Desde outubro de 2000, o número de atos de violência contra os judeus aumentou significativamente na França. A maioria desses atos, perpetrados por jovens imigrantes árabes-muçulmanos, suscitam constrangimento e, mais grave ainda, silêncio.
Em virtude de persistirem, certos silêncios acabam por adquirir a densidade de verdadeiros acontecimentos. O silêncio que se abate sobre a França, há mais de um ano, sobre o recrudescimento dos atos anti-semitas, leva muitos judeus a se interrogarem, com inquietação, sobre a razão para tal mutismo.
No dia 10 de outubro de 2000, em Trappes, pela primeira vez após a Libertação, uma sinagoga foi destruída. Em 28 de outubro de 2001, em Marselha, uma escola judaica foi incendiada. Entre as duas datas, a lista é longa em atentados, violências e tentativas dirigidas contra pessoas físicas, prédios, cerimônias ou símbolos judaicos, sem falar na explosão de ameaças, panfletos, agressões verbais e pichações. Este novo clima foi o tema principal do jantar anual do Crif (Conselho das Organizações Judaicas da França), em 1º de dezembro último.
O último relatório da Comissão Consultiva sobre Direitos Humanos totalizava 116 violências anti-semitas no ano de 2000, contra 9 em 1999 e 1 em 1998. Cento e onze dos 116 atentados ocorreram no último trimestre do ano. “Em decorrência da situação no Oriente Médio”, segundo explica o documento, que enumera as diferentes formas de violência: “44 tentativas de incêndio – por lançamento de coquetéis Molotov – 33 depredações por jatos de fogo, apedrejamento, vidraças quebradas e 33 agressões, com 11 vítimas”. A Comissão, que apenas faz menção a 42 interrogados, descreve-os, paradoxalmente, como jovens delinqüentes que não “reivindicam nenhuma ideologia em especial”, mas que são “movidos por um sentimento de hostilidade por Israel”. Esta nova delinqüência anti-semita, que coincide com o início da segunda Intifada, ou Intifada al-Aqsa, em Israel, em final de setembro de 2000, apresenta uma dimensão internacional: o fato de afetar todas as democracias ocidentais, dos Estados Unidos à Noruega e da Grã-Bretanha à Itália. Mas a França é o país mais atingido: um terço dos atos de violência e quase a metade dos atos incendiários arrolados em outubro de 2000, na Europa e nas Américas, foram perpetrados em território francês.
Para o ano de 2001, o Ministério do Interior registrou, até 15 de novembro último, 26 atentados violentos e 115 intimidações e ameaças. De modo similar ao ocorrido no ano de 2000, em que a maioria das violências (75 das 116) ocorreram no mês de outubro – durante os momentos mais intensos da Intifada em Israel e nos territórios – 14 dos 26 atos de violência do ano de 2001 foram registrados no dia que se seguiu aos atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Portanto, o Ministério do Interior concluiu que a violência foi menos intensa após o dia 11 de setembro do que após o início da Intifada, no ano anterior. Porém, a volta à “normalidade” após esses picos de violência, situa-se a um nível de tensão muito mais alto do que anteriormente.
Desde o ano de 1991, da Guerra do Golfo, as manifestações de anti-semitismo vinham regredindo, registrando-se uma média de apenas 1 a 3 ações violentas, por ano, em meados da década de 1990. O piso atual estabiliza-se, portanto, em um nível muito mais alto do que o alcançado nos últimos dez anos. Os especialistas do Ministério do Interior ressaltam que suas estatísticas, confiáveis para registrar as variações de ano a ano, estão longe de ser exaustivas. Seus dados se concentram sobre fatos graves: neste período de um ano, 60 sinagogas e locais de culto, 15 locais de ensino, 3 cemitérios e 16 lojas foram alvo de atentados. Ademais, ressaltam também que as ocorrências conhecidas como “cifras negras” (ou seja, os fatos não recenseados) ganham grande importância, especialmente nas pequenas agressões, ameaças e intimidações – que de outra forma lhes escapariam – depois que o Crif, o Fundo Social Judaico Unificado e o Consistório de Paris, que montaram uma linha telefônica 24 horas, constataram uma explosão de “cifras negras” neste período de um ano.
