A história de Chanucá remonta a uma época muito anterior ao milagre do frasco de óleo.
Inicia-se quando Alexandre, o Grande, rei da Macedônia, após conquistar seu grande império, leva a seus domínios a cultura e o idioma grego, assentando assim as bases da civilização helenística. Este fato provocou uma mudança fundamental na cultura mundial. Educado por Aristóteles, filósofo grego, Alexandre almejava criar uma cultura "globalizada". Na época, a cultura grega era sinônimo de progresso. Os pensadores gregos desenvolviam a filosofia, as ciências naturais, as artes plásticas e o culto ao corpo. Fazer com que essa cultura fosse assimilada pelas nações não era tarefa difícil. Frente à cultura decadente e retrógrada do mundo antigo, despontava a cultura helenista que rompia com os grilhões de diversos tipos de opressão - e isto, encantava a todos os povos. Quando no ano de 323 aEC, com apenas 33 anos, Alexandre morreu, seu império começou a desmoronar e foi dividido entre seus generais. Dois deles ficaram com a parte oriental: Talmai (Ptolomeu I), fundador da Dinastia Ptolomaica, com o Egito; Salvacos (Seleucos I), fundador da Dinastia Selêucida, com a região da Síria, Iraque, Pérsia, Afeganistão, Paquistão e partes da Índia. A estratégica Terra de Israel, cobiçada por egípcios e selêucidas, troca várias vezes de mãos. Durante os primeiros 100 anos, ficou sob domínio egípcio e, no final do século II a. E.C., passou para domínio selêucida, contra o qual os judeus empreenderiam uma revolta. Contudo, a cultura helenista, predominante nos dois reinos, consolidava-se, sendo as únicas exceções a esse processo Jerusalém e o reino de Yehudá, cujos habitantes se recusavam a adotá-la.
Enquanto Israel estava sob domínio de Ptolomeu II, era permitido aos judeus viver de acordo com sua fé. O próprio rei considerava a Torá um patrimônio cultural e obrigara setenta e dois sábios judeus a traduzi-la ao grego. Esta famosa tradução ficou conhecida como Septuaginta. Os Sábios de Israel, no entanto, temiam - com razão - essa excessiva aproximação.
Paulatinamente, entre os judeus, o movimento de assimilação começa a tomar forma, com a crescente adoção de hábitos gregos. A nova cultura atraía, em particular, jovens afastados de suas raízes, ludibriados por sua beleza externa e sua pseudo-liberdade moral e cultural. Com o tempo, o helenismo conquista mais adeptos - entre os quais, membros da aristocracia judaica. Contudo, em sua maioria, o povo judeu permaneceu fiel à fé de seus antepassados. Quando sobe ao poder o rei selêucida, Antíoco IV, piora sensivelmente a situação dos judeus. O monarca estava determinado a dobrar os habitante da Terra de Israel, que se mostravam irredutíveis em não aceitar a cultura grega. Num primeiro momento, Antíoco instalou uma guarnição militar em Jerusalém para facilitar suas manobras. Em seguida, depôs do cargo Chonyo, o Sumo Sacerdote, nomeando, em seu lugar, Yeshua (Yassun), que abraçara os costumes gregos e helenizara seu nome para Jasão. Contudo, também este é afastado do cargo, sendo substituído por Manalaus, mais assimilado, ainda, à cultura grega. Grandes ginásios foram erguidos em Jerusalém, que se tornou uma cidade helênica. Esta cultura irradiava; seus partidários judeus recebiam dos selêucidas todo o respaldo necessário. Os judeus assimilados viam a Torá e as mitsvot como obsoletas e destituídas de valor. Acreditavam que, ao incorporar valores e idéias gregas, seriam os pioneiros do progresso e, a seus olhos, eram retrógrados e fanáticos aqueles que se mantinham fiéis à Torá.
Aconselhado por seus assessores, Antíoco compreende que não conseguiria abalar os alicerces do espírito judaico a não ser que atacasse diretamente sua fonte - a própria religião judaica. Para tanto, proclamou leis que proibiam, entre outros, o estudo da Torá, a observância do Shabat, a circuncisão e as oferendas no Templo. Porém, de forma paradoxal, esses decretos fortaleceram o ânimo judaico e acabam sendo o estopim de uma revolta armada.
A revolta iniciou-se em Modiín, vilarejo onde vivia uma família de Cohanim - os Chashmonaím. Seu líder, Matitiahu, era pai de cinco filhos: Shimon; Yehudá, o Macabeu; Elazar; Yochanan e Yonatan. A revolta explodiu quando um grupo de gregos reuniu os habitantes do vilarejo na praça onde fora erguido um altar com ídolos. O general grego exigiu que Yochanan fizesse oferendas naquele lugar. Este, porém, recusou-se veementemente e sua atitude fez irromper a revolta. Antíoco e seus exércitos eram muito poderosos - o que, no entanto, não impediu os judeus de lutarem com fé para manter sua liberdade religiosa. No decorrer da guerra, falece Matitiahu, já avançado nos anos, sendo seu filho, Yehudá, ha-Macabi, nomeado general.Tendo que lutar contra um inimigo poderoso, este último adota a estratégia de guerrilhas, que consistia em ataques-surpresa contra o inimigo. Com isso, os Chashmonaím lograram vitórias, e, em toda a Judéia, elevou-se a moral nos povoados judaicos. Muitos se uniram ao exército de Yehudá. Travavam-se batalhas corpo-a-corpo e, em todas, ele e seus comandados sentiam a constante Mão de D'us a guiá-los.
