O jovem Neil Simon estava na sinagoga, ao lado do pai, em um dia de Kipur, em Nova York. A certa altura, o pai indicou-lhe para acompanhar um trecho do livro de orações cujo texto era em hebraico, numa página, e em inglês, na outra. O menino disse: “Pai, eu estou acompanhando em inglêsâ€. Ao que ele respondeu: “D-us não entende inglêsâ€.
Em uma de suas peças teatrais de maior sucesso, Brighton Beach Memoirs (Confissões de um Adolescente, título do filme), o jovem personagem “Eugene” (alter ego de Simon) faz uma queixa para a mãe: “Todos os dias você me manda duas vezes comprar manteiga. São cem gramas de manhã e mais cem gramas à tarde. Por que não posso comprar duzentas gramas logo de uma vez?” A mãe responde: “Porque se a casa pegar fogo, não fica manteiga sobrando”. Em outra peça, TheOdd Couple (Um Estranho Casal), dois homens de meia idade dividem um apartamento. Eles têm brigas constantes porque um é ordeiro e o outro, bagunceiro. A certa altura, o ordeiro abre a geladeira, pega um sanduíche, e pergunta: “Tem uma coisa verde dentro deste pão. O que é?” Resposta: “Ou é queijo muito fresco ou carne muito velha”.
Estes diálogos são bem uma síntese do humor de Neil Simon, muitas vezes puramente judaico e também muitas vezes americano, quando não é judaico-americano, ou vice-versa, sempre inspirado no cotidiano urbano das pessoas. Entretanto, ao lado do trivial cômico, há também em muitas de suas peças um lado dramático que, não raro, leva os espectadores às lágrimas. Minha peça preferida de Neil Simon é The Sunshine Boys (Uma Dupla Desajustada, título do filme). Trata-se de dois velhos atores que, em outros tempos, formaram uma dupla de comediantes de enorme sucesso, mas que acabaram se separando e se vêem relegados ao esquecimento e à velhice. Um está conformado, mas o outro ainda quer voltar a atuar e, para isso, pede a ajuda de um sobrinho que trabalha como agente teatral. Um diálogo entre os dois faz rir e refletir. – “Tio, eu trouxe seis tipos diferentes de sopas. São todas sem calorias, você está me ouvindo?” – “Estou ouvindo. São seis sopas com gosto de nada”. – “Não tem graça, tio”. – “Se você tivesse senso de humor acharia graça”. – “Eu tenho muito senso de humor”. – “Que nem seu pai. Ele só riu uma vez. Em 1932”. – “Se está esperando que eu ria, não sei quando”. – “Quem pretende viver tanto? Vê se me arranja um trabalho. Você é um bom rapaz, mas é um péssimo agente”. – “Não fale assim! Eu não sou um péssimo agente, eu sou um ótimo agente!” – “Para que gritar? Você acha que é tão grande coisa na vida ser um ótimo agente?” Esta fala é um primor de entonação e de ironia presentes no humor judaico.
Como se define o humor judaico? Não se define com precisão. Especula-se. Do ponto de vista histórico, há quem veja traços desse humor desde os tempos mais remotos. Na Idade Média, muitas comunidades judaicas celebravam a festividade dePurim com representações de caráter cômico baseadas no Livro de Ester. Mas, o humor judaico, tal como hoje se conhece, tem origens na Europa Oriental no século 19, sobretudo com a difusão em massa do idioma iídiche, cujas nuances chegaram a tornar intraduzíveis muitas de suas anedotas e provérbios. Os estudiosos começaram a concluir, a partir do século 20, que a essência desse humor tem raízes nas adversidades enfrentadas pelo povo judeu. Por isso sua forma de rir assumiu visíveis contornos de autocomiseração, voltada para os percalços da sobrevivência e sempre em torno de assuntos como o casamento, a família e seu sustento, o trabalho, comidas e a religião, tendo como invariável cenário oshtetl, as pequenas cidades e aldeias onde os judeus viviam.
