É milenar a saga do Povo Judeu na “Terra entre os Rios”, como era chamada a antiga Mesopotâmia, região também conhecida como Babilônia – hoje, Iraque. LÁ nasceu nosso primeiro Patriarca – Avraham Avinu – e sua esposa, Sarah. E FOI para onde, um milênio mais tarde – após a destruição de Jerusalém e do Primeiro Templo – os judeus foram levados cativos. FOI TAMBÉM ÀS margens dos rios da Babilônia que o Judaísmo se fortaleceu e onde foi moldado o espírito que sustentaria o Povo Judeu na Diáspora.
Sobre a importância da Diáspora babilônica, o Galut Bavel, como é conhecido em nossa história, o rabino Ezekiel Isidore Epstein1 escreveu: “Judá2 teve a mesma sorte que as Dez Tribos – o cativeiro. Mas enquanto as Dez Tribos desaparecem na poeira da História, fundindo-se com seus conquistadores, Judá sobrevive. E isso não foi tudo. Emergindo da provação severa do exílio e da aflição, Judá emergiria em um novo povo, …, os judeus, …, moldados e alimentados por uma fé que se manteve insensível às circunstâncias e ao ambiente que a cercava”.
Pano de fundo
É conturbada a história da Mesopotâmia, localizada no Crescente Fértil, entre os rios Tigre e Eufrates, pois sua localização estratégica atiçava a cobiça das grandes potências da época – Assíria, Babilônia, Macedônia, Roma e Pérsia – que a dominaram.
A história do Povo Judeu passa a estar interligada à “Terra entre os Rios” por volta do século 8 a.E.C., em grande parte em decorrência da divisão das Doze Tribos de Israel. Após a morte do Rei Salomão (935 ou 928 antes da Era Comum, a.E.C), seu filho Rechavam assume o trono. Dez tribos se recusam a aceitá-lo como rei e os Filhos de Israel, os Bnei Israel, dividem-se em dois reinos. O Reino de Israel, ao norte, passou a abrigar dez tribos e sua capital era Samaria, ao passo que o de Judá, ao sul, abrigava as duas tribos restantes – Yehudá e Binyamin -, e sua capital continuava sendo Jerusalém.
No decorrer do século seguinte, os dois reinos enfrentaram dificuldades, conflitos entre si e guerras com outras nações. A paz e prosperidade retornaram na primeira metade do século 8 a.E.C, mas a bonança foi de curta duração, pois ambos os reinos caem em mãos inimigas e os Bnei Israel são exilados da Terra que o Eterno lhes prometera.
A queda do Reino de Israel
No ano 745 a.E.C, Tiglate-Pileser III se torna rei da Assíria, levando, com suas campanhas militares, o Império Neoassírio à sua maior expansão. O rei assírio derrota o Reino de Israel em 733 a.E.C, obrigando-o a pagar pesados tributos e a lhe entregar parte de seu território. Os Filhos de Israel que viviam nessa parte do Reino, agora em mãos assírias, são deportados e outros povos são assentados em seu lugar. Os assírios adotavam essa estratégia político-militar para romper o elo entre os vencidos e sua terra.
Cerca de dez anos mais tarde, o Rei Hosea recusa-se a pagar tributosàAssíria. A represália não tarda. Os exércitos assírios atacam Israel, o rei é aprisionado e, após um cerco de três anos, Samaria cai em mãos inimigas. O que restava do Reino de Israel se torna uma província assíria e sua população é deportada. De acordo com arquivos assírios, essa segunda deportação ocorreu no ano 721 a.E.C e incluiu 27.290 judeus. Uma parte foi levada para a “Terra entre os Rios”, então parte do Império Assírio. O restante foi espalhado por outros cantos do Império. O destino das Dez Tribos foi pesaroso – a maioria se assimilou. As Dez Tribos desapareceram da História e se tornaram lenda. Hoje são inúmeros os grupos que acreditam descender das Dez Tribos perdidas de Israel.
O Reino de Judá sobreviveria por mais 133 anos, mas assim como o Reino de Israel, acaba sendo derrotado e a maior parte do povo, levada para o cativeiro.
