Elegante e imponente, a Grande Sinagoga Portuguesa é o símbolo da liberdade que os judeus desfrutaram na Holanda, no século 17, e do prestígio e prosperidade dos judeus sefaraditas de Amsterdã.

No século 17, a Holanda abriu suas portas para os judeus, passando a constituir verdadeiro oásis de tolerância e liberdade em meio a uma Europa marcada por perseguições religiosas e políticas. E foi em Amsterdã que os judeus portugueses criaram uma florescente comunidade, lá erguendo, em 1675, a maior sinagoga do mundo.

A Grande Sinagoga Portuguesa de Amsterdã, chamada de Esnoga, "sinagoga" em português arcaico, era motivo de grande orgulho, pois nunca dantes, em sua Diáspora, tinham os judeus obtido a permissão de construir sinagogas tão monumentais. Em 1934, o jornalista checo, Egon Erwin Kisch, fez a seguinte afirmação em seu livro Emigrantes: local de residência - Amsterdã: "A Sinagoga Portuguesa não poderia jamais ser descrita como um local negligenciado, instável e escondido que servia de ponto de encontro para imigrantes ilegais - não, muito ao contrário, é uma construção esplêndida, poder-se-ia dizer, mesmo, uma "catedral judaica". Seu interior, sustentado por pilares de granito, ergue-se aos céus, quase o atingindo...".

A idéia de construir uma sinagoga nova e mais espaçosa para a congregação Talmud Torá foi lançada em novembro de 1670 pelo rabino Isaac Aboab da Fonseca, que regressara de Recife, no Brasil, em 1654, e tornara-se rabino-chefe da comunidade sefardita de Amsterdã. Em Recife, onde permaneceu por mais de uma década, tinha sido o rabino da sinagoga Zur Israel, a primeira erguida em terras das Américas.

A proposta foi imediatamente endossada pelos líderes comunitários, os Parnassim, e, a seguir, por toda a congregação. No mês seguinte, comprou-se um terreno em frente à Grande Sinagoga Asquenazita, inaugurada naquele ano na rua Houtgracht, coração do bairro judaico. Para projetar e executar a obra foram contratados dois não-judeus, pois, tolerância à parte, os judeus não eram admitidos em várias guildas, associações de artesãos de um mesmo ramo. O trabalho de marcenaria ficou a cargo de Gillis van der Veen, enquanto o arquiteto Elias Bouman, que mantinha laços profissionais e de amizade com membros da comunidade sefardita, seria responsável pelo projeto e execução da obra. Os dois profissionais também tinham colaborado na construção da Grande Sinagoga dos asquenazim.

A pedra fundamental da futura Esnoga foi colocada em abril de 1671 e a obra deveria ser entregue até maio do ano seguinte. No entanto, os trabalhos foram interrompidos quando, em 1672, a República Holandesa foi atacada e quase derrotada pelos exércitos franceses e ingleses. As obras foram retomadas somente dois anos mais tarde. O custo do magnífico edifício, que acomoda confortavelmente 1.200 homens e 440 mulheres, foi de 186.000 florins, uma soma extraordinária para a época.

No Shabat após Tisha B'av, 2 de agosto de 1675, a Esnoga é solenemente inaugurada. Tão magníficas foram as festividades que duraram 8 dias, deixando incrédulos os que assistiam às comemorações: como era possível tamanho fausto na inauguração de uma sinagoga judaica na Diáspora! Publicou-se, mais tarde, um livro com os discursos proferidos na ocasião, que conta com quatro gravuras feitas por Romeyn de Hooghe, artista do círculo do governador das Províncias Unidas da Holanda, o Stadholder, William III, futuro rei da Inglaterra. Segundo cronistas da época, o Núncio Papal de Colônia, que visitou a cidade um ano após a inauguração, manifestou-se "horrorizado de ver que ao povo judeu era permitido erguer tão esplêndida obra".

Projeto arquitetônico

Sua construção marca o clímax no desenvolvimento da arquitetura das sinagogas. Suas proporções, a um só tempo monumentais e equilibradas, as formas austeras, geométricas, sem detalhes rebuscados e de uma simetria consistente, tanto no exterior quanto no interior, pertencem à tradição arquitetônica clássica, muito apreciada na Holanda, na segunda metade do século 17.

