Historiador e líder comunitário, Emanuel Ringelblum foi o idealizador dos Arquivos do Oineg Shabbes, a mais significativa coleção de documentos e informações sobre a vida dos judeus no Gueto DE Varsóvia e sobre o Levante, iniciado na véspera de Pessach de 1943. “Tudo deve ser registrado, sem que se omita um único fato”, exortava. “E quando chegar a hora – como certamente há de chegar – deixem que o mundo o leia e tome conhecimento do que fizeram nossos assassinos”.
Ringelblum acreditava ser sua obrigação registrar a luta diária dos judeus por sua sobrevivência física, moral e espiritual, e os crimes cometidos pelos alemães. Os Arquivos do Oineg Shabbes1, também conhecidos como os Arquivos Ringelblum, são fruto dessa crença. Os documentos constituem um testemunho vital tanto da profundidade do sofrimento quanto da vida cultural e espiritual dos judeus de Varsóvia sob ocupação nazista.
Numa época em que já era difícil sobreviver física e mentalmente, ele conseguiu reunir à sua volta um grupo de colaboradores, ao qual intitulou “Sociedade Secreta”, que, juntos, reuniram clandestinamente uma quantidade enorme de material. Os Arquivos do Oineg Shabbes tornaram-se uma missão coletiva na qual colaboraram judeus de todas as profissões, camadas sociais e idades, até mesmo crianças.
Ringelblum queria garantir que as gerações futuras tivessem uma imagem precisa da vida judaica no Gueto de Varsóvia, um registro das conquistas – e dos fracassos – do maciço esforço empreendido para superar a fome e o desespero, mas também para defender seu povo.
Porém, quando chegam a Varsóvia as primeiras informações sobre chacinas de judeus cometidas pelos alemães, Ringelblum percebe que o Oineg Shabbes teria que documentar não apenas a vida dos judeus do Gueto de Varsóvia, mas também a sua destruição. Em suas palavras, “Deixar de registrar a catástrofe que se abateu sobre nosso povo seria a rendição final perante os inimigos”.
À medida que, no Gueto, iniciam-se os preparativos para a resistência armada, ele passa a registrar o espírito de combate e a coragem que se alastram pelos judeus. Queria que o mundo soubesse a verdade sobre o Levante por suas próprias vozes, e não pelos registros nazistas.
A vida
Emanuel nasceu em 21 de novembro de 1900 em Buczacz, um shtetl, cidadezinha predominantemente judaica da Galícia Oriental. Era filho de Fayvish Ringelblum, cerealista respeitado, e Munie Heller, que faleceu quando ele tinha 12 anos.
Buczacz era um centro da Haskalá, o Iluminismo judaico. Seu pai era um de seus adeptos e queria que seus filhos – dois meninos e duas meninas – tivessem uma educação judaica e secular, enriquecida pelo estudo do Sionismo e da cultura iídiche alimentada por tradições hassídicas. A paixão pelo idioma e pela cultura iídiche iria dominar toda a vida de Emanuel.
Terminado o Ensino Fundamental,eleingressou no Liceu Clássico e numa organização sionista juvenil. Em agosto de 1914, eclode a 1a Guerra Mundial e, em setembro, os russos já estavam a caminho da Polônia. As atrocidades cometidas contra a população judaica provocaram a fuga de milhares de judeus para o Oeste, entre eles os Ringelblum.
Fayvish se casara novamente e se estabelece com a família em Nowy Sącz, na Galicia ocidental. Mas ele mal consegue ganhar a vida e, para continuar seus estudos, Emanuel passa a dar aulas particulares. Na época, filia-se ao Poalei Tsion2, um partido cuja ideologia combinava o Socialismo e o Sionismo.
Em novembro de 1918, a Galícia torna-se parte da 2a República Polonesa, cuja constituição garante à população judaica igualdade jurídica e cívica. Os judeus não tardariam a perceber que as “garantias” polonesas de pouco valiam. Entre as duas guerras, a política de Estado era antissemita e, devido ao papel do governo na vida econômica, essa discriminação foi desastrosa para os judeus.