A queda do Reino de Judá
No século 7 a.E.C., o Império Neoassírio está em declínio. Em 620 a.E.C., Nabopolassar assume o controle do território babilônico, torna-se rei e funda o Império Neobabilônico. Os problemas de Judá têm início 15 anos mais tarde quando Nabucodonosor II, então rei da Babilônia, derrota o Egito. Naquele tempo, por ser um estado tributário do Egito, Judá passa, consequentemente, para o domínio babilônico. Mas, Jehoiakim3, rei de Judá, rebela-se contra a Babilônia. Os babilônios empreendem uma campanha militar punitiva para esmagar a rebelião de Judá. Jerusalém é sitiada. Em março de 597 a.E.C.4 os babilônios entram na cidade. Para impedir a destruição de Jerusalém, o rei Jehoiakim, no trono há apenas 100 dias, rende-se e é levado cativo. Acompanham-no ao cativeiro 10 mil dos mais notáveis cidadãos de Judá – entre os quais membros da família real, nobreza e exército, muitos Sábios e o profeta Ezequiel.
Nabucodonosor coloca Zedequias no trono em Jerusalém. Mas apesar das admoestações do profeta Jeremias, encorajado por falsos profetas e pelo Egito, o rei Zedequias também se rebela contra a Babilônia.
Retornando, os exércitos babilônicos sitiam novamente Jerusalém. Depois de um cerco desesperado que dura dois anos, em agosto de 586 a.E.C.5 Nabucodonosor entra em Jerusalém e arrasa a cidade e o Templo Sagrado. Milhares de judeus são massacrados e cerca de 40 mil são levados cativos para a Babilônia.
Era o início da Primeira Diáspora – a “Diáspora babilônica “, o Galut Bavel. Como veremos a seguir, esse primeiro exílio foi de crucial importância para toda a história de nosso povo.
Na Babilônia, os judeus não são escravizados – tampouco maltratados – e lhes é concedida autonomia comunitária e liberdade religiosa. Eles são assentados ao redor de Nippur, uma das maiores cidades do Império. Acreditam os historiadores que o motivo para isso fosse o fato de que lá já viviam outros grupos de judeus exilados. Um desses grupos era formado pelos cativos de Judá levados para a Babilônia 11 anos antes. Outro grupo era composto por descendentes das Dez Tribos que haviam sido deportados pelos assírios nas primeiras décadas do século 8 a.E.C.. A maioria se assimilara, mas os que haviam mantido sua identidade judaica se juntaram aos exilados de Judá.
O Império Neobabilônico vivia naquele então um extraordinário progresso econômico.Historiadores acreditam que, por terem sido assentados em uma região de grande vitalidade, os cativos de Judá puderam rapidamente integrar-se à vida econômica do império. Contudo, apesar dessa integração e da adoção do aramaico como idioma de seu dia a dia, os judeus não se mesclaram com as populações pagãs. Viviam e se casavam entre si e se apegaram com vigor à sua fé e à lembrança da Terra que lhes prometera o Eterno.
As palavras dos profetas Jeremias e Ezequiel
As palavras de dois de nossos maiores profetas, Jeremias e Ezequiel, exerceram uma influência decisiva durante esse dramático período de nossa História. O profeta Jeremias viveu no Reino de Judá durante o período mais crucial de nossa História. D’us o havia incumbido de levar Sua Palavra ao Rei e ao Povo, alertando-os do perigo mortal que pairava sobre eles. O profeta os adverte de que se não se voltassem a D’us, os babilônios invadiriam Judá, Jerusalém cairia diante de Nabucodonosor e o cativeiro babilônico seria inevitável. Mas ninguém deu ouvidos ao profeta Jeremias – nem o Rei, nem o Povo, optando por ouvir os falsos profetas.