O projeto de Bouman conseguiu compatibilizar as restrições impostas pela municipalidade e as necessidades litúrgicas. Características especificamente judaicas foram incorporadas ao projeto, através da simbologia da numerologia judaica. Alguns elementos arquitetônicos do Grande Templo de Jerusalém foram copiados na Esnoga, construída como um complexo retangular, com um pátio de entrada e duas grandes colunas frontais. Para criar seu projeto, o arquiteto utilizou desenhos e estudos sobre o Templo, publicados em 1642 pelo rabino Jacob Judá Leon.

A Sinagoga Portuguesa ocupa praticamente todo um quarteirão. Sua estatura é acentuada pelas altas janelas em arco e pelas construções mais baixas em seu redor, que abrigam áreas para estudos, mikvê e escritórios, assim como para outras atividades comunitárias. A Esnoga segue a recomendação talmúdica de que a Casa de Orações dever ser mais alta do que as construções à sua volta. Devido ao solo pantanoso que a abriga, a sinagoga foi construída sobre três mil estacas de madeira.

De acordo com o estilo da época, a fachada clássica é austera. A entrada principal é em pedra, com colunas toscanas, e no friso acima da porta lê-se, em letras hebraicas douradas, parte do Salmo 5, versículo 8. Além do sentido próprio, as palavras trazem, através de estrelas colocadas sobre os caracteres em hebraico, o ano em que a sinagoga deveria ter sido inaugurada (5432 =1672) e o nome do rabino Aboab da Fonseca.

O salão principal da sinagoga permanece, até hoje, praticamente inalterado. O interior é muito claro, pois 72 grandes janelas permitem a entrada de luz natural, durante o dia. À noite, o salão principal é iluminado por mais de 1.000 velas, em 26 grandes lustres de bronze polido e em castiçais colocados ao longo dos bancos. Esta iluminação permanece até o presente. Os números 26 e 72 foram escolhidos por representar o valor numérico do nome do Criador.

Quatro grandes colunas de basalto, em estilo jônico, dão sustentação a três abóbadas de madeira, ao passo que 12 colunas de granito, de estilo romano, apóiam as duas galerias para as mulheres. Originalmente, estas 12 colunas - em clara alusão às 12 tribos de Israel - eram em madeira, pois a congregação não conseguiu importar granito. Mas, em 1690, William III de Orange, recentemente coroado rei da Inglaterra, ao visitar a sinagoga, ficou surpreso ao ver as colunas, que, em sua opinião, destoavam de tão esplêndido interior. Pouco depois, William enviou para Amsterdã blocos de granito bruto daInglaterra e Irlanda.

O Hechal, (Aron ha-Codesh, Arca Sagrada) localizado na parede leste, na direção de Jerusalém, e a Tebá (Bimá), a oeste, são os dois pontos finais de um eixo que domina o interior. O espetacular Hechal, confeccionado em jacarandá procedente de Pernambuco, foi uma doação de Moisés Curiel, conhecido também pelo nome de Jerônimo Nunes da Costa, grande importador de madeira brasileira. Decorado com colunas e obeliscos, tem uma parte central mais alta, onde estão gravados, com letras douradas, os Dez Mandamentos. Entre os sefarim antigos guardados em seu interior alguns remontam ao século 17. A Tebá, púlpito central, também é de jacarandá, com entalhes e guirlandas ornamentais.

Para que todos os presentes tivessem perfeita visão do Hechal e da Tebá, os assentos dos bancos são alinhados perpendicularmente, um frente ao outro. O piso segue a tradição holandesa de colocar, sobre o assoalho de pinho, uma camada de areia fina destinada a abafar o barulho dos passos e absorver a umidade e a sujeira dos sapatos.

Inúmeras sinagogas construídas posteriormente inspiraram-se na arquitetura da Esnoga. As características de seu interior tornaram-se modelo no universo sefardita ocidental. Alguns exemplos são as sinagogas de Livorno, Itália, (1700); Londres, Inglaterra (Bevis Marks,1701); Maarssen, Holanda (1720, demolida em 1839); Willemstad, Curaçao (Mikve Israel-Emanuel, 1732) Paramaribo, Suriname (Neveh Shalom, 1737), Naarden, Holanda (1759, demolida em 1935),Newport, Rhode Island (Sinagoga Touro,1763) e Nova York (She'arith Israel, 1897).

