Este texto não deveria ter sido intitulado 'Hollywood e os Judeus', mas 'Os Judeus e Hollywood', simplesmente porque foram os judeus que conceberam e implantaram naquele mitológico subúrbio de Los Angeles, na Califórnia, uma indústria americana tão poderosa quanto a do aço ou a dos automóveis.
Uma indústria na qual a criatividade, o talento, a audácia, a magia, a capacidade de sonhar e de fazer sonhar continuam servindo até hoje como matéria-prima.
As pequenas e primitivas salas de projeção que apresentavam filmes mudos foram transformadas em deslumbrantes casas de espetáculos por exibidores judeus. Com o advento do cinema falado, a indústria cinematográfica percebeu que seus produtos deveriam abranger conteúdos mais consistentes e importou da costa leste dos Estados Unidos, mais precisamente de Nova York, uma nata de dramaturgos e escritores, judeus em sua esmagadora maioria. Em Hollywood, as principais agências de artistas eram operadas por judeus; os contratos, tanto por parte dos estúdios como do lado dos artistas, eram redigidos por advogados judeus; os medalhões da medicina, na capital do cinema, também eram quase todos judeus. E, acima de tudo, eram os judeus que produziam os filmes, moldando-os de acordo com suas exclusivas preferências. Num livro excelente e definitivo chamado “An Empire of their Own How the Jews Invented Hollywood”, o crítico Neal Gabler cita um levantamento feito pela revista Fortune, em 1936, no qual é apontado que de 85 nomes que aparecem nos créditos da produção de um determinado filme, 53 são de judeus. O escritor F. Scott Fitzgerald, que teve uma breve e fracassada passagem por Hollywood, escreveu em suas anotações para o romance “The Last Tycoon” que Hollywood estava sendo uma festa para os judeus e uma tragédia para os não-judeus.
Mas, o fato é que, no início da década de 30, a verdadeira tragédia existente se abatia sobre os judeus do cinema, alvos de manifestações hostis, algumas vezes ocultas, outras escancaradas, estimuladas por grupos religiosos e de fanáticos direi-tistas, tipo Klu-Klux-Khan que, no mais tradicional estilo anti-semita, exortavam os americanos a arrancar a indústria cinematográfica das dominantes mãos dos judeus. Eles eram acusados de conspirar contra os valores tradicionais americanos e contra as estruturas do poder que os asseguravam.
Entretanto, esses anti-semi-tas não tinham a menor noção do caminho equivocado que estavam percorrendo. Os judeus que criaram Hollywood empenhavam-se de corpo e alma num só objetivo: a adoção dos valores americanos e a possibilidade de serem acolhidos na estrutura do poder. Eles queriam ser vistos como americanos e não como judeus. Alguns deles chegaram ao ponto de jamais falarem sobre suas origens européias e muito menos judaicas. Tinham uma devoção ilimitada pelos Estados Unidos e não mediam esforços para serem aceitos pela sociedade americana, numa época em que a xenofobia era disseminada e aceita em todos os segmentos sociais.
Os pais da pátria de Hollywood constituíam um grupo homogêneo em função de suas infâncias e trajetórias muito semelhantes. O mais velho de todos, Carl Laemmle, nascido em 1867, emigrou de uma pequena cidade da Alemanha para os Estados Unidos no início do século passado. Percorreu uma série de trabalhos menores até fundar o Estúdio Universal.
Adolph Zukor nasceu numa aldeia da Hungria, ainda menino ficou órfão de pai e mãe, tendo sido criado por um tio que era rabino. Assim como Laemmle, foi parar na América, conheceu o cinema primitivo exibido nos Nickleodeons, apaixonou-se pelo que viu, culminando por ser dono de seu próprio estúdio: a Paramount. William Fox também era húngaro de nascimento. Chegou aos Estados Unidos levado pelos pais e começou a trabalhar por conta própria, ainda de calças curtas, como ambulante de pipocas e sanduíches. Anos depois, de terno e gravata, inaugurava a Fox Film Corporation, gênese da 20th Century Fox.