O profeta sabia que a sobrevivência do Povo Judeu dependia da perseverança dos exilados na preservação de sua fé e sua identidade judaica, apesar de estarem vivendo como uma pequena minoria entre outras nações, em uma terra que não lhes pertencia. Antes da catástrofe se abater sobre Judá, o profeta envia uma mensagem aos exilados na Babilônia: “Assim disse o Senhor das Legiões, D’us de Israel, a todos os exilados que exilei de Jerusalém para a Babilônia: Construam casas e habitem nelas; plantem jardins e comam seus frutos. Tomem esposas e tenham filhos e filhas ... e se multipliquem ...”.
As profecias de Jeremias se provaram verdadeiras e, quando os judeus veem sua Terra arrasada pelos inimigos e Jerusalém e o Templo reduzidos a cinzas, caem no desespero. O profeta Jeremias é quem mais sofre com o terrível destino de seu povo, e ele registra seu amargo lamento no Livro de Eichá (Lamentações) – um dos livros do Tanach – que é lido em Tishá b’Av. Contudo, nessa hora tão dramática, o profeta não abandona seu povo; Jeremias lhes dá esperanças. Revela que nem tudo estava perdido e que haveria um futuro esperançoso para os Filhos de Israel. O profeta iria ser a força espiritual que ajudaria seu povo a suportar, com bravura, a grande perda, e que apontaria o caminho que o levaria a uma futura redenção.
Como vimos acima, o segundo profeta, Ezequiel, havia sido levado à Babilônia quando o Templo foi destruído. Ele deixa de ser um profeta severo a partir do momento em que Judá cai e tudo parece perdido. Quando um desespero profundo toma conta dos judeus, Ezequiel se torna um profeta consolador, que inspira coragem e esperança no coração de seu abatido povo. Ele lhes assegura que D’us não os havia abandonado e, muito menos, Se esquecido deles. E profetiza sobre a futura redenção do Povo Judeu – sua volta à Terra de Israel e a reunião dos exilados vindos das terras de sua dispersão.
Na Babilônia, Ezequiel pregava incessantemente o quão importante cada um deles era para D’us, preconizando que o renascimento de toda a Nação só poderia vir por meio de uma reconciliação de cada um dos judeus individualmente com D’us. Ele ensinava que todo judeu era responsável por sua vida e conduta e, ao mesmo tempo, tinha responsabilidade por sua comunidade e por toda a Nação Judaica. O profeta também repetia, incansavelmente, que a futura Redenção de Israel dependia da lealdade absoluta do Povo Judeu a D’us e à Sua Torá.
Mantendo vivo o espírito do Judaísmo
Essa nova percepção da realidade de um relacionamento pessoal com D’us, ensinada pelo profeta Ezequiel, foi de fundamental importância para o Povo Judeu. Significava que mesmo tendo sido exilados da Terra Prometida e de Jerusalém, e tendo o Templo sido destruído, os judeus ainda poderiam, individual e coletivamente, conectar-se com D’us e O servir, e o Eterno estaria com eles, sempre, independentemente de onde estivessem.
Assim, o Beit Midrash – a Casa de Estudos de Torá – tomou o lugar do Templo Sagrado e as observâncias religiosas – especialmente a oração e o jejum – substituíram os ritos de sacrifício realizados pelo Cohen Gadol (o Sumo-Sacerdote) e os Cohanim no Templo Sagrado de Jerusalém. A sinagoga passou a desempenhar uma função essencial na vida do Povo Judeu, tornando-se o símbolo da democracia espiritual e religiosa. Ademais, diferentemente do Templo, que só podia estar localizado em Jerusalém, a sinagoga não se limitava a nenhuma localidade. Sob a influência do profeta Ezequiel, os judeus ergueram casas de orações e de estudo da Torá na Babilônia, e assim mantiveram vivo o espírito do Judaísmo.
Por meio das Casas de Estudo e das sinagogas, o estudo da Torá se tornou mais acessível ao povo. Foi estabelecido que, em todo Shabat e em toda festa religiosa, seria lida e elucidada uma passagem da Torá, para que todas as pessoas, nas sinagogas, tivessem acesso à Palavra de D’us. Os Profetas e Sábios estavam cientes de que havia judeus que viviam longe de locais onde havia sinagogas; e, como a Lei não permitia o deslocamento deles no Shabat, os Sábios instituíram a leitura de um trecho da Torá nos dias de feiras – segundas e quintas-feiras – quando os judeus vinham para as aldeias. Essa deliberação persiste até nossos dias.
