O que mais a desgostava era quando associavam seus êxitos à condição de mulher. Ao assumir a chefia do governo de Israel, no dia 17 de março de 1969, perguntaram a Golda Meir em uma entrevista coletiva:

Apesar da sua imagem de mulher determinada, sempre firme e forte, obstinada nas suas opiniões e decisões, ela assumiu aquela responsabilidade mais com a emoção do que com a razão. Seu filho, o violoncelista Menahem Meir, conta que estava em Nova York quando, na segunda semana de março de 1969, recebeu um telefonema da mãe. Ela dizia que estava a ponto de ser eleita primeira-ministra e, embora relutasse, teria que aceitar "para evitar uma guerra entre Moshe Dayan e Ygal Allon". "O que você acha?" - perguntou. Menahem diz que, sem pretender conferir-se um crédito imerecido, está convencido de que seu apoio e de sua mulher, Aya, tiveram peso considerável na decisão de Golda.

Em dezembro de 2008, terão transcorrido três décadas desde sua morte. Durante 80 anos de existência, não houve um só momento de tédio na vida de Golda Mabovitz, nascida em Kiev, na Rússia imperial. Sua biografia politicamente correta pode ser escrita de forma sucinta. Em 1906, emigrou com a família para os Estados Unidos, radicando-se em Milwaukee, no estado de Wisconsin, onde trabalhou como professora primária. Casou-se em 1917 com Morris Meyerson, uma união infeliz da qual nasceram dois filhos, Menahem e Sarah. Sionista ardente desde a juventude, partiu com o marido para a antiga Palestina em 1921, onde integraram o grupo de fundadores do kibutz Merhavia. Como membro da Histadrut (Confederação Geral dos Trabalhadores) ascendeu a importantes posições na política doméstica pré-estado. Depois da proclamação da independência, foi nomeada embaixadora de Israel na União Soviética e, em seguida, ocupou os cargos de ministra do trabalho durante dez anos, de ministra das relações exteriores e de primeira-ministra, função que exerceu até 1974.

Um parêntese: foi na qualidade de chanceler que Golda veio ao Brasil, em 1959, sendo então recebida, com todas as honras, pelo presidente Juscelino Kubitschek. Sobre esta viagem, ela escreveu: "Sentia especial carinho pelo Brasil já que, entre outras coisas, foi o ilustre brasileiro Oswaldo Aranha quem presidiu a sessão de 29 de novembro da ONU, que decidiu pela partilha da antiga Palestina. Fiquei sensibilizada pela calorosa e festiva acolhida e muito impressionada pela impressão de energia e pertinácia que me foram dadas pelas cidades de Brasília e São Paulo. Um dos pontos mais significativos da visita foi a assinatura de um acordo que nos permitiu auxiliar aquele país a conquistar suas grande áreas áridas ou semi-áridas. Mas, um acontecimento permanece indelével em minha memória: ao assistir a uma sessão do Congresso brasileiro, ouvi encantada o senador Hamilton Nogueira saudar-me, não em português, mas no mais genuíno e fluente hebraico".

De tudo que aconteceu em sua vida, repleta de turbulências, destaco quatro momentos que me parecem os mais emblemáticos de sua trajetória: os encontros secretos com o rei Abdullah, da Transjordânia, a temporada como embaixadora em Moscou, o difícil papel desempenhado na guerra do Yom Kipur e a reação ao massacre nas Olimpíadas de Munique, em 1972.