Emanuel sentiu na pele a discriminação contra seu povo ao ter sua matrícula recusada na Faculdade de Medicina da Universidade de Varsóvia, por causa do numerus clausus – que restringia o número de judeus que podiam cursar a faculdade. Ficou indignado, mas tentou se matricular para cursar Ciências Humanas e foi aceito.
O Historiador
Em 1919 ele chega a Varsóvia. A capital da Polônia era o centro político e cultural do país, inclusive do judaísmo polonês.
Decide cursar História, especializando-se na História dos Judeus Poloneses. Sua tese de doutorado foi a História dos Judeus de Varsóvia até a Expulsão de 1527. Sendo judeu, não poderia seguir uma carreira acadêmica tradicional, mas estava convencido de que a pesquisa histórica sobre a vida judaica na Polônia era uma arma para combater o antissemitismo vigente. Os antissemitas utilizavam-se de “argumentos históricos” contra os judeus, a quem consideravam “estrangeiros e traiçoeiros”, com excessivo poder econômico.
Já estava em Varsóvia há um ano quando ocorre a cisão do Poalei Tsionem duas facções, a de esquerda e a de direita. Emanuel ficou com a de esquerda. No Poalei Tsion de Esquerda (PSE) conheceu sua futura esposa, Yehudis Herman. De família hassídica, ela era quatro anos mais nova. Uri, o único filho do casal, nasceu em 1930. No pós-Guerra testemunhas relembrariam o sorriso que iluminava o rosto de Emanuel cada vez que falava do filho.
Para Ringelblum, a criação do YIVO – Instituto Científico Judaico, em 1925, em Vilna, foi a realização de um sonho. Criado para estudar a vida judaica no Leste europeu, o YIVO tinha uma de suas sedes em Varsóvia, que cresceu rapidamente graças à total dedicação de Emanuel.
Dois anos mais tarde, ele começou a dar aulas na Yehudia, um liceu de Varsóvia para jovens judias, onde lecionou até o final da década de 1930. Ringelblum já era um historiador respeitado quando Hitler sobe ao poder como Chanceler da Alemanha. Em junho de 1933, ele começa a coletar documentos e fotografias sobre eventos na Alemanha e legislação antijudaica.
Lider comunitário
Um mero historiador e professor jamais conseguiria criar um projeto da magnitudedo Oineg Shabbes. Para levá-lo adiante era necessário alguém com prestígio e amplos contatos comunitários. Emanuel era essa pessoa, graças, em parte, à sua atuação no Poalei Tsion e na vida comunitária polonesa ao se tornar membro do YIVO e do JDC – o American Jewish Joint Distribution Committee3 (Comitê Judaico Americano de Distribuição). O JDC havia sido criado nos EUA, em 1914, para enviar recursos aos judeus do Leste europeu.
No PSE Emanuel torna-se presidente do Conselho Educativo, membro do Comitê Central do Yugnt – o movimento juvenil, e do Comitê do Stern, que organizava atividades culturais e esportivas. Nessa posição fez amizades que durariam toda a sua vida, entre outros com Adolf Berman, um dos líderes do partido, e com sua esposa, Basia. Essa amizade se tornou uma crucial fonte de apoio no Gueto de Varsóvia.
No início da década de 1930 a Polônia enfrenta forte depressão econômica e a população judaica é a mais atingida. Entidades assistenciais comunitárias redobram suas atividades para evitar um total colapso da comunidade. As mais importantes são a Aleynhilf (Sociedade Judaica de Autoajuda), a Toz (Sociedade de Proteção à Saúde) e a Centos (Sociedade de Ajuda a Crianças e Órfãos). Grande parte dos fundos das entidades assistenciais são providenciados pelo JDC.
