Durante os 18 anos em que comandou o banco central dos Estados Unidos, Greenspan foi descrito por muitos como o homem mais influente do cenário econômico internacional.
O menino judeu nascido em Nova York acalentava o sonho de ser músico, mas acabou se tornando um mago das cifras e das estatísticas. Greenspan, neto de um chazan, cresceu num ambiente cheio de musicalidade e se tornou, também, exímio clarinetista e saxofonista.
Greenspan nasceu em 6 de março de 1926, na região conhecida como Washington Heights, norte de Manhattan. Os pais, Herbert e Rose, divorciaram-se quando o filho tinha cinco anos de idade. Na infância, ele e sua mãe moraram muito tempo com os avós, Nathan e Anna Toluchko, de origem polonesa, e que, ao chegar em solo norte-americano, no começo do século 20, adotaram o sobrenome Goldsmith. A família de Herbert havia emigrado da Alemanha.
Era pouco freqüente o contato com o pai, um corretor de ações e consultor econômico que, a muito custo, atravessou o mar bravio da Grande Depressão de 1929. Alan Greenspan acabou desenvolvendo uma convivência muito próxima com o tio Jacob Halpert, cunhado de Rose. Os Halpert e os Goldsmith compartilhavam, entre outros gostos e valores, a paixão pela música, conforme relatou o escritor Justin Martin numa biografia de Greenspan. O avô Nathan era chazan numa sinagoga do Bronx. A mãe, Rose, adorava cantar e tocava piano.
O pequeno Alan cresceu nesse ambiente. Ao lado da queda pela música, ele demonstrava também uma inteligência precoce. Amigos de infância relataram mais tarde como era impressionante a facilidade com que o futuro presidente do banco central aprendia a ler e a memorizar a tabuada. O gosto pelo beisebol e por filmes de terror se intensificou na adolescência.
Em 1944, depois de uma incursão pelo mundo da música e das orquestras, Greenspan ingressou na Universidade de Nova York para estudar economia. A opção já começara a se cristalizar nos tempos em que estudava clarinete na Escola Juilliard de Música e quando participava da orquestra de Henry Jerome. A queda pelos números logo levou o saxofonista a cuidar da contabilidade da banda e a ajudar seus colegas a preparar as declarações de rendimentos. Músicos daquela turma também contam que, depois das apresentações, Greenspan preferia ficar no quarto do hotel devorando textos econômicos, em vez de acompanhar os amigos nas noitadas.
Nas décadas de 50 e 60, Greenspan se aproximou da pensadora Ayn Rand, que se notabilizou pela defesa do individualismo filosófico e do capitalismo. As idéias de Ayn Rand (pseudômino de Alissa Rosenbaum, russa que se mudou para os EUA) formaram a corrente de pensamento chamada de "objetivismo". O início dessa viagem ideológica teve grande influência de Joan Mitchell, uma pintora com quem Greenspan se casou em 1952. O divórcio ocorreu no ano seguinte.
Anos mais tarde, Greenspan também se afastou das atividades do "objetivismo". O futuro presidente do banco central protagonizava uma carreira de sucesso na área econômica, como analista e consultor. Em 1968, trabalhou na campanha eleitoral de Richard Nixon. Entre 1974 e 1977, presidiu um núcleo de assessores econômicos do presidente Gerald Ford. Na área privada, além de presidir sua empresa de consultoria, registrou passagens por companhias como Alcoa, Mobil e J. P. Morgan.
Em 2 de junho de 1987, o presidente Ronald Reagan indicou Greenspan para presidir o Federal Reserve, nome do banco central norte-americano. A posse, após a indicação ser aprovada pelo Senado, ocorreu em agosto daquele ano. A impressionante trajetória do "maestro" atravessou as gestões de George Bush, Bill Clinton e George W. Bush. E pouco depois de começar essa jornada, Greenspan enfrentou um teste de fogo: o "crash" da bolsa de Nova York, que ficou conhecido como "Segunda-feira Negra". O desempenho do "maestro" foi considerado pelos especialistas como fundamental para a superação da crise.
Mas a robusta lista de obstáculos enfrentados por Greenspan traz ainda duas recessões, as crises mexicana, russa e asiática, o estouro da bolha tecnológica e da internet, as fraudes corporativas e os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. O "maestro", mesmo em tempos bicudos, se mostra fiel a algumas tradições, como a de tomar todos os dias, pontualmente às 5h30, um banho de banheira de 90 minutos. É uma sessão dedicada à reflexão, à leitura e à redação de textos e discursos.
Greenspan, apesar da proximidade ideológica com os republicanos, conquistou também a confiança de democratas, como demonstrou seu convívio com Bill Clinton. Mas uma das demonstrações mais explícitas de "tietagem" veio de George W. Bush, num debate durante a disputa eleitoral com Al Gore. À pergunta "o que o senhor faria num caso de emergência econômica", o futuro presidente dos Estados Unidos respondeu: "Entraria em contato com Alan Greenspan".
O homem-forte da economia norte-americana durante quase duas décadas cultiva uma aura enigmática. Gostava de discursos rebuscados e de difícil compreensão. Em 1988, numa tirada repleta de bom humor, disse: "Devo alertá-lo de que se fui muito claro, isso significa que provavelmente você não entendeu o que eu disse". Frieza, testa franzida e óculos grandes e de armação escura ajudaram a esculpir uma imagem que, ao contrário do que pode se imaginar, não criaram o ar de mistério ou enigma. Viraram marca de credibilidade.
Em 1997, Greenspan se casou com Andréa Mitchell, jornalista da NBC e um dos rostos mais famosos da TV norte-americana. Em entrevista ao "Jewish Woman Magazine", Andréa contou como conheceu o futuro marido. "No começo dos anos 80, conversávamos muito sobre o orçamento federal. Após cerca de dois anos falando por telefone, saímos para jantar e começamos o relacionamento". Entre os vários pontos em comum na vida de Alan e Andréa, um se destaca: os dois, quando jovens, pensaram em ser músicos. Acabaram trilhando outros caminhos, para o bem do jornalismo norte-americano e da economia internacional.
O jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim.