Depois de dez anos de muito trabalho, foi reinaugurado em 2021 aquele que está sendo considerado o maior e mais abrangente museu judaico do mundo, ANU – Museu do Povo Judeu, contando com mais de 6.690 metros quadrados de galerias.

Aberto em 1978 por inspiração de Nahum Goldmann, presidente do Congresso Mundial Judaico de 1954 a 1977, recebeu então o nome de Nahum Goldmann – Museu da Diáspora Beth Hatefutsoth. Em 2005, após a aprovação de uma lei pelo Knesset (Parlamento), passou a ser considerado o “Centro Nacional para as Comunidades Judaicas em Israel e em todo o mundo”. Desde sua fundação, está instalado no campus da Universidade de Tel Aviv.

O nome “ANU” é uma referência ao pronome pessoal, em hebraico, que se refere à primeira pessoa do plural, “nós”. A reforma do Museu da Diáspora teve o custo de US$ 100 milhões. Cerca de um terço deste total foi financiado pela Fundação Nadav, de propriedade do russo-israelense Leonid Nevzlin, ex-magnata da área de petróleo. Cerca de US$ 52 milhões foram doados por uma fundação filantrópica norte-americana e US$ 18 milhões pelo governo israelense. O Museu é uma organização pública, sem fins lucrativos, e conta com apoio privado e governamental. Está sob a responsabilidade de quatro parceiros: o Estado de Israel, a Agência Judaica/Organização Sionista Mundial, a Universidade de Tel Aviv e o Congresso Judaico Mundial.

O Museu busca contar a história do Povo Judeu desde seus primórdios até os tempos atuais, apresentando toda a sua diversidade; conectar o Povo Judeu a suas raízes e fortalecer sua identidade judaica coletiva. Com o uso dos mais modernos recursos tecnológicos, leva os visitantes ao rico universo da história, da cultura em suas diferentes manifestações e da fé do Povo Judeu, ao mesmo tempo em que mostra sua contribuição à humanidade. O museu mantém, também, um banco de dados de genealogia.

As antigas galerias com jogos de luzes, efeitos visuais e maquetes, quando da inauguração em 1978 do então Beth Hatefutsoth, foram substituídas por amplas mostras interativas, entre outras inovações, tornando a tecnologia um elemento muito presente em cada espaço. “O objetivo do Museu é contar a história do Povo Judeu através da diversidade da cultura judaica nas realizações de nosso povo, não apenas em suas tragédias”, disse quando da inauguração a curadora-chefe Orit Shaham-Gover. Uma exposição permanente destacando os aspectos multiculturais do Judaísmo e a imensa diversidade entre judeus de diferentes culturas fazem parte do projeto novo. Ao entrar na galeria principal, os visitantes se deparam com projeções de judeus em tamanho real, a partir de um caleidoscópio de correntes e estilos de vida – desde ultraortodoxos até reformistas – explicando de que maneira eles definem sua identidade judaica.

“Todos que entram aqui precisam se encontrar, a si próprios, independentemente de gênero, denominação ou origem étnica”, disse Dan Tadmor, CEO do Museu. “Esta é a nossa história e cada um precisa se sentir parte dela”, afirmação que foi completada pela curadora Orit: “O Museu não é um templo silencioso, ele nos conta sobre a vida e faz parte da vida de cada visitante”. Sua declaração confirma um dos slogans do ANU: “Esta história é sobre todos nós e cada um de nós é parte dela”.

Roteiro educativo

Para melhor apreciar o rico conteúdo do acervo é importante seguir o roteiro sugerido, iniciando pelo terceiro piso. A visita começa nesse andar, na ala “Mosaico – Identidade e Cultura”. A história parte do presente e apresenta a diversidade das expressões da identidade e da cultura judaica, permitindo que cada um encontre algo de si mesmo. Estão presentes o folclore e as artes, a língua e a literatura e a contribuição judaica para a humanidade.

A visita continua no segundo andar com a mostra “A Jornada – A história através das gerações”, abordando a singularidade e continuidade do Povo Judeu desde os tempos antigos até o presente. Esta ala traz capítulos sobre o crescimento, prosperidade e diálogo cultural do Povo Judeu, ao lado de períodos de pogroms e perseguições. A jornada, que se estende por milhares de anos, começa com a história das migrações judaicas, examina os grandes centros da vida judaica, bem como a cultura e os estudos judaicos, e termina com o renascimento do Povo Judeu após o Holocausto, o estabelecimento do Estado de Israel e uma representação das várias comunidades judaicas atualmente.

Já no primeiro andar são apresentados os princípios básicos sobre os quais foi construída a trajetória do Povo Judeu, com a mostra “Os fundamentos. Uma base comum, uma mensagem universal” traz valores que têm tanto uma dimensão judaica particular como uma dimensão geral universal que influencia a civilização humana como um todo.

É importante destacar que o Museu possui também um espaço destinado a exposições temporárias voltadas ao público infantil.

Acervo único

Entre os inúmeros objetos e documentos raros que compõemo acervo do ANU, destaca-se o Codex Sassoon, que, desde outubro deste ano, está exposto em caráter permanente no Museu. É provavelmente a cópia mais antiga e completa do Tanach – estudos indicam que tem mais de 1.100 anos. Em maio último, tornou-se também o mais caro manuscrito judaico da história. Graças à generosa doação de Alfred H. Moses, o Codex foi comprado por cerca de US$ 38 milhões em um leilão público da Sotheby’s, em Nova York, e doado à coleção permanente do Museu.