Na Babilônia, muitos judeus se tornaram extremamente ricos e poderosos, mas outros tantos viviam na miséria. Os Sábios instituíram tradições cujo intuito era evitar que os mais pobres se sentissem humilhados. Muitas de nossas tradições, inclusive as relacionadas ao enterro, foram criadas com esse intuito.
A vida na Babilônia
Na “Terra dos dois Rios” os judeus seguiam a palavra de D’us transmitida pelos profetas. Os judeus se reergueram, trabalharam com empenho, prosperaram e se multiplicaram. Naquela época, a Babilônia era um centro vital de comércio e finanças. Na Terra de Israel, a maioria dos judeus haviam sido camponeses e criadores de gado. Na Babilônia, sua ocupação mais comum continuou sendo a agricultura, mas eles também passaram a atuar nas mais diversas atividades. Tornaram-se padeiros e cervejeiros; tecelões, tintureiros e alfaiates; construtores navais, marinheiros e pescadores, entre outras ocupações.
Muitos se tornaram comerciantes e alguns trabalhavam com importação e exportação. As rotas de comércio da Babilônia os levavam a todos os cantos até então conhecidos no mundo. Uma atividade comercial em tal escala exigia um sistema bancário condizente. Consequentemente, tornaram-se financistas e banqueiros.
Houve judeus que ingressaram no serviço público e alguns ocuparam lugares de destaque na corte babilônica, entre eles, Daniel, Chananya, Mishael e Azarya, descendentes da família real do Reino de Judá, assim como Nehemias.
A Babilônia e a Terra de Israel
O século 6 a.E.C. é palco de drásticas mudanças na geopolítica da região que inclui a Babilônia, e estas irão repercutir na história do Povo Judeu. A história do envolvimento de gerações de uma família judia no setor bancário internacional é documentada. A firma ‘Murashu and Sons’ – Banco Internacional – Seguros, Transmissão, Empréstimos – Bens Pessoais e Imobiliários, deixou para a posteridade seus documentos comerciais quase intactos.
Em 539 a.E.C., o rei persa CiroII, o Grande, entra vitorioso na Babilônia. Menos de um ano mais tarde, ele emite um decreto permitindo aos judeus retornar a Jerusalém e reconstruir o Templo. O rei os autorizou ainda a levar os objetos sagrados do Templo que os babilônios haviam capturado.
Foi um momento de júbilo para os judeus, que haviam sonhado com a volta à Terra de Israel e a reconstrução do Templo. Mas quantos deles iriam voltar? Na Babilônia, viviam confortavelmente. Além disso, sabiam que o retorno à Terra significaria enfrentar inúmeras dificuldades. Os judeus que ainda viviam na Terra de Israel – os que não haviam sido levado cativos – eram pobres e, portanto, seria necessário levar grandes somas para a reconstrução de Jerusalém e do Templo.
Em 538 a.E.C., aproximadamente 42 mil judeus deixaram a Babilônia rumo a Jerusalém, liderados por Zerubabel. Levavam consigo seus bens e as doações de ouro e prata feitas pela comunidade judaica e pelo rei. Ao chegar na Terra de Israel, porém, a alegria de ter retornado à sua Terra se dissipou diante da dura realidade vigente. Os anos que se seguiram foram marcados por conflitos, desentendimentos e agressões dos habitantes não judeus, que não viam com bons olhos a volta dos judeus à Eretz Israel. Finalmente, no ano 516 a.E.C, praticamente 21 anos após o retorno, a construção do Segundo Templo foi concluída. A inauguração ocorreu, conforme as profecias, 70 anos depois que o Primeiro Templo fora arrasado.
