Músicos e cantores têm uma dívida com Emile Berliner, judeu alemão inventor do microfone, gramofone e disco plano. Vejamos a história de um homem que democratizou a música, tornando-a acessível a todos.

A revolucionária invenção do gramofone, no fim do século XIX, libertou a música dos espaços fechados e das salas de concerto, levando-a à imortalidade. Passava, assim, a produto acessível e de consumo popular.

O responsável por essa criação, Emile Berliner, um dos treze filhos de Samuel e Sarah Berliner, nasceu em Hanover, em 1851. O pai era comerciante e professor de Talmud. A mãe, música amadora. Berliner estudou alguns anos em uma escola em Hanover sendo, em seguida, enviado para a "Samsonschuele", próxima à cidade de Wolfenbuttel, na qual estudou até 1865. Este foi o fim de sua educação formal, pois, em função das necessidades financeiras da família, logo começou a trabalhar para ajudar no seu sustento. Foi tipógrafo e ajudante de tecelagem, sendo neste último emprego que manifestou, pela primeira vez, grande talento para as invenções, ao criar um novo tear.

No entanto, a rotina de seu cotidiano era sufocante para alguém com tamanha criatividade, que sonhava com novos horizontes. Estimulado por uma oferta de trabalho nos Estados Unidos, então considerado o país onde "tudo acontecia", berço da ciência de vanguarda, das novas tecnologias e invenções, Berliner convenceu seus pais a deixarem-no partir. Assim, em 1870, o jovem desembarcava em Nova York, instalando-se, logo depois, em Washington.

Durante três anos trabalhou no setor administrativo da Gotthelf, Behrend & Co., até que resolveu ir para Nova York, apostando que lá teria mais oportunidades. Nessa cidade, já com 19 anos, divide seu tempo entre empregos temporários, entre os quais o de vendedor ambulante de roupas masculinas, e o Instituto Cooper, onde passa horas pesquisando obras científicas e estudando temas relacionados à eletricidade e acústica. O emprego no Laboratório Constantine Fahlberg, responsável pela criação da sacarina, foi fundamental para que Berliner decidisse que ciências, pesquisas e invenções eram o seu destino.

Em 1876 retornou a Washington, reassumindo sua função na Behrend & Co. Era o ano do centenário da Revolução Americana. Um dos principais eventos do calendário comemorativo foi a demonstração pública da grande invenção de Alexander Graham Bell: o telefone. Ao ver o aparelho pela primeira vez, Emile não conseguiu conter o entusiasmo e a curiosidade. Após analisar detalhadamente a nova invenção, sua mente, sempre inquisidora, percebeu que o "ponto fraco" do instrumento de Bell era o seu transmissor. Trabalhando sozinho em seu apartamento, que também cumpria as funções de "laboratório", Berliner consegue desenvolver um novo tipo de transmissor, ao qual chama de "transmissor de contato instável", como um amplificador da voz transmitida. Surgia, assim, o microfone, desenvolvido em seu laboratório amador. O mais surpreendente é o fato de Berliner o ter desenvolvido com seus parcos conhecimentos de eletricidade e física.

A notícia de que um "inventor amador de Washington", desconhecido, solicitara a patente para um novo transmissor, causou grande surpresa entre os integrantes da recém-formada Companhia Telefônica Bell. Prontamente despacharam Thomas Watson à cidade para descobrir o que havia de real na história. A confirmação das informações levou a empresa a comprar os direitos sobre a invenção e a contratar Berliner como pesquisador-assistente. Durante os sete anos seguintes, foi funcionário da ABT Co., inicialmente em Nova York e, posteriormente, em Boston. Trabalhando sempre com produtos relacionados à nascente indústria telefônica, Emile se tornou profundo conhecedor da ciência da eletricidade.

Enquanto morava em Boston, obteve, em 1881, a cidadania americana, mesmo ano em que conheceu Cora Adler, com quem desposou. Em 1883, apesar de ainda trabalhar na ABT, desenvolveu um novo tipo de piso para o chão, que se tornou conhecido como "parquet". Em 1884, deixou seu cargo na ABT para se tornar pesquisador e inventor independente, sonho há muito acalentado. Com a esposa, volta para Washington, onde monta um laboratório profissional. Apesar de afastado da ABT, continua a aperfeiçoar componentes para a indústria telefônica, vendendo suas patentes àquela empresa.

Revolução musical

Em 1886, Berliner começa a se dedicar à invenção que seria sua maior contribuição ao mundo: o desenvolvimento do gramofone e do disco plano para registrar os sons em substituição ao cilindro proposto por Edison. O disco plano barateava grandemente a produção, além de permitir a duplicação em massa.

Também inventa uma matriz de impressão dos discos, para sua produção em série. A patente é registrada em 1887 e músicos são convidados a gravar suas composições. Inicialmente comercializado pelo próprio inventor e alguns amigos, o gramofone atrai a atenção de um grupo de investidores, que, por meros US$ 25 mil, adquirem os direitos sobre a invenção e Berliner passa a ser acionista minoritário da empresa.

