Justamente por ter sido italiano, é lícito acrescentar ao nome de Enzo Sereni o aposto de Homem da Renascença, tais eram suas múltiplas qualidades, virtudes e inteligência. Ele foi uma referência do sionismo italiano nos anos de1920 e nas décadas seguintes um devotado pioneiro, agente secreto e um dos pilares da comunidade judaica, o yshuv, na Terra de Israel no mandato britânico.
A mansão de cinco andares na rua Cavour, no centro de Roma, vinha sendo uma autêntica fortaleza da família Sereni através de décadas. Em 1901 a Itália tinha começado a viver uma nova realidade política por causa da unificação de seu reino, fazendo percorrer por todo o país um agradável sopro de liberdade que também se estendeu aos cinco mil judeus que viviam na capital italiana.
A imponente mansão dos Sereni foi a primeira grande edificação de propriedade de judeus, erguida em1870, fora dos limites do antigo gueto incrustado na cidade. A família, sempre muito unida, tinha um comportamento peculiar. Se era possível considerá-la como um núcleo de judeus assimilados, por outro lado os Sereni celebravam com rigor as datas judaicas sagradas e nacionais. Em Chanuká acendiam as velas que evocavam o Templo de Jerusalém e em Pessach (o êxodo do Egito) o Seder era cumprido em todas as suas etapas. O Shabat (sábado) era um dia como qualquer outro, mas pelo sim, pelo não, as mulheres se abstinham de costurar ou de fazer tricô. De certa maneira, embora estivessem longe de possuir uma fortuna, os Sereni podiam ser comparados, em termos italianos, aos Rothschild de outras capitais europeias, por conta do prestígio que detinham e do respeito que impunham.
Enzo, filho de Samuel e Alfonsa (Pontecorvo de solteira), nasceu no quarto andar da propriedade da rua Cavour no dia 17 de abril de 1905. Tinha um irmão mais velho, Enrico, e viria a ter outro mais moço, Emilio, sempre chamado como Mimo. Samuel era um médico clínico de renome e médico particular do rei da Itália, Vitor Emmanuel III. Um andar acima vivia seu tio Angelo, casado com Armalinda, admirada por sua beleza nos circuitos elegantes de Roma. Angelo era um advogado famoso e mais próximo de suas raízes do que Samuel. Quando algum judeu importante, de alguma parte do mundo, passava por Roma o tradicional jantar de boas-vindas sempre acontecia nos domínios de Angelo.
Esse destaque social era compartilhado por outros judeus italianos que ascendiam a postos importantes na vida do país, permanecendo fiéis às suas origens. Mantiveram essa postura ao contrário de muitos outros que se converteram ao cristianismo na esperança de assim serem mais bem aceitos nas instâncias políticas. Entre os fiéis ao judaísmo se destacou Luigi Luzzatto que assumiu o posto de primeiro-ministro em 1910. Outro judeu, Ernest Nathan, foi prefeito de Roma de 1907 a 1913. Três anos antes do nascimento de Enzo, dos 350 ocupantes de assentos no senado italiano, seis eram judeus.
O trono do Vaticano pertencia ao Papa Pio X. No livro Os Papas contra os judeus, do historiador americano David Kertzer, este escreve que Pio X tinha uma posição singular com relação aos judeus. O Pontífice assinalava dois tipos de antissemitismo: “o bom” e “o mau”. O mau era o antissemitismo tradicional e muitas vezes secular, tal como o conhecemos até os dias atuais. “O bom” antissemitismo apenas dizia respeito à rejeição aos judeus em função de seu alegado poder econômico, outra noção que perdura através dos tempos. A 1ª Guerra Mundial terminou no ano em que Enzo Sereni fez o seu Bar Mitzvá (cerimônia de emancipação aos treze anos de idade). No conflito, o exército italiano contou com 15 mil judeus, dos quais a metade era constituída por oficiais. Finda a guerra foram contados 420 judeus entre os mortos e desaparecidos, tendo 700 recebido condecorações.
