Eram músicos, escritores, pintores, atores, cientistas, matemáticos, arquitetos, médicos, fotógrafos, dançarinos, empresários e até palhaços de circo, policiais e técnicos de futebol. Todos refugiados e refugiadas do Nazifascismo, que buscaram salvação a partir de 1933. São relembrados em 300 biografias ilustradas, representando os milhares de fugitivos que fizeram ou refizeram a vida e a carreira em nosso país e muito contribuíram para a sociedade brasileira. Cada trajetória uma epopeia, desde o nascimento e a formação no Velho Mundo, os terríveis perigos e sofrimentos enfrentados com a chegada do Nazismo, as lutas e peripécias para conseguir escapar, obter vistos e embarcar rumo à liberdade. O Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, coordenado pelo historiador Israel Beloch, relata tudo isso. É mais uma publicação da Casa Stefan Zweig, sediada em Petrópolis, voltada para a divulgação e o estudo da obra do grande escritor austríaco aqui falecido e do papel dos refugiados que, como ele, escaparam do totalitarismo. A biografia do jogador e técnico de futebol Izidor Kürschner está contida no Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, livro que está sendo traduzido ao inglês e publicado com o patrocínio do Banco J. Safra Sarasin.
Izidor Kürschner
Jogador, técnico de futebol
Budapeste, 1885 - Rio de Janeiro, 1941
No Brasil, de 1937 a 1941
Nascido no então Império Austro-Húngaro, governado pelos Habsburgo, o judeu Izidor Kürschner passou a atuar em 1904 no MTK Hungria, a tradicional equipe futebolística dos judeus húngaros, fundada em 1888. Grande rival do Ferencvaros, o time era também inscrito na Liga Húngara, a mais importante no país. O futebol, desde os anos anteriores ao Nazismo, representava um elo de união para os jovens judeus de toda a Europa. Numa época em que a Hungria era uma superpotência do futebol, Kürschner sagrou-se campeão pelo time por duas vezes, em 1904 e 1908, além de ganhar três campeonatos nacionais, em 1910, 1911 e 1912. Destacou-se ainda por sua visão avançada do futebol, com uma grande capacidade de antecipação. Em 1913, deixou de atuar como jogador, e cinco anos mais tarde tornou-se técnico do MTK, substituindo o inglês Jimmy Hogan, considerado um dos mais revolucionários técnicos europeus.
Em 1919, Kürschner deixou o MTK e foi para a Alemanha, onde atuou como treinador em duas temporadas do futebol alemão no inicio dos anos 1920, à frente do Nuremberg (1920-1921), obtendo o campeonato alemão, e do Eintracht Frankfurt (1921-1922), que transformou em campeão regional. Seu maior tempo como treinador de futebol foi na Suíça, onde comandou uma equipe recém-constituída, o Basel, de 1923 a 1924. O desempenho naquele país lhe permitiu participar das Olimpíadas de 1924, em Paris, formando com Jimmy Hogan e Teddy Duckworth um plantel de três técnicos dedicados à preparação da equipe suíça para os jogos. Com o contato com os treinadores ingleses, adquiriu novas técnicas e táticas procedentes da Inglaterra, e a seleção suíça obteve a medalha de prata. Atuou em seguida no Grasshoper, em Zurique, de 1925 a 1934, com uma trajetória de êxitos na equipe, além do Young Boys, de Berna, na temporada 1934-1935.
Em março de 1937 mudou-se para o Brasil, fugindo do antissemitismo na Europa. Embora viesse trabalhar em times locais, a motivação fundamental de sua vinda foi atribuída por muitos ao receio do treinador dos riscos que recaíam sobre ele, judeu húngaro, num momento em que o Nazismo avançava. Recém-chegado no Rio de Janeiro, assumiu em abril daquele ano a equipe do Flamengo. O time carioca buscava então formar um grande quadro, contratando craques como Fausto dos Santos, Domingos da Guia e Leônidas da Silva, além de cinco jogadores da Argentina. Ao longo de sua temporada brasileira, Izidor, apelidado de Dori no Brasil, implantou as ideias acumuladas na Europa – mais controle e mais toque – e apresentou ao futebol brasileiro o esquema tático “WM”, considerado vanguardista no cenário europeu, enquanto que no Brasil predominava ainda o sistema 2-3-5, tido como bastante arcaico.
Na Copa do Mundo de 1938, assessorou com suas novas táticas os técnicos da seleção brasileira de futebol, que conquistou o terceiro lugar na disputa: era a origem do chamado ‘jogo bonito’ da equipe brasileira. Apesar de suas ideias revolucionárias, Dori Kürschner foi demitido após uma derrota do rubronegro frente ao Vasco da Gama, sendo substituído por seu auxiliar e discípulo Flavio Costa, que recorreu ao esquema por ele implantado, tornando-se o treinador mais vitorioso na história do futebol carioca.
Após a saída do Flamengo, em junho de 1939, Kürschner passou a treinar o time do Botafogo. Pouco depois foi, porém, acometido de um vírus raro, vindo a falecer aos 56 anos de idade.
por Inoã Urbinati / IB