Durante os seis meses que antecederam a criação de Israel, Golda foi incumbida de se encontrar com o rei Abdullah, da Transjordânia, na tentativa de evitar o conflito armado que era fácil de se avistar no horizonte. Eles se reuniram pela primeira vez em novembro de 1947, Golda na condição de chefe do Departamento Político da Agência Judaica, acompanhada por Eliahu Sasson, perito em assuntos árabes. O encontro teve lugar em uma usina elétrica localizada em Naharaym, às margens do rio Jordão. Ela recordou: "Bebemos as costumeiras xícaras cerimoniais de café e depois começamos a falar. Abdullah era um homem de baixa estatura, belo porte e grande encanto. Não tardou a ir direto ao assunto; ele não se associaria a qualquer ataque árabe contra nós. Disse que permaneceria sempre nosso amigo e que, como nós, queria a paz acima de tudo. Afinal de contas, tínhamos um inimigo comum: o Mufti de Jerusalém, Haj Amin el-Husseini. E não só isso. Sugeriu ainda que voltássemos a nos encontrar após a votação nas Nações Unidas".

Outro especialista em assuntos árabes, Ezra Danin, que também já tinha mantido contatos com o rei, informava a liderança judaica sobre a concepção do monarca a respeito dos judeus. Abdullah achava que a Providência havia dispersado os judeus, principalmente pelo mundo ocidental, para que estes pudessem voltar ao Oriente Médio trazendo a cultura européia, o que seria benéfico para toda a região. Mas, Danin julgava bizarra essa idéia e desconfiava das alegadas boas intenções do rei. Tinha razão. À medida que o tempo passava, os rumores de que Abdullah se filiaria à Liga Árabe se tornavam mais consistentes. No dia 10 de maio, quatro dias antes da proclamação da independência, Ben Gurion e Golda chegaram à conclusão de que valeria a pena tentar uma segunda conversa com o soberano. Dessa vez, porém, o rei se recusou a ir a Naharaym, por considerar por demais perigoso. Se Golda quisesse vê-lo, teria que ir a Amã, capital da Transjordânia, e ele não assumiria qualquer compromisso quanto à sua segurança e de Danin, que a acompanharia. Golda e Danin empreenderam a viagem a partir de Haifa. Ele falava árabe fluentemente e se disfarçaria apenas com uma kafiah sobre a cabeça. "Quanto a mim", escreveu ela, "iria com as volumosas vestes escuras de uma mulher árabe; eu não falava uma só palavra de árabe, mas como uma esposa muçulmana, acompanhando o marido, era pouco provável que tivesse que dizer qualquer coisa a quem quer que fosse". Para terem a certeza de não estar sendo seguidos, Danin e Golda trocaram várias vezes de carros e, em determinado ponto, apareceria alguém que os conduziria até Abdullah, na casa de um de seus auxiliares. Golda nunca esqueceu que o rei ali entrou pálido e gaguejante. No decorrer de uma hora de conversa, Abdullah disse que não mais poderia manter a palavra empenhada porque antes estava agindo por conta própria, mas agora era um entre cinco, sendo Egito, Síria, Líbano e Iraque os outros quatro. O rei perguntou: "Por que estão com tanta pressa para proclamar seu estado?" Golda respondeu: "Quem já está esperando há dois mil anos, certamente ignora o que seja pressa". Em seguida, insistiu: "Vossa Majestade não compreende que nós somos seus únicos aliados nesta região? Se formos forçados à guerra, lutaremos e venceremos". Ele respondeu: "Vocês têm o dever de lutar. Mas por que não esperam alguns anos? Desistam de suas exigências de livre imigração. Eu assumirei o controle de todo o país e vocês serão representados no meu parlamento". Em face dessa proposta inviável, Golda e Danin se despediram e partiram de regresso a Tel Aviv, viagem que correspondeu a um filme de terror. O motorista transjordaniano ficava apavorado cada vez que o carro era parado por sucessivos postos de controle da Legião Árabe. Por isso, mandou que os dois saltassem a uma longa distância da usina elétrica. Já passava das duas da manhã e eles tiveram que caminhar no escuro sem saber se estavam na direção certa de Naharaym.