No verão de 1921, Enrico, o irmão mais velho de Enzo, fez uma viagem à Alemanha e à Áustria. Em Viena, entrou numa livraria que continha grande quantidade de livros judaicos e sua atenção foi chamada por um cartaz. Era o anúncio da realização do Congresso Mundial Sionista, o primeiro do pós-guerra, a ser realizado na cidade de Carlsbaad, na Checoslováquia. Num impulso resolveu ver de perto do que se tratava, pelo menos por um dia. Acabou ficando em Carlsbaad durante todo o tempo do congresso. Ficou deslumbrado com o que viu: judeus inteligentes ao lado de escritores e intelectuais, judeus bem falantes, bem vestidos, todos idealistas com sólidas convicções. No regresso a Roma, seu relato fez com que Enzo ficasse profundamente impressionado e também se voltasse para o sionismo.
Meses depois chegou a Roma Dr. Israel Reichert, graduado pela Faculdade de Ciências Naturais de Berlim. Ele estava empenhado em recrutar jovens judeus para um movimento sionista ao qual deu o nome de Hapoel Hatzair (Jovem Operário). Ao contrário de boa parte dos judeus que se haviam deixado seduzir pelo comunismo, Reichert pregava que a luta de classes não era uma questão judaica e que a verdadeira questão judaica era o renascimento de uma identidade nacional.
Enzo Sereni era aluno do Collegio Romano quando conheceu Reichert. Foi a seu encontro depois das aulas e começou uma conversa que varou a madrugada. Ele ficou emocionado com a narrativa sobre os jovens judeus que se haviam tornado pioneiros em kibutzim (colônias agrícolas coletivas) na Terra de Israel, nas quais ninguém era explorado em seu trabalho, e tudo pertencia a todos em bases igualitárias.
Às vésperas de se matricular no curso de filosofia da Universidade de Roma, Enzo se dedicou a tudo que servisse como sua colaboração para a luta contra o fascismo. Dizia-se sionista e socialista, mas não pensava em se radicar na então Palestina no mandato britânico. Mesmo porque estava apaixonado por uma bonita jovem judia, chamada Ada, de idade igual à sua, pertencente à família Ascarcelli, oriunda da Espanha de onde havia sido expulsa pela Inquisição. Era uma família aristocrática e secular, mas observante das tradições judaicas. O pai de Ada era um estudioso da história e dono de uma grande biblioteca. Tinha feito fortuna exportando queijos para os Estados Unidos. Enzo e Ada entraram juntos na Universidade de Roma. Ele se voltou para o curso de filosofia e ela optou pela faculdade de química.
Em 1923, o fascismo praticamente dominava a Itália. Mussolini não podia ser considerado antissemita, mas era um ferrenho antissionista. Repetia que o sionismo implicava dupla lealdade para os judeus italianos, o que era considerado uma traição na perspectiva de sua ideologia totalitária. Além disso, considerava que o sionismo era um movimento manipulado pelo império britânico para exercer maior domínio no mundo árabe. Os sionistas europeus concluíram que tal atitude apresentava perigo para os judeus e o líder do movimento sionista revisionista, Vladimir Jabotinsky, viajou para Roma com a incumbência de acalmar o ânimo fascista. Mussolini, porém, não o recebeu.
Os judeus italianos sentiram que era hora de agir. Formaram uma delegação composta por Dante Lattes, diretor do escritório sionista em Roma, Moshe Beillinson, revolucionário bolchevique dissidente da União Soviética e Angelo Sacerdoti, rabino-chefe de Roma. A comissão assegurou a Mussolini que era desnecessário desconfiar do sionismo porque os judeus italianos fariam contato com as comunidades judaicas dos países árabes. Estas seriam capazes de influir para estabelecer um bom relacionamento de seus governos com o fascismo. Não há um registro preciso sobre a reação de Mussolini no decorrer dessa reunião nem ao término dela, mas ele afirmou que quando o Dr. Chaim Weizmann, de quem ouvira falar, viesse à Itália, teria o prazer de recebê-lo, como de fato o recebeu em abril daquele ano. Foi uma conversa amena, na qual Mussolini disse: “O senhor sabe que nem todos os judeus são sionistas”. Ao que Weizmann respondeu: “Assim como o senhor sabe que nem todos os italianos são fascistas”. Weizmann voltou para Londres convencido de que a verdadeira e maior preocupação de Mussolini era com os ingleses e não com o sionismo.