A novidade não se prende apenas ao retorno das estatísticas inquietantes, ainda que sub-avaliadas, mas também à indiferença que as mesmas suscitam sobre um assunto – o anti-semitismo – que era, até então, objeto de atenta vigilância. Por que, então, o silêncio? Porque não se trata mais dos mesmos autores. O relatório da Comissão Consultiva dos Direitos Humanos o diz claramente: estes atos, a partir de agora, fazem sobressair basicamente “elementos imigrantes, que encontraram nesses atos um derivativo para seu descontentamento e sentimento de exclusão”. Portanto, políticos, jornalistas e membros de associações anti-racismo têm manifestado, há um ano, um evidente constrangimento diante deste novo perfil. Eles não têm mais que enfrentar o eterno militante Le Penista, o nostálgico de Vichy ou o tacanho cidadão da “França embolorada”, capazes de convocar, num piscar de olhos, a eterna mobilização “anti-fascismo”. Como se a personalidade do autor de um ato anti-semita tivesse mais importância que o próprio ato em si, cuja natureza permanece inalterada.
Os magistrados parecem obedecer aos mesmos reflexos: o relatório da Comissão Consultiva destaca também, a propósito das centenas de “intimidações” de caráter anti-semita (depredações, pichações, ameaças verbais, alertas de bombas), que, em cerca de 60 interrogados, apenas cinco indivíduos, de extrema direita, tivessem sido objeto de processos judiciais. Como se os outros não fossem realmente anti-semitas, mas apenas “anti-judeus”, o que tornaria menos graves seus atos de violência, transformados em “atos isolados de delinqüentes”, como os qualificou o chefe de polícia de Bouches-du-Rhône, após o incêndio de uma escola judaica em Marselha, ou como “fenômenos de mau gosto”, obra de “jovens ociosos”, nas palavras de Daniel Vaillant.
Durante este um ano, as reações dos políticos foram raras. Um comunicado da Presidência da República condenou as “manifestações de intolerância”. Lionel Jospin considerou “particularmente escandalosos e intoleráveis” os ataques contra as sinagogas, apesar de destacar que os mesmos não haviam sido “sistemáticos”. A identidade dos responsáveis suscita o embaraço. “Nossas intervenções foram ouvidas com atenção, no entanto os atentados foram tratados da mesma forma que os incêndios de automóveis”, explica Jean Kahn, presidente do Consistório Israelita da França. Uma única exceção: François Bayrou, que denunciou o aparecimento de um “novo anti-semitismo, de natureza diversa, de raízes esquerdistas e terceiro-mundistas, que retoma as mesmas infâmias, apenas sob novo disfarce”.
A mídia parece, também, presa de um mutismo que chega, às vezes, à auto-censura. Em certos jornais, fatos que eram expostos em páginas inteiras quando seus editores queriam destacar os militantes de extrema direita, são agora relegados à seção de “notícias breves”. Uma grande estação de rádio de cobertura nacional explicou a seus ouvintes que, nos muros da escola judaica incendiada em Marselha, destacava-se o slogan “Bin Laden venceu” – quando na verdade o texto exato dizia: “Bin Laden venceu, morte aos judeus”. E os desvarios da Rádio Courtoisie suscitaram, há pouco, mais reações que as provocações anti-judaicas de certas rádios comunitárias FM, algumas prometendo aos judeus da França o mesmo fim que o dos jovens israelenses mortos no atentado suicida em uma discoteca, em Tel-Aviv. “Foi em seguida a um procedimento iniciado pelas associações que a Rádio Oriente, naquele então controlada pelo CSA (Consistório das Sociedades Árabes), foi condenada por difundir pregação conclamando ao ‘desaparecimento dos judeus da face da terra”, recorda Marc Knobel, adido de pesquisa no Centro Simon Wiesenthal. E ninguém se rebelou contra as verdadeiras lixeiras anti-semitas em que se transformaram certos sites “formadores de identidade” da Internet.