Golda sentia medo na adversidade daquela circunstância e, sobretudo, enorme depressão pelo fracasso resultante da conversa com o rei. Finalmente, um jovem membro da Haganá, que os esperava, localizou-os perto da usina. "No escuro não pude ver seu rosto, mas creio que jamais segurei a mão de alguém tão firmemente e com tanto alívio". No dia 20 de julho de 1951, Abdullah foi assassinado em Jerusalém, durante uma visita à mesquita de Al Aqsa, provavelmente a mando do Mufti de Jerusalém, desconfiado de que ele tramava uma paz em separado com Israel.

Golda Meir estava em Nova York, ao cabo de uma bem-sucedida viagem para arrecadar fundos, quando recebeu um telegrama de Moshe Sharret, então ministro das Relações Exteriores, informando-a de que seria embaixadora em Moscou. Seu filho Menahem, que a acompanhava, descreveu sua reação inicial: "Ela se sentiu assolada por dúvidas. Estava insegura quanto à competência para assumir aquele posto. As únicas recordações que tinha da Rússia eram a pobreza, os pogroms, os mendigos e os cossacos. Também não se lembrava do idioma russo e não falava francês, a língua diplomática daquela época". Perguntou ao filho: "O que será que eu poderei fazer como ministra plenipotenciária?" E emendou rindo: "Que título mais pomposo!" Contudo, sentiu-se aliviada quando Sharret permitiu que a filha Sarah e o genro Zacharia se integrassem à delegação que serviria na União Soviética.

Golda desembarcou em Moscou no dia 3 de setembro de 1948, onde a aguardava a equipe da embaixada. Chovia e fazia frio. Os recém-chegados foram instalados em um hotel somente para estrangeiros, numa luxuosa suite com sala e dois quartos que continha até um piano de cauda. Mas, ao receber a conta da primeira semana, a embaixadora ficou atordoada. O orçamento que levara era modesto e o custo de vida muito alto. Decidiu, então, que ela, a filha, o genro e a secretária, Lou Kaddar, ali viveriam como se estivessem num kibutz. Comprou dois fogareiros e ela mesma providenciaria o café da manhã e o jantar. Refeição no restaurante do hotel, somente uma vez por dia.

Depois da cerimônia oficial da apresentação de credenciais, Golda estava ansiosa para manter contatos com judeus e, para isso, pretendia logo visitar uma sinagoga. No primeiro sábado depois da apresentação das credenciais, a delegação israelense foi a pé até a grande sinagoga de Moscou, onde existiam duas outras, mas eram apenas pequenas construções de madeira. Os homens levavam seus talitim (xales de orações) e as mulheres os sidurim (livros de rezas). Encontraram no interior da sinagoga pouco mais de cem pessoas que não sabiam de sua presença. Ao fim do serviço do shabat, o rabino Schliefer recitou uma bênção para os dirigentes soviéticos e outra especialmente para Golda, sentada acima, na galeria das mulheres. "Ao ser mencionado o meu nome, a congregação se virou para me olhar como se quisesse memorizar meu rosto. Ninguém disse nada. Ficaram só olhando, olhando". No caminho de volta, ela sentiu que um homem, um velho judeu, esbarrara nela, de forma proposital. Ele se aproximou e sussurrou em íidiche para que ela seguisse caminhando e permanecesse calada. Já perto do hotel, parou à sua frente e recitou no meio da rua, sob um vento gelado, a prece do Shehecheianu ("Bendito seja D'us, Rei do Universo, que nos manteve, nos conduziu e nos trouxe até este dia"), que ela ouvira pela última vez, pronunciada pelo rabino Fishman, na cerimônia de proclamação da independência do Estado de Israel. "Antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, o velho judeu já havia ido embora e entrei no hotel sozinha, meus olhos transbordando de lágrimas e perguntado a mim mesma se aquele estranho e patético encontro havia realmente ocorrido ou se fora apenas um sonho".