Ezra e Nehemias
A Era do Segundo Templo se iniciou empobrecida, física e espiritualmente. O Templo era uma construção modesta e seria reformado por completo quatro vezes. Apenas durante a época de Herodes voltaria a ser uma das maravilhas do mundo. No Segundo Templo, não havia a Arca Sagrada – que continha as Tábuas dos Dez Mandamentos -, tampouco a Menorá de ouro, que havia sido feita por Moshé. Ademais, a comunidade judaica estava sob constante estado de sítio, ameaçada pelos vizinhos não-judeus, e se estava desintegrando espiritualmente. Será somente após a chegada de Ezra, o Escriba (Ezra HaSofer) e de Nehemias, vindos da Babilônia, que seriam criadas as sólidas fundações que permitiram o crescimento e o florescimento da vida em Eretz Israel.
Quando Ezra chegou à Terra de Israel, em 458 a.E.C., acompanhado por uma segunda leva de judeus babilônios, ele se deparou com uma comunidade judaica que se afundara espiritualmente. Muitos judeus estavam se assimilando – não eram poucos os casados com mulheres não judias. O Shabat, um dos mandamentos fundamentais do Judaísmo, era profanado.
Graças à sua grande força espiritual e poder de liderança, Ezra conseguiu, em relativamente pouco tempo, reverter essa situação. Convenceu os judeus a fortalecer sua conexão com D’us e a deixar as esposas não-judias. Ele instituiu que a Torá fosse lida publicamente, como na Babilônia, no Shabat e nas segundas e quintas-feiras. Contudo, os judeus ainda estavam enfraquecidos e sujeitos às ameaças das nações vizinhas.
Nehemias nasceu na Babilônia e ocupava um importante cargo na corte de Dario, imperador persa. Quando toma conhecimento de que os samaritanos, enfurecidos com a inauguração do Templo, haviam invadido Jerusalém, destruído suas muralhas e saqueado a cidade, ele pede a Dario permissão para ir a Judá, prometendo que retornaria à Babilônia. O imperador concordou, dando-lhe um contingente militar e amplos poderes.
Nehemias governou Judá entre os anos 445-433 a.E.C. Durante esse período, liderou a reconstrução das muralhas de Jerusalém e incentivou os judeus a se defenderem militarmente de seus inimigos. Compeliu-os a cumprir o juramento que haviam feito a Ezra de se divorciar de suas esposas não-judias e tomou providências para garantir a observância do Shabat. Suas contribuições foram cruciais para o desenvolvimento da Nação Judaica na Terra de Israel. Nos séculos seguintes, Judá volta a ser o centro da vida judaica.
Domínio grego e persa
A era aquemênida, que se iniciara quando os exércitos de Ciro entraram na Babilônia, encerrou-se dois séculos depois, em 331 a.E.C., quando Alexandre, o Grande, o macedônio, conquista a região.
Nem a cultura babilônica nem a persa tinham por objetivo assimilar totalmente os judeus. Contudo, Alexandre era um oponente mais persistente e sutil, e visava a promover a helenização6 de todos os povos que conquistava.
Por volta do ano de 312 a.E.C., a Babilônia ficou sob o domínio de Seleucus, um dos generais de Alexandre. Aos poucos ele iria dominar todas as terras que Alexandre havia conquistado na Ásia, incluindo a Terra de Israel. O grande debate a respeito da helenização, que muito influenciou os judeus da Terra de Israel, porém, pouco afetou a comunidade judaica da Babilônia.
Quando em 126 a.E.C., o Império Parta, uma das principais potências político-culturais iranianas da Pérsia Antiga, conquista a Babilônia, a comunidade judaica babilônica passa a ser a única grande comunidade judaica que não se encontrava sob domínio romano.
A Babilônia ressurge como centro Intelectual judaico
Roma conquistou a Terra de Israel no ano 63 a.E.C.. A primeira revolta contra Roma eclode um século mais tarde, em 66 E.C.. Quando Vespasiano, o general romano encarregado de debelar a revolta judaica, é empossado imperador, ele delega essa tarefa a seu filho, Tito. Em Tisha B’Av do ano 70, Tito conquista Jerusalém, fazendo tombar o Templo Sagrado. Era o início da Segunda Diáspora.