“Nosso adversário é a indiferença. O que assusta os judeus da França é o silêncio e a naturalidade de seus compatriotas”, explica Patrick Klugman, presidente do Conselho dos Estudantes Judeus da França. Este silêncio e esta redução da importância dos fatos, que vêm-se somando há um ano, provocam confusão entre inúmeros judeus, que constatam com amargura que, desde 11 de setembro, os responsáveis políticos não pararam de repetir que não se devia misturar o Islã com o islamismo. Por que, então, tais políticos não fizeram um esforço semelhante para anunciar que os judeus da França não deviam ser responsabilizados pelos acidentes na política israelense? Uma vez que o anti-semitismo se transformou e, cada vez mais, veste a máscara do anti-sionismo, suas origens se deslocaram da Europa para o mundo islâmico – que virou a fonte de uma nova onda de edições dos Protocolos dos sábios de Sion. “A luta contra o anti-semitismo, fixada no passado nazista há meio século, ficou adormecida nos discursos comemorativos e no pseudo anti-racismo, muito edificante e apropriado para as conferências internacionais consensuais. O que existe, realmente, é uma judeu-fobia de obediência islâmica, que parece ser ideologicamente inaudível”, explica Pierre-André Taguieff.
Os responsáveis pela comunidade judaica se apercebem, em suas discussões com os políticos, que muitos justificam seu silêncio na crença de “jogar óleo na fogueira” em certos subúrbios onde perderam a popularidade. E que outros parecem motivados pela preocupação de não descontentar uma população cujo peso eleitoral torna-se importante em certas jurisdições. “Como na França há 5 a 6 milhões de muçulmanos e apenas 600 mil judeus, é óbvio que a comunidade muçulmana é mais levada em conta”, declarou o Grão-Rabino da França, J. Sitruk. É verdade que um incidente recente no seio do Partido Socialista deu força a essa crença. Pascal Boniface, membro do PS e diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, em uma reunião a portas fechadas da comissão internacional do partido, sugeriu que, para obter em 2002 os votos da “comunidade árabe-muçulmana”, seria mais produtivo modificar a política oficial acerca de Israel: “Estou impressionado com o número de jovens muçulmanos franceses de origem magrebina, de todas as idades, que se dizem de esquerda mas que, em virtude da situação no Oriente Médio, se recusam a votar em Jospin para presidente”. Tal idéia se difundiu como um rastilho de pólvora entre as instituições judaicas.
Como reagir? As próprias instituições judaicas estão divididas: “A situação atual suscita reações contraditórias”, como explica Marc Knobel, também vice-presidente da Licra. “Há aqueles que começam a verdadeiramente entrar em pânico e a se “esquentar” e outros que tentam acalmar o jogo, enquanto outros tentam fazer de conta que não percebem o que está ocorrendo”. Mas o silêncio dos políticos os angustia e a crença de uma marginalização dá origem a duas atitudes opostas: a acentuação, por parte de alguns, de uma tendência de volta ao seio da comunidade (ao longo deste ano passado, verificou-se um aumento na busca por jornais e programas de rádio comunitários), enquanto outros, pelo contrário, insistem na armadilha da lógica comunitarista, ainda que eles mesmos tenham cedido à mesma, no passado.
Vários intelectuais – Shmuel Trigano, Alexandre Adler, Jacques Tarnero, Marc Knobel – criaram recentemente uma revista, Observatório do mundo judeu, cujo primeiro número foi consagrado a esse “blackout”, no qual procuram compreender as razões, com franqueza e autocrítica. Schmuel Trigano diagnostica uma “configuração social e política completamente nova” e o risco de uma oscilação simbólica na cidadania dos judeus”, na qual “a segurança torna-se problemática, sem que por esse motivo a sociedade civil manifeste reprovação e sem que o governo saia de sua aparente indiferença”. Segundo ele, este risco de “desnacionalização subreptícia da comunidade judaica” é resultante de uma instrumentalização perversa – e em parte consentida – da identidade judaica pela política da Frente Nacional de diabolização de Mitterrand, com fins eleitoreiros: “Data dessa época a famosa equação judeus = emigrados. Tal equação realizava, de fato, a síntese ideológica entre a figura do judeu, vítima da Shoá e de Vichy, e o emigrado, vítima do racismo e alvo da mira da Frente Nacional. Esses artigos, que rotulavam o judeu como emigrado absoluto, implicavam, no entanto, necessariamente, em um enfraquecimento de sua dignidade nacional: o judeu se tornava mais emigrado que todos os outros, o arquétipo do imigrante”.