Louis B. Mayer tanto queria ser genuinamente americano, que dizia ter esquecido o nome da cidade em que havia nascido na Rússia. Também afirmava desconhecer sua data de nascimento, adotando o feriado da independência americana, o dia 4 de julho, para celebrar seu aniversário. Dentre os demais judeus europeus do cinema foi o mais bem sucedido, construindo o império da Metro-Goldwyn-Mayer.
Um judeu chamado Benjamin Warner partiu de sua aldeia polonesa em 1883, deixando para trás a mulher, uma filha e um filho, Harry. Começou a trabalhar como sapateiro em Baltimore e em pouco mais de um ano já tinha conseguido juntar dinheiro para trazer para a América toda a família. Benjamin era um judeu devoto que quase só falava ídiche, só comia casher e morava perto da sinagoga para bem respeitar o Shabat. Foi nessa atmosfera que cresceram seus outros filhos, Sam, Albert e Jack. Os quatro irmãos um dia juntaram suas economias, compraram um projetor usado e instalaram um pequeno cinema. Conta a lenda que Jack perguntou à mãe se ela achava que estavam fazendo um bom negócio. Ouviu a seguinte resposta: "Se o cliente paga antes de ver a mercadoria, só pode ser um bom negócio". Os quatro rapazes fundaram a Warner Brothers e foram os responsáveis pela introdução do som no universo cinematográfico.
Os judeus que criaram Hollywood tinham outra qualidade comum: um extraordinário sentido para apurar as preferências das platéias. Talvez isso se deva ao fato de que todos eles tiveram passagens em Nova York pela imensa indústria de confecções de roupas, tanto no atacado como no varejo, o que lhes valeu como um excelente treinamento para conhecer e medir os gostos do público. E, na medida que continuavam enfrentando dificuldades para serem aceitos pelo mundo não-judeu, encontraram no cinema uma forma de construir o seu próprio mundo, um mundo que não exigia escolaridade nem experiências anteriores, que lhes abria as portas e, acima de tudo, lhes pertencia. Os filmes americanos, a partir da década de 30, tornaram a ficção mais poderosa do que a realidade e conquistaram massas crescentes de espectadores em todos os continentes, retratando aspectos de uma nação toda impressa em celulóide: virtuosa e próspera, dotada de seus próprios códigos e valores. Era uma América na qual os pais eram vistos na tela como figuras fortes e respeitadas, as famílias eram estáveis, os homens e mulheres eram bonitos, os heróis eram trabalhadores, joviais e honestos. Este foi o país que os judeus de Hollywood materializaram no cinema, criando mitos e arquétipos que até hoje permanecem, tais como vistos em dois filmes emblemáticos: "A Felicidade Não se Compra" (It’s a Wonderful Life) e "A Mulher Faz o Homem" (Mr. Smith Goes to Washington), ambos dirigidos por Frank Capra e estrelados por James Stewart. Neste sentido, o crítico Neal Gabler chega a afirmar que as imagens criadas pelos produtores judeus foram tão poderosas que "de uma certa maneira colonizaram a imaginação americana". E acrescenta: "Era impossível falar sobre os Estados Unidos sem falar sobre os seus filmes". Numa avaliação semelhante, o economista John Kenneth Galbraith escreveu que muito mais do que qualquer aspecto material, quem mais impôs no mundo o poder dos Estados Unidos, foi Fred Astaire.
Os reis de Hollywood durante os anos dourados dos grandes estúdios, ou seja, desde a introdução do cinema sonoro até um pouco mais do fim da década de 60, relutavam em se engajar em atividades comunitárias judaicas, embora se tivessem unido para fundar o Hillcrest Country Club para ali jogar golfe, já que levavam bolas pretas quando pretendiam se associar ao Los Angeles Country Club, freqüentado por não-judeus. Nenhum deles teve a coragem, como Charles Chaplin (que não era judeu, mas sofria ataques anti-semitas), de expor a malignidade do nazismo e de ridicularizar a figura de Hitler, no filme "O Grande Ditador", que ele começou a rodar antes ainda de a Alemanha invadir a Polônia, em 1939.
