Durante centenas de anos, os judeus que viviam nos pequenos vilarejos espalhados por toda a Europa Oriental, erguiam suas sinagogas em madeira. Muitas foram destruídas durante as primeiras décadas do século 20 e, as que sobraram, foram queimadas pelos nazistas. Hoje, restam apenas umas dez, símbolos vivos de um mundo que não mais existe.

Construídas por todo aquele território, especialmente na Polônia, Rússia, Lituânia, Ucrânia, durante os séculos 17 e 18, as sinagogas de madeira se tornaram um marco na arquitetura judaica e na arte litúrgica. Estima-se que até o início do século 20, mais de mil tenham sido erguidas. Ademais de sua importância religiosa, nacionalista, histórica e etnográfica, destacam-se por seu excepcional valor artístico.

Por décadas após o término da 2a Guerra Mundial, como a Cortina de Ferro fechara a Europa Oriental, impedindo quaisquer pesquisas de estudiosos ocidentais em seu território, acreditou-se, até a queda do comunismo, que todas as sinagogas em madeira estivessem destruídas. O que restava, na Polônia, era uma extensa documentação que permitiu sua reprodução em maquetes. Pois, a partir do século 19 até a 2a Guerra, estas sinagogas foram objeto de estudo por parte de pesquisadores judeus e não-judeus. Arquitetos, historiadores, além de artistas, fotógrafos e alunos do Departamento de Arquitetura da Politécnica de Varsóvia, deixaram uma profusão de plantas arquitetônicas e desenhos, de extrema precisão, e fotografias.

Os judeus da Europa Oriental e suas sinagogas

A história das sinagogas está intrinsicamente ligada aos judeus da Europa Oriental, cuja presença na região se tornou considerável a partir do século 9º. Foi quando a violência desencadeada pelas cruzadas, perseguições e expulsões levaram as populações judaicas da França e do Vale do Reno a fugir em direção ao leste. A partir do século 17 levas de judeus asquenazitas encontram refúgio na Polônia, um dos países mais tolerantes de toda Europa, à época, o que levou à formação de comunidades judaicas de grande riqueza espiritual e cultural. Era nos domínios poloneses que nos séculos 15 a 17 se concentrava a maior parte da população judaica mundial. Foi também lá que nasceram e floresceram os principais costumes e tradições judaico-europeus.

Seu cotidiano girava em volta da fé, que dominava todos os aspectos de sua vida. Uma das primeiras construções erguidas em cada comunidade era a sinagoga, onde os judeus rezavam com grande fervor e devoção. Milhares foram construídas, de todos os tamanhos, algumas em alvenaria, outras em madeira, segundo o local onde ficava a comunidade, em cidades ou vilarejos, os famosos shtetls. A partir do século 17, cerca de metade da população judaica da região vivia nesses vilarejos, cuja quase totalidade de habitantes era judia. Em cada um destes shtetls, não importa seu grau de penúria, havia ao menos um shul, a sinagoga, centro da vida judaica religiosa e social. Mesmo quando, em fins do século 18, parte substancial do território polonês é anexada pelo Império Russo, o modo de vida dos judeus na "Zona de Residência", como passou a ser chamada a região, permaneceu inalterado.

Sinagogas de madeira

As sinagogas em madeira são, sem sombra de dúvida, um dos símbolos mais representativos da vida judaica nas áreas rurais da vasta região que, alguns chamam de yiddishland, a terra do iídiche. Nessa região, os judeus levavam sua vida, falando ídiche e seguindo seus costumes, independentemente da mudança de soberania entre poloneses e russos.

A abundância de madeira nas florestas na Polônia e Lituânia barateava e facilitava as construções nesse material. Há quem afirme que as sinagogas de madeira foram construídas baseando-se no modelo de igrejas e mansões da nobreza polonesa. Esta seria, no entanto, uma visão simplista do assunto, pois as casas de oração erguidas por carpinteiros e artesãos judeus tinham seu próprio estilo artístico e valor arquitetônico.