Algumas semanas depois viria o Rosh Hashaná (Ano Novo Judaico). Na véspera, o jornal oficial Pravda publicou um artigo assinado pelo consagrado escritor judeu, Ilya Ehrenburg, no qual escreveu que o Estado de Israel nada tem a ver com os judeus da União Soviética, "onde não há problema judaico e, portanto, necessidade alguma de Israel". Quando Golda e os demais membros da delegação israelense se aproximaram da grande sinagoga, ficaram estarrecidos. A rua estava tomada por uma imensa multidão: homens e mulheres de todas as idades, militares incluindo oficiais de alta patente, adolescentes e bebês carregados pelos pais.

Em vez dos dois mil judeus que habitualmente iam à sinagoga nas Grandes Festas, havia cerca de 50 mil pessoas. Golda foi rodeada, quase esmagada, quase levantada e ouvia seu nome sendo exclamado. Já dentro da sinagoga, na galeria das mulheres, algumas se aproximavam dela, tocavam sua mão, tocavam seu vestido e até o beijavam. "Terminado o serviço religioso, levantei-me para sair, mas mal pude caminhar. Sentia-me como que presa numa torrente de amor tão forte que me ofegou a respiração. Creio que estava à beira de desmaiar. Do lado de fora, a multidão continuava se agitando ao meu redor e dizendo nasha Golda (nossa Golda) e shalom, shalom. Lembro-me de um homem que me disse: "Goldele, leben zolst du, shanah tovah!" (Goldele - diminutivo de Golda em iídiche - uma longa vida para você, feliz ano novo!) e de uma mulher que sorria, jogava-me beijos e repetia sem parar: "Goldele, Goldele". Com a voz embargada ela só conseguia responder, também em iídiche: "Obrigada por terem permanecido judeus".

De volta ao hotel, Golda e os demais israelenses choraram, tomados pela emoção, incapazes de falar uns com os outros. Ela anotou: "Eu não poderia antever que vinte anos depois muitos daqueles judeus estariam em Israel. Mas, uma coisa eu sabia: que a União Soviética não tinha conseguido quebrar o espírito deles, que a Rússia, com todo o seu poder, havia fracassado. Os judeus permaneceram judeus". Dez dias depois, no Yom Kipur (Dia do Perdão), milhares de judeus encheram novamente a sinagoga, porém a polícia avisou a Golda que ela só se retirasse depois de todos, para evitar o tumulto ocorrido dias antes. "Lembro-me que ao ser recitada pelo rabino a oração final do serviço religioso, leshanah há-ba'ah b'Yerushalaim (no ano que vem em Jerusalém), um frêmito percorreu toda a sinagoga".

Entretanto, em janeiro do ano seguinte, os judeus soviéticos pagariam caro por aquelas manifestações, que despertaram a fúria de Stalin. Como era possível que mais de trinta anos depois da implantação do regime bolchevique os judeus sentissem afinidade com uma terra que nem conheciam? O jornal em íidiche e o teatro íidiche de Moscou tiveram as portas fechadas. Escritores e intelectuais judeus, acusados de cosmopolitismo e traição, se viram levados a tribunais com sentenças fixadas antes dos julgamentos e foram executados. Depois foi a vez de uma dúzia de médicos judeus, acusados de um suposto complô para matar o ditador e que também foram assassinados.

Outro momento crucial na vida de Golda Meir foi o referente ao massacre dos atletas israelenses nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, quando ela já era primeira-ministra. Eram cinco e meia da manhã do dia 7 de setembro daquele ano quando foi acordada e informada sobre os trágicos acontecimentos na Alemanha. Às nove, numa reunião de emergência do gabinete, soube-se que Moshe Weinberg, treinador da equipe de luta-livre tinha sido morto por terroristas árabes. Nove atletas eram mantidos como reféns em seus aposentos da vila olímpica e o grupo Setembro Negro assumira a responsabilidade pelo atentado. A exigência era que Israel libertasse mais de duzentos prisioneiros em troca dos reféns. Apoiada pelo gabinete, Golda mandou um comunicado às autoridades da Alemanha Ocidental informando que o governo de Israel não negociaria com terroristas, que Israel aceitaria que eles ganhassem a liberdade se o mesmo acontecesse com os atletas e que dava um voto de confiança às autoridades alemãs no sentido de que tudo fosse feito para garantir as vidas dos reféns.