Nos quatro anos seguintes, Enzo se dedicou a combater o fascismo e a se devotar ao sionismo tanto prático quanto teórico. No capítulo prático promovia reuniões com jovens judeus aos quais repetia que o mais importante era passar da palavra à ação e que ele mesmo pretendia se juntar aos pioneiros que faziam renascer a abandonada Terra de Israel. No campo teórico, aprofundou-se no estudo dos escritos de Aaron David Gordon (1856-1922) e de Ber Borochov (1881-1917), ambos ucranianos, extraordinários pensadores do judaísmo e formuladores de um sionismo dinâmico e baseado em princípios socialistas.
Em fevereiro de 1927, Enzo e Ada decidiram que chegara a hora de dar consequência a seu ideal e partir para a então Palestina, iniciativa para a qual contaram com a adesão de Mimo, seu irmão. Houve uma comovente e concorrida despedida na mansão da rua Cavour e, no dia seguinte, toda a família acompanhou os viajantes, mais a pequena Hannah (nascida em julho do ano anterior) até Nápoles. Enzo, Ada e Mimo ali embarcaram, rumo a Alexandria, no Egito, no navio Italia, no qual já se encontravam dezenas de judeus engajados na causa sionista. Pela primeira vez os três ouviram um vasto repertório de canções cantadas em hebraico e assistiram aos demais viajantes, de braços dados e com formação em círculos, se divertir numa dança chamada hora.
Foi a bordo do navio que Enzo e Mimo resolveram acrescentar um nome em hebraico entre seus nomes e sobrenomes. Assim, informalmente, um passou a se apresentar como Enzo Chaim Sereni e o outro como Emilio Uriel Sereni. Desembarcaram em Alexandria e seguiram para o Cairo, onde fizeram uma breve parada turística. Embarcaram num trem da linha Kantara-Beirut e ficaram assombrados com seus companheiros de viagem: homens grosseiros e falando aos berros junto a mulheres com longas vestes negras da cabeça aos pés, deixando à mostra apenas os olhos. A paisagem vista do trem era desoladora: uma sucessão de dunas de areia branca, enfeitadas em El Arish por coqueirais e à esquerda pelo lindo azul do mar Mediterrâneo. Em Ramleh, fizeram uma baldeação para a linha Jerusalém-Jaffa. À medida que o comboio avançava rumo ao norte, Enzo e Ada começaram a avistar ao longe alguns espaços cobertos de verde. Foi-lhes o primeiro sinal do trabalho de recuperação do solo empreendido pelos pioneiros judeus. O jovem casal Sereni desembarcou em Jaffa no dia 17 de fevereiro de 1927. Imediatamente foram à procura de um rabino que os casou numa celebração religiosa no dia 19. Em julho nasceu a filha, Hagar.
A Palestina daquela época vivia um tempo difícil. Poucos anos antes da chegada de Enzo, o chamado Mufti de Jerusalém, Haj Amin El-Husseini, havia formado um bando de fedayn (terroristas) designados para amedrontar e matar os componentes do yshuv. Os ingleses fingiam defender a manutenção da ordem no território em seu mandato mas, na verdade, deixavam o Mufti agir como bem entendesse. A situação se tornou crítica quando milícias árabes vandalizaram as lojas de judeus e os agrediram em Jerusalém. Em 1924, o yshuv foi reforçado com a chegada de milhares de judeus poloneses, fazendo com que o Mufti retomasse suas investidas que, naquele ano, entretanto, esbarraram na ação da Haganah (exército clandestino judaico) que dispunha de bons armamentos e dominava estratégias militares. Houve distúrbios em Jerusalém que se prolongaram por seis dias e noites deixando um saldo de 133 judeus e 116 árabes mortos.
Por causa da série contínua de tumultos e ataques sangrentos a situação econômica dos judeus da então Palestina se tornara desesperadora entre 1926 e 1928, gerando enorme desemprego, uma contingência que afetou sensivelmente o casal Sereni. O problema financeiro foi sendo resolvido pela Agência Judaica que coletava fundos mundo afora, inclusive contando com doações de não judeus.
