“Então o Senhor disse a Moshé: ‘ Veja, Eu escolhi Bezalel, o filho de Uri, da tribo de Judá, e Eu o preenchi com o Espírito de D’us, com sabedoria, compreensão, conhecimento e todas as ferramentas humanas... para desenvolver todas as modalidades de arte” (Êxodo 31: 1-5).
Em 1906, em um edifício alugado na Rua Abissínia, no centro de Jerusalém, a Escola Bezalel de Artes e Ofícios (Bezalel School of Arts and Crafts) iniciava suas atividades, constituindo mais uma das instituições israelenses criadas antes da fundação do Estado Judeu, em 1948. A primeira exclusivamente voltada ao universo artístico, tornou-se realidade graças à visão e determinação de Boris Schatz, escultor e pintor lituano que morreu em 1932 sem conhecer o sucesso que “sua” instituição alcançara. Começando com um pequeno número de professores e alunos – 30, apenas – a Escola Bezalel cresceu e se desenvolveu tornando-se a mais importante academia de arte em Israel, e uma das mais prestigiadas do mundo. Na mesma data, foi também criado o Museu de Arte Bezalel, precursor do Museu de Israel, um dos mais importantes do país.
Uma das principais características da instituição tem sido sua capacidade de se adaptar às mudanças culturais decorrentes dos vários fluxos imigratórios ao longo da história de Israel e, hoje, aos 110 anos, a Escola Bezalel é sinônimo de inovação e excelência acadêmica no país e no exterior. Combinando o conhecimento artístico tradicional com as mais modernas tecnologias em computação, a Bezalel possui um corpo docente composto por artistas talentosos. Responsável pela formação de centenas de artistas israelenses consagrados, a Escola se tornou o epicentro na vanguarda do cenário artístico israelense, sendo instrumento essencial na formação da identidade cultural nacional.
Primeiras influências
Boris Schatz nasceu na cidade de Vorno (atual Lituânia), em 1867. Viveu em Sofia entre 1895 e 1905, onde foi um dos fundadores da Academia de Arte Búlgara, criada com o objetivo de desenvolver um senso de unidade e identidade nacional. Estes objetivos seriam alcançados através da incorporação de imagens e elementos oriundos das tradições folclóricas búlgaras e sua integração com novas tendências artísticas e culturais europeias. O sucesso e a experiência obtidos nessa empreitada contribuíram para fortalecer seu ideal de realizar um projeto semelhante em Jerusalém – um centro para a nova arte da Terra de Israel que poderia atrair artistas e estudantes judeus de todo o mundo.
Manifestações abertamente antissemitas, como o Caso Dreyfus na França, em 1894, e os pogroms de Kishinev, em 1903-1905, aproximaram Schatz do Sionismo. Para ele, o fato mais importante da época foi o surgimento do mesmo como movimento político, com o objetivo central de reconstrução de um Lar Nacional Judaico e a possibilidade de se criar uma nova cultura judaica em Eretz Israel. Decidiu, então, apresentar sua ideia a Theodor Herzl, em 1903. Os debates sobre qual seria a essência da nova cultura em Eretz Israel estavam na agenda das reuniões do Congresso Sionista e Schatz viu seu plano de implantação de uma escola de artes em Jerusalém ser aprovado, no Congresso Sionista de 1905.
Para concretizar seu sonho, Schatz emigrou para Israel em 1906, com um grupo de professores e estudantes, começando a trabalhar em Jerusalém. Assim nascia a Escola de Artes Bezalel, nome escolhido por ele em homenagem a Bezalel Ben Uri, primeiro artesão judeu mencionado na Torá e escolhido por D’us para supervisionar o projeto e a construção do Tabernáculo.
Desde o início, a instituição atraiu jovens judeus de todo o mundo e de todas as regiões da então Palestina. As criações dos primeiros professores e alunos, no início dos anos 1900, são consideradas o ponto de partida para a trajetória das artes visuais israelenses ao longo de todo o século 20.
Os artistas formados pela Escola sempre tiveram liberdade para desenvolver sua imaginação e fundir diferentes estilos em um mesmo trabalho, combinando temas e figuras de períodos e contextos diversos. A combinação de diferentes técnicas, materiais e dimensões com a fusão de estilos antigos e modernos deu origem a uma arte singular e heterogênea.