Emanuel se juntara ao JDC no início da década de 1930. Em 30 de outubro de 1938, ele e Shlomo Ginzburg são convocados por um diretor do JDC para irem a Zbąszyń, “uma terra de ninguém” entre a Alemanha e a Polônia, onde seis mil judeus estavam detidos.
Nas noites de 27-29 de outubro, os nazistas haviam arrancado de suas casas 17 mil judeus com cidadania polonesa, depositando oito mil deles em Zbąszyń, cinco mil em Bytom e o restante em Chojnice e Gdynia. A situação dos judeus se tornara ainda mais dramática após a Polônia recusar a entrada da maioria deles em seu território.
Ao lá chegarem, Ringelblum e Ginzburg se defrontam com uma situação desesperadora. O frio era intenso, os refugiados não tinham comida nem lugar onde dormir e suas únicas posses eram as roupas do corpo. Nas cinco semanas que permaneceu em Zbąszyń, Ringelblum detectou problemas e organizou soluções. Acercou-se, também, de jovens dos movimentos sionistas que ele mobilizara para ajudar.
Varsóvia sob domínio alemão
Era agosto de 1939, ele segue para Genebra, na Suíça, com a delegação da PSE polonês, para participar do 21º Congresso Sionista. No dia 22, ao tomar conhecimento do Pacto de Não-Agressão Germano–Soviético, os delegados poloneses perdem qualquer ilusão de que Hitler não atacaria seu país. Um deles sugere não voltar à Polônia, mas Ringelblum considerava uma obrigação cívica voltarem. Ademais, sua família estava em Varsóvia. Ele consegue chegar em casa em 1 de setembro, dia em que a Alemanha invade a Polônia dando início à 2ª Guerra Mundial.
Após romper as defesas polonesas, os exércitos alemães sitiam Varsóvia e iniciam um pesado bombardeio. No dia 6, a rádio polonesa intima os homens a deixarem a cidade. Milhares deixam Varsóvia, inclusive muitas lideranças judaicas. Mas Ringelblum optou por lá ficar e ajudar. No pós-guerra, uma testemunha relatou que, em meio à pesada artilharia, viu-o carregar uma mulher prestes a dar à luz até um hospital.
Após a cidade resistir por 16 dias, em 29 de setembro as tropas da Wehrmacht entraram em Varsóvia. A perseguição aos judeus é iniciada, imediatamente. Decretos e mais decretos são promulgados, visando isolar, humilhar e minar a capacidade de sobrevivência judaica. Para garantir a execução de suas ordens, os alemães criam, em outubro de 1939, o Judenrat, um Conselho Judaico. No dia 23 de novembro determinam o uso de braçadeiras brancas com uma estrela de David, em azul. As escolas judaicas são fechadas e as propriedades de judeus confiscadas; o trabalho forçado se torna obrigatório.
Apesar das dificuldades, a comunidade judaica se reorganiza. É criada uma rede assistencial para alimentar e abrigar os mais necessitados e os refugiados que chegavam a Varsóvia. A Aleynhilf se torna entidade mais importante e continuaria a atuar dentro do Gueto sob vários nomes, até a Grande Deportação de julho de 1942. Ringelblum assume a chefia do chamado Setor Público da Aleynhilf. “Como chefe da Organização Humanitária de Autoajuda”, escreve em seu diário, “recebo as informações do que sucede aos judeus em Varsóvia e nos subúrbios da cidade. Tudo o que eu ouvia de dia, eu transcrevia à noite”.
O Gueto de Varsóvia
Em 12 de outubro de 1940, Yom Kipur, os alemães informaram às lideranças judaicas sobre a “criação de um bairro residencial judaico em Varsóvia”, localizado no antigo bairro judeu. Numa área de quatro quilômetros quadrados teriam que viver os 375 mil judeus. Os 140 mil que residiam fora das áreas delimitadas tiveram até o final de outubro para se transferir para o gueto.