A Esnoga passou por pequenas reformas, uma em 1850 e outra em 1950 e, atualmente, guarda muita semelhança à construída há 320 anos. Até hoje, não possui luz elétrica nem aquecimento. Nas primeiras décadas do século 20, o edifício foi tombado como Monumento Histórico Nacional e a comissão holandesa encarregada da preservação do Patrimônio Arquitetônico Nacional não permitiu alterações internas, pois segundo sua avaliação, "a Sinagoga Portuguesa é um edifício de tal beleza e com linhas tão proporcionais que nenhuma modificação em seu interior poderia aperfeiçoá-la".

Pequenas casas térreas separam da via pública o edifício central da sinagoga principal. Nessas pequenas casas, antes residência de famílias judias, hoje há bibliotecas, salas de aulas e reuniões, livraria, uma lojinha e uma mikvê. Na maior sala de estudo pertencente à Etz Haim (Árvore da Vida) - sociedade religiosa criada em 1637 para apoiar e financiar o estudo do judaísmo - foi instalada em 1953 uma pequena sinagoga. Como possui aquecimento central e luz elétrica, esta "sinagoga de inverno" é utilizada para as funções religiosas durante os meses mais frios, já que a Esnoga não possui aquecimento. Seus bancos datam de 1639 e pertenciam à sinagoga da rua Houtgracht, assim como o Hechal, que data de 1744. Essa "sinagoga de inverno" da acesso à célebre e esplêndida biblioteca Montezinos, também pertencente à Etz Haim, que possui uma coleção 20 mil livros judaicos, muitos dos quais antigas preciosidades.

A sinagoga e o Holocausto

É excepcional o fato de a Esnoga não ter sido danificada durante a 2ª Guerra Mundial, pois poucas sinagogas foram poupadas pela fúria de Hitler. É provável que os nazistas pretendessem lá instituir um museu da "cultura judaica perdida", ao término da guerra.

O governo holandês tomou em 1939 várias medidas para proteger a Grande Sinagoga Portuguesa. O sótão recebeu proteção anti-fogo e foi recoberto com um material resistente à ação de bombas incendiárias. O Hechal foi protegido por um alto muro de caixas contendo areia, sobre as quais foi lançada uma rede também à prova de combustão. O governo arcou com os custos e a congregação se incumbiu de providenciar os alarmes e extintores, e membros da congregação passaram a vigiá-la dia e noite. Quando os alemães invadiram a Holanda, em 1940, cerca de 140 mil judeus viviam no país, dos quais 120 mil em Amsterdã - destes, 4.300 eram sefaraditas.

Em fevereiro de 1941 espalhou-se a notícia de que nazistas holandeses planejavam incendiar a sinagoga, mas o ataque foi impedido. Algumas semanas mais tarde, as tropas da SS quiseram usar a Esnoga como centro de deportação, mas concluíram que não era adequada pelo fato de não ter luz elétrica e de não haver como cobrir suas altas janelas.

Apesar do perigo, os serviços religiosos lá continuaram a ser realizados até maio de 1943. Em junho, membros da congregação esconderam a lista com os nomes de todos os seus membros e os objetos rituais que ainda estavam em uso. A maioria fora resguardada nas caixas-fortes dos bancos, desde o início da guerra. Ao saquear os bancos, os nazistas roubaram tais objetos. Felizmente, boa parte destes foi encontrada e devolvida pelos aliados, ao término da guerra. Membros da comunidade continuaram a tomar conta da Esnoga até fevereiro de 1944, quando os cidadãos não judeus passaram a vigiá-la. Foi a presença destes vigias que assegurou que não fosse depredada no terrível inverno de 1944-45, quando a fome e o frio levaram milhares de pessoas a arrancar qualquer pedaço de madeira que encontrassem.

A Esnoga foi reaberta no dia 9 de maio de 1945. Ao final da guerra, havia apenas 20 mil judeus na Holanda, dos quais 800 sefaraditas. Por terem sobrevivido ao conflito e voltado à vida após o Holocausto, a sinagoga voltou a adotar seu antigo brasão: a fênix que ressurge das cinzas. Muito adequado!

Bibliografia

Kaplan, Yosef - Les Nouveuaux-Juifs D´Amsterdam, The Esnoga, a monument to Portuguese - Jewish Culture, 1991, Ed. D'Arts Amsterdam

Gottheil, Richard e Seeligmann, Sigmund, Amsterdam, JewishEncyclopedia.com