A segunda revolta judaica na Terra de Israel, liderada por Bar Kochba em 135, teve consequências ainda mais graves. Quase 600 mil judeus foram mortos, outros tantos levados como escravos. Roma impôs aos judeus que viviam na Terra de Israel várias sanções, uma delas especialmente grave: o decreto do imperador Adriano que colocaria o Judaísmo na ilegalidade.
Nesse mesmo ano de 135 nasceu, na Terra de Israel, o Rabi Yehudá HaNassi, o Sábio cujos conhecimentos sobre a Torá lhe valeram, no Talmud, o título de Rabi (nosso Mestre). Rabi Yehudá HaNassi foi o principal responsável pela compilação da Mishná, o resumo transcrito da Torá Oral, que D’us transmitiu a Moshé no Monte Sinai.
Rabi Yehudá HaNassi temia que um tão vasto repositório de Leis – ou, ao menos, parte dele – pudesse ser esquecido pelas gerações seguintes, já que os judeus viviam sob ocupação de governantes estrangeiros ou no exílio. Essa preocupação o levou a fazer algo inédito: transcrever o núcleo da Torá Oral, para que ela nunca fosse esquecida. Para se entender a magnitude da contribuição e influência de Rabi Yehudá HaNassi, faz-se necessário lembrar que a Mishná constitui a pedra fundamental do estudo das leis da Torá. A Guemará, frequentemente chamada de “Talmud”, comenta e elucida os ensinamentos da Mishná. Juntas, as duas obras formam a base da Lei Judaica e de suas práticas. Sem o Talmud, a Torá Escrita não pode ser entendida em seu real significado, não podendo, tampouco, ser cumprida a maior parte de suas Leis. Ao compilar a Mishná, Rabi Yehudá HaNassi estava assegurando a sobrevivência do Judaísmo.
Comunidade judaica na Babilônia
A opressão romana na Terra de Israel foi o grande propulsor para o crescimento da comunidade judaica na Babilônia, que, por quase dois séculos, havia aparentado estar dormente. Algumas passagens do Talmud Bavli, o Talmud Babilônico, indicam que por volta do ano 70, havia cerca de um milhão de judeus na Babilônia.
As comunidades mais importantes eram as de Nehardea, na junção do Eufrates com o Canal Real; Nisibis e Mahoze, no mesmo canal; e Sura, ao sul de Mahasiah. Em meados do 2º século, os judeus da Babilônia constituíam a mais sólida e próspera de todas as comunidades judaicas.
Os judeus do mundo sempre haviam dependido da liderança judaica na Terra de Israel para orientá-los quanto à prática das leis e tradições judaicas. Após a queda de Jerusalém e a destruição do Templo, muitos acreditavam que não haveria onde buscar orientação. No entanto, nesse momento crítico da história judaica, havia Sábios que não acreditavam que a derrota judaica fosse necessariamente fatal para a vida de seu povo. O estudo e a observância religiosa, afirmavam eles, garantiriam a permanência do Povo Judeu.
Na Babilônia, a tolerância dos partas permitia aos judeus autonomia comunitária e liberdade religiosa. Isso levou milhares de judeus da Terra de Israel, entre eles muitos Sábios, a buscar refúgio permanente na Babilônia. Assim, a comunidade judaica da Babilônia ressurge como o grande centro intelectual, assumindo um papel ainda maior na vida judaica do que em qualquer época no passado e se firmando como o mais importante centro isolado de ensino judaico do mundo. Assim permaneceu até o início do século 11.
O Império Persa volta a dominar a Babilônia
Após terem vencido os partas em 226, os persas voltam a assumir o governo da Babilônia. No século 3, os judeus gozam de autonomia religiosa, sob a liderança do Exilarca, o Resh Galuta – o “Príncipe do Cativeiro”. Líder oficial da comunidade judaica desde seus primórdios e descendente da Casa de David, é o Exilarca quem estimula o estabelecimento de academias rabínicas na Babilônia Central. Nessa época são fundadas as academias de Sura, ao sul do que é hoje Bagdá, e de Pumbedita. Em seu auge, essas ieshivot centralizavam toda a vida judaica. Os nomes de Sura e Pumbedita foram imortalizados pelo Talmud Bavli e seus eruditos são reverenciados até os dias de hoje.