O contexto da Terra de Israel de então permitiu às primeiras gerações de alunos e professores embarcar, por um lado, em novas aventuras explorando todas as suas possibilidades e influências – local, oriental, exótico e bíblico. E, pelo outro, acompanhar a estética ocidental, seus valores e a demanda dos mercados. Cores ricas, diversidade de formas e materiais, um estilo eclético e um senso de alegria na criação caracterizaram a produção de Bezalel, dando-lhe um charme singular.
Primeiros anos
Para Schatz, a Escola seria o berço da criação de um estilo de arte que conciliaria a arte clássica judaica com as tradições artísticas do Oriente Médio e da Europa. Como vimos acima, a primeira sede da Escola foi um edifício alugado na Rua Abissínia. Mas, já em 1907, se mudava para um complexo de edifícios, cercados por um muro de pedras, comprados pelo Fundo Nacional Judaico (Keren Kaiemet LeIsrael). Nesse campus ele viveu com sua esposa e filhos.
Desde a sua fundação, a Escola estava dividida em três setores: uma escola de arte, um complexo para seminários e um museu. Na época da abertura, a escola e o museu funcionavam em dois edifícios na esquina das ruas Bezalel e Shmuel HaNagid. As aulas e os ateliês eram realizados nos vários departamentos da Escola, divididos de acordo com as técnicas e materiais utilizados. Obras especiais eram desenvolvidas em conjuntos pelos vários departamentos.
Na época, além de escultura e pintura tradicionais, a Escola oferecia ateliês onde foram produzidos objetos decorativos em prata, couro, latão e tecido. Muitos dos artesãos eram membros da comunidade judaica iemenita, que mantinham a tradição de trabalhar metais preciosos como a prata. A ourivesaria era uma profissão tradicional e comum entre os judeus no Iêmen. Esta comunidade e seus hábitos, portanto, eram tema muito comum nos trabalhos artísticos produzidos.
Meir Gur Aryeh, Ze’ev Raban, Shmuel Ben David, Ya’ackov Ben-Dov, Zeev Ben-Zvi, Jacob Eisenberg, Jacob Pins, Jacob Steinhardt e Hermann Struck são alguns dos estudantes que se destacaram no cenário artístico do país. Marousia (Miriam) Nissenholt, que usava o pseudônimo de Chad Gadya, era, em 1912, a única mulher na Bezalel.
Os primeiros anos, de 1906 até 1914, às vésperas da 1a Guerra Mundial, foram marcados pelo sucesso: a cada ano abriam-se novos departamentos e novas tendências artísticas eram introduzidas. O número de estudantes e professores aumentava anualmente e seus trabalhos eram expostos na região e no exterior. Como vimos acima, o tema central das obras produzidas era a vida na Terra de Israel. Utilizando uma ampla gama de materiais – prata, cobre, bronze, marfim, madeira e terracota, entre outros, criaram placas e objetivos decorativos, filigranas, relevos e objetos cerimoniais, combinando a arte oriental e ocidental. Os primeiros trabalhos refletem o empenho em criar obras que representassem a Terra de Israel e seus vínculos com o povo judeu. São essas obras que fizeram parte da exposição “Crafting a Vision: The Bezalel School” (Criando uma Visão: A Escola Bezalel).
Tempos difíceis
A instituição dependia do Conselho de Diretores sediado em Berlim, e isso era um problema, pois eles viviam em conflito constante com Schatz em relação à forma de administrar a Escola e, principalmente, à questão do tipo de arte que devia ser desenvolvido. Em função dessas disputas, em 1915, as verbas de Berlim foram suspensas. Embora a importância da Escola Bezalel fosse reconhecida e, apesar do apoio das associações de amigos em Hamburgo, Praga e Varsóvia, a maior parte da responsabilidade recaía sobre Schatz.
Os últimos anos, de 1917 a 1929, quando a então Palestina estava sob Mandato Britânico, foram instáveis. Schatz lutou incansavelmente, procurando desenvolver atividades que impedissem o fechamento da Escola, pedindo apoio e suporte financeiro aos judeus da Diáspora. Sem perder a confiança, deu início a uma série de iniciativas para arrecadar fundos, entre as quais, a realização de novas exposições nos Estados Unidos dos trabalhos dos alunos e professores, e a edição de livros de luxo e álbuns, além de incentivar uma nova tendência na Terra de Israel – a pintura de tijolos de cerâmica, então muito usados para decorar as casas de Tel Aviv.
