franceses

Os acontecimentos da Revolução Francesa e as conquistas napoleônicas, embora com anos de atraso e por tempo limitado, modificaram as condições de vida dos judeus romanos. Em 10 de fevereiro de 1798, tropas francesas entraram na cidade e, no dia 15 daquele mês, foi declarado o fim do poder temporal do papa Pio VI. No dia 20 o Papa foi forçado a deixar Roma e, no dia seguinte é proclamada a primeira República Romana. Os judeus voltam a ter plena cidadania e direitos iguais, podendo abandonar o gueto. Na Piazza delle Cinque Scole, os judeus erguem uma “árvore da liberdade”. Infelizmente, a liberdade trazida pelos franceses não duraria muito tempo.

Em 1814, após a derrota de Napoleão, o Papa Pio VII, até então prisioneiro dos franceses, regressa a Roma. Com isso, os judeus perdem as conquistas civis. São obrigados a voltar ao gueto e a ouvir sermão dos padres. E é reinstituído o tributo humilhante que os representantes da comunidade eram obrigados a prestar no primeiro sábado de Carnaval, no Capitólio: ajoelhados perante os senadores, deviam suplicar a permissão de continuar vivendo em Roma.

Com a eleição, em 1823, do Papa Leo XII, a situação ainda piora. Em 1826 volta a vigorar o “Editto sopra gli Ebrei”, de 1775, e recrudescem os batismos forçados. Esta situação durou até 1848, quando Pio IX é eleito Papa. Este, num primeiro momento, demostra uma tendência liberal e manifesta inclusive a intenção de libertar os judeus do gueto. No entanto, os eventos que se seguiram mudam o curso dos acontecimentos.

Em 15 de novembro de 1848, os liberais romanos vão às ruas, pedindo por democracia e reformas. E, em 9 de fevereiro de 1849, Pio IX é deposto por uma revolução liberal que instituiu a Segunda República Romana de 1849. O papa deixa a cidade, disfarçado de padre, refugiando-se na fortaleza de Gaeta.

Escassos cinco meses dura a experiência republicana em Roma. Em 3 de julho, por conveniência política, a França de Napoleão III restabelece o ordenamento pontifício.

De volta ao poder, Pio IX perdera toda a simpatia pelas causas liberais. Intolerante e com tendências reacionárias, ele passa a repudiar a democracia e o Estado italiano, negando aos não católicos o direito à liberdade religiosa. Numa carta, William Gladstone, viajante inglês, descreve Roma como uma prisão: “Não há nenhuma liberdade, nem ao menos esperança de vida tranquila... Um estado de sítio permanente”.

O Papa acreditava caber aos judeus romanos parte da responsabilidade pela instituição da República, e os torna alvo de represálias, submetendo-os a severas leis. São obrigados a voltar ao gueto e a usar distintivos nas roupas. Um historiador italiano descreve a política judaica de Pio IX como “falsa, arrogante e cruel”.

Em 1858, o Papa se envolve no sequestro de uma criança judia de apenas 6 anos, Edgardo Mortara. Batizado secretamente por uma criada enquanto era ainda bebê, o menino é sequestrado pela polícia papal em Bolonha. Levado à força para a Casa do Catecismo, é instruído na fé católica. Pio IX adota-o. Apesar das súplicas dos pais e indignados protestos tanto por parte da comunidade internacional como da judaica, Edgardo Mortara cresce no Vaticano, tornando-se padre católico. O caso Mortara teve repercussões internacionais. Inúteis protestos diplomáticos foram enviados ao Pontífice. Entre os emissários a Roma estava Sir Moses Montefiore.

Em seu relatório sobre a “Missão Mortara” ao Conselho de Deputados dos Judeus Britânicos, Montefiore escreveu que “as condições dos judeus romanos eram extremamente lamentáveis “.

Essa situação finalmente muda em 1870, quando a Itália é reunificada. Em 20 de setembro de 1870, um oficial judeu piemontês teve a honra de comandar a bateria de canhões que abriram uma brecha nas muralhas de Roma, na Porta Pia. O poder temporal do Papa chegara ao fim.

Com a anexação da cidade ao Reino da Itália, os judeus romanos foram emancipados, tendo a partir de então os mesmos direitos que outros cidadãos. Eram os últimos a serem emancipados em toda a Europa...

1Entre 63 A.EC. e 6 E.C., foi um estado vassalo de Roma

2Flavius Josephus foi um general judeu, cujo nome era Joseph Ben Matityahu. Capturado pelos romanos na revolta de 66 a 70, viveu muitos anos na corte dos imperadores Flavianos, para quem escreveu longas histórias sobre o povo judeu na Antiguidade.

3O Arco foi restaurado em 1824.

4Poder de um clérigo, especialmente do Papa, também em questões seculares.

5Estados Pontifícios: territórios no centro da Península Itálica, que se mantiveram como um estado entre os anos 756 e 1870, sob a direta autoridade doVaticano.

6Usa-se o termo Renascimento para identificar o período da história da Europa entre meados do século 14 e o fim do século 16.

Capítulos de um documento, em italiano.

8 Contrarreforma, ou Reforma Católica, é o nome dado ao movimento criado pela Igreja Católica a partir de 1545, e que, segundo alguns autores, teria sido uma resposta à Reforma Protestante (de 1517) iniciada por Lutero.

9  Contrarreforma, ou Reforma Católica, é o nome dado ao movimento criado pela Igreja Católica a partir de 1545, e que, segundo alguns autores, teria sido uma resposta à Reforma Protestante (de 1517) iniciada por Lutero.

BIBLIOGRAFIA

Di Castro, Daniela,Treasures of the Jewish Museum of Rome: Guide to the Museum and Its Collection, De Luca A., 2010

Adams, H C, The History of the Jews from the War with Rome to the Present Time,Wentworth Press

Gianni Ascarelli, Daniela Di Castro, Bice Migliau, Mario Toscano, Il Tempio Maggiore di Roma nel centenario dell’inaugurazione della Sinagoga 1904-2004, Torino, 2004