No seio da intelectualidade judaica de Hollywood, uma das vozes que mais se levantou contra o nazismo foi a de Ben Hecht (1894-1964), um jornalista de Chicago que se tornou um dos melhores roteiristas do cinema, tendo assinado mais de cem filmes, alguns de grande sucesso como "Duelo ao Sol", "O Retrato de Jennie", "Adeus às Armas", "O Homem do Braço de Ouro", parte de "E o Vento Levou" e realizações de Alfred Hitchcock. Quando a guerra terminou e os judeus da antiga Palestina começaram a confrontar os mandatá-rios britânicos, Hecht foi procurado por um emissário do grupo Irgun Zvai Leumi, que pregava a luta armada e atos de terrorismo contra os militares ingleses. O emissário se chamava Peter Bergson, nome de guerra de Hillel Kook, que veio a falecer em Israel em 2000, aos 86 anos de idade. Bergson conseguiu convencer Ben Hecht a ajudá-lo a captar doações para a compra de armas entre os ricos produtores de cinema. Não era uma tarefa fácil, pois muitos judeus, tanto em Hollywood como no mundo inteiro, se opunham às ações da Irgun. Mas, Hecht tinha trânsito livre e foi recebido por todos os poderosos chefões. Harry Warner, apesar de sionista convicto, expulsou-o de sua sala, pelo horror que tinha à Irgun. Louis B. Mayer e Samuel Goldwyn disseram não. Ben Hecht conta em suas memórias, “A Child of the Century”, que David Selznick só faltou agredi-lo, enquanto vociferava: "Esta é uma causa judaica de natureza política e eu não estou interessado nos problemas judaicos. Eu sou americano, não sou judeu". Hecht valeu-se de um estratagema. Disse a Selznick que ele poderia indicar três pessoas de sua confiança, que chamaria ao telefone e perguntaria se o consideravam judeu ou americano. Se a resposta fosse judeu, Selznick se comprometeria a organizar um jantar para arrecadar fundos. Os dois primeiros responderam: judeu. O roteirista Nunnally Johnson, também responsável por grandes êxitos no cinema, foi mais explícito: "Pelo amor de Deus, o que está acontecendo com o David? Ele é judeu é sabe muito bem disso!" David Selznick não só organizou o jantar, como ainda promoveu um almoço, com a mesma finalidade, no restaurante dos estúdios da Fox.
O advento do cinema sonoro eqüivale a uma ironia na história de Hollywood. Por mais que os magnatas dos estúdios pretendessem passar ao largo de suas raízes judaicas, o primeiro filme falado, "O Cantor do Jazz" “The Jazz Singer”, estrelado por Al Jolson, continha uma temática judaica até a medula.
Tudo começou com a iniciativa dos irmãos Warner para dotar o cinema de diálogos e música. Para isso, contrataram um sistema técnico chamado Vitaphone que, em 1926, sonorizou um filme da Warner, com a duração de dez minutos, intitulado “Don Juan”. Enquanto discutiam um projeto para o primeiro longa-metragem sonoro, foram atropelados pelo cantor e comediante Al Jolson, o maior nome do show business daquela época. Jolson insistiu para que fosse levada à tela uma adaptação da peça teatral "O Cantor do Jazz", um sucesso em Nova York. A motivação de Jolson era no sentido de que a temática teatral tinha tudo a ver com a sua própria trajetória. A peça conta a história do filho de um cantor de sinagoga, Jakie Rabinowitz, que se torna Jack Robin e faz sucesso na Broadway, ignorando sua origem judaica, o que resulta em rompimento com seu pai. No Yom Kipur, enquanto o cantor está em seu leito de morte, Jack adia a estréia de um musical que iria protagonizar e vai à sinagoga, onde canta o “Kol Nidrei”, numa cena transbordante de emoção. Depois, Jack volta ao teatro de variedades, onde é assistido e aplaudido pela mãe, cantando “My Mammy”, uma marca registrada de Al Jolson ao longo de toda a sua carreira. O filme estreou no dia 6 de outubro de 1927, alcançou um triunfo espetacular e mudou para sempre a história do cinema, contendo o próprio dilema dos donos dos estúdios: eles até poderiam ir à sinagoga, mas sempre voltariam para o mundo não-judeu.
