O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, escolheu para dirigir o principal banco central do planeta uma mãe judia.
Primeira mulher apontada para o cargo e atual vice-presidente da instituição, Janet Louise Yellen começou a mergulhar nos caminhos responsáveis por transformá-la numa das mais renomadas economistas norte-americanas quando se viu diante de um dilema típico dos tempos atuais: conciliar atividade profissional e a maternidade. Na hora de contratar uma babá para o pequeno Robert, percebeu como poderia desenvolver um pensamento voltado à criação de empregos, tema candente na maior economia mundial.
“Casal em faculdade procura babá. Boa remuneração”, dizia um classificado na edição de 24 de julho de 1981 do “The Daily Californian”, jornal estudantil de Berkeley. Foi o início de um processo de reflexão teórica, posteriormente aliado a uma carreira de sucesso em várias instituições da economia norte-americana, que levou Janet Yellen a se notabilizar como uma usina de ideias obcecada com a criação de empregos. Como muitos economistas de sua geração, ela se interessou pelo estudo da Grande Depressão de 1929, período em que a taxa de desemprego bateu em impressionantes 24%.
Com a crise financeira de 2008-2009, o índice chegou a 10%, e, recentemente, recuou para a casa dos 7%. O presidente Obama, ao indicar a primeira mulher para o cargo de presidente do Federal Reserve, o Banco Central norte-americano, sinalizou sua preocupação com a criação de postos de trabalho e deixou para o Senado, conforme dita a legislação, a tarefa de votar a escolha de Janet Yellen.
A excelência em Economia marca a sua vida familiar. George Akerlof, o marido, ganhou Prêmio Nobel de Economia em 2001, junto com Michael Spence e Joseph Stiglitz, e é professor-emérito em Berkeley, com doutorado pelo MIT. Casaram-se em 1978, e o filho Robert leciona na Universidade de Warwick.
George e Janet se conheceram na cantina do Federal Reserve, em 1977, quando faziam pesquisas. “Gostamos um do outro imediatamente e decidimos nos casar”, escreveu Akerlof, segundo reportagem do “The New York Times”. O texto faz referência a memórias escritas pelo economista após ser laureado com o Nobel, quando ele lembrou que não apenas as personalidades do marido e da esposa combinavam perfeitamente, mas também suas visões sobre macroeconomia. “Nosso único desentendimento vem do fato de ela apoiar um pouco mais do que eu o livre comércio”, observou Akerlof.
No universo das discussões domésticas, o combate ao desemprego sempre esteve em alta, sobretudo na década de 1980. O casal levava o tema para a mesa de jantar ou para as férias no Havaí, onde preferiam ler refestelados na cadeira de praia a entrar no mar.
O convívio familiar e a seriedade nos estudos sempre marcaram a vida de Janet Yellen. Ela nasceu no dia 13 de agosto de 1946, no Brooklyn, filha do médico Julius Yellen e da professora Anna, cujo sobrenome de solteira era Blumenthal. O pai, uma vez por semana, fechava o consultório à tarde para passar mais tempo com a família.
Atividades intelectuais modelavam a rotina doméstica. Anna criava grupos de leitura. Livros circulavam pela casa e pelas mãos dos vizinhos. O site norte-americano Forward entrevistou amigos de infância de Janet. Um deles, Rich Rubin, hoje um professor de Medicina aposentado que vive na cidade de Portland, contou: “Era um ambiente urbano; então, no lugar de irmos a um bosque, nós líamos”. Ele prosseguiu: “Eu me lembro de sua mãe falando conosco sobre livros. Era claro que se tratava de uma família com muita cultura”.
Janet era uma menina introvertida, mas que se destacava com o desempenho escolar. “A gente se referia a ela como o intelecto invisível”, rememorou Charles Saydah, jornalista aposentado e colega nos tempos do colegial. Ele ainda falou sobre a amiga de juventude: “Ela só chamava atenção para si quando comparávamos as notas; ela sempre conseguia as notas mais altas”.
O Forward também entrevistou Susan Stover Grosart, grande amiga de Janet Yellen nos tempos dos bancos escolares. Naquela época, um dos programas favoritos das jovens consistia em procurar concertos gratuitos no famoso Lincoln Center, em Nova York. “Depois que ela começou o curso de Economia, este era o seu assunto preferido, e era sobre isso que falávamos ao telefone”, lembrou Susan. Matemática e antropologia estiveram no horizonte das opções de Janet, antes de ingressar na universidade.
Muito dos interesses e da visão de mundo da jovem aparecem numa edição de 1963 do jornal escolar de Fort Hamilton, na região de Bay Ridge, no Brooklyn. Janet era editora da publicação e realizou uma autoentrevista, localizada pela reportagem do “The New York Times”. Lá, ela descreveu as viagens com a família para destinos como Haiti, Holanda, Irlanda e Alemanha. Mencionou ainda a paixão por espetáculos da Broadway e por um hobby pouco comum: colecionar pedras.
A graduação em Economia ocorreu em 1967, na Universidade de Brown. Quatro anos depois, Janet Yellen obtinha seu PhD em Yale. Começava a decolagem de uma economista considerada brilhante, de fala mansa, mas que não foge de um debate intenso. Entre 1971 e 1976, ocupou o cargo de professora-assistente em Harvard, para, em seguida, trabalhar como economista pesquisadora no Federal Reserve. Depois de conhecer seu futuro marido e se casar, aterrissou na Califórnia, em Berkeley, para chegar ao título de professora-emérita da Escola de Negócios Haas.
A família frequentou a Congregação Beth El, da região de Berkeley, e foi lá que o filho Robert fez a pré-escola. A mãe Janet se destacou ainda como chefe do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Bill Clinton, entre 1997 e 1999. Lecionou ainda em Harvard e na London School of Economics. Voltou a frequentar o sistema do Federal Reserve em 1994, então como integrante do Conselho da instituição.
Em julho de 2009, circulou a especulação a respeito de Janet Yellen como sucessora de Ben Bernanke na presidência do Fed. A favor dela, o fato de ter sido uma das primeiras vozes a alertar sobre a bolha imobiliária cuja explosão levou os Estados Unidos à sua maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929. No entanto, o presidente optou por manter o atual chefe do Banco Central por mais um mandato.
A indicação histórica veio a 9 de outubro de 2013. Com uma eventual confirmação do Senado norte-americano, Janet Yellen se tornará não apenas a primeira mulher a dirigir o Fed, mas a primeira presidente de um Banco Central dos sete países mais industrializados do planeta. E com uma coincidência interessante: praticamente ao mesmo tempo de sua indicação, Israel colocava Karnit Flug para dirigir seu Banco Central, em outra escolha inédita. A sensibilidade feminina começa a definir importantes rumos da economia global.
O Jornalista Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.