Em 15 de novembro, o Gueto é lacrado e os nazistas informam aos judeus que o livre acesso ao lado ariano lhes estava proibido. Um muro os isolava do resto da cidade e em suas portas havia guardas armados.
Na semana seguinte, dia 22, Ringelblum reuniu em sua casa dez de seus colaboradores, entre eles Hersh Wasser, seu braço-direito. A discussão em pauta era a ampliação do projeto do Oineg Shabbes: “Chegamos à conclusão de que os alemães se interessam muito pouco com o que nós, judeus, fazemos entre nós”.
Poucos guetos vivenciaram mais fome, mais sofrimento, mais doenças e tiveram que absorver mais refugiados do que o Gueto de Varsóvia. A porção de alimento alocada pelos alemães aos judeus garantia a morte por inanição. Apenas o contrabando de alimentos permitiria que os judeus sobrevivessem por mais tempo.
Mas, no Gueto ainda havia intelectuais, assistentes sociais, médicos e rabinos, que criam uma rede de instituições assistenciais, culturais e religiosas tentando aliviar a vida da população. Essa “comunidade paralela” estabelece escolas, refeitórios, orfanatos, clínicas e abrigos. Foram criadas sinagogas e ieshivot clandestinas e organizadas atividades culturais. Em muitos casos, as atividades sociais davam cobertura a movimentos políticos ilegais.
Como vimos acima, a Aleynhilf - a Sociedade Judaica de Autoajuda, era a principal organização assistencial judaica de Varsóvia, enquanto o JDC era a estrutura financeira de toda a operação assistencial. Praticamente toda a equipe do Oineg Shabbes trabalhava na Aleynhilf. Ringelblum a considerava vital para manter um senso de solidariedade e responsabilidade comunitária, no Gueto. Seu alto posto na Sociedade de Autoajuda lhe dava amplos contatos e prestígio. Ademais, como chefe do “Setor Público”, era responsável por fiscalizar as atividades dos “Comitês de Habitação4”, função essa que lhe permitia estar a par de praticamente tudo o que se passava no Gueto.
A Aleynhilf ajudou a montar dezenas de cozinhas comunitárias onde sopas eram distribuídas gratuitamente ou por um valor simbólico. Os chamados “sopões”, essenciais para a sobrevivência da população, eram dirigidos pelos partidos políticos e movimentos juvenis. Eram ponto de encontro de seus membros e de distribuição de publicações da imprensa clandestina.
As condições de vida dentro do Gueto de Varsóvia, pioram em janeiro de 1941 devido ao frio intenso e à chegada de cerca de 150 mil judeus das regiões vizinhas, Alemanha e Áustria. Uma epidemia de tifo varreu o Gueto e, até julho, mais de 45 mil judeus morrem de fome, frio e doenças. Nessa época, Ringelblum registrou, amargamente: “Você se depara com essas pessoas largadas pelas esquinas, congeladas, implorando por qualquer coisa.... Praticamente, quase todos os dias as pessoas caem mortas ou inconscientes, pelas ruas” ...
Mudança de planos
A invasão da União Soviética pela Alemanha, em junho de 1941, marcou o ponto de inflexão da política alemã em relação aos judeus, dando início à matança indiscriminada de toda a população judaica. Apesar do esforço alemão em manter os massacres em sigilo, alguns judeus rastejaram vivos das valas onde os haviam jogado junto com outros que tinham sido mortos pelos tiros. A princípio, a maioria dos líderes judeus receberam com ceticismo os relatos dos sobreviventes e a descrição dos assassinatos em massa.
Mas, em janeiro de 1942, Ringelblum e Wasser ouvem o testemunho de Szlamek Bajler, que havia fugido de Chelmno e relatara o que acontecia no campo de extermínio. Em abril, Ringelblum registra que predominavam “notícias sobre esquadrões de extermínio que estão varrendo da face da terra povoados judaicos inteiros”. Quando a resistência polonesa alerta seus contatos em Varsóvia sobre o que acontecia em Treblinka, um dos membros do Bund é enviado para investigar, retornando com a confirmação de que se tratava de um campo de morte, onde os judeus eram assassinados em câmaras de gás.
