No dia 2 de julho deste ano de 2016, aos 87 anos de idade, Elie Wiesel deixou este mundo. Talvez quem melhor o tenha definido foi o comitê do Prêmio Nobel da Paz de 1986:  “Um dos mais importantes líderes espirituais em uma época em que a violência, a repressão e o racismo continuam a caracterizar o mundo... Um mensageiro para a humanidade; sua mensagem é de paz, reconciliação e dignidade humana”.

Apesar de ter sobrevivido ao Holocausto e vivenciado os horrores que a mente humana não consegue verdadeiramente assimilar, ele não se tornou amargo, tampouco indiferente, pois, como dizia,  “a indiferença é a personificação do mal”. Pelo contrário, lutou contra as injustiças, a favor dos oprimidos, dos perseguidos, dos injustiçados, dos famintos. E, acima de tudo, lutou a favor de seu povo, de todos os judeus e do Estado de Israel.

Muito tem-se escrito sobre Elie Wiesel e muito ainda está para ser escrito; líderes do mundo todo se manifestaram por ocasião de seu falecimento. Para o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ele representava “a vitória do espírito humano sobre a crueldade e o mal”. Para Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, ele era “a consciência do mundo, alguém que conseguiu mudar o mundo como cidadão mais do que ocupando cargos ou as tradicionais posições de poder”.

Escritor, palestrante, filósofo, professor de ciências humanas, ativista dos direitos humanos, presidente fundador do Memorial do Holocausto dos EUA em Washington e ganhador de inúmeras condecorações além do Nobel da Paz – a lista de seus feitos e  de suas contribuições é imensa, mas sua vida foi definida não tanto pelo trabalho que realizou  como pelo amor que dedicou a seu povo e pelo silêncio que preencheu. Sua vida foi um combate permanente contra o esquecimento – para ele, a “segunda morte” dos milhões de judeus que foram assassinados durante a Shoá. Durante anos,  após a 2ª Guerra, a Shoá ficou escondida sob um manto de silêncio. Ninguém queria relembrar ou  falar sobre os tenebrosos anos de domínio nazista, nem os sobreviventes traumatizados, tampouco os judeus americanos – talvez se sentindo culpados por não terem feito mais para resgatar seus irmãos.  Os israelenses, sabras, olhavam para os sobreviventes como sendo alguém que jamais queriam ser, as “vítimas indefesas”. Até surgir Elie Wiesel. Ele queria que os acontecimentos que destruíram os judeus  da Europa ficassem marcados a ferro e fogo  na consciência do mundo. A simples força de sua personalidade e sua incrível habilidade de transmitir o que acontecera com frases inesquecíveis, duras e cortantes, desenterraram o Holocausto dos livros de História. “Lembremo-nos”, dizia, “lembremo-nos  dos heróis de Varsóvia, dos mártires de Treblinka, das crianças de Auschwitz. Eles lutaram sozinhos, sofreram sozinhos, viveram sozinhos, mas não morreram sozinhos, pois algo em nós morreu com eles”.

Wiesel viveu atormentado por ter sobrevivido. “Se sobrevivi deve ter sido por alguma razão”, dizia. Ao receber o Prêmio Nobel da Paz, declarou que decidira dedicar sua vida “a manter viva a memória” e a lutar contra todos aqueles que tentam negar o Holocausto – todos os que dizem que não aconteceu, ou que não aconteceu da maneira ou nas proporções que são historicamente comprovadas. “Porque”, afirmou Wiesel “se nos esquecermos, seremos culpados, seremos cúmplices”. Sua vontade era “arrebatar aquelas vítimas do esquecimento, ajudar os mortos a vencer a morte (...). Devo minha memória aos mortos. Tenho o dever de servir como seu emissário, transmitindo a história de seu desaparecimento, mesmo se for perturbadora, mesmo se trouxer dor”.

A vida antes de Auschwitz

Elie Wiesel era o único homem dos quatro filhos de Shlomo e Sarah Wiesel. Ele nasceu em 1928 em Sighet, um típico shtetl judaico, nas montanhas dos Cárpatos, na Romênia, uma área que fez parte da Hungria de 1941 a 1945. Seu pai  era dono de um armazém e a  família vivia confortavelmente.  O mundo do jovem Elie girava em torno de D’us, de sua família, sua comunidade, do estudo da Torá, do Talmud e dos ensinamentos místicos do Chassidismo. Fascinado pelos contos e lendas chassídicas, sua ambição era um dia estudar Cabalá.