Mas, por via das dúvidas, o gabinete decidiu mandar para Munique o chefe do Mossad (serviço secreto israelense), Zvi Zamir, que atuaria como observador. Após longa negociação, foi estabelecido que os reféns seriam embarcados em helicópteros e os captores seguiriam seus caminhos. A agência de notícias Reuters informou ao mundo inteiro que o problema tinha sido resolvido a contento. As famílias dos atletas explodiram de alegria, assim como Golda Meir, que acompanhava os acontecimentos pela televisão.

Entretanto, a polícia alemã foi de uma incompetência exemplar e o seqüestro dos atletas culminou com uma horrível catástrofe no aeroporto de Furstenfelbruck, onde todos morreram, vítimas dos terroristas. Às três da manhã, Zamir ligou para Golda, em Jerusalém: "Tenho más notícias. Acabo de chegar do aeroporto. Todos morreram". Golda respondeu chocada: "Mas eu ouvi no rádio que..." Zamir interrompeu-a: "Vi tudo com meus próprios olhos. Ninguém sobreviveu". Às dez da manhã do dia 12 de setembro, o Knesset (parlamento) se reuniu para homenagear os onze israelenses assassinados e, em seguida, Golda recebeu as famílias dos atletas em sua sala. Ela apertou as mãos das viúvas, dos pais e mães que haviam perdido seus filhos e lhes disse em tom solene: "Quero partilhar meus planos com vocês. Decidi que vamos caçar cada um dos terroristas. Ninguém envolvido neste massacre andará impune por muito tempo na face da terra". Ninguém dos presentes disse uma só palavra.

No dia seguinte, Golda fez um discurso perante o Knesset: "A história nos ensinou que quando há violência contra os judeus, há perigo de violência para todos os povos e nações. Não temos outra opção a não ser atacar as organizações terroristas onde quer que se encontrem". As palavras de Golda se concretizaram nas ações de um grupo ultra-secreto, chamado Caesarea, cuja existência era ignorada até por membros do governo. Novamente perante o parlamento, Golda deu apenas a entender o que aconteceria: "Onde haja uma conspiração, onde haja gente planejando matar judeus e israelenses, é contra eles que faremos nosso ataque".

Anos depois, ela escreveu em suas memórias: "Muitos esperam de nós que cheguemos a acordo com assassinos. Já está provado que ceder ao terror só leva a mais terror. Há governos que se rendem a exigências terroristas e que os libertam das prisões, enquanto a imprensa estrangeira e a nova esquerda os chamam de guerrilheiros e combatentes da liberdade. Fiquei enojada quando os assassinos de Munique receberam um turbilhão de publicidade e foram levados para a Líbia". Porém, a náusea de Golda acabou sendo mitigada: de todos aqueles que perpetraram o massacre de Munique só um está vivo até hoje.

A partir de 1973, Golda Meir passou a se referir à guerra do Yom Kipur como "uma quase catástrofe, um pesadelo pelo qual passei e que sempre estará comigo".

Foi, de fato, o maior perigo que Israel enfrentou enquanto celebrava 25 anos de sua independência. Em maio, o governo israelense recebeu informações sobre o reforço de tropas sírias e egípcias nas fronteiras. A primeira-ministra convocou uma reunião de urgência com os chefes militares, liderados por David Elazar, da qual saiu convencida de que Israel estava pronto para qualquer eventualidade, inclusive uma guerra de grandes proporções. No dia 1o de outubro, Golda encontrava-se em Estrasburgo, na França, quando recebeu um telefonema de Israel Galili, um dos mais ativos membros de seu gabinete. Ele e Dayan julgavam que algo inusitado estava para acontecer no Golã. Dois dias depois, quarta-feira, em nova reunião, desta vez com os comandantes de todas as forças armadas e mais o serviço secreto, asseguraram-na de que não havia perigo de um ataque egípcio-sírio.

