Uma das personalidades mais importantes de nosso tempo, Simon Wiesenthal dedicou sua vida a documentar com tenacidade e persistência os crimes do Holocausto e a desmascarar e entregar à justiça os criminosos de guerra ainda livres.

Fundador do Centro Judaico de Documentação, em Viena, ajudou a capturar cerca de 1.100 criminosos de guerra nazistas, entre eles Adolf Eichmann, o carrasco que planejou o extermínio dos judeus.

Wiesenthal recebeu mais de uma centena de prêmios e condecorações, entre os quais a “Medalha Presidencial da Liberdade”, maior condecoração civil dos Estados Unidos, oferecida por Bill Clinton, em 2000; e o “World Tolerance Award”, outorgado para premiar seu compromisso com a justiça, a tolerância e a paz.

Também foi homenageado por movimentos de resistência de vários países europeus, recebeu “Medalhas da Liberdade” na Holanda e em Luxemburgo, e a Medalha de Ouro do Congresso americano. Foi nomeado Cavalheiro da Legião de Honra, na França, e seu trabalho em prol dos refugiados foi reconhecido pelas Nações Unidas.

Sua vida

Simon Wiesenthal nasceu em 31 de dezembro de 1908, em Buczacz, na Galícia, então parte do Império Austro-húngaro, hoje Lvov, na Ucrânia. Recusado pelo Instituto Politécnico de sua cidade natal pelas cotas restritivas a alunos judeus, fez seus estudos na Universidade de Praga, onde se formou em Arquitetura, em 1932.

Em 1936 casou-se com Cyla. Trabalhava, então, em um escritório de arquitetura. Em 1939 a Alemanha e a União Soviética assinaram um pacto de não-agressão mútua e dividiram entre si a Polônia. O exército russo ocupava Lvov, promovendo as famosas purgas dos elementos “burgueses”: especificamente dos comerciantes, pequenos industriais e outros profissionais judeus. Seu padrasto foi preso e morreu na prisão; seu meio-irmão foi baleado; ele perdeu o trabalho e tornou-se mecânico em uma fábrica de molas para camas. Wiesenthal salvou-se e à sua família da deportação para a Sibéria subornando um comissário de polícia.

Quando em 1941 os alemães ocuparam Lvov, ele e Cyla foram enviados a um campo de trabalhos forçados, cujos prisioneiros cuidavam da manutenção da rede ferroviária. No ano seguinte, a máquina terrível do genocídio nazista estava em pleno andamento e Simon e Cyla haviam perdido 89 membros de sua família, entre eles a mãe de Simon. O tipo físico de Cyla – loira de olhos azuis – permitia que ela passasse por ariana, e Simon fez um acordo com a resistência polonesa: trocou mapas ferroviários detalhados, feitos por ele mesmo, por documentos falsos e um salva-conduto de saída do campo para a mulher, que passou a viver em Varsóvia como “Irene Kowalska”.

Ele conseguiu fugir em 1943, mas foi recapturado no ano seguinte e enviado novamente ao campo de Janovska. Com o avanço do Exército Vermelho, para evitar que fossem enviados ao front, as SS decidiram manter vivos os 34 prisioneiros que ainda restavam dos 149 mil que havia inicialmente no campo. Durante a marcha de retirada rumo ao Ocidente, que passou pelo campo de Buchenwald e terminou em Mauthausen, no norte da Áustria, pouquíssimos prisioneiros sobreviveram.

Quando, em 5 de maio 1945, o campo de Mauthausen foi libertado pelos americanos, Simon pesava menos que 50 quilos. Assim que recuperou suas forças, começou a reunir provas das atrocidades cometidas pelos nazistas para a seção dos crimes de guerra do exército americano. Além desse trabalho, dirigia o Comitê Judaico da Áustria, uma organização assistencial beneficente.

No final de 1945, Simon e Cyla se reencontraram e se reuniram novamente, após anos acreditando que o outro morrera. Um ano depois, nasceu sua filha Pauline.

Seu trabalho

As provas fornecidas por Wiesenthal foram utilizadas durante os julgamentos dos criminosos nazistas na zona sob controle americano. Em 1947, encerrado seu trabalho para o exército dos Estados Unidos, Wiesenthal abriu, com trinta voluntários, o Centro Judaico de Documentação Histórica, na cidade austríaca de Linz, com a finalidade de coletar provas para futuros processos.

Mas com o recrudecimento da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, os dois lados perderam o interesse em levar a julgamento os criminosos nazistas. Os voluntários de Wiesenthal acabaram desistindo e o Centro de Linz foi extinto. Seus arquivos foram doados ao Yad Vashem de Jerusalém, com exceção do dossiê de Adolf Eichmann, chefe do Departamento Judaico da Gestapo e responsável pela implementação da “Solução Final”. Wiesenthal passou a se sustentar com seu trabalho assistencial, além de dirigir uma escola profissionalizante para refugiados vindos da Hungria e de outros países do Leste Europeu. Mas nunca desistiu da busca por Eichmann, que desaparecera após a Segunda Guerra Mundial.

Em 1953, recebeu a informação de que Eichmann se encontrava na Argentina e a transmitiu à Embaixada de Israel. Mas, somente em 1959, a Alemanha comunicou a Israel que Eichmann vivia tranqüilamente em Buenos Aires, sob a falsa identidade de Ricardo Klemens. Este foi capturado por agentes israelenses e julgado em Israel. Declarado culpado por homicídio em massa, foi executado em 1961 – o único caso de execução em Israel.