Terrível armadilha: “Essa comparação com a ‘comunidade da imigração’ revela-se ilegítima no inconsciente coletivo, pois tira a ‘comunidade judaica” da legitimidade nacional, na qual conseguiu reconstituir-se após a guerra, para a inscrever no registro da vida em comunidade ou comunitarismo”. Isto, enquanto por outro lado “a posição do judaísmo na República Francesa em nada se compara à posição do Islã. O judaísmo, na verdade, atravessou em dois séculos um processo de modernização que o transformou profundamente, enquanto que o Islã jamais vivenciou algo parecido. Ademais, esse francês judeu assim “desnacionalizado”, que estava, cada vez mais, assimilando-se a Israel, desvia-se dessa rota, “estimulado por certas caricaturas publicadas no Le Monde ou Libération, representando o ‘malvado’ israelense como judeu ortodoxo, isto é, mais como judeu religioso do que como cidadão israelense, o que não é o caso dos judeus da França”, explica Sammy Ghozlan, presidente do Conselho das Comunidades Judaicas de Seine-Saint-Denis.
Esse “comunitarismo” dos judeus da França – que recebeu o reforço cúmplice de certas organizações judaicas que desejavam tal situação por motivos religiosos -progressivamente foi desenhando uma nova paisagem política que se tornou visível após a Guerra do Golfo, quando François Mitterrand felicitou as comunidades judaica e muçulmana por terem mantido a calma durante o conflito. Um tal novo tratamento público “não poderia deixar de suscitar o rancor e o ciúme entre os muçulmanos, que viam ser oferecido como modelo o exemplo dos judeus, a quem a sua herança cultural e religiosa via como uma minoria dominada do Islã, ainda para cúmulo identificada com Israel”, analisa Shmuel Trigano. Ele estima que os judeus da França foram freqüentemente utilizados como modelo de integração em virtude da incapacidade da sociedade francesa “de propor um pacto limpo e transparente à nova população de imigrantes: a entrada do Islã no pacto laico”. Segundo ele, uma vez mais os judeus da França tornam-se “os bodes expiatórios dos problemas não resolvidos pela sociedade francesa”.
“À luz dessa atualidade, o Observatório do mundo judeu traz à tona uma pesquisa realizada em 1996, com uma amostragem de jovens dos subúrbios, de 18 a 25 anos, com diploma universitário, militantes em associações anti-racismo. Esta pesquisa esclarece a concretização dos atos ocorridos anos mais tarde. Com base nos resultados, constatando uma “relação complicada e conflitante com o elemento judaico”, Jacques Tarnero diagnostica “também um conflito não resolvido, um potencial de violência contida, de ressentimento e frustração que se manifesta contra a França, contra o Ocidente, contra um mundo que não é o deles”. Esses jovens parecem-lhe vítimas de duas atitudes simultâneas: “A primeira, a rejeição ou a repressão; a segunda, a compaixão e a caridade revolucionária”, que “deixa tudo passar em nome da desculpa sociológica” e contribui “para desresponsabilizar os jovens, amarrando-os com um regulamento exótico”. Conclusão: “Em nome de um anti-Le Penismo de postura, somos impedidos de medir o racismo existente nos subúrbios. Em nome do politicamente correto, não quisemos considerar essa dupla atitude que faz com que possamos ser, às vezes, vítima do racismo e racistas, nós mesmos”.
Eric Conan
L’Express International
Edição nº 2631 – 6 a 12 dezembro de 2001
(traduzido por Lilia Wachsmann)