Considerado um inovador da linguagem do cinema, o francês Lanzmann é um dos mais importantes intelectuais judeus da atualidade.

É, também, um dos poucos que defendem abertamente Israel. Seu documentário de 1973, "Pourquoi Israel?" (Por que Israel?), uma reflexão sobre o Estado de Israel e o significado de ser judeu, conseguiu influenciar, seja por seu conteúdo seja por sua linguagem, milhares de judeus a emigrarem para o Estado Judeu.

Claude Lanzmann foi uma das estrelas do Festival de Cinema de Cannes, este ano de 2007. "Pourquoi Israel?" foi exibido na sessão "Cannes Classic", seleto grupo de produções anualmente apresentadas durante o festejado evento. O documentário está sendo lançado em DVD, em distribuição mundial, o que permitirá ser visto por um grande público. Desde que foi lançado, era praticamente impossível encontrar alguma cópia.

No filme, o primeiro de uma trilogia que incluiu mais dois documentários - Shoá, de 1985, sobre o Holocausto; e Tzahal, de 1994, sobre as Forças de Defesa de Israel -Lanzmann demonstra a devoção de toda uma vida profissional à reflexão e à cinematografia da moderna história judaica e do Estado de Israel. Segundo o cineasta, as três obras lidam essencialmente com a mesma temática: o ser judeu no mundo contemporâneo. São diferentes facetas de um mesmo tema e revelam os fortes vínculos de Lanzmann com o judaísmo. Sua trilogia também mudou a estrutura tradicional dos documentários em termos de filmagem, estilo e sistemática.

Nascido em Paris em 1925, é filho de um casal com forte gosto artístico: o pai decorador e a mãe, antiquária. Em 1940, após a invasão nazista da França, sua família mudou-se para a cidade de Clermont-Ferrand. O jovem Claude segue os passos do pai e se filia à Résistance, lutando contra as forças nazistas na França. Ao término da guerra, foi condecorado pelo governo francês com a medalha da Legião de Honra.

Lanzmann, que estudou filosofia na França e na Alemanha, começou a carreira de jornalista ainda jovem, trabalhando para o jornal Le Monde. Foi o primeiro francês a viajar pela Alemanha Oriental, ainda que clandestinamente, pois não conseguiu obter visto pelos trâmites legais. Em 1952, conheceu o filósofo Jean-Paul Sartre, de quem se tornaria confidente e braço-direito, e sua mulher, Simone de Beauvoir. Os três fundaram a célebre revista de sociologia, política e atualidades, Les Temps Modernes, emblema de uma geração.

Como cineasta, acumulou vários prêmios, entre os quais o do Círculo de Crítica de Nova York (1985); da Crítica de Cinema de Los Angeles, 1985; e o Prêmio Peabody de Jornalismo, 1987, pelo documentário "Shoá". Em 2004, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Escola Graduada Européia, da Suíça.

"Por que Israel?"

Em 1952, quatro anos após a fundação de Israel, Lanzmann faz sua primeira viagem ao país. Queria fazer uma série de reportagens sobre o jovem Estado. Seu olhar perspicaz precisava perscrutar todos os meandros de um país sobre o qual pretendia escrever. No navio que o levou até lá conheceu alguns heróis da Guerra de Independência, como o militar Ygal Allon. No entanto, ao falar sobre aquele período, menciona outro passageiro, Julius Ebenstein, musicólogo vienense que conseguira sair da Áustria antes do Anschluss, em 1938, que se tornou um amigo especial: "Mesmo sem ser um homem de posses, convidou-me para ficar em sua casa se um dia passasse por Tel Aviv. E foi o que fiz. Acabei lá ficando por três meses. Eram tempos muito difíceis, os alimentos eram racionados e chegava-se a passar fome...".

Enquanto permaneceu no país, o cineasta procurou absorver todos os aspectos da jovem nação e de sua população, que lutava para sobreviver. Lá, teve a oportunidade de confrontar sua relação com o judaísmo. E concluiu: "A existência de Israel jamais representou um risco ou incômodo para mim, como francês... Jamais me censurei pelos meus sentimentos como judeu".

Ao retornar a Paris, escreveu mais de cem páginas, mas não terminou as reportagens. Foram precisos 20 anos e outras viagens a Israel para conseguir dar vida a seu projeto. Antes, porém, em junho de 1967, Lanzmann publicou na Temps Modernes um número especial sobre o conflito árabe-israelense, logo após a Guerra dos Seis dias. Um ano depois retorna a Israel e, com uma câmera na mão, faz uma reportagem sobre combates no Canal do Suez para a emissora de TV francesa, Panorama. Foi nesta época que conheceu Ariel Sharon. Na mesma viagem, em um restaurante de Jerusalém, conhece aquela que seria sua esposa, Angelika Schrobsdorff.

De volta à França, começou a pensar em um documentário. As reportagens e as páginas de um eventual livro transformaram-se em "Por que Israel?". A obra, além de atender seus anseios pessoais, é também uma resposta aos antigos colegas de luta contra o colonialismo francês, na Argélia. Lanzmann queria deixar patente a diferença entre a luta justificada do Estado Judeu pela sobrevivência e o condenável colonialismo europeu, na África e na Ásia.

Trabalhou cerca de três anos no documentário, conseguindo realizá-lo a baixo custo. Terminou-o em 1973, dedicando-o a Angelika. O trabalho foi selecionado pelo Festival de Nova York e exibido no Lincoln Center, no primeiro dia da Guerra de Yom Kipur, em outubro daquele mesmo ano. Angelika, que o acompanhava, não suportou ficar longe de Israel e partiu imediatamente para lá. O filme estreou no circuito de Paris, com uma crítica triunfal.