Estudos sobre sua história e evolução apontam Podília e Galícia como as regiões onde, no século 17, ter-se-ia iniciado tal estilo de construção, daí se espalhando para a Ucrânia, Polônia, Lituânia, Bielorrússia, assim como Bavária, Rússia, chegando à Sibéria e a Alemanha. O uso desse material continuou até o início do século passado, sendo que na virada do século 19 para 20, ergueram-se outras vinte e três sinagogas. Acredita-se que no decorrer de quatro séculos foram construídas mais de mil sinagogas em madeira.

Inicialmente, eram simples as construções: uma sala retangular para as orações, recoberta por um telhado em madeira. Com o tempo, foram-se sofisticando, adotando a sobreposição de pisos e telhados; galerias e abóbadas, em diferentes níveis; fachadas com torres laterais, além de vários ambientes e anexos em volta do hall central. Um detalhe interessante das sinagogas maiores era a harmoniosa sobreposição de tetos, que atingiam grandes alturas e remetiam ao formato de pagodes, dando graça especial à construção. Esses tetos também recebiam atenção especial, com balaustradas e frisos de madeira decorados. Em seu interior, os artistas judeus criavam bimot e Arcas Sagradas ou Aron ha-Codesh, ricamente entalhadas na própria madeira. As sinagogas mais requintadas foram erguidas na área que, hoje, corresponde ao sudeste da Lituânia, ao oeste da Bielorrússia e ao distrito de Bialistok.

As pinturas do interior

A partir do século 17, as sinagogas ganham mais um elemento que denota a preocupação estética de seus idealizadores: ricas pinturas em seu interior. Os trabalhos mais famosos eram assinados por artistas judeus. Em princípio do século 18, Haim Segal pintou o interior da sinagoga de Moguilov, de Kopys e de Dolguinov; Israel Lissnicki, a de Chodoróv. Na segunda metade do mesmo século, Yehuda Leib decora o interior das sinagogas de Przedborz, Szydlow, Pinczow e Dzialoszyce; e Eliezer Zusman Katz leva esse estilo artístico até a Bavária.Tal era o seu renome que, em 1916, dois conceituados artistas judeus russos, El Lissitzky e Issachar Ryback, foram à região, em missão etnográfica. Em seus textos sobre a viagem, El Lissitzky, que além de pintor era também arquiteto e fotógrafo, conta sua ida a Moguilov, em busca das fontes populares da arte judaica, e o quão maravilhado ficou com a cultura e o refinamento dos artistas locais. Seus relatos detalhados são de fundamental importância para a história da arte, já que as pinturas desapareceram. Igual surpresa e emoção permeiam seu texto sobre o interior da sinagoga de Chodoróv, pintada por Israel Lissnicki em 1714.Construída em 1652 e restaurada entre 1903-1909, a sinagoga acabou totalmente destruída pelos nazistas. Uma réplica de seu lindo teto faz parte do acervo do Bet Hatefutsot, o Museu da Diáspora, em Israel.

Nesse relato, El Lissitzky descreve o trabalho rico e detalhado da pintura que embelezava todo o seu interior, recobrindo desde a parte de trás do espaldar das fileiras de assentos e bancadas de apoio, ao longo de toda a extensão das paredes, até o teto.

A pintura de Israel Lissnicki, de ilimitada riqueza de formas, era realista mas simbólico, ao mesmo tempo. Mas o foco central de toda obra era o teto, com seus painéis organizados com surpreendente harmonia e sentido de composição. Destacam-se, retratados com grande maestria, pavões e leões, flores, peixes e pássaros, aliados aos doze símbolos do zodíaco e aos principais do judaísmo, como a menorá, as Tábuas da Lei e objetos de culto do Templo de Salomão. Além disso, inscrições bíblicas e paisagens, com destaque para a de Jerusalém. Tudo isto, mesclando-se e entrelaçando-se, delicadamente, em ornamentos em folhas, volutas e medalhões, que recobriam todo o primoroso conjunto. As cores usadas na pintura eram âmbar-perolado com raios em vermelho-tijolo.