Após uma breve incursão a Jerusalém, com a finalidade específica de encostar a fronte nas pedras do Muro Ocidental, Enzo conseguiu trabalho numa cooperativa agrícola em Rehovot, a 30 quilômetros de Tel Aviv. A cooperativa possuía extensos laranjais como principal fonte de renda. Embora Ada viesse a dizer, anos mais tarde, que o tempo em Rehovot tinha sido o pior de sua vida, Enzo se dedicou ao trabalho. Verificou que tanto o plantio e a colheita das laranjas poderiam ser mais velozes e eficientes. Ele também se ocupou das embalagens e da logística na distribuição das laranjas de modo a modernizar todo o sistema. Foi nessa esteira que Enzo se tornou a pessoa mais importante da cooperativa e nada era feito sem sua aprovação, sobretudo no que dizia respeito às transações financeiras. Mesmo assim, não estava satisfeito. Sentia que seu ideal socialista podia estar se esmaecendo e começou a alimentar a ideia de fundar um kibutz.
Em 1928, Enzo Sereni conseguiu junto ao Fundo Nacional Judaico, instituição que administrava e distribuía terras para os pioneiros, uma porção de terra a apenas dois quilômetros de Rehovot. Graças à sua atuação na cooperativa não lhe foi difícil reunir um grupo de pioneiros judeus da Alemanha, Lituânia e Polônia para acompanhá-lo na empreitada. Por consenso, o kibutz recebeu o nome de Guivat Brenner em homenagem ao escritor Yossef Chaim Brenner, assassinado pelos fedayn em Jaffa logo no primeiro morticínio comandado pelo Mufti. De acordo com um censo feito pelas autoridades britânicas em 1931, Guivat Brenner tinha 151 habitantes. Além das acomodações destinadas às famílias, havia no local, cinco construções maiores, não detalhadas no relatório. (No decorrer dos anos, Guivat Brenner tornou-se uma das colônias mais prósperas e bem-sucedidas de Israel. Em 2017, contava com 2.669 habitantes).
Em 1930, a Agência Judaica convocou Enzo Sereni para uma árdua missão: partir para a Alemanha com a finalidade de ali organizar a juventude judaica visando à sua emigração para a Palestina britânica. Deveria também ajudar a comunidade judaica que começava a sofrer o rigor do antissemitismo. Sereni foi recebido com frieza pelos judeus de Berlim, Hamburgo, Frankfurt e Munique, cidades que abrigavam os maiores números de judeus.
Os jovens com os quais fez contato viam Sereni com desconfiança. O que poderia lhes ensinar um trabalhador braçal vindo da remota Palestina? Eram rapazes sofisticados que falavam sobre Kafka, Proust e Thomas Mann, quando esses escritores ainda eram pouco conhecidos na Europa. No entanto, Sereni os impressionou com os conhecimentos que tinha de filosofia e literatura. Com os adultos as conversas eram bem mais complicadas. Eles diziam que se sentiam mais alemães do que judeus, que um país que produzira gênios como Goethe e Schiller não cederia ao obscurantismo, que Hitler e o nazismo eram apenas fenômenos passageiros que logo deixariam de existir. Mesmo assim, Sereni conseguiu convencer algumas dezenas de judeus a transferir seus ativos para o exterior caso se vissem obrigados, em algum momento, a deixar a Alemanha.
Quanto aos mais moços, Sereni os conquistou de vez quando passou a discutir com eles as obras de Kant, Hegel e Schpenhauer. Enfatizou que o pioneirismo na então Palestina não significava um encolhimento cultural, muito pelo contrário. Falou-lhes sobre os debates filosóficos, políticos e literários que aconteciam em muitos kibutzim, inclusive em Guivat Brenner. As frequentes reuniões de Sereni com os jovens despertaram a atenção das autoridades e Enzo foi preso pela Gestapo. Disse que se encontrava com grupos de rapazes na qualidade de professor de filosofia e como era um bom italiano também era um bom fascista e, portanto, grande admirador do nazismo. Foi liberado e nunca mais importunado. Nesse período germânico, escreveu um livro que até hoje é referência, As origens do fascismo.