O povo se conformava com as hostilidades externas e fazia do riso a melhor maneira de se proteger e seguir vivendo. Além disso, o humor judaico também servia como autocrítica para o comportamento das pessoas, contrapondo pobres e ricos, opressores e oprimidos, uma autêntica catarse social. Por isso mesmo, na década de 60 do século passado, no musical da Broadway Um Violinista no Telhado, o pobre leiteiro Teviecanta a sarcástica canção Se eu fosse rico. Quando encenada em Israel, na mesma época, a tradução para o hebraico eraSe eu fosse um Rothschild, a mesma que consta na versão para o iídiche.
O ensaísta Hillel Halkin, em sua análise sobre o humor judaico, chega às profundezas das razões psicológicas. Argumenta que as anedotas judaicas contêm ambigüidades que criam para o ouvinte judeu a sensação de que somente ele é capaz de percebê-las e, portanto, extrai disso uma grande satisfação. Há quem diga, ainda, que o humor judaico parte de um judeu que vê o mundo e outros judeus através de um aparelho ótico muito próprio e especial que somente ele sabe como usar e decifrar.
As ditas ambigüidades são visíveis, por exemplo, na obra de Scholem Aleichem, que escrevia somente em iídiche e é apontado como o melhor escritor judeu de todos os tempos. Em um de seus contos, intitulado Graças a D’us sou um órfão, o personagem central é um menino que acaba de perder o pai. Ele diz: “Antes todos faziam exigências, me desprezavam e me agrediam. Agora que sou órfão, estou feliz. As pessoas me tratam com carinho e passam a mão na minha cabeça”. Há uma anedota, situada na antiga Polônia, que reflete o lado paterno desse quadro. Um velho judeu e um jovem judeu viajam lado a lado num trem. O rapaz pergunta: “Por favor, senhor, que horas são?” O velho permanece calado. O jovem insiste mais duas vezes e, por fim, o velho responde. – “A próxima estação é a última parada deste trem. Eu não o conheço e você deve ser um forasteiro cujo destino é igual ao meu. Sendo assim, serei obrigado a convidá-lo para ir à minha casa. Acontece que você é bem apessoado e eu tenho uma filha muito bonita. Aí vocês vão se apaixonar e vão querer se casar. Como é que eu posso deixar minha filha se casar com um sujeito que nem tem dinheiro para comprar um relógio?”
Uma das marcas mais eloqüentes do humor judaico tem como referência a mítica cidade de Chelm, supostamente existente no Leste europeu desde meados do século 19. Scholem Aleichem e Isaac Bashevis Singer escreveram sobre este shtetl e Neil Simon viria a usá-lo em uma de suas peças. Conforme a lenda, Chelm era uma localidade toda habitada por tolos. Dizia-se que quando D’us criou o mundo e o povoou com seres humanos, enviou à Terra um anjo que se colocou no alto de uma colina com dois sacos. Um cheio de sabedorias e o outro cheio de tolices. Como o de tolices era mais pesado, acabou se rompendo e todo o conteúdo espalhou-se sobre Chelm. Daí a eterna idiotice de seus habitantes.
Uma das fábulas sobre Chelm conta que a comunidade ali resolveu construir uma nova sinagoga. Os homens mais fortes subiram uma montanha, dela extraíram pedras e as levaram até a cidade. O prefeito lhes disse que eram tolos porque em vez de carregar as pedras, bastava que as fizessem rolar montanha abaixo. Então eles voltaram a subir a montanha carregando as pedras e lá de cima as empurraram para que rolassem até Chelm.
O humor judaico acompanha a história do povo judeu através dos tempos. Depois da instituição do Prêmio Nobel, no primeiro ano do século 20, muitos judeus passaram a ser agraciados com este prêmio nas mais diversas áreas do conhecimento. Corria, então, a seguinte hipotética pergunta feita por uma aplicada mãe judia: “Será que é demais pedir a um filho que ele ganhe um Prêmio Nobel?” No tempo da maior repressão anti-semita na União Soviética, um judeu encontra-se com outro e dá-se o diálogo seguinte. – “O que é sorte?” – “Sorte é viver em nossa amada pátria-mãe comunista”. – “E o que é azar?” – “Azar é ter essa sorte”. Em Israel, nos tempos bem mais recentes, soa a sirene de alerta prevenindo que vai começar um ataque aéreo. Um velho se recusa a sair de casa e correr para o abrigo enquanto não encontra a dentadura. A mulher se irrita. – “Para que você quer a dentadura? Acha que vão lançar sanduíches em vez de mísseis?”