Em sua pesquisa etnográfica, El Lissitzky encontrou grande parte desses elementos na decoração do interior da sinagoga de Moguilov, pintada em 1740 por Haim Segal. Felizmente, graças à reprodução exata das pinturas dessa sinagoga feitas por El Lissitzky, têm-se ao menos uma idéia do que era, já que a construção foi completamente queimada pelos nazistas, em 1941.

Nos séculos 17, 18 até 19, como os artistas judeus costumavam ir de uma cidade a outra, encontram-se semelhanças de traços e estilos em diferentes locais. As cores preferidas eram vermelho, ocre e marrom, embora usassem o preto para contornar os desenhos. O zodíaco, por exemplo, também está presente nas pinturas encontradas em Targowica, bem como os fantásticos animais, na sinagoga de Grojec (já do princípio do século19).

Um exemplo de artista itinerante foi Eliezer Zusman Katz que, em 1755, pintou o interior da Sinagoga de Horb, no sul da Alemanha. Originário de Brody, Eliezer Zusman pintara vários tetos de sinagogas da Galícia. Foram preservados painéis pintados por ele entre 1733 e 1740 em Colmberg, Bechhofen, Unterlimburg e Kirchheim. Uma reprodução do teto da sinagoga de Horb pode ser admirada no Museu de Israel, em Jerusalém, para onde, em 1969, foram transferidos os painéis originais.

Certamente, o conjunto dessas pinturas e objetos esculpidos em madeira constituem exemplo extraordinário da arte judaica, nos séculos 17 e 18. Arabescos, ornamentos em folhas e motivos em perfil, além de leões de Judá e águias, ricamente entalhados e aplicados especialmente na minuciosa decoração das bimot e Arcas, eram as características marcantes das sinagogas da região e do período. Entre os mais lindos Aron ha-Codesh contam-se alguns datados do século 18, encontrados em Janów Sokolski; Sidra, um bairro de Bialistok; Grodno; Wolpa, na Bielorrússia; Olkienniki; Valkininkai e Saukenai, na Lituânia.

Resgatando as sinagogas perdidas

Durante o Holocausto, 6 milhões de judeus foram brutalmente massacradas pelos nazistas e seus colaboradores. Essa fúria se abateu também sobre todos os objetos relacionados ao culto e ao patrimônio sagrado de nosso povo. A violação e destruição de sinagogas foi uma operação planejada e executada com cuidado; milhares foram arrasadas e centenas das sinagogas em madeira, queimadas.

Como dissemos ao início deste artigo, em virtude da Guerra Fria, toda a Europa Oriental foi fechada a estudiosos ocidentais que só passaram a ter permissão para pesquisas nos últimos quinze anos. Durante décadas, acreditou-se que todas as sinagogas de madeira haviam sido destruídas. Mas, na década de 1990, pesquisadores da Universidade Hebraica descobriram seis sinagogas ainda de pé, em aldeias remotas, que milagrosamente sobreviveram ao Holocausto e a meio século de negligência. Todas, porém, em estado lastimável. Em 1999, quando Albert Barry, produtor cinematográfico, foi à Lituânia para filmar o documentário sobre a riqueza perdida em arte judaica européia, The Lost Wooden Synagogues of Eastern Europe, conseguiu localizar mais outras quatro.

Felizmente, há um visível aumento, no mundo todo, no interesse em resgatar os símbolos de um universo judaico que deixou de existir. São livros, documentários, palestras, exposições de maquetes e outros projetos, que visam reconstruir alguns dos mais belos modelos de sinagogas em madeira e de toda uma época que se foi. Este resgate perpetua a riqueza de nosso passado e de nossa tradição, que tantos tentaram arrebatar de nós. Porque, como escreveu um poeta de França, "...O passado é um segundo coração que bate dentro de nós"...

Bibliografia

Jarrassé, Dominique, Synagogues, Editora Vilo Adam Biro, Paris 2001 http://www.library.fau.edu/lostwood/main.html http://www.woodensynagogues.com/ http://www.zchor.org/verbin/verbin.htm