Ringelblum e seus colaboradores decidem mudar o foco do trabalho, dedicando-se a coletar documentos sobre as deportações e os extermínios em massa. Em abril, o Oineg Shabbes emite um boletim em iídiche informando a população do Gueto acerca do extermínio de judeus.
A liderança underground encarrega o Oineg Shabbes de preparar vários memorandos para consumo no exterior: “Sobre Chelmno (março 1942), sobre a Aktion, em Lublin (abril 1942), sobre a situação da população judaica nas áreas ocupadas pelos nazistas (julho 1942)... Em novembro de 1942, sobre a fase inicial da liquidação do Judaísmo de Varsóvia”. Ringelblum prepara outro ensaio, O Guehená [Inferno] do Judaísmo Polonês, resumindo a política nazista relativa aos judeus desde a invasão da Polônia, e enfatiza que após junho de 1941 a Alemanha iniciara sua política de extermínio.
A Grande Deportação
No início de julho de 1942, Himmler, comandante das SS, ordena a “reinstalação” da população judaica do Gueto de Varsóvia, até dezembro. A grande Aktion, a deportação em massa dos judeus de Varsóvia, tem início na noite de 22 de julho, véspera de Tishá be Av, dia de luto para o Povo Judeu.
Os nazistas avisam ao Judenrat que os “judeus, sem distinção de idade ou sexo, serão deportados para o Leste”. Apenas seriam poupados os que trabalhavam em indústrias alemãs ou os membros do Judenrat. No dia 23, Czerniakow, presidente do Judenrat, se suicida.
Os piores temores de Ringelblum estavam se concretizando. No dia 25, diante das evidências dos planos nazistas de liquidar o Gueto, o comitê do Oineg Shabbes decide enterrar os arquivos. Na semana seguinte, o professor Israel Lichtensztajn, acompanhado de Nachum Grzywacz e Dawid Graber, acondicionam parte dos documentos em dez caixas metálicas, que são enterradas em local secreto na Escola Ber Borochov, em Nowolipki 68.
No dia 28, enquanto milhares de judeus eram levados ao ponto de reunião, a Umschlagplatz, onde aguardavam os vagões dos trens que os levariam para Treblinka – onde a maioria deles foi assassinada – os representantes dos movimentos juvenis decidem pela resistência armada. Hashomer Hatzair, Dror, Bnei Akiva e membros do Bund formam a Organização Judaica de Combate, conhecida por seu acrônimo em polonês, ZOB – Zydowska Organizacja Bojowa.
Ringelblum ia constantemente à Umschlagplatz. Sua posição de alto dirigente da Aleynhilf lhe permitia distribuir alimentos e água aos judeus. Suas anotações nesse período traem sua ansiedade em ver amigos e colaboradores desaparecendo nos vagões sem conseguir salvá-los.
Em 12 de setembro as deportações cessam: 235.741 judeus haviam sido enviados a Treblinka, 12 mil para outros campos e 10 mil simplesmente mortos nas ruas do Gueto.
Os preparativos do Levante
No Gueto ficaram apenas 70 mil judeus, os mais jovens e fortes. Um ódio profundo e um sentimento de culpa os corroía. Se perguntavam por que haviam permitido que os alemães levassem suas famílias sem qualquer oposição. Os nazistas iriam voltar, mas dessa vez pagariam caro pela vida de cada judeu.
No final de outubro, membros do Poalei Tsion e os comunistas se juntam à ZOB e Mordecai Anielewicz é designado comandante. Apenas o movimento juvenil Betar não se uniu à ZOB, fundando uma organização separada, a ZZW, União Combatente Judaica. Em seguida, representantes das forças políticas judaicas e dos movimentos juvenis criam o Comitê Nacional Judaico (ZKN) para atuar como seu representante junto à resistência polonesa.