No dia seguinte, Golda foi para sua casa em Ramat Aviv, perto de Tel Aviv, e na sexta-feira, véspera do Yom Kipur, recebeu uma informação preocupante. As famílias dos conselheiros soviéticos estacionados na Síria estavam fazendo as malas e deixando o país, às pressas. Perguntou a David Elazar se ele julgava importante aquela informação. Novamente garantiram-lhe que ela seria avisada a tempo se algo sério viesse a ocorrer. Mesmo assim, valendo-se de sua experiência e intuição, Golda sentia que a situação não era tranqüila e a debandada dos russos da Síria não lhe saía do pensamento. E anotou: "Como podia eu estar ainda aterrorizada com a eclosão de uma guerra se o chefe do Estado-Maior, dois de seus antecessores, Dayan e Bar Lev, e o chefe do serviço secreto estavam despreocupados?" Foi decidido que não haveria convocação dos reservistas. Golda escreveu em sua autobiografia: "Naquela sexta-feira de manhã eu deveria ter dado ouvidos às advertências do meu próprio coração e ordenado uma convocação. Não importa o que ditava a lógica. Só importa que eu, tão acostumada a tomar decisões - e que as tomei durante todo o decorrer da guerra - deixei de tomar a mais importante. Não é uma questão de me sentir culpada. Seria uma insensatez insistir na convocação quando as avaliações dos nossos mais destacados militares diziam o contrário. Mas, sei que deveria tê-lo feito e viverei com essa terrível convicção pelo resto da minha vida. Jamais voltarei a ser a pessoa que fui antes da Guerra do Yom Kipur".

No sábado, os egípcios atravessaram o canal de Suez na direção de Israel, ultrapassando com facilidade a controvertida Linha Bar Lev, que deveria ser um posto avançado de defesa do território. A Síria desferiu um violento ataque de tanques e artilharia no Golã. No décimo dia da guerra o exército de Israel atravessou o canal e ocupou a estrada rumo ao Cairo. Ao norte, os sírios estavam sendo contidos. No dia 22 de outubro houve o cessar-fogo que permitiu a Israel uma posição de vantagem sobre seus inimigos. Ao fim das hostilidades, uma comissão de juízes incumbida de investigar as falhas ocorridas antes da Guerra do Yom Kipur, concluiu que em nenhum momento, sob nenhuma hipótese, qualquer culpa poderia ser atribuída à primeira-ministra.

No dia 4 de junho de 1974, Golda Meir deixou seu cargo e anotou que via com alegria a ascensão ao posto do sabra Yitzhak Rabin, nascido na antiga Palestina, em 1921, o mesmo ano em que ela desembarcara com o marido no porto de Jaffa.

Após deixar o governo, a saúde de Golda foi-se deteriorando e a vencedora de tantas batalhas cedeu ao câncer. Seu filho escreveu: "O quarto de minha mãe no hospital, em Jerusalém, nada tinha de sombrio. Pelo contrário. Estava sempre cheio de gente: a família e dezenas de amigos. Mensagens por sua recuperação chegavam de todos os continentes. Ela perdeu a consciência às quatro e meia da manhã do dia 7 de dezembro de 1978. A última pessoa a falar com ela foi meu filho do meio, Danny, que lhe contou da boa nota que tinha tirado na escola. Ela não conseguiu responder, mas seus olhos se abriram e brilharam intensamente".

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista

Bibliografia:

Meir, Golda, Minha Vida, Bloch Editores.

