Após ser liquidada em 1943, a comunidade judaica de Arlon renasce com a restauração da mais antiga sinagoga da Bélgica.
Em 1245, Arlon possuía um conselheiro municipal judeu, chamado Babbus. Na Idade Média, há notícias de uma Rua dos Judeus. Em 8 de outubro de 1808, Félix Samuel, originário de Niedervisse, na Moselle francesa1, instala-se em Arlon. Comerciante, tem 28 anos. Muito rapidamente, a comunidade judaica aumenta, com a chegada da família Cerf. Félix Samuel casa-se com uma filha do chefe da família Cerf. Pouco depois, é a vez de Moïse Kahn et Alexandre Kahn se instalarem no local. Poucos anos depois, em 1815, três famílias compõem a comunidade, totalizando 13 pessoas. Em 1818, Félix Samuel é nomeado Presidente da Comunidade Judaica de Arlon. A partir de então, alguns famílias provenientes da Lorena (Lorraine), Alsácia e Sarre também se instalam no cidade. Em 1834, a comunidade já conta com 102 pessoas, subindo para 119, em 1846, e 250 em 1900. Pouco a pouco outras famílias se instalam em Habay, Messancy, Athus e Aubange, somando ao todo 83 judeus nessas cidades menores. O afluxo dessas famílias se deve aos distúrbios contra os judeus que ocorrem pelo território da Alsácia e, posteriormente, à guerra franco-alemã de 1870. Os comerciantes valem-se da proximidade com diferentes fronteiras para exercer seus negócios no idioma francês, mas também no dialeto judeu-alsaciano ou até em iídiche. Certamente foi essa a razão do sucesso de Arlon, se comparado com a situação em Bruxelas ou Antuérpia. A comunidade judaica de Arlon é oficialmente reconhecida por um decreto real, em 1841. No plano jurídico, seus integrantes não são tratados como judeus, mas como belgas ou estrangeiros. Abraham Oungre, autoridade religiosa oficiante de 1867 a 1912 é perfeitamente intregrado na cidade e respeitado por todos.
Em 1845, o abade Thill, professor de religião católica no Ateneu Real de Arlon, retoma as acusações de morte ritual contra os judeus. O Consistório Central, órgão máximo judaico, encaminha seu protesto ao Ministério do Interior, que exige uma retratação oficial – o que foi feito em um de seus tribunais. Em 1865, dentre os chefes das 32 famílias judias locais, 24 são comerciantes. Os demais são açougueiros, donos de albergues, lavradores, um deles é juiz no tribunal de Arlon e um é bancário. Em 1839, a província de Luxemburgo é separada do Grão Ducado de Luxemburgo. O cemitério judaico de Luxemburgo proíbe, a partir de então, os enterros de judeus belgas. Por essa razão, em 1852, uma parte do cemitério local é cedido à comunidade judaica de Arlon para lá enterrar seus mortos. Em setembro de 1860, o arquiteto Albert Jamot é encarregado de fazer o projeto para a futura sinagoga local. A prefeitura cede o terreno e contribui financeiramente para sua construção. Iniciada a obra em janeiro de 1864, durou até meados de 1865, no local chamado “Clos Hofbauer”, nome do antigo proprietário do terreno. Inaugurada em 21 de setembro de 1865, contou com a presença das autoridades locais. O ministro do culto oficiante foi o Sr. Model, mas a inaguração oficial ocorreu em 16 de dezembro de 1866, um ano depois, com a presença do Grão Rabino da Bélgica, Sr. Astruc.
Em 20 de fevereiro de 1897, um incêndio destruiu a moradia do bedel da Comunidade, Sr. Cerf Goldschmidt, que perdeu a vida juntamente com seus quatro filhos, Jeannette, Salomon, Flora e Bertha. Um monumento em sua homenagem foi erguido no cemitério judaico.
Após a Noite dos Cristais, na Alemanha, em 9 de novembro de 1938, a Bélgica testemunhou a chegada de refugiados do Reich em seu território. O presidente da Comunidade de Arlon assumiu o controle na fronteira, dispersando-os para Bruxelas e Antuérpia, encarregando-se de parte deles.
Os alemães não foram os únicos a buscar refúgio em solo belga. Poloneses, romenos, húngaros e pessoas de outras nacionalidades lá buscam refúgio. Na primavera de 1940, a polícia faz um levantamento e registra 98 judeus apátridas. O rabino oficiante, Lucien Behr, francês instalado em Arlon com sua esposa, Julie Hoenel, a partir de 1912, sucedendo Abraham Oungre, é um homem inteligente e trabalhador, que congrega toda essa comunidade composta de imigrantes de várias procedências. Em 10 de maio de 1940, entendendo os maus tempos que se aproximavam, os judeus arlonenses entendem que se fazia necessário tomar uma séria decisão. O caminho diante deles eram as estradas da França em direção das zonas livres. Max Lodner e seus pais, Walter Strauss em sua bicicleta agarrado a seu violoncelo, Léon Levy transportando sete pessoas em seu automóvel, Paquin Jacob com sua mulher e filha partem todos para La Creuse2. Seu filho, Nathan, mobilizado desde 1938, e sua companhia de Caçadores de Ardennes3, estavam prontos para enfrentar o inimigo. Feito prisioneiro, ele foi enviado a Sagane, depois a Görlitz, onde ficou durante cinco longos anos. Sua noiva também havia partido para La Creuse com seus pais, tendo reencontrado a família de Nathan em uma cidade pequena, Dun le Palleteau. Lá eles permaneceram até o fim da guerra, vivendo em dificuldade com o pouco que tinham. Mas mesmo para quem tinha dinheiro, era muito difícil encontrar com que sobreviver.