Os jovens sabiam que para uma ação militar eram necessárias armas e ajuda. Imediatamente se movimentam para conseguir fundos para a compra de armas, e alguns são enviados ao lado ariano para conseguir ajuda. Mas, a única contribuição da resistência polonesa foram dez pistolas e poucas munições.
Ringelblum e a maioria do comitê executivo do Oineg Shabbes passam a fazer parte do comitê financeiro do ZOB, criado para levantar fundos para armas, e também do ZKN. Eles são encarregados de preparar relatórios contando ao mundo exterior sobre a Grande Deportação e a Solução Final. Em novembro, enviam um relatório abrangente.
Em seu diário, Ringelblum registrou sua crescente admiração pelo espírito e idealismo do movimento. Determinado a documentar a resistência judaica dentro do Gueto, ele estabelece ligações com os dois grupos de combate. A ŻZW se mostrou receptiva. Ringelblum já desfrutava de uma estreita amizade com a liderança do Hashomer, inclusive com Mordecai Anilewicz, e permitiu que este movimento usasse o escritório central da Aleynhilf para suas reuniões.
No final de 1942 o Oineg Shabbes publica mais um boletim, dando detalhes sobre o programa de extermínio alemão e alertando os judeus a não embarcar voluntariamente nos trens que tinham um único destino: Treblinka.
A angústia de Ringelblum fica patente em seus textos. Num pequeno ensaio, Ficaremos (vivos)?, revela já não ter ilusões; os alemães planejavam exterminar todos os judeus. Enfrentando perigo constante e abalado pela perda dos amigos, sente-se emocionalmente dividido entre suas responsabilidades em relação à sua família e a seu trabalho no Arquivo. Na época, Adolf e Basia Berman, que trabalhavam no lado ariano de Varsóvia para o movimento underground, pressionavam-no a deixar o Gueto e passar a trabalhar na clandestinidade. Ele já saía do Gueto regularmente, mas retornava depois de se encontrar com os Berman. Mas, após a manhã de 18 de janeiro de 1943, quando os alemães entram no Gueto para reiniciar as deportações, Ringelblum se vê forçado a tomar uma decisão.
A chegada dos alemães pegou a ZOB de surpresa, mas grupos armados entram em ação de forma independente. Os nazistas são surpreendidos pela reação judaica e, pela primeira vez, há alemães mortos e feridos, caídos pelas ruas do Gueto. Os nazistas logo revidam e a maioria dos combatentes judeus são mortos. No entanto, apesar do luto pelos que tombaram, as ações dissipam a impotência sentida até então.
Quando, em fevereiro de 1943, espalha-se a notícia do reinício das deportações, Ringelblum decide que precisa ser enterrada a segunda parte do Arquivo. Em algum momento desse mês Israel Lichtensztajn os guarda em dois latões de leite e os esconde no mesmo local, sob o porão da Escola Ber Borochov. Entre os documentos estavam panfletos do ZOB e do ZZW. Sabe-se que uma terceira parte do arquivo contendo importante material sobre a resistência judaica foi enterrado na rua Swietojerska 34, em 4 abril daquele ano.
Convencido de que só conseguiria salvar sua mulher e filho em algum esconderijo fora do Gueto de Varsóvia, aceita a ajuda dos Berman. O casal havia encontrado uma família de poloneses católicos que concordara em acolher o menino. Quando este se recusa a se separar dos pais, Ringelblum lhe explica que as crianças judias tinham a obrigação de permanecer vivas para garantir um futuro para o Povo Judeu.
Algum tempo depois, os Berman conseguem um esconderijo em Izabelin, um subúrbio de Varsóvia, para Ringelblum e sua família. Mas, Yehudis prefere se esconder em outro bunker apelidado de Krysia, na rua Grojeca 81. (Os judeus que se esconderam em Izabelin sobreviveram à guerra). E, em março, juntamente com sua esposa Yehudis e o filho Uri, Ringelblum se muda para o lado ariano, no bunker da rua Grojeca 81. Nessa mesma época, seu braço-direito, Hersh Wasser deixa o Gueto com a esposa Bluma e se esconde no lado ariano.
