A casa da rua Garibaldi é a narrativa da operação que levou, em 1960, à captura do criminoso nazista Adolph Eichmann, então refugiado na Argentina, e o seu traslado para Israel. Foi escrita pelo coordenador desta missão, Isser Harel, então chefe do serviço secreto israelense, o Mossad.
A casa da rua Garibaldi é a narrativa da operação que levou, em 1960, à captura do criminoso nazista Adolph Eichmann, então refugiado na Argentina, e o seu traslado para Israel. Foi escrita pelo coordenador desta missão, Isser Harel, então chefe do serviço secreto israelense, o Mossad. Anos mais tarde, durante uma entrevista à televisão, Harel relembrou como informara ao então primeiro-ministro, David Ben-Gurion, sobre o sucesso da missão: "Eu lhe trouxe um presente - Eichmann está aqui".
À frente do Mossad entre 1952 e 1963, Harel acumulou também a função de chefe do Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel, durante quinze anos. Respeitado internamente e reconhecido internacionalmente por seu trabalho, Harel sempre afirmava que, apesar de todos os benefícios dos avanços tecnológicos ao serviço secreto, a coleta de dados por agentes de campo jamais deixaria de ser indispensável ao sucesso das operações. Em uma entrevista concedida ao jornalista brasileiro Mário Chimanovich, nos anos 70, afirmou estar convencido de que nada, nem mesmo os satélites-espiões mais sofisticados, substituirão o trabalho árduo e perigoso de um agente infiltrado entre as hostes inimigas, em um mimetismo camaleônico, vivendo como árabe entre árabes ou como indigente entre indigentes, em qualquer ponto do globo.
Nem sempre amado por seus correligionários, Harel era, no entanto, temido tanto pelos inimigos de seu país quanto por determinados setores políticos e até mesmo pelos próprios colegas, que o chamavam de "Pequeno Isser", em função de sua pequena estatura. Sempre alerta a tudo e a todos, em 1957 recebeu o título de Memunê, ou seja, chefe geral dos serviços secretos de Israel. Ele tornou-se chefe do Mossad - que em hebraico significa "instituto" - em substituição a Reuven Shiloah, o criador do órgão, em 1951. Quando assumiu a função, Harel já era conhecido por seu trabalho na liderança do Shin Bet.
Um de seus mais importantes momentos de glória veio com o seqüestro e subseqüente prisão de Eichmann, que vivia em Buenos Aires sob a identidade de Richard Klement. Durante dois anos, foi vigiado de perto, 24 horas por dia, por uma equipe de onze homens, até que Harel, em pessoa, deu a ordem para que fosse preso. Ele foi à capital argentina acompanhar as últimas semanas da missão, participando dos interrogatórios de Eichmann durante os 9 dias nos quais foi mantido escondido nas chamadas "casas seguras" dos israelenses. Ao término desse período, o criminoso nazista foi levado a Israel de avião, sedado, sob o disfarce de um passageiro bêbado. Julgado e condenado à morte pela justiça israelense, em 1961, Eichmann foi enforcado em 1962.
Pouco antes da Operação Eichmann, o Mossad envolveu-se em outra missão que despertou séria polêmica sobre o verdadeiro papel da instituição: localizar, em 1959, um garoto de nove anos que fora seqüestrado pelo avô, ultra-ortodoxo, preocupado porque o neto não recebia a educação religiosa que ele considerava adequada. Levou-o para os Estados Unidos, sem a autorização dos pais. Este episódio ficou conhecido como o "Caso Yosseleh Schumacher". Àqueles que questionavam o uso da máquina governamental para resolver uma questão familiar, Harel respondia que o seqüestro e contrabando de uma criança para fora de Israel também eram infrações inaceitáveis para a soberania do país. "Ele sentia que isso ia contra as leis básicas do país" explica David Kimche, ex-oficial do Mossad e ex-Diretor-Geral do Ministério do Exterior, acrescentando: "E acho que estava certo".
Harel nasceu Halperin, em 1912, no seio de uma família judaica de posses, no povoado de Vitebsk, em Volozhin, Rússia czarista. A família fugiu para a Lituânia em 1922, depois que seus bens foram confiscados pelos revolucionários russos. Ativo no movimento socialista-sionista Hashomer Hatzair, na Rússia, emigrou para Eretz Israel, então sob Mandato Britânico, utilizando documentos falsos. Foi um dos fundadores do Kibutz Shefayim, próximo a Hertzlia, onde viveu durante cinco anos com a esposa, Rivka. Teve apenas uma filha. Em 1940, uniu-se à Haganá e às forças auxiliares britânicas para lutar contra os nazistas. Em 1942, mudou seu nome de Halperin para Harel, que em hebraico significa "Montanha de D'us". Dois anos mais tarde, assumiu a coordenação do Shai, o setor de Inteligência da Haganá, dando início à sua ascensão dentro dos serviços de segurança israelenses, até se tornar o primeiro chefe do Shin Bet.