Elie não sabia que no fatídico  19 março de 1944 a vida dos judeus húngaros iria mudar tragicamente e que o mundo onde ele vivia seria irremediavelmente destruído. Naquele dia a Alemanha ocupou a Hungria e Adolf Eichmann deu início à mais rápida das grandes operações de assassinato do Holocausto.

Já em abril os cerca de 500 mil judeus do leste da Hungria são confinados em guetos e, em 15 de maio, têm início as deportações. Todos os dias, 3 mil judeus eram amontoados em vagões de gados e levados para Auschwitz – 95% deles morreram ao chegar.

Os judeus de Sighet estavam entre os deportados. Em seu livro “Memoirs, all rivers run to the sea” (Memórias, todos os rios correm para o mar) publicado em 1995, Elie recorda que tinha 15 anos quando brutalmente descobriu “o Mal absoluto”, quando foi “atirado em um universo assombrado onde a história da aventura humana parecia oscilar irrevogavelmente entre o horror e a maldição”. Ele recorda a rapidez da ação nazista: o gueto; a deportação; os vagões de gado vedados. Recorda a chegada a Auschwitz, sua mãe e Tzipora, sua doce irmã caçula, enviadas para as câmaras de gás…

Em sua obra, Elie condena os líderes ocidentais que, desde 1942, possuíam provas da intenção de Hitler de aniquilar o Povo Judeu. O mundo sabia e manteve silêncio. Por que, se pergunta Wiesel, por que ninguém alertou os judeus húngaros, os de Sighet? Se alguém os tivesse alertado, acusa Wiesel, eles poderiam ter fugido, se escondido, milhares teriam sido salvos...

Sua primeira noite em Auschwitz, que ele reconta em seu primeiro livro sobre o Holocausto,  “Noite”, é uma das passagens  mais pungentes do livro: “Nunca hei de esquecer aquela noite, a primeira noite no campo, que fez da minha vida uma longa noite, sete vezes amaldiçoada e sete vezes selada. Nunca hei de esquecer aquela fumaça. Nunca hei de esquecer os rostinhos das crianças, cujos corpos vi se tornarem anéis de fumaça sob um céu azul silencioso. Nunca hei de esquecer aquelas chamas que consumiram minha fé para sempre. Nunca hei de esquecer o silêncio noturno que me privou, para toda a eternidade, do desejo de viver.(...). Nunca hei de esquecer dessas coisas, ainda que eu seja condenado a viver tantos anos quanto o próprio D’us. Nunca”.

O famigerado Dr. Mengele “julgara” Elie e o seu pai, Shlomo, capazes de realizar trabalhos forçados e, por isso, não foram enviadas às câmaras de gás, tendo-se tornado escravos obrigados a trabalhar até morrer. Os nazistas tatuaram no braço de Elie sua nova identidade, o número que o marcava como escravo e não ser humano. Depois de algumas semanas, pai e filho foram enviados para trabalhar em Auschwitz III, um dos subcampos de trabalho, também conhecido como Buna.

De todas as terríveis experiências, a mais horrorosa foi ter que assistir o enforcamento de uma criança pequena perante todo o campo de morte. “Atrás de mim”, escreveu, “ouvi um homem perguntando: ‘Onde está D’us agora?’. E eu ouvi uma voz dentro de mim responder: ‘...Aqui, Ele... está bem aqui, pendurado nesta forca’ ”.

Durante toda a sua vida, as crianças judias capturadas pela loucura nazista o assombraram. “Eu os vejo, repetidamente... perseguidos, acossados, humilhados, curvados como os velhinhos que os encobriam, tentando em vão protegê-los... As pessoas pensam que um assassino se enfraquece diante de uma criança; que a criança pode despertar a humanidade perdida do assassino. Não dessa vez. Conosco, foi diferente. Nossas crianças judias não causaram nenhum efeito nos assassinos. Nem no mundo”...