Contrariando as expectativas, o gramofone não é, de pronto, um sucesso de vendas, tendo que passar por algumas adaptações para atender as exigências dos consumidores. O sistema de manivela é trocado por um motor a molas e o produto, finalmente, se torna objeto de cobiça de diferentes empresas, a tal ponto que, em determinado momento, três diferentes grupos administram simultaneamente o gramofone e seus acessórios. Berliner se vê envolvido em um problema jurídico-financeiro e uma das empresas consegue retirar o gramofone do mercado americano.

Assim, Emile muda-se para Montreal, no Canadá, onde inaugura, em 1900, a Gram-O-Phone, a primeira fábrica de discos, máquinas "falantes" e gravadora do país. O sucesso é enorme. Em um ano são vendidos mais de dois milhões de discos de músicas populares, concertos clássicos, hinos nacionais e até cantos tribais dos índios nativos. Os primeiros discos estampavam a imagem de um pequeno cachorro chamado Nipper que, sentado em frente a um gramofone, escuta com atenção a voz do seu mestre. Esta imagem, uma das mais famosas que a publicidade já produziu, se transformou na célebre marca dos produtos Berliner, mais tarde comprada pela multinacional RCA.

Após sua traumática experiência americana, o inventor faz de tudo para manter o caráter estritamente familiar da empresa. Com seu irmão, Joseph, criou a Deutsche Grammophon and Britain's Gramophone Co., Ltd., para defender seus interesses na Europa. Seus filhos o sucederam no comando das empresas.

Invenções e mais invenções

A lista de invenções de Emile Berliner é longa e heterogênea. No início do século XX Emile estava fascinado com as possibilidades das chamadas "máquinas voadoras". Assim sendo, em 1908 patenteou um motor de avião e, um ano depois, um helicóptero funcional que, em suas próprias palavras, "era uma das primeiras máquinas mais pesadas que o ar a ser desenvolvida". Tinha capacidade para transportar dois adultos, mas não se realizou nenhum vôo livre. Suas pesquisas com helicópteros tiveram continuidade em seu filho, Henry. Como herdara o talento musical de sua mãe, tocava piano e freqüentava com assiduidade concertos, óperas e outros espetáculos. Tinha, portanto, consciência das precárias condições acústicas em ambientes fechados. Depois de estudar, durante anos, temas relacionados à acústica, resolveu tentar encontrar solução para o problema. Criou, assim, um novo tipo de tijolo que poderia ser integrado às paredes, isolando-as. Sua patente foi registrada em 1926.

Apesar do sucesso de suas invenções, Emile não mantinha um relacionamento muito próximo com outros inventores, nem fazia alarde de suas pesquisas. Como prova de sua discrição, algumas vezes suas descobertas foram erroneamente atribuídas a outros. Um exemplo disso foi a divulgação da notícia de que o gramofone e o microfone, que permitia melhor transmissão das mensagens telefônicas, tinham sido criados por Thomas Edison. No primeiro caso, seus amigos desmentiram a informação, enquanto no segundo, o próprio Theodore Vail, presidente da Companhia Americana de Telefones e Telégrafos, a desmentiu.

Judeu assumido e cidadão cônscio de suas responsabilidades, Berliner teve uma participação ativa em vários projetos sociais, em especial, na área de saúde pública. Em 1909 fez um grande donativo para a construção de uma enfermaria no Sanatório Starmont de Tuberculose, em Washington Grove (Maryland), em memória de seu pai. Foi, também, presidente da Associação de Tuberculose de Washington, durante anos, e, em 1924, inaugurou o Escritório para Educação em Saúde, cujo objetivo era promover noções de higiene e saúde para mães e crianças.

A saúde infantil era um tema que o sensibilizava muito, em função de uma doença contraída por Alice, sua filha caçula, em 1900. A menina teve uma intoxicação alimentar, o que o levou a fazer várias campanhas contra a mortalidade infanto-juvenil. Berliner tornou-se árduo defensor da prevenção nessa área. O sionismo também fez parte das causas defendidas pelo inventor, ao longo de sua vida, tendo escrito, entre 1913 e 1918, artigos sobre o tema. Em 1919 enviou uma carta aos editores dos jornais Washington Star e Washington Post, abordando o segundo aniversário da Declaração Balfour, de 1917, através da qual "o governo de Sua Majestade defende o estabelecimento de um Lar Nacional para os judeus na Palestina".

Emile Berliner faleceu em 3 de agosto de 1929, aos 78 anos. Suas invenções deixaram um legado enorme na área de comunicação, acústica e aeronáutica, não apenas para a América, mas para o mundo todo. Através da Fundação Esther Berliner, que criou em homenagem à mãe, financiava pesquisas feitas por mulheres. Instalado numa antiga fábrica da RCA, em Montreal, o "Musée des Ondes Emile Berliner" presta uma homenagem a esse genial inventor e humanista.

Bibliografia:

"Emile Berliner and the Birth of the Recording Industry", The Library of Congress, http://www.memory.loc.gov/ammem/

"Emile Berliner, l'homme orchestre", artigo de Haïm Berdugo , Euro J Magazine, julho 2005