Foi nessa função que acompanhou, durante quatro anos, as atividades do movimento clandestino Irgun, então liderado por Menachem Begin. Foi ele, também, que, obedecendo à ordem do primeiro-ministro Ben-Gurion, em 1948, logo após a criação do Estado de Israel, afundou o navio Altalena, ancorado na costa de Tel Aviv, cuja tripulação se recusara a aceitar as ordens do líder israelense de entregar as armas trazidas pelo Irgun.
Segundo aqueles que o acompanharam ao longo de sua carreira, Harel trabalhou guiado pelas vantagens que o poder lhe conferia, mas há um consenso em Israel, ainda hoje, de que ele foi o principal responsável pela reputação que o Mossad possui, internacionalmente. Ele criou um departamento especial para trazer os judeus de diversos países para Israel, ainda que ilegalmente; atuou em meados de 1950 para a imigração maciça dos judeus marroquinos, além de implantar uma rede complexa de contatos entre o Mossad e serviços secretos de inúmeros países. Foi o responsável direto pela aproximação com a CIA (agência norte-americana), além de se ter empenhado em uma luta sem fim para impedir que os então soviéticos conseguissem recrutar agentes em Israel, tendo inclusive desmascarado inúmeros.
Forte oponente do então presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, Harel estabeleceu, em 1957, a rede tríplice envolvendo os serviços secretos do Irã, Turquia e Israel contra o governo do Egito. Ajudou também a armar os curdos iraquianos e auxiliou na construção de campos de pouso na Turquia e na Etiópia, com recursos financeiros da CIA.
Ao longo de sua vida, o socialismo de sua juventude se transformou em um anticomunismo ferrenho. A tal ponto que tomou a iniciativa de "grampear", no Knesset (Parlamento), o escritório de Meir Ya'ari, então líder do partido pró-soviético Mapam. Foi essa mesma determinação, somada ao desejo de levar nazistas à Justiça, que o incentivou a procurar Eichmann, além do medo de que o renascente nazismo continuasse a ameaçar os judeus, em qualquer lugar. Dizem os historiadores que foi justamente essa determinação em perseguir aqueles que considerava inimigos do Estado de Israel ou do povo judeu o que acabou fazendo com que perdesse o cargo.
Como exemplo de sua maneira de agir, às vezes à revelia das orientações do primeiro-ministro, vale mencionar o caso que acabou gerando uma crise diplomática entre Israel e Alemanha. Em 1962, ao saber que cientistas alemães haviam sido recrutados para dar assistência ao Egito no desenvolvimento da tecnologia dos mísseis, Harel começou a intimidar os envolvidos, muitos dos quais tinham sido nazistas, usando pressões contra seus familiares e até ameaças de morte. "Harel não aceitava que a política de Ben Gurion em relação à Europa pudesse ser baseada na conexão de Israel com os alemães".
O governo da Alemanha ficou furioso com o caso, cuja repercussão colocou em risco o processo de reconciliação entre israelenses e alemães (inclusive as negociações para indenização das vítimas do Holocausto). Em resposta às atividades de Harel, Ben Gurion exigiu sua renúncia, em 1963.
Em 1965 Harel atuou como conselheiro de segurança do sucessor de Ben-Gurion, Levi Eshkol; e, em 1969, foi eleito para o Knesset. Ao término de seu mandato, em 1973, e até a sua morte, em fevereiro de 2003, dedicou-se principalmente a escrever livros, dentre os quais o mais conhecido é justamente A Casa da Rua Garibaldi, de 1975. Tinha dois hobbies: gostava de ópera e de romances policiais.
Detalhes à parte, Harel é universalmente lembrado como "incrivelmente honesto e modesto, com enorme integridade e muito carisma". Segundo Kimche, "todos que trabalharam com ele pulariam de um telhado, se ele pedisse".
Para ele, o que Harel representou para Israel supera, em muito, o valor do êxito de uma ou outra operação. "Na verdade, ele definiu o tom, os princípios e o espírito dos serviços de segurança, que ainda hoje prevalecem: motivação, devoção, profissionalismo e honestidade. Falsificar um relatório, no Mossad, é pior que roubar". Faleceu em Tel Aviv, aos 91 anos.
Bibliografia
· Green, David B., He set the standards, Isser Harel 1912-2003, artigo publicado na edição de 24 de março de 2003 do The Jerusalem Report;
· Lawrence, Joffe, Isser Harel, the Israeli Intelligence Chief who Brought in the Nazi
· Mass Murderer Adolf Eichmann, artigo publicado na edição de 20 de fevereiro de 2003 no The Guardian;