A guerra estava no final e a Alemanha sabia que estava derrotada, mas apesar disso a caça e extermínio dos judeus continuava. Hitler não desistira de sua guerra contra os judeus, de sua promessa de aniquilá-los. No final de 1944, com as forças soviéticas se aproximando, os nazistas iniciaram a remoção dos prisioneiros de Auschwitz para campos localizados na Alemanha. Nos últimos dias de janeiro de 1945, em pleno inverno, as SS evacuaram os 60 mil prisioneiros, entre eles Elie e o pai. Os poucos que ficaram foram libertados no dia 27 de janeiro pelos soviéticos. Expostos ao frio extremo sem praticamente nenhum agasalho, comida ou água, os prisioneiros evacuados foram obrigados a caminhar por longas distâncias, antes de serem despachados para Buchenwald em vagões descobertos. Poucos chegaram com vida. Elie viu seu pai morrer um pouco, a cada dia. Quando ele finalmente morreu, em 29 de janeiro de 1945, Elie não derramou uma lágrima sequer, pois “já não tinha mais lágrimas”, conforme escreveu no livro “Noite”.

No dia 11 de abril, Wiesel estava entre 20 mil prisioneiros libertados pelo 3° Exército estadunidense. Horas antes da entrada dos americanos no campo de Buchenwald, prisioneiros pertencentes a uma organização de resistência conseguiram tomar o controle, evitando a liquidação dos judeus. Nos dias que se seguiram, por causa de uma intoxicação alimentar, Elie ficou entre a vida e a morte. Na última passagem do livro “Noite”, Wiesel descreve o momento em que conseguiu emergir – ainda no hospital para onde fora levado – do estado de fraqueza absoluta em que se encontrava e se olhou no espelho pela primeira vez desde a deportação. Aquela imagem de si próprio, de um cadáver que o olhava e interpelava, nunca o abandonou.

A vida depois de Auschwitz

Elie estava entre os 400 órfãos que foram enviados para a França para se recuperar, tentando voltar a ter “uma vida normal”. O jovem ficou na Normandia numa casa da organização humanitária judaica OSE (Oeuvre de Secours aux Enfants). Foi nesse período que soube que suas duas irmãs mais velhas, Hilda e Bera, haviam sobrevivido.

Elie voltou a estudar os textos judaicos sagrados, em suas palavras: “Resgatei meu fervor religioso, talvez como uma maneira de fechar um parêntese em meu passado recente... para voltar a encontrar meu caminho”. Continuou sendo judeu praticante pelo resto de sua vida, apesar de ter “suas questões com D’us”, como costumava dizer, pois tinha dificuldade de “conciliar o conceito de um D’us benevolente com o mal absoluto do Holocausto”.

Quando lhe perguntaram se era religioso, Wiesel respondeu que quando jovem “eu era muito, muito religioso, mas em Auschwitz questionei o silêncio de D’us... Será que isso significa que parei de ter fé? Não. Tenho fé, mas questiono”. Ele se tornou mais devoto à medida que os anos se passavam, indo à sinagoga perto de sua casa ou às sinagogas chassídicas de Brooklyn. “Se tenho problemas com D’us, por que deveria culpar o Shabat?”, perguntou certa vez.

Como milhares de outros sobreviventes, Wiesel queria ir para a então Palestina, mas não estava entre os que obtiveram os certificados de entrada – entre eles, Israel Meir Lau, o futuro rabino chefe de Israel, e seu irmão. Quarenta anos depois, ao se encontrar com Elie, o Rabino Lau o fez lembrar que fora ele quem lhe ensinara a recitar o Kadish de cor.

Wiesel passou a participar de reuniões de movimentos sionistas e seguia com apreensão a luta dos judeus na então Palestina contra os britânicos. Acompanhava com interesse o Julgamento em Nuremberg e os problemas e sofrimentos dos judeus que haviam sobrevivido e estavam nos campos de pessoas deslocadas. Entre eles, sua irmã Bera. A verdade, aponta Wiesel em Memoirs, é que “o sofrimento dos sobreviventes não terminara com a guerra; o mundo não queria saber deles, nem antes nem depois... Aqueles que foram idiotas e retornaram a seus países de origem quase sempre depararam-se com grande hostilidade...”.

Em 1948, mudou-se para Paris e se matriculou na Sorbonne onde cursou literatura e filosofia. Já dominava o francês, idioma no qual escreveu praticamente todos os seus livros. Garantia o sustento dando aulas de hebraico e escrevendo artigos para várias publicações francesas e judaicas.