Yehudá queria retomar Jerusalém para purificar o Templo. Na última e decisiva batalha, travada perto de Jerusalém, o general grego Lysias pôs em campo mais de 40.000 soldados. Mesmo assim, o pequeno exército hasmoneu os derrotou, liberando, assim, o caminho para Jerusalém. Mas, ao chegar ao Templo Sagrado, encontraram apenas desolação, ruínas, ídolos e estátuas por toda parte.
No dia 25 de Kislêv foi reconsagrado o Altar. Era o ano 3595 de nosso calendário, que correspondia a 165 aEC, pelo gregoriano. A Menorá do Templo precisava ser acesa e, para isso, era necessário azeite de oliva ritualmente puro. Contudo, havia apenas um frasco que não fora violado pelos gregos, suficiente para um dia apenas. Mas, mesmo assim, acenderam a Menorá. E, foi então que ocorre o grande milagre e o azeite ardeu por oito dias.
Visto por uma perspectiva histórica, percebe-se claramente que fomos merecedores da festa de Chanucá devido ao comprometimento irredutível daqueles judeus que permaneceram fiéis à nossa fé. Pode-se mesmo dizer que devemos a esses grandes heróis o fato em si de sermos judeus, hoje. Pois sem a sua fé inabalável, não seríamos mais o "Povo de Israel".
Os judeus da época foram submetidos ao mesmo teste que hoje enfrentamos: como manter a singularidade judaica vivendo num mundo moderno? Como permanecer firmes no cumprimento das leis da Torá, mitsvot e tradições judaicas, enquanto vivemos em meio a valores e conceitos tão diferentes dos nossos? Como ser um judeu fiel à sua religião e às tradições de seus antepassados, sem se alienar quanto ao que ocorre à sua volta?
Estas são perguntas com as quais os judeus de nossa época se defrontam, em especial aqueles que mantêm uma relação socioeconômica com um mundo cada vez mais globalizado. De um lado, é impossível ignorar o mundo capitalista. Por outro, o progresso e a modernização não podem afetar nossa identidade judaica.Há judeus que decidem abdicar de certas partes do judaísmo para melhor se relacionar com o mundo em sua volta; enquanto outros mantêm sua fé e religião de forma irredutível, preservando o que é seu, sem adotar culturas alheias.
É importante lembrar que a maioria dos judeus, à época dos Chashmonaím, mantinham-se fiéis ao judaísmo. Havia e sempre haverá diferenças em relação ao nível de religiosidade e comprometimento com a Torá e as mitsvot de cada um, porém a ligação enraizada e íntima do judaísmo sempre foi mantida, jamais se tendo perdido. O helenismo de ontem e a assimilação de hoje envolveram uma determinada camada de nosso povo, mas a maioria da Nação Judaica permanece fiel à sua fé - e, isso sempre se expressou com veemência ainda maior em momentos de adversidades.
Quando acendermos as velas de Chanucá, recordaremos a vitória dos Chashmon e a integridade dos judeus que desprezaram culturas pagãs e se mantiveram fiéis à fé de seus ancestrais. Os helenistas argumentavam que se não adotássemos a cultura grega, não conseguiríamos sobreviver no mundo "moderno" daqueles dias. Mas, quem desapareceu na História foram os próprios gregos, assim como os romanos, babilônios, persas e assírios. Não tivessem existido aqueles judeus persistentes, cientes da necessidade de preservar sua singularidade e sua religião, talvez Antíoco não sentisse necessidade de eliminar o judaísmo; mas se assim fosse, não teríamos Chanucá. Nós mesmos não existiríamos como Nação. Teríamos desaparecido na história, totalmente assimilados entre os povos, assim como ocorreu com as demais nações da Antigüidade.
Essa é a história de Chanucá. A forma como celebramos o seu milagre expressa esta verdade. Houve uma vitória bélica de grandiosas proporções, quando uns poucos soldados derrotaram o poderoso exército grego. A priori, deveríamos vincular a festa a esta vitória; mas, na prática, apenas a lembramos na oração de "Veal Hanissim". Isto porque o ponto primordial de Chanucá é o milagre do azeite. Nossos Sábios desejavam que as gerações futuras percebessem qual a verdadeira luta travada em Chanucá - a luta pela espiritualidade judaica - simbolizada pelo óleo e sua chama que, fulgurante, brilhou durante 8 dias. As guerras e as vitórias vieram pelo poder da fé, da chama que surgiu com grande ímpeto no coração daqueles judeus.
Ao celebrarmos Chanucá devemos lembrar que a perda da espiritualidade deve ser nossa maior preocupação. É imperativo fortalecer a identidade judaica para a permanência em si de nosso povo. Temos a obrigação de plantar no coração da nova geração um judaísmo forte e sólido, para que possam compreender o verdadeiro significado da existência do Povo Judeu. Somente assim lhes estamos dando uma bagagem espiritual que lhes permitirá enfrentar qualquer influência. Chanucá, é o símbolo do teste que todo judeu enfrenta: viver num mundo atual, porém fiel à sua religião e à tradição de seus pais.
A luta dos Chashmonaím fez com que se re-inaugurasse o Templo e se restaurasse o reino judaico. Esta foi a redenção daquela época. Hoje, aguardamos uma redenção muito mais intensa. Depois de quase 2.000 anos de amargo exílio, estamos confiantes de que a luz do judaísmo e as chamas da fé hão de triunfar, restabelecendo a monarquia, a dinastia da família real de David e o acendimento das velas da Menorá no Terceiro Templo Sagrado, em Jerusalém, ainda em nossos dias.