É nos Estados Unidos, mais particularmente em Nova York, que começa um novo e rico ciclo de humor judaico produzido pelos filhos dos imigrantes, dentre os quais Neil Simon, a partir das décadas de 1930 e 1940 com a instituição e o sucesso das stand up comedies, ou seja, monólogos cômicos concebidos por excelentes redatores e apresentados por uma inacreditável maioria de comediantes judeus. Foram e são dezenas deles. Muitos alcançaram a condição de celebridades no país.É o caso de Jack Benny, que fez carreira no teatro, cinema e televisão. Certa ocasião, ao receber um prêmio, agradeceu assim: “Eu sei que não mereço este prêmio. Mas eu tenho artrite, que também não mereço”.
Na mesma vertente: “Minha mulher foi ao médico. Constrangido, o doutor disse: desculpe, mas seu cheque voltou. Ela respondeu: minha artrite também”. Ou Groucho Marx: “A televisão é muito educativa. Cada vez que ligam o aparelho lá em casa, eu vou para outra sala e começo a ler um livro”. Ainda Groucho: “Eu jamais esqueço uma fisionomia. Mas, no seu caso, vou ter o maior prazer em abrir uma exceção”. Ou Henny Youngman: “Estou casado com a mesma mulher há mais de quarenta anos. O segredo da nossa felicidade é simples. Duas vezes por semana nós vamos a um aconchegante restaurante francês, bebemos vinho e jantamos à luz de velas. Eu vou às terças-feiras e ela vai às quintas”. Ou Woody Allen, que começou a carreira como comediante de stand up: “Eu fiz um curso de leitura dinâmica e li Guerra e Paz em vinte minutos. Acho que o livro é a respeito da Rússia”. Ou Jackie Mason, que fala inglês como se estivesse falando iídiche: “Eu estive em Israel e vi o exército de perto. São uns rapazes duros na queda. Até parecem porto-riquenhos”. Ou Eddie Cantor: “Às vezes demora 30 anos para alguém se tornar um sucesso da noite para o dia”. Ou George Burns, ao ser homenageado num grande jantar em Hollywood quando completou 90 anos de idade (viveu até 100): “Eu só lamento que papai e mamãe não estejam aqui”. Ou Buddy Hacket: “Quando eu era criança, o menu na minha casa consistia de duas opções: pegar ou largar”. Ou Rodney Dangerfield: “Há meses que eu não falo com a minha mulher. Não quero interrompê-la”. Ou Mel Brooks: “Mau gosto é dizer a verdade antes que ela tenha que ser dita”.
Qualquer uma dessas tiradas se encaixa com perfeição milimétrica no espírito das comédias de Neil Simon. Esses comediantes judeus decerto foram – e têm sido – algumas das suas fontes de inspirações.
Marvin Neil Simon nasceu no Bronx, em Nova York, no dia 4 de julho de 1927. Desde menino ganhou um apelido que até hoje perdura: Doc. Isto porque desde cedo personificava um médico (doctor) com um estetoscópio de brinquedo em volta do pescoço. Cresceu no bairro de Washinton Heights e assim descreveu o lugar de sua infância e adolescência: “Lá eu nunca experimentei qualquer tipo de intolerância. Brigava-se para conquistar espaços, jamais por causa de raça ou de religião. Ninguém suspeitava que poucos anos mais tarde seis milhões de judeus seriam aniquilados pelo nazismo e que havia negros sendo espancados no sul do país”. Teve uma vida familiar turbulenta porque o pai, representante comercial, muitas vezes sumia de casa sem dizer quando estaria de volta.