Um novo tipo de teocracia se fortalecia na Babilônia, constituído por rabinos que pertenciam a todas as classes sociais e cuja liderança era baseada exclusivamente no estudo e no grau de observância às leis do Judaísmo.
No século 4, continuam a florescer os estudos rabínicos. Entre os maiores Sábios estão Abaye e Rava. É no final desse século que se inicia, na academia de Sura, a compilação do material para o Talmud Babilônico – o Talmud Bavli. Essa enciclopédia sagrada é selada por volta do ano de 530, passando a constituir a base do Judaísmo. Com seus ensinamentos, irradiaria conhecimentos e influenciaria todas as futuras gerações judaicas.
O Talmud Bavli é a fonte primária de Teologia e Lei Judaica (Halachá). Tem dois componentes: a Mishná (c. 200) – um compêndio escrito da Torá Oral, e a Guemará (c. 500). A Guemará representa o ápice de mais de 300 anos de análise nas Academias Talmúdicas da Babilônia. A base desse processo foi lançada por Abba Arika (175-247), comumente conhecido como Rav, que foi aluno de Rabi Yehudá HaNassi, redator-chefe e editor da Mishná.
O Talmud Babilônico foi compilado por dois Sábios da Babilônia, Rav Ashi e Ravina II. Rav Ashi, um dos maiores líderes e Sábios judeus de todos os tempos, foi o presidente da Academia de Sura de 375 a 427. O trabalho iniciado por ele foi concluído por Ravina II. O falecimento de Ravina II (filho de Rav Huna e sobrinho de Ravina I) no dia 13 de Kislev no ano 4236 (475 E.C.) é considerado o fim da era talmúdica.
O Talmud Babilônico é constituído por 2.711 páginas. Foi escrito em hebraico mishnaico (da Era da Mishná) e aramaico babilônico e contém ensinamentos sobre uma variedade de assuntos, incluindo Lei Judaica (Halachá), ética, filosofia, história, sabedoria, costumes e tradições judaicos. Embora seja uma obra que concerne às leis da Torá, o Talmud também aborda alguns assuntos místicos e sobrenaturais. Após o falecimento de Ravina II, nenhuma adição foi feita ao Talmud.
Na época em que o Talmud Bavli foi concluído, praticamente todo o Povo Judeu o aceitou como fonte suprema de Lei do Judaísmo. E foi o Talmud o que manteve forte e intacta a identidade do Povo Judeu ao longo de um exílio que duraria dois mil anos.
1 Rabi Ezekiel Isidore Epstein (1894–1962), grande erudito e rabino ortodoxo inglês, foi Diretor de Ensino e, posteriormente, Diretor-geral do Jews’ College, em Londres. Ele é mais conhecido por ter sido o editor da primeira tradução completa ao inglês do Talmud Babilônico.
2Refere-se aos habitantes do Reino de Judá.
3Seu nome original era Elyakim, mas foi mudado para Jehoiakim pelo Faraó Neco, que o consagrou rei.
4Variam as datas, números de deportações e de deportados que aparecem nos relatos bíblicos.
5Há discrepâncias entre a datação rabínica e a acadêmica. Nesta matéria vamos adotar a datação acadêmica. Essa discrepância, chamada de “the missing years”, os “anos que faltam”, refere-se à diferença entre a datação rabínica da destruição do Primeiro Templo, em 423 a.E.C (3338) e a datação dos acadêmicos, 586 a.E.C. A subsequente datação manteria essa diferença.
6Helenização é um termo usado para descrever a difusão da cultura da Grécia Antiga É usado principalmente para descrever a difusão da civilização helenística durante o período que se seguiu às campanhas de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia
Bibliografia
Rejwan, Nissim, The Jews of Iraq: 3000 Years of History and Culture, 1ª edição, 30 junho de 2020. eBook Kindle
Iraq, Encyclopaedia Judaica, 2ª edição, Volume 10