No dia da Declaração de Independência de Israel, 14 de maio de 1948, “dia tão esperado, aurora de nossos sonhos”, Wiesel escreveu em Memoirs que não conseguira conter a emoção. “Quando foi que chorei, por último? Foi com o mais doloroso sentido de reverência que eu recebi o Shabat, o Shabat mais bonito e luminoso da minha vida. Aquele Shabat não foi uma oferenda a Israel, aquele dia Israel foi uma oferenda ao Shabat”.

A alegria, no entanto, veio junto com um profundo temor, pois Israel já lutava por sua sobrevivência, “apesar dos contingentes inferiores e do armamento inferior, eles já estavam lutando como nos dias dos Macabeus. Perder seria o fim de um sonho, o fim de Eretz Israel”. Mas, Israel ganhou, apesar de ter perdido parte de Jerusalém. “Gritei, de raiva e tristeza, quando soube da rendição da Cidade Velha”...

O reino da memória

“Se há um tema único que domine todos os meus escritos, todas as minhas obsessões, esse tema é a memória, porque temo o esquecimento tanto quanto o ódio e a morte”, afirmava. “Não esqueçam que são judeus, os pais costumavam dizer a seus filhos e filhas quando deixavam seus lares... Nenhum outro mandamento bíblico é tão persistente como o da lembrança... Os judeus vivem e crescem sob o signo da memória”.

“Esquecer, para um judeu, é negar seu povo – e tudo o que isso simboliza – e também negar a si próprio”... E Wiesel jamais esqueceu... Seu primeiro testemunho sobre seu sofrimento e de todo o seu povo durante a Shoá foi uma obra  de 862 páginas, em iídiche, com o título Un die Welt Hot Geshvign  (E o Mundo Ficou em Silêncio).

Um dos que sempre encorajaram Wiesel a “prestar testemunho” em nome dos milhões de pessoas que tinham sido silenciadas foi François Mauriac, prêmio Nobel de Literatura em 1952. Durante a entrevista que Mauriac concedeu a Wiesel, em 1955, o escritor francês lhe disse que não conseguia deixar de pensar nos milhares de crianças judias que os nazistas haviam deportado. “Eu fui uma delas”, revelou-lhe Wiesel.

Wiesel escreveu uma nova versão reduzida, de umas 127 páginas, em francês, de suas memórias de Auschwitz, com o titulo de Nuit (Noite). Mauriac, a primeira  pessoa que a leu, escreveu o prefácio.  O estilo da obra é tenso, controlado, com frases curtas, pois ele queria  que os eventos falassem por si só.  Ao lhe perguntarem o que ele tinha feito com a versão original, respondeu: “É uma memória, um testemunho, por isso julguei que deveria guardá-lo e um dia talvez o publique”.O livro foi publicado em inglês pela editora Wang & Hill, que lhe ofereceu um adiantamento de apenas US$100. Embora tendo recebido boas críticas, o livro vendeu apenas 1.046 cópias. “Na época,  o Holocausto não interessava”, Wiesel disse em 1985 à revista Time. O interesse aumentou após Adolf Eichmann ter sido capturado na Argentina e levado a Israel para ser julgado. Wiesel, então correspondente de um jornal judaico americano, estava presente no julgamento. Em virtude do julgamento, o mundo começou a compreender e reviver a enormidade dos crimes alemães. Wiesel foi um dos primeiros sobreviventes do Holocausto a expor seus verdadeiros horrores. Sua fala carismática e sua escrita prolífica, elegante e, sobretudo, pungente, trouxeram-lhe inúmeros seguidores. Ele passou a personificar o sobrevivente do Holocausto. Nos anos que se seguiram, seu livro “Noite” vendeu mais de 10 milhões de cópias.

Vivendo desde 1955 em Nova York, tornou-se cidadão americano em 1963 e, em 1969, casou-se com  uma judia austríaca, Marion Ester Rose, também sobrevivente do Holocausto. Escritora e editora, Marion editou e traduziu muitas das obras do marido. Em 1972, o casal teve um filho, Shlomo Elisha. A partir de 1972, Wiesel passou a ocupar a Cadeira de Estudos Judaicos na Universidade da Cidade de Nova York até 1976, quando se tornou Professor de Ciências Humanas na Universidade de Boston.