Depois de terminar a escola pública, alistou-se no exército onde começou a escrever como redator e editor de um jornal dedicado à tropa estacionada na cidade de Biloxi, experiência que anos depois ele levaria ao palco na peça Biloxi Blues (Metido em Encrencas, título do filme). Em suas memórias, lê-se: “Eu só fui saber o que era intolerância quando entrei para o exército e tive contato com um tipo de gente que eu sequer sabia que existia. Um dia, entrei num bar e dois soldados me empurraram. Um deles jogou um cigarro aceso na minha direção, dizendo: abaixa e pega isso aí Jew boy; você acha que os judeus podem vir aqui e estragar a vida no nosso belo estado do Mississipi? Eram dois grandalhões, com mais de cem quilos cada. Só me restou calar a boca, dar meia volta e ir embora”. A guerra terminou pouco depois desse episódio e, tendo dado baixa, Simon regressou a Nova York onde conseguiu um emprego no escritório da companhia cinematográfica Warner Brothers. Já mordido pelo show business, conseguiu em meados da década de 1950, um lugar na equipe de redatores do programa de televisãoSeu Show dos Shows, um dos êxitos mais espetaculares da televisão americana, apresentado pelo comediante judeu Sid Caesar. Fazia parte de um time sem igual, todos judeus: Woody Allen (que dispensa apresentação), Mel Brooks (que também dispensa), Carl Reiner (ator e diretor de cinema) e Larry Gelbart (autor do mega-sucesso Mash). Naquela época, essa equipe de craques produziu um disco que é uma jóia de humor judaico intituladoYou Don’t Have To Be Jewish, ou seja, você não tem que ser judeu para achar engraçado. Em uma das faixas do LP há um diálogo telefônico entre mãe e filha que é uma obra-prima. A filha começa falando. – “Mãe, está caindo uma nevasca tão terrível agora de manhã que eu nem consigo sair de casa. E o pior é que marquei um almoço para vinte mulheres do meu grupo de estudos judaicos. Estou desesperada!” – “Calma, minha filha, calma. Pode deixar que eu ando dez quadras debaixo da neve até a mercearia, compro tudo o que for preciso, pego o metrô, depois pego o ônibus e vou até tua casa preparar o almoço.” – “Mãe, você vem mesmo?” – “Claro que vou. Mas, se está nevando tanto como é que teu marido Jack conseguiu sair para trabalhar?” – “Espera... meu marido não é Jack, é Harry”. – “Ah... então acho que caímos numa linha cruzada”. – “Isto quer dizer que você não vem mais?”
Há cinqüenta anos concluiu, depois de duas tentativas frustradas, sua primeira peça, que iria estourar na Broadway. Produzida por Emanuel Azenberg, seu amigo íntimo e produtor até hoje. A cortina foi aberta em fevereiro de 1961 para Come Blow Your Horn (O Bem Amado) que ficou em cartaz até outubro do ano seguinte, com um total de 677 representações. Desde então seu talento passou a jorrar uma peça atrás de outra e fica até difícil distinguir se foi o sucesso que encontrou Neil Simon ou se foi Neil Simon que encontrou o sucesso. Em 1963, outro grande êxito: Barefoot in the Park (Descalços no Parque), estrelado por Robert Redford, com 1.537 representações. Para que se tenha uma idéia da extraordinária dimensão do sucesso de Neil Simon, basta assinalar que em determinado momento da década de 1960 estavam sendo representadas, na Broadway, simultaneamente, três comédias e um musical de sua autoria: Descalços no Parque, Um Estranho Casal, The Star Spangled Girl e Charity, Meu Amor(título do filme).
Neil Simon mergulhou de cabeça no humor judaico quando lançou a peçaFools, baseada nos escritos de Scholem Aleichem, que tem Chelm como cenário. Situou sua remota Chelm na Rússia e chamou-a de Kulyenchicov, “um nome que seus habitantes mal conseguiam pronunciar e muito menos soletrar”. Ele mesmo recorda: “Adorei escrever aquela peça. Era purovaudeville disfarçado como fábula”. Trata-se da história de um professor que chega àquela mítica aldeia e se apaixona pela filha do patrão. Como os habitantes de Chelm não sabem se comunicar, também não sabem amar. Entretanto, o professor acaba se casando com a bela moça, assim quebrando a maldição que pairava sobre a cidade.