Ringelblum retornava ao Gueto frequentemente. Inclusive, poucos dias antes do início do Levante, quando se reuniu com o grupo de combate. E ele estava no Gueto na madrugada do 18 de abril, quando dois mil nazistas e colaboradores, pesadamente armados, o cercam. Alertados sobre os planos nazistas, 750 combatentes judeus põem-se a postos para recebê-los, à bala. O Levante do Gueto de Varsóvia tem início, no dia 19, véspera de Pessach.
Sabemos que Ringelblum assistiu a uma parte da batalha, mas não temos relatos do que lhe aconteceu durante a luta que se seguiu. Sabemos apenas que foi capturado pelos alemães e enviado para o campo de trabalho de Trawniki, perto de Lublin.
Somente em julho, os Berman descobrem seu paradeiro. Felizmente, tinham contatos com dois membros da clandestinidade que conseguiram tirá-lo do campo de trabalho e levá-lo de volta a Varsóvia disfarçado de trabalhador ferroviário.
Os Berman voltaram a insistir para que ele trabalhasse do lado ariano para o Comite Nacional Judaico. Mas, Yehudis queria que ele ficasse com ela e o filho. Ringelblum cede aos apelos da esposa e se instala com sua família e outros 35 judeus no bunker Krysia. O que Ringelblum queria fazer, realmente, era escrever e o fez de modo febril.
Em 7 de março de 1944, alguém delatou o local onde os judeus se escondiam e todos os que lá estavam foram levados pelos nazistas à Prisão de Pawiak. Um outro prisioneiro judeu, Julian Hirszhaut, tentou mover Ringelblum das celas dos condenados para celas comuns, onde estavam aqueles que esperavam para serem mandados para trabalhar para os alemães. Hirszhaut se recorda de quando entrou na cela onde Ringelblum estava preso:
“A cela estava lotada; … com aqueles a quem os alemães haviam prendido junto com Ringelblum, no bunker. Ele estava sentado num colchão de palha … Em seu colo segurava o filho, Uri… Eu lhe disse que estávamos tentando levá-lo conosco. ‘E o que acontecerá com ele?’, respondeu, apontando para o menino’. ‘E com minha mulher, que está no setor das mulheres?’. O que eu podia responder-lhe? Todos sabíamos muito bem que mesmo se conseguíssemos tirar Ringelblum de lá… sua família permaneceria, condenada a seu trágico fim, de qualquer maneira. Meu silêncio disse-lhe a triste verdade... ‘Sendo assim, prefiro seguir Al Kidush Ha-Shem junto com eles’”.
Poucos dias depois, Ringelblum, sua família e os demais judeus que haviam sido capturados junto com eles no bunker foram executados nas ruínas do valente Gueto de Varsóvia.
1Oineg Shabbes, em iídiche, significa o “Deleite do Shabat”, numa referência ao fato de que as reuniões do grupo ocorriam geralmente nas tardes de sábado.
2Poalei Tsion, em hebraico “Trabalhadores de Sion”, um partido sionista socialista ativo na Polônia e em outros países da Europa e na Rússia, depois que o Bund rejeitou o Sionismo, em 1901.
3 O JDC enviou ajuda oficial aos judeus da Polônia até 1941, quando os EUA declararam guerra à Alemanha. Nos anos seguintes, a ajuda era enviada clandestinamente.
Bibliografia
Kassow, Samuel D.,“Who Will Write Our History?: Emanuel Ringelblum, the Warsaw Ghetto, and the Oyneg Shabes Archive” (edição em inglês) eBook Kindle
Ringelblum, Emmanuel, “Notes From The Warsaw Ghetto: The Journal Of Emmanuel Ringelblum” (edição em inglês) eBook Kindle