Mensageiro

Elie Wiesel escreveu 50 livros de ficção, ensaios e reportagens, duas peças de teatro e até mesmo duas cantatas. Escreveu sobre os mestres chassídicos, profetas bíblicos ou judeus soviéticos, sua angústia, seu despertar, sua coragem. Mas todos os seus escritos lidavam com profundas questões que ressoavam a partir do Holocausto: qual o sentido de viver em um mundo que tolerava a crueldade inimaginável? Como pôde o mundo manter-se mudo? Como continuar crendo em D’us? Wiesel lançava as perguntas, mas raramente oferecia as respostas. A verdade, ele escreveu: “Nosso inimigo pode nos matar, mas ele é impotente perante  o que nós personificamos”.

Sempre afirmava que não queria escrever livros acerca do Holocausto; nenhum dos sobreviventes o queria. Mas ele tinha que escrevê-los ao perceber que se os sobreviventes não se expressassem, todo aquele período seria esquecido. Pior ainda, ajudaria seus detratores a dizer que aquele horror não tinha ocorrido. “Não transmitir uma experiência é traí-la; é isso o que a tradição judaica nos ensina”.

Contar a história era o último dos desejos dos mortos. “O temor do esquecimento era a principal obsessão de todos os que haviam passado pelo universo dos condenados. O inimigo contava com o fato de que ninguém iria acreditar que aquele universo maldito realmente existira; contava com o esquecimento das pessoas. Lembre-se, disse o pai a seu filho, e o filho a seu amigo: reúnam os nomes, os rostos, as lágrimas. Se, por um milagre, alguém sair daqui vivo, tentem revelar tudo, não omitindo nada, não esquecendo nada. Esse foi o juramento que todos fizemos: ‘Se, por algum milagre, eu sobreviver, dedicarei minha vida a testemunhar em nome de todos aqueles cuja sombras ficarão coladas à minha para todo o sempre’”.

Mas, como ele poderia escrever sobre algo tão terrível? “Eu não queria usar as palavras erradas”. Ele via-se assombrado com o que ele chamava de seu “conflito dialético”: a necessidade de contar o que tinha visto e a futilidade de explicar um evento que desafiava a razão e a imaginação.

“Nós, sobreviventes, nós todos sabíamos que nunca poderíamos dizer o que tinha que ser dito, que nunca poderíamos exprimir em palavras – coerentes, inteligíveis – nossa experiência de loucura em escala absoluta. Nossas palavras apenas poderiam evocar o incompreensível. Esta é a maior tragédia das vítimas. O gueto e os vagões vedados, as crianças arremessadas vivas às chamas, os idosos com a garganta cortada, as mães com o olhar desvairado, os filhos impotentes para aliviar a agonia dos pais: uma pessoa “normal” não consegue absorver tanto horror... Um bruto golpeia, um corpo cai; um oficial ergue o braço e toda uma comunidade caminha em direção a uma vala comum… A marcha durante noites flamejantes, o silêncio antes e após a seleção, a oração silenciosa dos condenados, o Kadish dos que agonizavam, o medo e a fome, a vergonha e o sofrimento, os olhos assombrados – uma pessoa normal não consegue absorver tanta escuridão, nem pode entender, nem mesmo ter a esperança de entender. E eu pensei que nunca teria condições de falar deles. Todas as palavras pareciam inadequadas, gastas, tolas, sem vida, e eu queria que elas queimassem o coração, a alma. O que nós sofremos não encontra palavras na linguagem: situa-se em algum lugar além da vida e da história. Fome, sede, humilhação, espera, morte; para aqueles que passaram pelo inferno, essas palavras revestem-se de diferentes realidades. A linguagem do campo de concentração negou todas as demais línguas e tomou o lugar das mesmas. Ao invés de unir as pessoas, tornou-se um muro entre elas. Poder-se-ia escalar esse muro? Poderia o leitor ser levado ao outro lado? Eu sabia que a resposta era ‘não’, mas eu também sabia que o ‘não’ tinha que se tornar um ‘sim’...”

Denunciando a perseguição

O presidente Obama, que visitou o local do campo de concentração de Buchenwald com Elie Wiesel em 2009, chamou Wiesel de “memorial vivo”. Em uma declaração, disse: “Ele ergueu a voz não apenas contra o antissemitismo, mas contra o ódio, o preconceito e a intolerância de todas as formas. Implorou a cada um de nós, como nações e como seres humanos, a fazer o mesmo, a nos vermos no outro e a tornar realidade a promessa do ‘Nunca mais’”.