Sua outra incursão no judaísmo foi com a peça God’s Favorite, de 1974, baseada no Livro de Jó, tal como é narrado na Bíblia: “Eu sou judeu e embora os judeus se devotem à sua crença em D’us, isto não os impede de formular indagações. Geralmente encontram as respostas e quando não as encontram, aceitam as explicações dos grandes rabinos. Se, por acaso, estes não respondem, é porque a pergunta não era relevante. Minha versão do Livro de Jó não foi sacrílega, nem profana. Eu não esperava que o espetáculo fizesse sucesso. Mas, estava totalmente fascinado pela figura de Jó porque mesmo enfrentando os mais terríveis sofrimentos ele conservou sua fé”. O curioso em relação a esta peça é que Simon escreveu-a quando estava terminando o casamento com sua segunda mulher, a atriz Marsha Mason. No acordo do divórcio, ficara estipulado que ela receberia a metade do que ele ganharia com a encenação da próxima peça de sua autoria. No caso, foi God’s Favorite que teve apenas 123 representações. Simon escreveu: “Senti muito. Na verdade, era uma peça cuja temática servia mais para a off-Broadway do que para a Broadway”.
Em 1973, quando acabou de escrever The Good Doctor, texto inspirado nos contos do escritor russo Tchekov, sofreu o grande baque da morte da primeira mulher, Joan Baim, vítima de câncer, com quem estava casado há vinte anos. O casal teve duas filhas, Nancy e Ellen. A narrativa do seu luto é comovente: “Nos dias e semanas seguintes, eu andava como um sonâmbulo pelas ruas de Nova York, muitas vezes tendo que olhar para as placas das ruas para saber onde estava. De súbito, eu me via percorrendo a loja Bloomingdale’s sem a intenção de comprar qualquer coisa. Eu ficava olhando para todas as pessoas que passavam com a ilógica esperança de que ia encontrar a Joan. Talvez os médicos tivessem se enganado quanto à sua doença e eu apenas sonhara que ela havia morrido”. Por menos que Simon esperasse, no ano seguinte à morte de Joan conheceu e casou-se com a atriz Marsha Mason, protagonista de The Good Doctor ao lado de Christopher Plummer. Levou essa vivência ao palco com uma peça de grande sucesso, Chapter Two (Capítulo Dois, Em Busca da Felicidade, título do filme), que ficou dois anos em cartaz, com 864 representações. O casamento durou oito anos, até ela considerar que “precisava respirar novos ares”. De 1990 a 1998, Simon casou, separou-se, tornou a casar e separou-se de Diane Lander, vendedora de perfumes de uma loja de departamentos em Los Angeles, mãe da menina Bryn, que adotou como filha e acolhe paternalmente até hoje. Essa sucessão de casamentos pode dar a impressão de um sedutor Don Juan, porém este não é nem de longe seu comportamento. Agora, está casado desde 1999 com Elaine Joyce, dezoito anos mais jovem, atriz em começo de carreira que deixou de atuar por causa do casamento. Tanto na vida pessoal como profissional, Simon sempre considerou importante correr riscos, tanto assim que passou a financiar suas próprias peças. A propósito dessa disposição, comentou: “Se Michelangelo não tivesse corrido o risco de ficar pendurado lá no alto, teria pintado o chão da Capela Sistina”.
Em 1983, depois de ganhar e de perder muito dinheiro (“sempre fiz péssimos investimentos”), Simon decidiu dar uma guinada radical em sua produção. Renunciou às puras comédias e deu início a uma série de peças autobiográficas, sua chamada Trilogia-B com as peças Brighton BeachMemoirs, Biloxi Blues e Broadway Bound. Na primeira, percorre os caminhos de sua infância e adolescência, retratando uma mãe judia que monitora cada movimento da casa. Na segunda, recorda o tempo em que serviu nas forças armadas. Na terceira, evoca a iniciação no mundo dos espetáculos. Em todas elas, o personagem “Eugene” é ele mesmo e o personagem “Stanley” é Danny, seu irmão mais velho, bem sucedido profissional da televisão e professor de dramaturgia, que morreu há cinco anos. Na juventude, os dois escreviam materiais para comediantes de stand up e cultivavam constantes rivalidades, razão pela qual acabaram seguindo rumos diferentes. Danny radicou-se na Califórnia e Neil permaneceu em Nova York: “A rivalidade só parou quando nossa mãe morreu, em 1977. Já não tínhamos mais para quem competir e selamos uma sólida amizade”. Em um diálogo de Broadway Bound, Simon dá uma dica da arte de provocar risos.