Meir, Menahem, My Mother, Golda Meir, editora Arbor House.

Klein, Aaron, Striking Back, editora Random House.

PENSAMENTOS DE GOLDA

"Posso dizer que jamais me perturbei com o sucesso de um empreendimento. Se acreditava que um determinado assunto estava no rumo certo, alinhava-me a ele sem pensar no resultado".

"Eu sempre repeti que em nossas guerras contra os árabes tínhamos uma arma secreta: a falta de alternativa".

"Muitas vezes fui acusada de conduzir as questões públicas mais com a emoção do que com a razão. Bem... e se for verdade? Aqueles que não sabem chorar com o coração tampouco sabem rir".

"Tenho uma queixa contra Moshé Rabeinu. Eles nos conduziu durante quarenta anos pelo deserto e nos trouxe para um dos raros lugares do Oriente Médio onde não há petróleo".

"Eu jamais fiz qualquer coisa sozinha. Tudo aquilo que foi alcançado neste país é fruto de trabalho coletivo".

"Sou eu quem tem que comandar o relógio e não me deixar ser comandada por ele".

"Se os líderes políticos se permitissem sentir na mesma medida que pensam, talvez o mundo fosse bem mais feliz".

"Nós podemos perdoá-los por matarem os nossos filhos. Mas, jamais os perdoaremos por terem obrigado nossos filhos a matarem os seus". (Para Sadat, antes dos acordos de paz).

"Um professor ensina a ler, escrever, calcular, e assim por diante. Um educador adiciona a essas matérias algo mais importante: o espírito".

"Não seja tão humilde. Você não é tão grande como imagina".

"A paz virá quando os árabes amarem os seus filhos tanto quanto nos odeiam". (Perante o Clube Nacional da Imprensa, em Washington, 1957).

"Estou convencida de que haverá paz entre Israel e seus vizinhos porque milhões de árabes precisam da paz tanto quanto nós. Uma mãe árabe que perde seu filho no campo de batalha chora tão amargamente quanto uma mãe israelense na mesma condição".

"Nós devemos considerar que o caminho para a paz pode ser difícil, mas não tão difícil quanto o caminho para a guerra". (Para Sadat, durante sua visita a Jerusalém, 1977).

"A única alternativa para a guerra é a paz. E a única alternativa para a paz é a negociação".

"Nós temos horror às guerras, mesmo quando somos vitoriosos".

"Prefiro receber censuras a receber condolências".

"Sionismo e pessimismo são incompatíveis. Um judeu não pode se dar ao luxo de ser pessimista".

"Há quem me acuse de cínica. Nada disso, Apenas perdi as ilusões".

"Enfrentar a idade avançada é como estar a bordo de um avião durante uma tempestade. Não há o que fazer. É impossível parar o avião, parar a tempestade ou parar o tempo. Portanto, o melhor é aceitar a situação e seguir em frente, com calma e sabedoria".

De Richard Nixon para Golda (referindo-se a Kissinger e Abba Eban): "Ambos temos judeus como ministros do exterior". Resposta de Golda: "Certo, só que o inglês do meu é bem melhor".

"Não posso dizer que as mulheres sejam melhores do que os homens. Mas posso afirmar que não são piores".

"Não é possível apertar as mãos com os punhos fechados".

"Nunca aceitei a idéia de que o povo judeu é o povo eleito por D'us. Parece-me mais razoável acreditar que os judeus foram os primeiros na história a eleger D'us - e isso foi uma idéia realmente revolucionária".

"Ben Gurion costumava dizer, a título de piada, que eu era o único homem em seu gabinete. Eu gostaria de ver como reagiriam alguns dos meus colegas de governo se eu dissesse que ele era a única mulher em meu gabinete".

"Acredito que teremos paz com os nossos vizinhos, mas estou certa de que ninguém fará paz com um Israel fraco. Se Israel não for forte, não haverá paz".