Quando terminou a segunda guerra, talvez como conseqüência do conhecimento do Holocausto, um filme quebrou um arraigado tabu de Hollywood, ao abordar a questão do anti-semitismo nos Estados Unidos: "A Luz É Para Todos" “Gentleman’s Agreement”, produzido em 1947 para a Fox pelo metodista Darryl F. Zanuck, que anos antes já tinha realizado um filme, "A Casa dos Rothschild", em favor dos judeus da Europa. Seu novo projeto foi dirigido por Elia Kazan, não-judeu, e estrelado por Gregory Peck, também não-judeu, e com James Garfield, o judeu Jules Gurfinkle, que só aceitou um papel secundário em função do tema do filme. O sucesso foi estrondoso, com duas indicações, Peck e Garfield, e três Oscars para melhor filme, melhor diretor e melhor atriz coadjuvante, Celeste Holm.
Rompido o dique, histórias focalizando as lutas pela criação do Estado de Israel começaram a aparecer nas telas, nas décadas de 50 e 60, juntamente com outros filmes de temática judaica tais como "O Diário de Anne Frank" (1959, Fox), “Marjorie Morningstar” (1958, Republic) e "Os Últimos Homens Maus" (1959, Columbia). No tocante a Israel, tiveram êxito "Adagas no Deserto" (1949, Universal), sobre a imigração ilegal para a antiga Palestina; "O Malabarista" (1953, Columbia), com Kirk Douglas, todo filmado em Israel, o drama de um sobrevivente do Holocausto nos primórdios do novo país; e "A Sombra de um Gigante" (1966, United Artists), também com Kirk Douglas, a história verdadeira do coronel do exército americano, David Marcus, que morreu lutando como voluntário na guerra da independência de Israel. Esses filmes de cunho sionista tiveram sua síntese no formidável êxito internacional de "Exodus" (1960, United Artists), baseado no best-seller de Leon Uris, com uma mensagem tão dramática quanto objetiva: depois dos horrores do Holocautso, os judeus precisavam de um lar nacional. A bela música incidental composta por Ernest Gold para o filme, ganhou versos e estourou nas paradas de sucesso: "Esta terra é minha, esta terra me foi dada por Deus..."
Hoje em dia, a postura dos grandes produtores de Hollywood é radicalmente oposta àquela de seus antecessores de setenta anos atrás. As raízes judaicas se tornaram motivo de orgulho, bastando citar um nome: Steven Spielberg, realizador de "A Lista de Schindler" e criador da Fundação Shoah, um museu da imagem e do som dedicado a sobreviventes do Holocausto no mundo inteiro.
Nomes verdadeiros de artistas judeus
Woody Allen: Alan Stewart Koenigsberg
June Allyson: Ella Geisman
Lauren Bacall: Betty Joan Perske
Irving Berlin: Israel Baline
Karen Black: Karen Blanche Ziegler
Fanny Brice: Fanny Borach
Mel Brooks: Melvin Kaminsky
George Burns: Nathan Birnbaum
Eddie Cantor: Edward Israel Iskowitz
Lee J. Cobb: Jacob Amos
Tony Curtis: Bernard Schwartz
Kirk Douglas: Issur Danielovich Demsky
Melvyn Douglas: Melvyn Hesselberg
Paulette Goddard: Marion Levy
Elliot Gould: Elliot Goldstein
Al Jolson: Asa Yoelson
Danny Kaye: David Daniel Kaminsky
Jerry Lewis: Joseph Levitch
Peter Lorre: Laszlo Lowenstein
Yves Montand: Ivo Levy
Joan Rivers: Joan Molinsky
Edward G. Robinson: Emmanuel Goldenberg
Jane Seymour: Joyce Penelope Frankenburg
Simone Signoret: Simone-Henriette Kaminker
Bevery Sills: Belle Silverman
John Garfield: Jules Gurfinkle
Paul Muni: Muni Weisenfreund
Gene Wilder: Gerald Silberman
Theda Bara: Theodesia Goodman
Sylvia Sidney: Sophia Kosow
Judy Holliday: Judith Tuvim
Shelley Winters: Shirley Schrift