Wiesel sempre falou a favor dos oprimidos. Condenou os massacres na Bósnia, Camboja, Ruanda e a região de Darfur, no Sudão. Condenou, também, o incêndio das igrejas dos negros, nos Estados Unidos, e defendeu os negros da África do Sul e os prisioneiros políticos torturados da América Latina.

Mas, o sofrimento dos judeus era a maior de suas preocupações. Em seu livro de 1966, “The Jews of Silence: A Personal Report on Soviet Jewry”, (Os judeus do silêncio: Um relato pessoal sobre o Judaísmo Soviético), ele expôs o drama dos judeus na União Soviética que estavam sendo perseguidos por sua religião e, no entanto, eram impedidos de deixar o país. “O que mais me atormenta, não são os “judeus do silêncio” que conheci na Rússia, mas o silêncio dos judeus entre os quais vivo, hoje”, disse. Seus esforços ajudaram a atenuar as restrições emigratórias.

Wiesel teve um papel primordial na criação do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington, servindo de presidente da comissão que reuniu grupos de sobreviventes na arrecadação de fundos para a construção de uma estrutura permanente.

Quando o museu foi criado, Wiesel escreveu que a razão para a sua criação foi homenagear o último desejo das vítimas de contar e negar aos nazistas uma vitória póstuma, protegendo o futuro da Humanidade de que uma tamanha maldade voltasse a acontecer. Sempre manteve a crença de que “apesar de que nem todas as vítimas do Holocausto eram judeus, todos os judeus foram vítimas do Holocausto”.

Wiesel acreditava que o Museu do Memorial precisava manter viva a lembrança do assassinato dos demais grupos: comunistas, ciganos, homossexuais, mas a maior ênfase devia ser dada à aniquilação dos judeus. Falando da singular natureza da tragédia judia, disse: “Não quero ser condescendente nem minimizar o sofrimento dos outros. Quero ter a mesma compaixão por todas as vítimas. Mas, o Holocausto foi um caso à parte. Pela primeira vez, foi posta em ação uma operação para matar todos os judeus do mundo, onde quer que estivessem”.

Amor por Israel

Wiesel amava o Povo Judeu, Israel, Jerusalém. Em 2010, publicou um anúncio no The New York Times, “Para mim, o judeu que sou, Jerusalém está acima da política. Está mencionado mais de 600 vezes nas Sagradas Escrituras – e nem uma única vez no Corão... a primeira canção que ouvi dos lábios de minha mãe foi uma canção de ninar sobre e para Jerusalém”.

Wiesel também se manifestou contra o acordo do Presidente Barack Obama com o Irã, publicando outro anúncio no  The New York Times: “Será que  não devemos mostrar nosso apoio pelo que pode ser o último aviso antes de fecharem um terrível acordo? Como alguém que viu os inimigos do Povo Judeu cumprirem a promessa de suas ameaças de exterminar-nos, como poderia me calar?” Wiesel alertou acerca do “objetivo genocida do Irã contra Israel” e conclamou ao “total desmantelamento da infraestrutura nuclear do Irã”.

Nenhuma citação resume melhor o apoio de Elie Wiesel ao Povo Judeu do que esta: “Existe Israel, ao menos para nós. O que nenhuma outra geração teve, nós temos. Nós temos Israel apesar de todos os perigos, as ameaças e as guerras, nós temos Israel. Podemos ir a Jerusalém. Gerações e gerações não podiam, e nós podemos”. “É claro para mim que não se pode ser judeu sem Israel. Religiosos ou não religiosos, sionistas e não-sionistas, asquenazis ou sefardis – todos eles não existirão sem Israel”.

Bibliografia
Wiesel, Elie, Night. Kindle edition
Wiesel, Elie, All Rivers Run to the Sea: Memoirs. Kindle edition
Wiesel, Elie, And the Sea Is Never Full: Memoirs. Kindle edition
Wiesel, Elie, From the Kingdom of Memory: Reminiscences. Kindle edition 
Wiesel, Elie, After the Darkness: Reflections on the Holocaust, Ed. Schocken