Outro destaque é a mostra “Aleluia! Reunir, Orar, Estudar – Sinagogas do Passado e do Presente” exibida no Hall Alfred H. Moses e Família, que sedia a importante coleção de maquetes de sinagogas de diferentes países. Inaugurada em 2016, quando foi aberta uma nova ala, reúne 21 modelos representando diversas comunidades e os diferentes ciclos da vida judaica como casamentos, Bar e Bat Mitzot. Ao lado de cada maquete está exposto, também, um objeto ritual original proveniente da sinagoga ou da respectiva comunidade. O formato da mostra permite aos visitantes conhecer melhor as nuances que compõem a singularidade da identidade judaica de acordo com a origem da comunidade. A ala abriga, ainda, o vitral criado na Alemanha, em 1919, pelo artista Friedrich Adler, além de possuir importante acervo de filmes, videoarte e oferecer atividades interativas para adultos e crianças.

Desde os primeiros anos, o ANU, então ainda com o nome de Beth Hatefutsoth, teve como objetivo a estruturação de um amplo banco de dados sobre a genealogia judaica. Seu acervo contém, atualmente, a árvore genealógica de mais de cinco milhões de indivíduos, centenas de milhares de imagens e filmes; pesquisas sobre as origens dos sobrenomes judaicos e as histórias das comunidades em todo o mundo, além de um amplo acervo de música.

Desde 2006 o Museu mantém um braço dedicado à educação: a Escola Internacional Koret para o Povo Judeu. Criada por iniciativa e apoio da Fundação Nadav, oferece diversos programas para educadores, estudantes, soldados, grupos e organizações educativas de Israel e do exterior. Em 2017, recebeu uma doação da Fundação Koret que permitiu a ampliação de seus projetos.

Os fundadores

Não se pode contar a história do atual ANU – Museu do Povo Judeu sem mencionar seus fundadores, os homens que se empenharam para transformar uma visão em realidade: Abba Kovner (1918-1987), Nahum Goldmann (1895-1982), Yeshayahu Weinberg (1918-2000) e Meyer Weisgal (1894-1977). Cada um desempenhou um papel fundamental neste projeto e inspirou muitos outros a continuarem nessa jornada. O poeta e escritor Abba Kovner foi quem criou o conceito da primeira exposição permanente do Museu, em exibição até outubro de 2017. Kovner acreditava que a ideia principal do então Beth Hatefutsoth deveria incluir os conceitos-chaves que caracterizaram a existência judaica ao longo das gerações. Ele também escreveu os textos das exposições e se dedicou ao Museu até o dia da sua morte. Partisan, artista, escritor, poeta premiado, estudioso e especialista em história do pensamento judaico, tradicional e secular, Kovner nasceu em Sebastopol, Ucrânia, e foi ativo no Hashomer Hatzair. Na 2a Guerra Mundial, foi um dos líderes dos combatentes judeus. Ele se mudou para a então Palestina sob Mandato Britânico em 1945 e seus livros de poesia o consagraram como um dos principais escritores da geração da Shoá. Kovner ganhou o Prêmio Israel de Literatura em 1970.

Nahum Goldmann foi o principal pensador por trás da ideia de estabelecer um museu como testemunho vivo da dispersão judaica após a Shoá. Considerava importante disseminar entre as novas gerações, que nasceram em um país livre e autônomo, Israel, a vida e o legado dos judeus da Diáspora. Foi um importante líder sionista, presidente da Agência Judaica no período que se seguiu ao estabelecimento do Estado de Israel e esteve entre os fundadores do Congresso Judaico Mundial, sendo seu presidente de 1954 a 1978. Envolveu-se profundamente nos temas importantes da agenda judaica, entre os quais, a situação dos judeus na Rússia, educação e cultura judaica. Goldmann acreditava que o futuro do Judaísmo mundial dependia principalmente da luta bem-sucedida contra a assimilação.

Yeshayahu (Shaike) Weinberg foi o primeiro diretor do Beth Hatefutsoth, de 1976 a 1981. Nascido na Polônia, foi educado na Alemanha e, em 1933, imigrou para a então Palestina sob Mandato Britânico, participou do Hashomer Hatzair e serviu na Brigada Judaica. De 1961 a 1976 foi diretor do Teatro Cameri, em Tel Aviv e, em 1970, integrou-se ao Comitê de Planejamento do Beth Hatefutsoth como voluntário. Após aposentar-se do cargo de diretor do Museu, tornou-se consultor para a criação do Museu Judaico em Los Angeles, Nova York, Alemanha e Polônia. Em 1988 e 1989 participou da criação do Museu do Holocausto em Washington, do qual foi diretor até 1996. Em 1999 recebeu o Prêmio Israel por sua importante contribuição a Israel e à sociedade.

Meyer Weisgal (1884-1977) foi o primeiro presidente do Beth Hatefutsoth, tendo, no início dos anos 1970, coordenado os preparativos para a sua abertura. Figura pública, sionista e arrecadador de recursos, nasceu na Polônia em 1894, imigrando para os Estados Unidos em 1905, onde foi ativo no movimento sionista, chegando ao cargo de secretário da Organização Sionista Americana. Durante anos, Weisgal foi a mão direita de Chaim Weizmann. Fez aliá em 1949 e dedicou-se à promoção do Instituto Weizmann de Ciências, primeiro como presidente do Comitê Executivo e, de 1966 a 1969, como seu presidente. Weisgal foi um acadêmico, empreendedor e amante do teatro. Editou jornais e publicou uma autobiografia.

Todos esses visionários, amantes da cultura e das tradições, deixaram uma marca indelével na cultura do nosso povo e do Estado de Israel.