Apesar das dificuldades, em 1925 foi aprovada pelas autoridades do Mandato a abertura do Museu Nacional Bezalel – precursor do Museu de Israel. Antes da abertura, foi publicado o seguinte anúncio: “O Museu já funciona como ferramenta de aprendizagem para a Escola Bezalel e seus seminários artísticos... Desejamos reunir em um único lugar toda a criação da genialidade do Povo Judeu, local esse onde preservaremos esse acervo...”
Mas a Grande Depressão que atingiu o mundo ocidental, em 1929, e a consequente redução, cada vez maior, de recursos vindos do exterior levaram ao fechamento da Escola. Schatz, no entanto, não desistiu e, mesmo doente, visitou várias cidades norte-americanas em busca de auxílio financeiro. Mas, em março de 1932, ainda nos Estados Unidos e sem ter conseguido seu objetivo, faleceu aos 65 anos em um hospital em Denver, Colorado.
Depois que Hitler subiu ao poder, na Alemanha, o Conselho de Diretores pediu a Josef Budko, que fugira da Alemanha em 1933, para reabrir a Escola e assumir sua direção. A nova Escola de Artes e Ofícios Bezalel reabre em 1935, atraindo professores e estudantes judeus alemães, muitos vindos da Escola Bauhaus, na Alemanha, que fora fechada pelos nazistas. Com o nome de Nova Escola de Artes e Ofícios Bezalel, a instituição passa por várias mudanças, adotando objetivos e métodos que se distanciam das metas iniciais. Budko contratou Jakob Steinhardt e Mordechai Ardon para lecionar e ambos ocuparam a direção após seu afastamento.
Após a fundação do Estado de Israel, em 1948, o tema da formação artística entrou na agenda nacional e a Escola passa a ser vista como um elemento fundamental para a expansão do ensino das artes plásticas, no país. Em 1958, a instituição recebeu o Prêmio Israel para Pintura e Escultura, sendo a primeira vez em que a láurea foi outorgada a uma instituição. Em 1968, a maioria de seus departamentos são transferidos para a área da Universidade Hebraica de Jerusalém, no Monte Scopus e, em 1969, seu nome muda para Academia de Artes e Design Bezalel, quando passa a receber suporte financeiro do governo. Em 1975, foi reconhecida pelo Conselho para Educação Superior de Israel como um instituto de educação de nível superior.
Temas, símbolos e personagens
Os temas inicialmente presentes nas ilustrações e objetos decorativos nos trabalhos da Bezalel eram baseados na visão de Schatz e em sua tentativa de criar um “novo estilo judaico” que combinasse o glorioso passado bíblico com o ideal sionista de retorno à Terra de Israel. Heróis bíblicos, líderes do movimento sionista, como Joseph Trumpeldor, eram retratados ao lado de personagens do dia-a-dia de Jerusalém nas obras dos seus artistas. Inicialmente, os heróis bíblicos eram representados trajando o vestuário dos judeus iemenitas, persas e curdos, ou como os árabes de Jerusalém à época, que serviam de modelo para os pintores da Bezalel. Muitos personagens eram retratados como exemplo do “distante espírito do Oriente”, tão em moda entre os artistas europeus no início do século 20.
As inscrições, no estilo da Art Nouveau ou com arabescos, estão quase sempre presentes nas obras, algumas vezes como parte central da decoração, outras ao lado de outros elementos, ou como legenda de uma ilustração. Era grande o interesse pelo alfabeto hebraico, nos primeiros anos, daí a criação de novas fontes, experimentos com símbolos e a combinação de diferentes tipos de letras hebraicas com o uso de letras duplas para criar novas formas, muitas vezes distantes da palavra original e de seu significado.
A representação dos locais sagrados – Torre de David, Muro das Lamentações, símbolos de Jerusalém, assim como o Túmulo de Raquel e o Monte Sinai, eram imagens também muito presentes na produção artística da Terra de Israel no século 19. Os artistas da Bezalel passam a incluir as paisagens que os cercavam e locais como Tel Hai, Tel Aviv, Yaffo, Tiberíades, a Universidade Hebraica de Jerusalém e cenas dos recém-criados kibutzim e moshavim. Na visão artística de Schatz, os edifícios da própria instituição também serviam de modelo, ocupando um status similar aos locais sagrados.