Durante esse tempo, as medidas anti judaicas tomam corpo, em Arlon. Em 23 de outubro de 1940, uma medida do governo proíbe o abate ritual de animais. Em 28 de outubro, dois outros decretos são promulgados. O primeiro definia quem era judeu: “ Judeu é todo indivíduo descendente de no mínimo três avós de raça judia. É considerado judeu todo indivíduo descendente de dois avós judeus, se posteriormente contratar casamento com uma judia”. Proibição de retornar à Bélgica àqueles judeus que haviam fugido do país. A criação de um registro dos judeus. Este registro foi aberto na Prefeitura de Arlon em 28 de novembro de 1940. Os judeus que ainda viviam lá se registram, sendo feitas 42 fichas, uma em Athus e uma em Thiaumont.
Em 10 de junho de 1941, os comerciantes são obrigados a colocar um cartaz na fachada de suas lojas indicando sua origem. Pouco depois, suas contas bancárias são bloqueadas. Por volta de setembro, um decreto proíbe aos judeus a circulação fora dos limites de suas casas entre as 20 horas e as 7 da manhã. Em seguida, a palavra “Judeu” é colocada, em destaque, nos documentos de identidade. O prefeito, Paul Reuter, recusa-se a entregar a lista dos judeus à Sipo (Sicherheits polizei), a polícia de segurança, mas o prefeito Eichorn cumpre a ordem após ter sido convocado, duas vezes, pelo governador Greindl. As crianças judias são proibidas de frequentar os colégios, e a placa da Praça Camille Cerf é removida. Em 27 de julho de 1942, os judeus apátridas de Arlon recebem uma convocação. A Feldgendarmerie (Polícia Militar) realiza as detenções e assume a escolta dos prisioneiros até Malines.
À chegada do 21o comboio a Auschwitz, 262 deportados recebem uma “matrícula” tatuada no braço. Os demais 738 são diretamente levados às câmaras de gás. Dentre os arlonenses registrados, sobrevivem apenas 3 ao fim da guerra.
Tudo volta à calma em Arlon até o dia 7 de abril de 1943. Os policiais militares batem com violência às portas das casas. A notícia da prisão do rabino Lucien Behr se espalha como um rastilho de pólvora. A multidão é reunida no pátio do Hôtel du Nord. Lá se encontram Lucien Behr e sua esposa, Julie Hoenel, Ida e Otto Popper, Joseph Losner, Camille e Irma Cahen, Gizela Schabes, Hilda Hoffmann-Loew e a decana da comunidade, Fanny Bonn, do alto de seus 86 anos, já muito doente. Eles são franceses, poloneses, austríacos, romenos, mas são arlonenses por adoção. No momento em que a esposa do Sr. Behr sobe no caminhão aberto, a professora Elvire Levy lhe joga um cobertor. Lucien Behr se cobre com seu Talit, seu xale de oração, e abençoa a população de Arlon. É a última imagem que os arlonenses conservam daquele homem tão respeitado.
Uma testemunha libertada de Malines conta que na prisão Dossin, um homem velho de nome Behr visita sistematicamente os enfermos. Todos desapareceram em Auschwitz. No verão de 1943, restam apenas poucas famílias judias belgas, mantidas na mira dos alemães, mas que se convenceram que os alemães não iriam prender cidadãos belgas. No entanto, decidem passar para a clandestinidade, abrigando-se nas aldeias onde seus clientes e amigos os abrigariam.
Em 18 de setembro de 1944, a minúscula comunidade judaica da Bélgica, reconstituída em companhia dos soldados americanos judeus que os haviam libertado, celebram Rosh Hashaná, o ano novo, na casa de Alexandre Levy, na Rue des Faubourgs.
A cidade de Arlon, e os membros da comunidade judaica, colocaram pedras da memória, Stolpersteine, em 29 de abril de 2019, em memória de uma parte dos deportados. Após a guerra e até o presente a comunidade judaica continuou a funcionar com cerca de 30-40 pessoas. Seus presidentes foram Max Lodner, Walter Strauss, Roger Jacob e Jean-Claude Jacob, que lhes traça estas linhas. Após a guerra, “Les Ministres-Officiants”, ministros do culto, em substituição aos rabinos, foram Simon Meisner e eu, Jean-Claude Jacob. Nunca mais recebemos, em Arlon, um rabino propriamente dito, apesar de que a população assim denomina os oficiantes do culto. Nossa linda sinagoga viu-se forçada a fechar suas portas em 15 de agosto de 2014, pois parte da abóbada despencou durante um ofício de Shabat. O incidente foi causado por um fungo que comprometeu a estrutura da construção. Ficou fechada até 7 de setembro de 2019. As Jornadas do Patrimônio atraíram 1.700 pessoas em 2 dias, com grande frequência e homenagens, como se vê nas fotos. Com grande alegria os serviços religiosos de Rosh Hashaná foram realizados a partir de 29 de setembro de 2019.
Jean-Claude Jacob é o presidente da comunidade e ministro do culto da sinagoga. Piedade Levy Wallerand contribuiu com o artigo.