"Por que Israel?" aborda a questão das imigrações e dos problemas de adaptação dos recém-chegados. Passa-se no início da década de 1970, época de uma primeira onda de imigração dos judeus russos. Dois irmãos se reencontram depois de uma longa separação em uma sala do aeroporto. A câmera os acompanha. Nenhuma fala, só o silêncio. Entra em cena outro jovem casal russo; seus primeiros passos são acompanhados pela lente atenta do diretor. Algum tempo depois, o entusiasmo dá lugar à amargura e a falta de integração os leva a querer voltar para a então União Soviética.

Lanzmann diz: "Até hoje, não há soluções fáceis." E acrescenta: "Conheci o anti-semitismo do pré-guerra, aterrorizante para uma criança. Tentem imaginar o desaparecimento de Israel...", diz, ao concluir com as palavras: "Ser judeu é uma condição com a qual se nasce, mas é também uma conquista. E o Estado de Israel foi fundamental para a conseguirmos".

"Shoá"

Dez anos depois de "Por que Israel?", Lanzmann lançou "Shoá". Com nove horas e meia de duração, é um filme especial. Lançado em Paris no verão de 1985, foi exibido pela primeira vez no Brasil durante uma mostra paralela do II Festival Internacional de Cinema, em novembro daquele ano. O filme não apresenta explicitamente os horrores dos campos de concentração, mas os depoimentos dos sobreviventes. Usa como importante contraponto os depoimentos dos carrascos e dos espectadores, passivos e coniventes. Para lograr este difícil "casamento", Lanzmann entrevistou dezenas de pessoas desde 1974, quando iniciou o projeto. Foram entrevistas torturantes, emotivas, sempre difíceis e minuciosas ao extremo. Realizadas em vários idiomas e em vários lugares do mundo, sobretudo na Polônia, onde se localizavam os maiores campos nazistas. Em algumas seqüências, Lanzmann conduz sobreviventes a Auschwitz, Treblinka, Sobibor, onde os entrevista.

Segundo especialistas no tema, Shoá é o documentário definitivo sobre o Holocausto. Seu único foco é a chamada "Solução Final", o plano elaborado e executado por Hitler para erradicar os judeus da Europa. Lanzmann jamais indaga o porquê do genocídio, mas tenta desvendar como aconteceu. Revela como seis milhões de judeus foram deixados à própria e trágica sorte por toda uma humanidade cruelmente conivente.

"Tzahal" e outros

Em 1994, Lanzmann esteve em Israel para o lançamento de "Tzahal", documentário de mais de cinco horas sobre as Forças de Defesa de Israel. Realizado através de depoimentos de militares e de civis, é considerado uma das melhores tentativas de compreensão sobre os fundamentos ideológicos do exército israelense, reconhecido como um dos melhores do mundo. Entre os temas abordados estão conduta em combate, militarismo como valor e o preço de se viver em uma sociedade dominada pela guerra. Um ponto de destaque na narrativa é a frase dita por Ehud Barak, futuro Primeiro Ministro de Israel que, na época, era General de Exército: "No Tzahal, cada soldado carrega o sentimento de que é preciso vencer. Não há espaço para a derrota. Não há possibilidade de rendição".

A centralidade do exército como uma das mais sagradas instituições na sociedade israelense deriva do fato de em poucas décadas de independência o país já ter enfrentado cinco guerras (vale lembrar que o filme foi lançado em 1994). O cineasta começa o filme mergulhando diretamente nos sentimentos dos envolvidos nos combates, mais especificamente o medo da morte e a sensação de culpa que se abate sobre quem sobrevive diante da perda de seus colegas de batalhão. Ele analisa detalhadamente a Guerra de Yom Kipur, um momento decisivo na história de Israel, seu significado para quem estava no campo de batalha e para a sociedade, em geral. A obra mostra, também, grupos de jovens israelenses debatendo sobre o quão integral o exército é em sua vida.

Em 1997, Lanzmann lançou A Visitor from the Living (Um visitante do mundo dos vivos), elaborado a partir de uma entrevista com Maurice Rossel, em 1979, quando filmava Shoá. Como representante da Cruz Vermelha, Rossel fora enviado, em 1944, para inspecionar Theresienstadt, próximo a Praga, local escolhido pelos nazistas como "gueto-modelo de Hitler". Na conclusão de sua visita, Rossel disse não ter percebido nada de "anormal" no local. Assim, o cineasta procura mostrar como o Holocausto pôde acontecer, com o beneplácito de um mundo repleto de seres humanos "ditos" decentes.

Lanzmann tem-se posicionado aberta e fortemente contrário àqueles que se empenham em "tentar entender" Hitler. Classifica a idéia, cruamente, de "obscena", uma tentativa de silenciar a voz e a eterna dor das vítimas e dos sobreviventes do Holocausto.

Em 2001, no Festival de Cannes, Lanzmann apresentou outro trabalho: Sobibor, 14 de Outubro de 1943, Quatro Horas da Tarde. O título informa o início da bem-sucedida rebelião nesse campo de concentração em que os nazistas assassinaram 260 mil judeus. O documentário é baseado em longas entrevistas com Yehuda Lerner, um dos insurgentes do campo. Lerner, na época com apenas 17 anos, conseguiu fugir junto com outros 365 internos, dos quais apenas 47 sobreviveram à guerra. A rebelião, no entanto, levou ao fechamento do campo e ao fim da matança em Sobibor.