Os irmãos divergem enquanto escrevem um texto. “Stanley” insiste que cada detalhe do diálogo deve fazer sentido. “Eugene” retruca: “É apenas um esquete cômico. Tudo tem que ser tão lógico?” “Stanley” responde: “Se não for plausível, não tem graça”. Em 1991, Simon escreveu nova peça com verniz autobiográfico, Lost in Yonkers, (Proibido Amar, título do filme), que lhe valeu os prêmios Pulitzer e Tony. A personagem central é a avó “Kurnitz”, uma tirânica judia alemã que intimida os netos a cada momento e estes adoram uma tia, “Bella”, que tem um leve retardo mental. A realidade se faz presente na medida em que Simon foi-se lembrando de que, na infância, seus pais mencionavam um tio na família, “Uncle Louie”, um gângster que tinha ligações com a Máfia, interpretado por Kevin Spacey.
Em 2003, Simon conheceu o amargo sabor do fracasso quando sua peçaRose’s Dilemma, encenada off-Broadway, foi massacrada pela crítica e ficou apenas dois meses e dez dias em cartaz. Simon ficou mais aborrecido com um incidente ocorrido durante os ensaios do que com o tropeço em si. O papel principal fora confiado a Mary Tyler Moore, grande estrela da televisão americana. Por mais que ela se esforçasse, não conseguia decorar o texto, até que um dia Simon escreveu-lhe o seguinte bilhete: “Ou decore o texto ou saia da minha peça”. Moore saiu para uma inimizade sem volta. Quando um repórter perguntou a Simon como ele encarava aquele insucesso, respondeu: “Vou continuar fiel aos meus princípios. Sou incapaz de escrever uma peça séria que não contenha algo de humor. Nem escrevo uma comédia que não tenha um lado sombrio. Se em alguma peça minha não houver verdades e revelações, o público a julga apenas engraçadinha. Ora, engraçadinhos são os bebês quando nascem. Às vezes”.
Depois de 33 peças teatrais e 34 roteiros cinematográficos, Neil Simon é o dramaturgo mais representado do mundo. Não há um só dia que em algum lugar do planeta não esteja sendo encenada uma de suas peças ou exibido um de seus filmes. Está em cartaz agora na Broadway nova versão do musical Promises, Promises.
No West End de Londres estrearam este ano as peças The Prisoner of Second Avenue (O Prisioneiro da Segunda Avenida, título do filme) e Sweet Charity, com ingressos vendidos até 2011. Contudo, Neil Simon talvez ainda duvide do seu talento. Perguntado qual verdadeiro talento gostaria de ter, respondeu: “Dançar como Fred Astaire”.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista
Peças e musicais de Neil Simon
- Come Blow Your Horn (1961)
- Little Me (1962)
- Barefoot in the Park (1963)
- The Odd Couple (1965)
- Sweet Charity (1965)
- The Star-Spangled Girl (1966)
- Plaza Suite (1968)
- Promises, Promises (1968)
- The Last of the Red Hot Lovers (1969)
- The Gingerbread Ladies (1970)
- The Prisoner of Second Avenue (1971)
- The Sunshine Boys (1972)
- The Good Doctor (1973)
- God’s Favorite (1974)
- California Suite (1976)
- Chapter Two (1977)
- They’re Playing Our Song (1979)
- I Ought to Be in Pictures (1980)
- Fools (1981)
- Brighton Beach Memoirs (1983)
- Biloxi Blues (1985)
- The Female Odd Couple (1986)
- Broadway Bound (1986)
- Rumors (1988)
- Lost in Yonkers (1991)
- Jakes’s Women (1992)
- The Goodbye Girl (1993)
- Laughter om the 23rd Floor (1993)
- London Suite (1995)
- Proposals (1997)
- The Dinner Party (2000)
- 45 Seconds from Broadway (2001)
- Roses’s Dilemma (2003)
- A New Look at the Odd Couple (2004)
Foram conservados os títulos originais porque muitas dessas peças não foram traduzidas para o português. As traduções existentes para o palco ou para o cinema se encontram no corpo do texto.