O trabalho de persuasão de Sereni junto à comunidade judaica alemã foi tão bem- sucedido que em agosto de 1933 a Federação Sionista da Alemanha e o Banco Anglo-Palestino, pertencente à Agência Judaica, assinaram um acordo, aprovado pelas autoridades nazistas, que permitiu a transferência de grande quantidade de fundos para a Terra de Israel. Naquele ano, confiantes no acordo, cerca de 60 mil judeus alemães emigraram para a então Palestina, fortalecendo o desenvolvimento econômico e social do yshuve propiciando o surgimento de novas colônias agrícolas coletivas.
Durante sua missão de quatro anos na Alemanha, Enzo fazia todos os anos duas viagens à Itália para rever a família, em Pessach e em Rosh Hashaná (Ano Novo judaico). Na viagem de 1932, encontrou a mansão da rua Cavour parcialmente demolida em virtude da construção de uma grande avenida que Mussolini mandara abrir, desde o Palácio Veneza, onde morava, até o Coliseu. Entretanto, sua decepção com o precário estado da casa onde tinha nascido foi compensada pela viagem que fez ao sul da Itália para conhecer a comunidade da pequena cidade de San Nicandro, onde todos os habitantes haviam se convertido ao judaísmo, constituindo um insólito capítulo da história judaica.
No fim da 1ª Guerra Mundial, um camponês analfabeto de San Nicando, chamado Donato Manduri voltou ferido para casa e como mal podia se locomover, aprendeu a ler e passava os dias lendo a Bíblia, algo que fazia pela primeira vez, notadamente o Velho Testamento. Concluiu que Jesus não tinha sido um profeta e nem o Messias porque a existência de tanta pobreza pelo mundo era sinal de que o Messias ainda não havia chegado. E mais: se D’us determinara o descanso para o sétimo dia, por que o catolicismo o havia transferido para o domingo? Refletiu que os mandamentos básicos do comportamento humano haviam sido dados por D’us a Moisés e, portanto, ao Povo Judeu. Manduzio fez sua própria conversão para o judaísmo e convenceu 19 vizinhos a segui-lo. Em pouco tempo, todos os demais 80 habitantes de San Nicandro fizeram a mesma opção e passaram a observar as datas sagradas do judaísmo. Enzo Sereni ficou emocionado quando conheceu Donato Manduzio e guardou para sempre em sua carteira uma fotografia tirada com um grupo daqueles judeus de San Nicandro. (Em meio à 2ª Guerra Mundial, quando a Brigada Judaica entrou em San Nicandro, a população a saudou com bandeiras com a estrela de David. Era a primeira vez que viam judeus de origem, aos quais pediram para ser levados para a “terra prometida”, o que de fato acabou acontecendo em 1949).
Em 1934, Enzo voltou para Guivat Brenner, onde assumiu a secretaria de relações externas e logo passou a cuidar de todos os aspectos da vida do kibutz, assim como havia feito na cooperativa de Rehovot. Porém ficou pouco tempo nessa função. Convocado pela Agência Judaica, recebeu a missão de partir para os Estados Unidos com a finalidade de ali incrementar as atividades sionistas que custavam a prosperar.
Em janeiro de 1936, Sereni partiu sozinho, embarcando na Inglaterra rumo a Nova York. Deixou a família em Guivat Brenner, agora acrescida do filho Daniel, então com cinco anos de idade. Assim que chegou, começou a trabalhar com grande afinco e fez amizade com Stephen Wise, o mais importante líder sionista dos Estados Unidos. Com Wise, arrecadou fundos para o movimento sionista Hechalutz (O Pioneiro), transformou o modesto boletim do movimento numa publicação consistente e providenciou a tradução para o inglês das obras de Gordon e Borochov, enquanto ele mesmo escreveu o livro Judeus e Árabes na Palestina. Nesse trabalho sustentou a tese segundo a qual os dois povos poderiam viver em harmonia se tivessem interesses econômicos convergentes.