Incentivado pelo sucesso da operação, Wiesenthal reabriu o Centro Judaico de Documentação, desta vez em Viena, passando a se dedicar exclusivamente a caçar nazistas criminosos de guerra. Sua prioridade era descobrir o paradeiro de Karl Silberbauer, o oficial da Gestapo que prendeu Anne Frank, a jovem judia alemã assassinada pelos nazistas após passar dois anos escondida em um sótão, em Amsterdã, Holanda. Enquanto neonazistas holandeses tentavam pôr em discussão a autenticidade do diário deixado por Anne, Wiesenthal localizou Silberbauer em 1963, na Áustria, onde trabalhava como inspetor de polícia.

Em outubro de 1966, em Stuttgart, ocorreu o julgamento de 16 oficiais da SS, acusados do extermínio dos judeus de Lvov. Nove deles tinham sido descobertos por Wiesenthal. Um dos criminosos mais procurados era Fritz Stangl, comandante dos campos de Treblinka e Sobibor, na Polônia. Após três anos de busca, Stangl foi localizado no Brasil, extraditado para a Alemanha Ocidental, julgado e condenado à prisão perpétua em 1967.

No mesmo ano, Wiesenthal publicou seu livro de memórias, Os assassinos entre nós. Durante o lançamento do livro nos EUA, declarou ter descoberto, após nove anos de pesquisa, Hermine Braunsteiner, casada Ryan, que vivia como uma tranqüila dona de casa em Queens, Nova York. Ela fora responsável pela morte de centenas de crianças em Maidanek. Ela também foi extraditada, julgada e condenada à prisão perpétua na Alemanha Ocidental, em 1973.

O Centro de Documentação em Viena é um pequeno escritório de três salas em que trabalham Wiesenthal e sua equipe de três secretárias. Ele não persegue diretamente os criminosos: sua tarefa é coletar e analisar as informações, com a ajuda de uma vasta rede informal de amigos, colegas, simpatizantes – espalhados pelo mundo – e até de veteranos alemães da Segunda Guerra, horrorizados com o que testemunharam, e ex-nazistas que guardam rancor contra seus companheiros. Uma seção especial documenta as atividades de grupos de extrema direita e neonazistas. Wiesenthal recolhe todos os documentos, registros e depoimentos pertinentes. Com a percepção aguda de um arquiteto e a profundidade de um talmudista, com um talento brilhante para o raciocínio investigativo, junta as peças mais obscuras, incompletas, aparentemente irrelevantes ou sem nexo, e constitui casos com embasamento suficiente para serem sustentados em um tribunal. Os dossiês são entregues às autoridades competentes. Caso, como freqüentemente acontece, estas não tomem as providências necessárias, Wiesenthal recorre à mídia, porque conhece bem a força da propaganda e da opinião pública.

Ainda há muito a ser feito. Além dos casos de criminosos ainda vivos e que nunca foram julgados, há que se manter viva a memória da dimensão do Holocausto nazista entre as autoridades e o público. Para encerrar seu livro de memórias, Wiesenthal cita as palavras de um oficial da SS, em 1944: “Você dirá a verdade aos americanos ... Sabe o que vai acontecer? Não vão acreditar em você. Dirão que é louco... Como alguém poderá acreditar nesses terríveis acontecimentos sem tê-los vivido?”

Wiesenthal foi consultor dos filmes “O dossiê de Odessa” (1974) e “Meninos do Brasil” (1978), baseados em seu trabalho. Em 1981, o Centro de Documentação produziu o premiado documentário “Genocídio”, narrado por Elisabeth Taylor e Orson Welles.

Ele e a mulher, Cyla, vivem em um modesto apartamento em Viena e levam uma vida social muito tranqüila. Wiesenthal passa as noites respondendo cartas, examinando livros e arquivos e trabalhando em sua coleção de selos. Constantemente recebe cartas anônimas contendo ameaças e insultos. Em 1982, uma bomba explodiu em frente a sua casa, causando grandes danos. Desde então, a casa e o escritório são protegidos por seguranças armados.

À pergunta por que se tornou um caçador de nazistas, uma resposta foi publicada no The New York Times, em 1964. Ele passava o Shabat na casa de um amigo sobrevivente de Mauthausen, que se tornara um bem-sucedido joalheiro. “Simon, se você tivesse voltado a construir casas, hoje seria milionário. Por que não o fez?” Ao que Wiesenthal respondeu: “Você é religioso, acredita em D’us e na vida após a morte. Eu também acredito. Quando chegarmos ao mundo vindouro, reencontraremos os milhões de judeus mortos nos campos e eles nos perguntarão o que fizemos. Haverá muitas respostas; você poderá dizer que se tornou joalheiro e um outro dirá que construiu casas. Mas eu direi que não me esqueci deles”.


Bibliografia

A Life’s work, artigo publicado por Simon Hattenstone, na edição de 29 de outubro de 2001 do jornal The Guardian

A Lifelong Obsession, artigo publicado por Susan Kennedy, na edição de 11 de janeiro de 2002 do The Jerusalem Post

Simon Wiesenthal, Copyright 1995, Simon Wiesenthal Center, Los Angeles, Califórnia.