Um dos mais nobres reconhecimentos na vida de um pesquisador médico é quando uma doença ou um microorganismo, ou mesmo uma área anatômica, recebem o seu nome.
Na literatura médica existe um grande número de situações deste tipo, ou seja, a atribuição de epônimos, sendo que muitos deles são conhecidos inclusive pelo mundo leigo. Alguns exemplos são a doença de Hodgkin, um tipo de linfoma que leva o nome do médico inglês Thomas Hodgkin que o descreveu, em 1832; a tireoidite de Hashimoto, uma doença da glândula tireóide; ou o mal de Alzheimer, que provoca perda de memória e pode evoluir para demência e que foi descrito por Alois Alzheimer em uma revista médica, em 1906. Muitas dessas homenagens, conforme mencionamos acima, devem-se à descrição de uma nova doença, ao entendimento de um conjunto obscuro de sintomas ou à introdução de um novo aparelho.
Ocasionalmente uma destas homenagens pode tornar-se um tributo embaraçoso, principalmente quando uma pesquisa mais apurada do passado médico do homenageado traz à luz a presença de situações negativas em sua vida. O caso em questão envolve a doença de origem ainda desconhecida que causa artrite, conjuntivite e alterações dermatológicas, conhecida como Síndrome de Reiter. Trata-se de um médico alemão que descreveu este conjunto de sintomas em um hospital militar alemão, em 1916. A denominação “doença de Reiter” passou a ser utilizada na literatura médica inglesa no início da década de 1940. Naquela altura Reiter já se havia tornado um adepto de Hitler. Recentemente, detalhes da carreira de Hans Conrad Reiter deixaram bem claro que ele esteve intensamente envolvido nas atrocidades nazistas, em uma dimensão bem maior do que se imaginava.
Dois reumatologistas da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, obtiveram evidências adicionais de que o papel do Dr. Reiter, como líder nazista, passava pela aprovação de experimentos humanos em campos de concentração. Daniel Wallace e Michael Weisman praticam medicina no sul da Califórnia, na área metropolitana de Los Angeles, e passaram a se interessar pelo assunto quando alguns pacientes sobreviventes dos campos de concentração relatavam casos parecidos envolvendo o nome de Hans Reiter. O problema levantado pelos médicos em um dos números recentes do Journal of Clinical Rheumatology, e descrito no New York Times, é muito sério. O título do artigo deixa bem clara a constrangedora constatação: “Um criminoso de guerra merece a distinção eponímica? A vida dupla de Hans Reiter (1881-1969)”.
Qual o caminho a seguir? A Spondylitis Association of America, em que se insere a síndrome de Reiter, propõe que o nome “síndrome de Reiter” seja substituído por “síndrome da artrite reativa”. Editores de revistas devem sugerir o mesmo. No Brasil, estou escrevendo artigos para as revistas de Clínica Médica e de Reumatologia com o mesmo objetivo.
Acho que a prática secular de homenagear descobertas com epônimos deve continuar, sendo justificável quando uma descoberta original causa impacto, modifica curso de doenças, introduz novos recursos de identificação de problemas médicos e outros. No entanto, não pode haver dicotomia entre o lado ético e moral e o reconhecimento profissional.
Dr. Morton Scheinberg
Médico Clínico e Pesquisador
em Reumatologia e Imunologia
Referências:
Reiter H. Reiter Syndrome. Ger Med Monthly 2:346, 1957.
Wallace D. J., Weisman M.: Should a War Criminal be Rewarded with Eponymous Distinction. The Double Life of Hans Reiter. J Clin Rheumatol 6:49, 2000.