Nos primeiros anos, a produção artística da instituição transforma-se em souvenirs, rapidamente imitados pela indústria de lembranças da Terra Santa. Em pouco tempo, artistas e artesãos judeus, muçulmanos e cristãos em Jerusalém e Bethlehem começam a criar objetos decorativos com os mesmos temas. As matérias-primas usadas incluíam madeira de oliveira, madrepérola, flores secas e também betume, conhecido como “pedra do Mar Morto”. Tais produtos industrializados eram erroneamente confundidos com objetos criados pelos artistas da Bezalel.
A atual Escola Bezalel
Sendo a mais antiga escola de artes do país de nível superior, a Escola Bezalel conta atualmente com mais de dois mil alunos nos vários cursos de graduação, entre outros de Belas Artes, Arquitetura, Comunicação Visual, Política e Teoria das Artes, e Design, em várias modalidades. Atualmente, seu campus está localizado no Monte Scopus, na área da Universidade Hebraica de Jerusalém, com exceção do Departamento de Arquitetura, que ainda funciona no edifício histórico no centro da cidade. Seu ambiente artístico, cursos, exposições e seminários têm contribuído fortemente para o desenvolvimento espiritual e cultural de Israel.
No decorrer dos anos, os artistas da Bezalel empenharam-se em “criar um estilo próprio da arte judaica” para a nova nação, retratando temas bíblicos e sionistas em um estilo influenciado pelo Jugendstil (Art Nouveau na Alemanha e Áustria) e a arte persa e síria tradicionais. O resultado foi o desenvolvimento de um estilo próprio, conhecido como a Escola de Bezalel.
Em junho de 2013 o executivo da Bezalel anunciou o recebimento da doação de US$ 25 milhões da Fundação Jack, Joseph e Morton Mandel, de Cleveland (Ohio), para o início da construção do novo campus da instituição. Com inauguração prevista para este ano de 2017, as novas instalações da academia terão aproximadamente 39 mil m2 e serão executadas pelo escritório de arquitetura japonês SANAA em parceria com a Nir-Kutz Architects, de Israel, vencedores de uma concorrência internacional. Em 2015 foi colocada a pedra fundamental para início da construção.
O novo campus no Complexo Russo1 foi uma escolha conjunta do governo de Israel, Prefeitura de Jerusalém e Academia Bezalel, por suas características multiculturais que integram a instituição ao ambiente singular e vibrante urbano, além de revitalizar a área central da cidade e atrair as gerações mais jovens.
Na abertura do evento que marcou o centenário da instituição, Yigal Zalmano, curador-chefe do Museu de Israel e da exposição comemorativa da data – “Boris Schatz: Pai da Arte Israelense” – afirmou: “Schatz foi um visionário cujo objetivo era criar, em Jerusalém, um centro cultural para o nascimento de uma nova arte hebraica. (...) Fundada em 1906, a Academia Bezalel atraiu estudantes de perto e de longe, dos assentamentos sionistas e da Diáspora judaica, e continua, até os dias de hoje, a promover o legado e as crenças de Schatz... Infelizmente, seu fundador não viu o grande sucesso de sua Bezalel, tampouco viu o Museu de Israel ou os milhares de artistas que a instituição preparou para a vida profissional, nem vivenciou a florescente cultura israelense de nossos dias”.
1Complexo Russo, em hebraico “Migrash ha-Russim”, é um dos bairros mais antigos de Jerusalém, fora da Cidade Velha, do qual fazem parte uma igreja ortodoxa russa, um hospital e antigos abrigos de peregrinos, alguns dos quais são usados como edifícios governamentais de Israel e o Museu dos Prisioneiros dos Movimentos Underground (Haganá, Lehi e Irgun).
BIBLIOGRAFIA
Early Israeli Arts and Crafts – Bezalel Treasures from the Alan B. Slifka, Collection in the Israel Museum
www.bezalel.ac.il/en/
The Bezalel artistic legacy flourishes in Jerusalem, publicado no www.timesofisrael, em 22 de novembro de 2014