Meses mais tarde a família veio a seu encontro. Enzo e Ada alugaram um apartamento em Nova York, nas margens do rio Hudson, no Riverside Drive. Era um apartamento que se assumia como um farol, irradiando uma forte luz sionista para os judeus americanos, além de ser um assíduo ponto de encontro para os ativistas. Na celebração de um Pessach, o casal Sereni teve como convidados o poeta Chain Grinberg, o rabino Joachim Prinz, da Alemanha, e Golda Meir. A Hagadá (narrativa do Êxodo) foi lida por Zalman Shazar que, em 1963, viria a ser presidente do Estado de Israel.
Enzo Sereni regressou para Guivat Brenner em 1937, mas mal teve tempo para desfazer a bagagem. A Haganá o convocou para se engajar nas equipes encarregadas de levar imigrantes judeus clandestinos para a então Palestina, desafiando as autoridades britânicas. Nessa atividade, em março de 1939 viajou para a Holanda, onde acompanhou até Marselha um trem com refugiados judeus poloneses. Da França, talvez conseguissem chegar e desembarcar na Palestina no mandato britânico. Quando eclodiu a 2ª Guerra Mundial, em setembro de 1939, Enzo Sereni alistou-se na Brigada Judaica que, sob o comando britânico, participaria da luta armada contra o nazismo. Nos preparativos da Brigada, chamou a atenção dos oficiais ingleses que ordenaram sua imediata apresentação no Cairo.
Na capital do Egito, confiaram-lhe a missão de viajar para o Iraque, onde deveria apurar a extensão da infiltração nazista no mundo árabe e avaliar como esse mesmo mundo se comportaria em face da guerra na Europa. Aceitou de pronto porque já tinha em mente uma segunda intenção: sabia da existência de uma comunidade judaica que era maioria na cidade iraquiana de Sandur, que praticamente vivia isolada do restante do mundo. Esses judeus ali viviam desde a segunda metade do século 19 e tinham seu sustento na produção de vinhos. Sereni ali encontrou 800 judeus entre homens, mulheres e crianças e o máximo que pode fazer foi prometer que a Agência Judaica encontraria um meio de levá-los para a Eretz Israel como de fato, anos depois, acabou acontecendo. Em Bagdá também entrou em contato com a comunidade judaica, com a qual estabeleceu um vínculo destinado a conduzir o maior número possível de famílias para a Terra de Israel.
Em agosto de1942, Moshe Sharret, uma espécie de ministro das relações exteriores da Agência Judaica, fez uma reunião com o alto comando britânico em Londres numa atmosfera desagradável de desconfiança mútua. Sharret propôs que paraquedistas judeus saltassem atrás das linhas alemãs de onde poderiam dar informações aos aliados e também socorrer seus correligionários. Os ingleses afirmaram só confiar em espiões profissionais. Não queriam saber de idealistas, muito menos de judeus, e muito menos de sionistas.
Apesar da indiferença britânica, o comando da Brigada Judaica e a Haganá decidiram criar um núcleo de paraquedistas que se juntariam de preferência aos guerrilheiros da Iugoslávia comandados por Tito. Somente em 1943, os ingleses concordaram com a iniciativa, mas era tarde demais para salvar os judeus do genocídio. Mesmo assim, os voluntários do yshuv saltariam na Europa e prestariam colaboração ao exército inglês. Na Palestina, os britânicos treinaram 110 volutuários, mas apenas 37 acabaram lutando como paraquedistas, alguns deles bem-sucedidos em sua missão. Na Itália, quatro estabeleceram contato com Londres através de um canal de rádio. Outros cinco conseguiram entrar na Hungria, o que não aconteceu com a pioneira e poetisa húngara Hannah Szenesh que foi capturada, torturada e morta. A Agência Judaica tentou dissuadir Enzo de aderir aos paraquedistas. Mas ele não cedeu e saltou no dia 15 de novembro de 1944, pretendendo atingir a parte da Itália desocupada pela Alemanha. No entanto, foi parar no meio das linhas alemãs e levado para um campo de prisioneiros. No dia 18 de novembro, Enzo Chaim Sereni foi morto por um pelotão de fuzilamento no campo de concentração de Dachau. No 25º aniversário de sua morte, Golda Meir o definiu com um só adjetivo: “Foi um homem inigualável”.
BIBLIOGRAFIA
Bondy, Ruth, The Emissary, Little Brown& Company, 1977, EUA.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista